Drácus Dementer


Escrita porHels
Revisada por Natashia Kitamura


Capítulo 3

Tempo estimado de leitura: 23 minutos

  Na manhã seguinte, vovó não precisou nos chamar mais do que três vezes, conseguimos nos arrumar antes que ela se irritasse. Wendy é ainda mais preguiçosa do que eu, mas até ela se esforçou um pouco mais.
  Vovó precisou levar algumas das suas ervas para a loja, e por isso as colocou em uma cesta de vime. Eu aproveitei e enrolei um pedaço de torta em um pano de prato limpo, e coloquei na cesta também, me oferecendo para levá-la.
  O dia era ensolarado, menos quente que o anterior, mas, ainda sim, agradável. Vesti outra saia e a mesma blusa de mangas caídas, e assim, fui para a loja com Wendy e vovó.
  A manhã correu lenta e sem muito movimento na loja, e desta vez vovó passou a maior parte do tempo atrás do balcão, ajeitando cada uma das ervas em potes de vidros específicos. Wendy estava nos fundos, jogada no jardim em algum canto que tivesse sol.
  Esperei até o começo da tarde para ir atrás de minha irmã. E como suspeitei, ela estava sentada ao sol, ao lado de algumas mudas que indicavam "lírios rosas".
  – Eu acho que estou derretendo, Elena. – Wendy resmunga.
  – Então saia do sol.
  – Eu não posso, estou com muita preguiça. – Wendy diz arrastadamente, me fazendo revirar os olhos.
  – Preciso de um favor.
  – Um favor? – Seu corpo preguiçoso logo se mexe, e ela me olha curiosa.
  – Sem que a vovó percebesse, eu trouxe na cesta, um pedaço de torta, e bem... – Olho para o lado, meio sem jeito de falar. – eu gostaria de levar esse pedaço de torta para o Jimin, apenas pra agradecer pelas maçãs.
  Um grande sorriso malicioso se abre nos lábios de Wendy.
  – Jimin, huh?! – Ela cruza os braços, esticando suas pernas na grama cortada do jardim.
  – Não seja besta, eu já disse que só quero agradecer. – Bufo, um pouco incomodada com a infantilidade de minha irmã.
  – Tudo bem, tudo bem. Em que posso te ajudar, Eleninha?
  Meus olhos se estreitam, e Wendy encolhe os ombros com falsa inocência.
  – Distraia a vovó, não deixe que ela perceba que eu vou sair, não irei demorar. E se ela der por minha falta, diga que eu fui conversar com algum mercador, sei lá.
  – Ok. – Wendy se levanta, espreguiçando o corpo. – Vamos entrar, eu vou trazer ela aqui pro jardim e você vai. – Ela explica e eu assinto.
  Como minha irmã sugeriu, entramos outra vez, ela pediu que nossa avó a ensinasse a plantar flores, e vovó não poderia ter ficado mais animada.
  Esperei por alguns minutos, até me certificar que nenhuma das duas voltaria para o interior da loja, e com a minha confirmação, peguei a cesta de vime e saí da loja, sempre olhando para trás.
  Meus pés tocaram a terra seca do caminho da floresta, e olhei uma última vez para a entrada da loja de vovó, e com tudo calmo, comecei a andar pelo mesmo caminho de ontem.
  Mantive minha concentração alta, tentando me recordar de cada passo que dei, afinal, tudo aqui dentro era igual, árvores, mato, folhas e insetos, às vezes, até algum animalzinho pequeno, como coelhos brancos.
  Os passarinhos ainda pareciam cantar e o sol era aconchegante, iluminando o caminho que eu fiz até a grande e larga macieira.
  Paro em frente a árvore, pensando se deveria ou não continuar, já que não conhecia a floresta além deste ponto.
  – Procurando alguém?
  Salto em meu lugar, com um pequeno grito agudo que sai de minha boca. Aperto com força a cesta de vime, e me viro lentamente, encontrando o dono da voz que fez meu coração quase sair pelo peito.
  – Desculpe, eu não quis te assustar. – Jimin diz de forma calma.
  Ele usava as mesmas roupas de ontem.
  – Tudo bem, eu apenas não te percebi chegando. Você é muito silencioso. – Comento, enquanto tento acalmar as batidas do meu coração, que aos poucos, voltam ao seu ritmo normal.
  Jimin apenas sorri.
  – O que faz aqui de novo?
  – Estava te procurando. – Respondo, sem jeito.
  – Me procurando? – Ele arqueia as sobrancelhas, em surpresa.
  Conto mentalmente até três e me sinto uma idiota por estar tão nervosa, não há motivos.
  – Eu fiz uma torta com as maçãs que você me deu ontem, e trouxe um pedaço pra você, como forma de agradecimento. – Sinto minhas bochechas esquentarem.
  Os olhos de Jimin vão até à cesta que eu carregava, e outro sorriso surge nos seus lábios cheios e vermelhos.
  Estendo a cesta de vime em sua direção.
  – Você não deveria se preocupar. – Ele pega a cesta de minhas mãos. – Muito obrigado.
  – Acho que vou indo agora, você pode deixar a cesta na entrada da floresta que eu pego depois. – Com o polegar, indico o caminho atrás de mim, querendo escapar com pressa.
  – Não, fiquei e coma comigo. – Jimin se aproxima animado, mas eu recuo.
  – Eu comi muitos pedaços ontem. – Olho para os lados em busca de uma saída.
  – Por favor. – Seus olhos me encaram de forma profunda, quase que hipnotizante, e me sinto extremamente desconfortável com isso.
  Solto um curto suspiro.
  – Tudo bem, mas eu não posso demorar.
  Ele sorri satisfeito, e pede que eu me sente ao seu lado, debaixo da grande macieira.
  Na sombra, encostamos nossas costas contra o tronco grosso e marrom da árvore, e Jimin coloca a cesta de vime sobre seu colo, a abrindo com anseio. Ele retira, cuidadosamente, o pano de prato limpo de dentro da cesta, desenrolando-o em seguida e sorrindo assim que vê o pedaço bem cortado da torta.
  – Obrigado pela torta, irei comer agora. – Jimin me olha com os olhos pequenos, e depois volta sua atenção para sua torta.
  Parecendo ainda mais ansioso, ele leva o pedaço de torta até a boca, dando uma mordida. Seus olhos voltam a se arregalar, enquanto ele me encara outra vez.
  – Está boa? – Pergunto, encolhendo os ombros.
  – Está ótima! – Ele sorri.
  Jimin dá mais algumas mordidas na torta, e apenas com poucos segundos, ele consegue terminá-la.
  – Fazia tanto tempo assim que você não comia uma torta? – O encaro com espanto.
  – Não como a sua. – Ele dobra o pano de prato e coloca de volta na cesta, antes de me devolver.
  Pego a cesta de bom grado, me sentindo feliz por ter conseguido retribuir o que ele fez ontem.
  – Agora que você já comeu, eu preciso ir. – Me levanto, limpando de minha roupa, qualquer vestígio de terra ou folhas secas.
  – Tudo bem. Obrigado por ter vindo até aqui. – Jimin agradece, ainda sentado. Pelo jeito, ele passará algum tempo debaixo desta árvore.
  Sorrio fechado, dando um rápido aceno de cabeça, antes de me virar e começar a ir em direção ao caminho que me levaria de volta a loja de vovó. E junto ao barulho de meus passos pisando contra as pequenas folhas secas deitadas sobre o chão, a voz de Jimin se agrupa no que parecia ser uma alta sucessão de tosses.
  Curiosa, espio sobre meus ombros a tempo de ver Jimin se curvar para o lado, apoiando as mãos contra a terra e folhas secas, para assim, vomitar uma grande quantidade de sangue que chega a me assustar. Com os olhos arregalados, me viro em sua direção, segurando com forma minha cesta.
  Os dedos de Jimin apertam a terra e ele vomita mais uma vez, seus braços fraquejam, fazendo com que seu rosto atinja o chão, sujando grande parte de sua pele pálida e roupas, com o próprio sangue.
  Solto a cesta, e corro em sua direção, me agachando e tentando levantar seu tronco. Jimin aperta os olhos, e uma expressão de dor preenche cada canto de seu rosto, algumas poucas linhas de sangue ainda escorriam para fora de sua boca.
  – Jimin, o que houve?! – Pergunto desesperada, o segurando pelos ombros para que não caia outra vez, mas seu corpo era mole, sem qualquer força.
  Ele não consegue responder, e seus olhos parecem pesados, quase se fechando.
  Minha respiração se torna acelerada e olho para os lados, em busca de uma saída.
  – Você consegue me mostrar onde fica a sua casa? – Seguro seu corpo com mais força quando ele cambaleia para o lado. Meu pé esquerdo escorrega no sangue, e me desequilibro, batendo o joelho na terra e sujando boa parte de minha canela, com sangue.
  Com a mão trêmula, Jimin aponta para a direita, indicando a continuação do caminho da floresta. Eu nunca segui deste ponto, mas não posso deixá-lo desse jeito.
  – Eu vou te levantar agora. – Aviso, e depois, passo um e meus braços por de baixo dos seus, de modo que ele possa se apoiar em mim.
  Jimin deixa seu braço esquerdo sobre os meus ombros, agarrando com força meu ombro esquerdo também. Forço minhas pernas e, aos poucos, vou me levantando e levantando Jimin junto, que com sua mão livre, se apoia no tronco da árvore. Cambaleamos um pouco e, novamente, piso sobre o sangue no chão, mas consigo manter o equilíbrio.
  Lentamente, de maneira que não o prejudicasse, nós dois começamos a andar, seguindo em frente. O caminho era fechado nos lados apenas por grandes e altos ramos de flores, deixando a parte de cima aberta para a entrada do sol. Também haviam algumas viradas, mais de uma opção de caminho, e como Jimin não dizia nada, apenas decidi seguir reto.
  Eu sentia que o garoto que se apoiava em mim, ia perdendo mais suas forças cada vez mais em cada passo que dávamos.
  – Por favor, não desmaie. – Peço, em tom baixo, com uma prece.
  Olho para o lado, checando Jimin, que tinha sua cabeça tombada para frente.
  Respiro fundo, fazendo uma pequena pausa para poder ajeitá-lo melhor. Depois, continuamos a seguir em frente, e eu podia perceber o esforço que o Jimin fazia para conseguir andar. Mas, por sorte, eu consigo avistar o final do caminho de arbustos, apenas mais alguns passos, longos passos.
  Tento aumentar um pouco o ritmo de nossa caminhada, e depois de alguns minutos, finalmente saímos dos arbustos, entrando no que parecia ser um enorme jardim de uma mansão ainda maior. Flores de todos os tipos, mas apenas nas cores vermelho e preto, estavam bem distribuídas pelo jardim, uma fonte com uma gárgula enfeitava ao centro e alguns caminhos cimentados seguiam até a entrada da mansão.
  – Essa é sua casa? – Pergunto para Jimin, que não responde, ele nem ao menos podia levantar sua cabeça.
  Respiro fundo pela segunda vez, e passo pelos portões dourados abertos da mansão, escolhendo o caminho cimentado da direita, deixando algumas pegadas sujas de sangue para trás. O corpo de Jimin parece mais pesado agora, e preciso me esforçar para nos levar até a entrada da mansão muito bem detalhada e cheia de janelas.
  Paro em frente aos cinco degraus largos que nos levariam até porta, e penso em como farei para subir com Jimin. Sem muita escolha, tento subi-lo, mas não conseguimos passar nem do primeiro degrau, já que Jimin está muito fraco, e em nossa falha tentativa, acabamos caindo sobre os degraus. Me certifico de que ele não se machucou, e depois o deito nos degraus, subindo sozinha, correndo até a grande porta entalhada de madeira.
  Procuro por alguma campainha, mas a única coisa que vejo é uma aldraba de metal pendurada ao lado direito. Então, seguro na argola presa e pesada, e com o auxílio das duas mãos, bato ela incessantemente contra a madeira da porta, até que ela se abra.
  Apenas uma pequena fresta mostrava o interior escuro da mansão, e quando penso em entrar, a porta é aberta um pouco mais, revelando a imagem alta de um garoto de cabelos escuros e pele pálida. E assim como Jimin, ele tinha lábios volumosos e avermelhados, e usava roupas pretas.
  Seus olhos castanhos varrem todo meu corpo, provavelmente analisando o sangue seco que me sujava.
  – Em que posso ajudar? – Ele pergunta, com uma voz impassível, segurando o batente da porta.
  – Por favor, o Jimin, ele não está bem! – Minha voz era exasperada, enquanto eu apontava para trás.
  O garoto parado na porta, muda sua expressão, parecendo confuso.
  – Ele está aqui! – Sem esperar por alguma resposta sua, corro de volta até os degraus.
  O garoto vem logo atrás de mim, descendo cada degrau de forma lenta. Ele se agacha ao lado do corpo, agora, desacordado, de Jimin, e o encara por alguns segundos, fazendo todo o meu desespero aumentar por ele não fazer nada.
  Ele suspira e toma o Jimin em seus braços, subindo os degraus. E mesmo sem o conhecer, o sigo para dentro da mansão, onde passamos por um hall de entrada repleto de quadros antigos, depois saindo direto em um espaço aberto, onde ao fundo e no meio de duas escadas curvadas que levavam para outro andar, havia uma grande porta de madeira.
  O garoto vira à direita, entrando em uma sala que parecia do tamanho da minha casa. Com Jimin no colo, ele caminha até um espaçoso e grande sofá, o deitando ali.
  Ele se afasta de Jimin e caminha para fora da sala, passando por mim como se eu não estivesse ali. Olho para o garoto desacordado, que arfava e suava muito, e sem saber o que fazer, acabo seguindo o garoto desconhecido outra vez.
  Imitando cada um de seus passos, passo outra vez pelo espaço aberto, seguindo reto e indo até à entrada da esquerda, a cozinha. Tudo nessa mansão era grande, com muitos enfeites e objetos espalhados, o ar era de antiguidade, como se eu tivesse entrado em outro século.
  Sem se importar com a minha presença, o garoto vai em direção a parte dos armários com portas de vidro, e pega uma pequena caixinha quadrada. E por mais que eu estivesse afastada, consigo enxergar através do vidro muito bem limpo, pequenos potes transparentes distribuídos pelas prateleiras de dentro do armário, onde, em cada um havia um pequeno morcego morto, parecendo dormir dentro do líquido que o imergia até a tampa escura.
  Mesmo estando com uma sensação ruim ao ver os morcegos, continuo acompanhando os movimentos do garoto, que depois de procurar por uma chaleira, caminha até a pia atrás de água, em seguida, despejando o conteúdo da caixinha dentro da chaleira. Depois, ele fica parado em frente ao fogão acesso que trabalhava para ferver o conteúdo da chaleira. Seu corpo alto cobre parcialmente meu campo de visão, ele era como uma estátua, não se mexia.
  Sem jeito, mas me sentindo preocupada por Jimin, dou alguns passos pela cozinha, me aproximando com cuidado do garoto de costas largas.
  – Você poderia me dizer se ele vai ficar bem? – Receosa, pergunto, segurando minhas próprias mãos em nervosismo.
  O garoto de cabelos escuros olha para o lado e sorri para mim.
  – Não se preocupe. – Ele diz de forma mais gentil do que antes.
  Aceno e depois encaro o chão.
  – Eu não sei o que aconteceu, eu apenas dei um pedaço de torta de maça pra ele, e então ele começou a passar mal. – Solto um suspiro, triste.
  – Você deu torta de maçã para ele? – O garoto pergunta, e eu volto a encará-lo.
  – Sim. Ontem ele me deu algumas maçãs, e disse que fazia tempo que não comia uma torta feita com elas, por isso eu fiz. Trouxe um pedaço para agradecê-lo. – Confesso, me sentindo, de alguma forma, culpada pelo que aconteceu.
  A chaleira começa a apitar no mesmo instante que o garoto começa a rir.
  – Jimin ficará bem, ele deve ter passado mal porque comeu muito rápido. Ele não tem jeito. – O garoto retira a chaleira do fogo e a leva até o balcão escuro, pegando uma xícara branca logo depois, e despejando o conteúdo vermelho dentro da porcelana.
  – O que é isso? – Me aproximo dele, de novo, que me espia de conto de olho.
  – Erva-De-Sangue, isso vai ajudar o Jimin a ficar melhor. – Ele termina de encher a xícara.
  – Erva-De-Sangue? – Pergunto, espantada com a coloração que a água ficou.
  – Sim. Tem esse nome porque as folhas dessa erva são vermelhas e deixam o chá parecendo sangue. – Ele olha em volta, indo até um pequeno pano branco deixado ao lado da pia. – Agora, vamos dar isso ao Jimin.
  Ele caminha com a pequena xícara de porcelana em mãos, refazendo o mesmo caminho de antes até a sala.
  – Você pode levantar a cabeça dele um pouco, por favor? – Ele pede, se aproximando do sofá, sentando-se na borda.
  Assinto, e caminho até Jimin, ficando de pé perto do braço do sofá, onde, com cuidado, levanto a cabeça do garoto desacordado.
  O garoto alto toma uma expressão séria e apoia o pano branco que trouxe, debaixo do queixo de Jimin, para depois, levar a xícara até sua boca, tentando fazê-lo beber. Alguma quantidade de chá escorre pelas bordas dos lábios de Jimin, mas ele parece tomar tudo que pode. Por fim, o garoto alto limpa Jimin, pedindo que eu deite sua cabeça outra vez.
  – Você é amigo dele? – Pergunto, observando atentamente o semblante de Jimin ficar mais relaxado, enquanto sua respiração de instabiliza.
  – Sou o irmão mais velho dele. – Ele sorri, antes de se levantar e sair com a xícara e o pano sujo, me deixando sozinha com um Jimin meio acordado e meio desacordado.
  Silenciosamente, espero até que o irmão mais velho de Jimin retorne, e enquanto isso, encaro seu semblante, torcendo para que aquele chá possa o fazer melhor. Talvez a culpa fosse minha, mas eu ainda não posso entender, todos na casa de vovó comeram a minha torta, e apenas Jimin passou mal. Não é normal vomitar sangue apenas por comer, não é? Eu realmente não sei.
  – Quem é você? – Uma voz masculina, de tom frívolo, me faz afastar do sofá onde Jimin estava.
  Olho para a minha direita, encontrando um garoto de pele pálida e cabelos brancos, parado ao lado da enorme lareira de pedra, ao fundo da sala.
  Por onde ele pode ter entrado, se não há nenhuma porta ali?
  – E-Eu... Elena, meu nome é Elena. – Me sinto ameaçada diante de seu olhar que parecia tão intenso como a lâmina de uma faca.
  – Eu não conheço nenhuma Elena. – Seu tom de voz fica mais baixo, e ele começa a se aproximar de mim, me deixando ainda mais nervosa com sua presença.
  – Yoongi, não assuste nossa convidada. Elena é uma amiga de Jimin. Ele passou mal e ela o trouxe aqui. Então seja um pouco mais gentil.
  Me assusto pela segunda vez, ao escutar a voz do irmão mais velho de Jimin soar atrás de mim. Eles são como o vento, se aproximam tão silenciosamente que não notamos.
  – Eu estou preso nessa porcaria de lugar, sem poder sair, gentileza é a última coisa que você vai ter de mim. – O tal Yoongi rebate, mostrando todo seu desprezo e desinteresse.
  Com seus cabelos brancos e finos lábios avermelhados, Yoongi enfia suas mãos para dentro das roupas pretas e sai da sala, nem se dando ao trabalho de checar se Jimin estava bem.
  – Desculpe meu irmão, às vezes ele pode ser um pouco irritante. – O irmão mais velho de Jimin, diz, de forma suave.
  – Tudo bem, mas o que ele quis dizer com estar preso aqui dentro?
  O garoto de cabelos pretos e traços sutis, sorri.
  – Temos muitas coisas para fazer na mansão, então quase não temos tempo para sair. – Ele explica. – Aliás, acho que ainda não me apresentei, eu sou o Jin. Muito prazer em te conhecer, Elena, e obrigado por ter trazido meu irmãozinho.
  Sorrio fechado, um pouco sem jeito. Eu não sou como Wendy, que faz amizades com facilidade, sempre levei um tempo para me sentir confortável na frente de desconhecidos.
  – Vocês são em três irmãos então? – Pergunto, me sentindo curiosa a respeito disso.
  – Somos oito irmãos, acho que você já conheceu o Hyun, ele e Jimin já haviam me contado sobre você e outra garota. Talvez sua irmã? – Ele estreita os olhos de forma divertida, tentando adivinhar.
  Assinto, confirmando, e ele parece satisfeito com isso.
  – Hyun... o garotinho da bola vermelha?
  Jin acena positivamente.
  – Bonito anel.
  Franzo o cenho, confusa, e ele aponta para minha mão direita. Olho para o meu dedo médio, vendo a pequena pedra preta. Esse foi um presente de minha mãe, Wendy tem um igual, ganhamos há tanto tempo e nossa mãe sempre fez tanta questão que nunca tirássemos ele, que às vezes até esqueço que uso esse anel.
  – Obrigada, foi presente da minha mãe.
  – Hm, um anel de família então. Eu também tenho um, na verdade, todos nós. – Jin me mostra sua mão direita, onde um anel de pedra vermelha estava em seu dedo médio, assim como o meu. – Está vendo essa cor? É sangue, nosso pai nos entregou esses anéis com seu próprio sangue dentro.
  Arregalo os olhos, o encarando espantada e Jin acha graça.
  – Estranho, eu sei. Mas é de família, então não posso jogar fora. – Ele explica, mas não digo nada, e acabamos no silêncio.
  – Eu preciso ir agora. – Digo, pouco à vontade com tudo isso.
  – Eu te acompanho até a porta. – Jin diz, e toma a frente.
  Olho uma última vez para Jimin, vendo que agora ele parecia mais relaxado.
  Depois disso, Jin e eu saímos da sala, passando pelo espaço aberto e depois pelo hall, tudo em silêncio. Observei com atenção todos os quadros antigos pendurados nas paredes do hall, a fotografia era velha e as roupas que vestiam não era de minha época, mas o curioso mesmo, era que algumas das pessoas nas fotos se pareciam muito com os que já conheci dessa mansão aqui. Talvez alguns ancestrais.
  – Venha nos visitar quando quiser. E mais uma vez, muito obrigado por ter ajudado o Jimin. – A voz de Jin me faz voltar para a realidade. Ele estava parado ao lado da porta aberta.
  – Não foi nada. – Curvo minha cabeça rapidamente, em um aceno, e me apresso a sair da mansão.
  Já do lado de fora e um pouco curiosa, espio sobre os meus ombros, mas a porta já estava fechada.
  Solto um suspiro e desço os degraus largos, me apressando ao sair do jardim da mansão, e voltando pelo menos caminho que vim. Ao passar em frente a macieira, ainda era possível ver os vestígios do sangue de Jimin, agora mais viscoso e escuro, sobre à terra.
  Apanho a cesta de vime que larguei no chão, e uso o pano de prato que trouxe para poder limpar minhas pernas sujas com o sangue seco. Depois, ando calmamente para onde sabia que me levaria para fora da floresta
  O sol era fraco e a tarde dava sua última aparição.
  Avisto a pequena loja de vovó e caminho até a entrada, tudo era vazio, mas pude escutar a voz de Wendy vinda da parte detrás. Deixo a cesta sobre o balcão e espio da porta, colocando apenas minha cabeça para fora. Vovó explicava alguma coisa sobre como colocar a semente corretamente na terra e Wendy apenas mexia a cabeça, como se estive entendendo tudo.
  Os olhos de minha irmã desviam da terra esburacada, como se sentissem a minha presença, e Wendy olha em direção a porta. Sibilo um "cheguei" para ela, que acena positivamente, se mostrando aliviada.

***

  Depois de arrumar uma desculpa qualquer para vovó, dizendo que eu apenas aproveitei o pouco movimento da loja para caminhar pelo vilarejo, nós acabamos voltando para casa.
  A noite chegou tranquila e nós três tivemos um bom jantar, regado a conversas desinteressantes que às vezes gostávamos de ter. E depois de lavarmos a louça para que a cozinha ficasse organizada, acabamos por receber uma visita; o vizinho de vovó, Sebastian, que a convidou para um chá da noite. A princípio, ela recusou, mas depois de nossa insistência, ela acabou aceitando. Isso seria bom para vovó, ela apenas vive nesta casa ou em sua loja, passar algum tempo com alguém da sua idade a faria bem.
  Depois que vovó saiu, Wendy e eu subimos para o quarto, ela queria saber sobre todos os detalhes da minha tarde com Jimin, e eu me estressava apenas por lembrar.
  No corredor para nosso quarto, acabamos avistando a última porta, a que ficava na parede de frente para a entrada do corredor. Wendy não se conteve e correu até a porta que guardava a escada para o sótão. Não pude me conter também e me juntei a Wendy. Nós duas subimos as escadas gastas, que nos levaram até o sótão iluminado pela luz que vinha da pequena sacada.
  Nada parecia ter mudado por aqui, ainda havia uma cama com lençóis limpos, uma penteadeira e alguns caixotes que deviam carregar coisas sem utilidades. O teto inclinado estava enfeitado por algumas teias de arranha, e as costinhas gastas da sacada iam até o chão, deixando a barra em cor de poeira.
  – Isso é tão nostálgico. – Wendy cantarola, abrindo a porta de correr da sacada, deixando o vento da noite entrar. – Lembra como costumávamos ver as estrelas daqui com o vovô? – Ela segura no batente de madeira da sacada pequena, que cabia apenas duas pessoas adultas por vez.
  Assinto, olhando para o céu, que parecia muito mais bonito visto daqui. Este ponto da casa de vovó era o mais alto, por isso, dava a impressão de que poderíamos tocar as estrelas, assim como nos fazia sentir que estávamos bem acima do vilarejo, tendo uma vista ainda mais privilegiada e ampla de tudo que Upióir oferecia.
  – Agora, me conte tudo que você fez hoje. – Wendy se vira para mim, sorrindo enquanto espera que eu comece a falar.
  Solto um suspiro cansado.
  – Tudo bem, mas depois vamos dormir.

Capítulo 3
0 0 votos
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Todos os comentários (0)
×

Comentários

×

ATENÇÃO!

História NÃO RECOMENDADA PARA MENORES ou PESSOAS SENSÍVEIS.

Esta história pode conter descrições (explícitas) de sexo, violência; palavras de baixo calão, linguagem imprópria. PODE CONTER GATILHOS

O Espaço Criativo não se responsabiliza pelo conteúdo das histórias hospedadas na sessão restrita ou apontadas pelo(a) autor(a) como não próprias para pessoas sensíveis.

Você não pode copiar o conteúdo desta página

0
Adoraria saber sua opinião, comente.x