Drácus Dementer


Escrita porHels
Revisada por Natashia Kitamura


Capítulo 35

Tempo estimado de leitura: 14 minutos

  A porta velha de madeira é aberta pelo Padre Abel, que arrastava para dentro do quarto, malas que reconheço como sendo minhas, as que estavam na casa de vovó.
  Retiro a coberta do meu corpo, e me sento sobre a pequena cama.
  – Essas são as minhas malas. – Digo, assim que o Padre fecha a porta e deixa as malas em um canto do quarto.
  – Sim, fui até a casa da sua avó pegá-las. – Ele vem se sentar ao meu lado, sobre a cama.
  – Por quê? – Cruzo os braços, em um gesto para manter um pouco de contato, mesmo que próprio.
  – Porquê você vai ficar aqui, por enquanto.
  Franzo o cenho, confusa.
  – Não posso ir embora?
  – Claro que pode, mas antes temos que conversar. – Mesmo que seu semblante fosse sério, sua voz soava amena.
  Fico em silêncio por um tempo, e o Padre suspira, antes de estender sua mão e tocar minha bochecha.
  – Como você está hoje? Dormiu bem? Ainda parece um pouco avermelhado. – Ele passa suavemente seus dedos sobre minha bochecha, no exato local onde vovó acertou.
  Não dormi nenhum pouco bem, longe disso, na verdade, eu nem dormi, passei a noite inteira acordada nesse quarto, pensando e revivendo dentro da minha cabeça, tudo que aconteceu nas últimas horas.
  Apenas aceno em concordância para o Padre, que percebe que não estou falando a verdade.
  Ele suspira, outra vez.
  – Antes de te explicar, gostaria de saber tudo que aconteceu até o momento em que essa tatuagem apareceu em você. – O Padre coloca suas mãos sobre as pernas cobertas pela batina preta, observando-me com paciência.
  Respiro fundo, olhando para qualquer outro lugar do pequeno quarto de paredes acinzentadas de concreto.
  – Vovó estava certa... eu conheço alguns vampiros. – Meu lábio inferior treme, e eu quase não consigo continuar. – Demorei pra descobrir que eles eram vampiros, e quando isso aconteceu, quis ir atrás pra saber a verdade, já que ninguém nunca me contou. Então, um vampiro que eu nunca tinha visto antes... ele me atacou... – Engulo em seco, e depois aperto minha mandíbula, enquanto mexo meus dedos de maneira nervosa. – Mas eu havia levado uma seringa cheia de Erva-Verde, eu pensei que esse tipo de coisa poderia acontecer. Eu injetei nele, e depois voltei pra casa, e foi quando eu senti essa dor horrível nas costas e essa marca apareceu.
  Mesmo que agora eu esteja encarando a atadura em volta da minha mão esquerda, posso sentir o olhar do Padre sobre mim.
  – Você provavelmente o matou, Elena. Por isso, ganhou essa marca. – Ele suspira, pela terceira vez.
  Um pouco espantada, encaro o Padre, com meus os olhos arregalados.
  – E-Eu o matei...? – Minha voz sai trêmula.
  – Você estava apenas se defendendo, não estava? – Ele repousa sua mão sobre meu ombro, e aperta suavemente.
  De maneira fraca e sutil, assinto.
  – Nesse caso, ninguém pode te julgar por ter feito isso. – Ele sorri compreensível, tentando me confortar, mas meus olhos marejam do mesmo jeito.
  Outra vez, respiro fundo, puxando todo o ar pelo nariz e soltando pela boca.
  – Elena, preciso que preste atenção em tudo que eu vou te contar agora, tudo bem? – O Padre retira sua mão do meu ombro.
  Assinto, limpando o nariz com as costas de uma das mãos.
  – Para que você entenda, vou precisar falar de Vlad III, O Empalador. Esse homem foi um príncipe muito cruel, que tinha um desrespeito muito grande pela vida humana, ele não se importava em matar, torturar ou empalar quem quer que fosse. E acredite quando eu digo, esse homem deve ter sido uma das coisas mais perversas que já existiu nessa terra. – O Padre levanta o dedo indicador no ar, expondo algo de extrema importância.
  – E por ser tão ruim, ele acabou se tornando detestável com a maldição Draculea, sendo obrigado a vagar pela eternidade como uma criatura nem viva e nem morta. Mas seu maior castigo, seria ficar preso a todo o sangue que ele derramou durante sua vida inteira.
  O Padre suspira e, em seguida, nega com a cabeça.
  – Isso deveria ser uma maldição, e por mais que ele tenha ganhado algumas habilidades, elas estavam ali somente para que ele sucumbisse a loucura de não ser mais um humano, e tentasse acabar com sua própria vida, em um castigo eterno. Mas, infelizmente, não foi bem isso que aconteceu.
  – Escute, Elena, Vlad III era alguém terrivelmente péssimo enquanto humano, e quando se tornou o primeiro vampiro e Drácula, ele conseguiu ser muito, muito pior. Por mais que ser uma criatura, aparentemente, invencível, pareça sedutor, tudo tem um preço, e não poder respirar ou sentir as pequenas coisas de forma nada menos do que intensa, se torna uma verdadeira maldição. E Vlad III, teve isso. Com o tempo, ele percebeu que ser o único a ter vida eterna, e não poder mais fazer coisas simples, era como estar preso em algo terrível, e foi por isso que ele passou a descontar sua fúria nos humanos.
  – Um Drácula costuma ter muitas noivas e, consequentemente, muitos filhos, que tiveram filhos e assim por diante, e essa foi a maneira que Vlad III arrumou para não viver a eternidade na solidão. E dessa maneira, ele também acabou espalhando pelo mundo, os vampiros.
  – Um vampiro que vem diretamente da prole de Drácula, é um vampiro muito mais forte do que os outros, mesmo que todos sejam descendentes de Vlad III. E aqueles garotos que você conheceu na floresta, eles são filhos legítimos de um Drácula.
  Mesmo estando completamente imersa na história que Padre Abel estava me contando, não consigo conter minha surpresa.
  Isso parecia cada vez mais complexo e irreal.
  Após me dar alguns segundos para absorver as informações, Padre Abel continua com sua história:
  – Depois de Vlad III, muitos outros Dráculas vieram, e um em especial, a Condessa Meredith, parecia ser alguém tão ruim quanto Vlad III. Mas algo importante que você precisa saber, é que tudo tem um polo oposto, e o dos vampiros, são os Van Helsing, uma linhagem de humanos nascida unicamente para combatê-los.
  Sinto um pequeno friozinho na barriga. Ele estava falando da minha família.
  – Condessa Meredith foi o primeiro Drácula a ser morto por um Van Helsing. E se você for religiosa, vai saber que as pessoas boas alcançam o paraíso, e as más, o inferno.
  Meu friozinho na barriga, se estende como um longo arrepio na espinha.
  – Há muitos anos, antes mesmo dos vampiros, existiam criaturas chamadas de Dementadores, que vagavam pela terra. Essas criaturas sujas eram do tipo que se alimentavam da felicidade e vida humana e, por isso, foram banidas da terra, sendo rebaixadas a guiarem os mortos para o inferno.
  – Dementadores? – Pergunto, com os olhos arregalados. – Isso tem a ver com Dementer?
  Em silêncio, o Padre assente.
  – Quando Condessa Meredith morreu, um Dementador ficou encarregado de levá-la para o inferno, mas ela não queria morrer e, por isso, naquele momento, ela selou um acordo. A Condessa queria viver, e o Dementador queria poder voltar para terra, logo, eles se uniram, tornando-se uma só criatura.
  – Drácus Dementer. – Um lampejo clareia minha mente, me deixando completamente perplexa ao começar a juntar todas as pequenas peças dessa história.
  – Exatamente, um Drácus Dementer. Um tipo novo de vampiro muito mais poderoso que os outros, uma criatura que não precisava mais de sangue para sobreviver, e sim, de almas.
  – Será que... será que... os irmãos...? – Mesmo que eu mal conseguisse formular uma frase, Padre Abel assente, confirmando minha dúvida.
  Sinto todo meu corpo ficar leve, como se eu fosse arrancada desse mundo e tudo ao meu redor sumisse. Eu não podia acreditar, a cada minuto tudo se tornava ainda mais irreal.
  – Toda vez que um Drácula morre, Elena, um de seus filhos, e apenas eles, precisam sucedê-lo. Um Drácula para os vampiros, é como o Papa para nós da igreja católica, um líder que precisa existir. Durante a lua de sangue, a mesma lua que estava no céu na noite em que Vlad III recebeu a maldição de Draculea, o filho que mais tiver coletado almas no lugar onde o Drácula morreu, se tornará o novo líder dos vampiros.
  Exasperada, viro minha cabeça em direção ao Padre.
  – Um daqueles irmãos vai se tornar o novo Drácula? – Meu coração se agita.
  – Sim. – O Padre acena com a cabeça.
  – E quando é a lua de sangue? – Involuntariamente, arrasto meu corpo para mais perto do Padre, fazendo o robe branco que ele me emprestou noite passada, escorregar por um de meus ombros.
  – Ainda não temos certeza da data, mas, com certeza, será esse ano. Estamos trabalhando para descobrir o dia.
  Levanto as sobrancelhas.
  – Por isso, essa pequena capela está aqui em Upiór, Elena. É decretado pelo Vaticano, a instituição encarregada de gerenciar todos os humanos caçadores de vampiros e monstros, que haja uma igreja em todo lugar habitado por vampiros, para que possamos vigiá-los.
  – Caçadores de vampiros e monstros? – Encaro o Padre com atenção.
  – Como eu disse anteriormente, os Van Helsing nasceram unicamente para combater os vampiros e, ao longo dos anos, eles acabaram se filiando com a igreja católica em prol de manter os humanos seguros de qualquer ameaça. Com o tempo, humanos não nascidos Van Helsing também se juntaram a igreja, tendo em vista que os Van Helsing são uma espécie rara de humanos.
  – Juntos, lideramos em sua maioria por um Van Helsing, esses humanos são treinados pela igreja, e em segredo vagam por todo o mundo eliminando essas criaturas do inferno.
  – Padre, me responda uma coisa, o que o senhor sabe sobre Alter-ego? – Pergunto, à medida que consigo juntar mais pequenas peças de toda essa bagunça.
  O Padre me encara por alguns segundos, antes de responder.
  – Alter-ego é o lado caçador de um Van Helsing, Elena. Ele permanece adormecido dentro de você, e só é despertado quando o Van Helsing passa a ter contato direto com um vampiro. E creio que você tenha tido esse contato com o seu, não é? – Assinto para sua pergunta. – Geralmente, esses encontros com Alter-ego, são bem confusos, porque eles não sabem muito mais do que você, afinal, um Alter-ego é você, apenas com uma personalidade um pouco diferente.
  – Eu conheci o meu uma vez, e depois que essa marca surgiu nas minhas costas, ele apareceu outra vez e disse que agora somos um só.
  – Isso porque quando você mata um vampiro, acaba libertando esse seu lado caçador que estava adormecido e, com isso, é como se vocês se fundissem. Exatamente como seu Alter-ego disse, sendo um só.
  Então, quer dizer que tem outra versão minha morando dentro do meu corpo? Acho que isso explica porque eu agi daquele jeito com a Wendy; mas ainda parece confuso na minha cabeça.
  – Você tem mais alguma pergunta? – O Padre toca em meu ombro de novo, quando começo a mergulhar nos meus próprios pensamentos.
  – Uma vez, escutei uma história sobre uma briga por territórios que aconteceu aqui no vilarejo, eu não entendi muito bem, mas sei que foi há muitos anos atrás. E quando um daqueles irmãos-vampiros, apareceu lá na casa da vovó, ele falou alguma coisa sobre ela ter queimado o pai deles em mil novecentos e doze.
  O Padre fica em silêncio, e encara sua batina preta, pensador.
  – Um Van Helsing envelhece mais lentamente que um humano comum, e vive muito mais, também, e esse é o motivo da sua avó ter participado dessa briga entre vampiros e humanos, em mil novecentos e doze. Eu não estava vivo nessa época, mas pelo que li nos livros da igreja, essas criaturas do inferno estavam matando em excesso a nossa gente e, por isso, os humanos se rebelaram e tentaram matá-los, queimando aquela mansão na floresta. Henry Dracul III, o Drácula, morreu, e vários outros vampiros também, assim como humanos.
  – Mas como aqueles irmãos sobreviveram?
  – Parece que alguns vampiros, seguidores de Henry, conseguiram tirar os filhos dele da mansão, escondendo-os em algum lugar.
  – E eles voltaram porque um deles precisa ser o novo Drácula, e precisa colher almas no lugar onde o pai deles foi morto? – Me inclino um pouco para frente, ficando mais perto do Padre.
  – Sim.
  Isso tudo não parecia real.
  – Agora que você já sabe de tudo, podemos falar um pouco sobre a sua avó? – O Padre pergunta e, no mesmo instante, todo meu corpo se encolhe, e a perplexidade que eu tinha acerca dessa história, some.
  O Padre suspira, e coloca sua mão no topo da minha cabeça, como se eu fosse uma criancinha frágil.
  – Sua avó e sua mãe escolheram esconder tudo isso de você e sua irmã. Na realidade, as gerações mais antigas decidiram que não contariam nada, eles diziam que não queriam esse tipo de vida para os seus filhos e descendentes, e que se os mantivessem longe de vampiros, nunca despertariam um Alter-ego e viveram normalmente como um humano comum.
  – Nunca concordei com isso, os meus votos de Padre não me deixam mentir. Eu penso que se a verdade fosse dita desde o começo, muita coisa seria evitada, como essa situação, por exemplo. – O Padre, bate levemente a palma de sua mão contra minha cabeça, e me olha compreensível, quando percebe que meus olhos começam a marejar.
  – Não havia nada que eu ou qualquer outro pudéssemos fazer, essa era uma decisão da família.
  – Isso não passa de mentira. – Falo baixo, me sentindo amarga.
  O Padre comprime os lábios em uma linha fina, e afasta sua mão da minha cabeça.
  – Depois que Henry foi morto, a igreja acabou criando um tipo de acordo, onde, se os vampiros não invadissem o território humano, os humanos não invadiriam o território vampírico; isso deveria evitar uma matança como a de mil novecentos e doze. Mas estávamos suspeitando que os vampiros voltaram a atacar aqui no vilarejo.
  – Sua avó, sendo uma Van Helsing, estava à frente das investigações, por isso, ela viajava muito. Os vampiros estavam matando e deixando os corpos nos vilarejos vizinhos, para tentar tirar o foco do que estavam fazendo aqui em Upiór. Sua avó só estava tentando te proteger de tudo isso, ela nunca pensou que você ou sua irmã acabariam desobedecendo às ordens dela sobre ir até à floresta, ela confiou em vocês.
  – Ela disse que eu deveria morrer... me culpa por ter trazido os vampiros para Upiór. – Seguro as lágrimas, não querendo mais chorar.
  – Morgana nunca conseguiu lidar muito bem com seu Alter-ego, desde que a conheço, por muitas vezes, ela é um pouco descontrolada. Agia mais contida na sua frente, porque não queria te contar a verdade.
  Fico em silêncio, engolindo o choro, porque não importa o que o Padre me diga, nada vai me fazer esquecer o que vovó disse e fez.
  – Elena, o Vaticano monitora todos os humanos e, principalmente, os Van Helsing, por isso, tive que reportar o que aconteceu com você. Ter uma marca como essa é algo muito sério e, a partir de hoje, você precisa fazer uma escolha, porque a sua vida não pode ser mais como era.
  – Do que o senhor está falando? – Pergunto, começando a ficar temente.
  – Você tem duas opções, pode voltar para sua casa, sem poder contar para ninguém sobre tudo isso, enquanto será vigiada constantemente por alguém do Vaticano. Ou pode se juntar a nós, e nos ajudar a impedir que mais humanos sofram nas mãos dessas criaturas do inferno.
  Meus olhos se arregalam levemente, ao mesmo tempo que o encaro com espanto, me sentindo completamente zonza.
  – Eu sei que uma decisão dessas não pode ser tomada de uma hora para outra, mas precisamos da sua resposta até amanhã. Hoje você pode descansar e refletir e, se quiser, também pode conhecer o trabalho que fazemos aqui na igreja, ver um pouco de como cuidamos desses assuntos. Talvez te ajude. – O Padre se levanta, me oferecendo um sorriso amigável, antes de caminhar até à porta, me deixando sozinha para pensar.
  Atordoada, permaneço encarando a porta velha de madeira pela qual o Padre saiu, enquanto me pergunto no que a minha vida se transformou?

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