Drácus Dementer


Escrita porHels
Revisada por Natashia Kitamura


Capítulo 19

Tempo estimado de leitura: 11 minutos

  – Esse calor está insuportável. – Wendy resmunga, abanando de um lado para o outro em frente ao seu rosto, um leque improvisado de papel.
  Acabo concordando com minha irmã.
  Olho para a porta aberta da loja, enxergando os iluminados raios de sol do lado de fora. Mesmo longe, eles pareciam tão quentes quanto o ar seco e abafado que produziam.
  – Talvez eu pudesse comprar alguns sorvetes, o que acha? – Pergunto e os olhos de Wendy ficam grandes.
  – É uma ótima ideia! – Sua voz se torna animada e alta, como um pedido implorado por aquilo.
  – Certo, então tome conta de tudo, eu não vou demorar. – Sem me importar de tirar o avental sobre meu vestido fresco, procuro por algum dinheiro antes de sair da loja.
  O lado de fora era cinco vezes mais quente, e toda vez que os raios de sol tocavam minha pele, eu sentia que poderia derreter.
  Com uma das mãos sobre os olhos, improvisando uma viseira, caminho pelas ruas de ladrilho, podendo enxergar melhor por conta da sombra de minha mão, mas o sol batia diretamente em suas costas, me fazendo sentir a pele esquentar mais do que eu gostaria.
  As cigarras em estavam por toda parte, cantarolando a canção do sol, com certeza, mais animadas do que qualquer um de nós ao receber esse calor.
  Sigo pelo caminho que aprendi a fazer durante os últimos dias, e depois de passos lentos e quentes, eu quase corri para debaixo do pequeno toldo listrado, quando avistei a pequena loja do qual Wendy e eu sempre comprávamos comida quando passávamos o dia na loja.
  Fico alguns segundos parada debaixo do toldo tentando me recompor do calor, antes de entrar pela porta branca que estava aberta. Inspiro tudo que posso quando sinto o ar gelado do lado de dentro da loja, agradecendo por este lugar estar mais fresco que do lado de fora.
  – Elena! Bom dia! – A mulher com o cabelo ajeitado em um coque bem puxado e em roupas de calor, me recebe com um grande sorriso.
  – Bom dia, Cora. – Sorrio de volta e passo em frente ao balcão que ela limpava com o auxílio de um pano.
  – O que vai ser hoje?
  – Soverte. – Respondo, parando em frente ao freezer que armazenava diversos sabores do doce gelado que seria a minha salvação nessa manhã calorosa.
  – Os sorvetes estão vendendo muito bem nos últimos dias. Toda noite antes de dormir, eu sempre preparo mais uma remessa deles, pois sei que no dia seguinte irá fazer esse calorzão danado.
  – Por favor, continue fazendo muitos sorvetes. – Suplico em meu calor e Cora ri.
  Depois de escolher dois sabores de sorvete, os levo até o balcão, onde pago o devido valor para Cora, que me oferece uma pequena sacolinha para carregar o sorvete de Wendy.
  – Cora, você pode me responder uma coisa? – Abro meu sorvete, dando a primeira chupada no doce gelado, que quase me faz suspirar.
  – Claro, o que seria? – A mulher sorri outra vez, fazendo algumas pequenas regas ao redor de seus olhos, se tornarem visíveis em pequenas linhas.
  – O que você sabe sobre Upiór? Ultimamente eu tenho escutado algumas histórias do que aconteceu nesse vilarejo há tempos atrás. – Tomando meu sorvete, encaro com curiosidade a mulher de cabelos presos.
  Por alguns segundos ela pensa, mas logo volta a passar o pano sobre o balcão.
  – Hum, Upiór tem muitas histórias, lendas que ninguém sabe se é verdade. Nós temos muito disso por aqui, não é algo com que você deva se preocupar.
  Parece que quando o assunto é saber a verdade sobre o que aconteceu nesse lugar, todas as respostas somem.
  Sabendo que não conseguiria nada além disso e, também, antes que o sorvete de Wendy derreta, resolvo deixar esse assunto para lá, por enquanto. Me despeço da mulher de cabelos presos, agradecendo pelo sorvete.
  Mesmo debaixo do sol quente, tento ser rápida ao voltar para loja, temendo pelo sorvete de Wendy, que poderia facilmente virar água com todo esse calor.
  E ao retornar para a loja, percebo que havia uma nova cliente. Wendy conversava com ela, enquanto a garota de longos cabelos escuros que iam até sua cintura, permanecia imóvel com seu corpo magro e vestido rosa, em frente ao balcão.
  Fico parada na entrada da loja, tendo, outra vez, aquela estranha sensação de déjà vu.
  Wendy nota minha presença e se inclina para o lado para poder me ver. Ela faz um gesto de mão para que eu me aproxime.
  – Bom dia. – Cumprimento a cliente, me aproximando dela.
  A garota vira sua cabeça em minha direção e sorri, piscando algumas vezes seus grandes olhos azuis.
  Quase tropeço no ar ao reconhecê-la como a garota da igreja e nova amiga de Jimin.
  – Ela veio aqui fazer uma encomenda de ervas, mas é muita coisa. – Wendy explica.
  – Quanto seria? – Pergunto, parando ao lado da garota de olhos azuis, tentando parecer normal.
  – Dez dúzias de todas as suas ervas. – Ela responde com um sorriso.
  Franzo o cenho, um pouco espantada.
  – Me desculpe se eu parecer indelicada agora, mas por que você quer tantas ervas? – Olho séria para Wendy, que também não parecia entender essa encomenda.
  – Eu sou uma artista e gosto usar flores e plantas nas minhas pinturas, isso deixa elas mais realistas. Costumo pedir grandes encomendas para o caso de errar ou não gostar de alguma das minhas pinturas. Nós precisamos ser prevenidos. – Ela ri sozinha.
  – Bem... eu não sei se temos tanto assim. Mas se você quiser, pode voltar amanhã. Nós duas falaremos com a nossa avó, que é a dona da loja, e veremos o que podemos fazer pela sua encomenda. – Sorrio educadamente, e ela assente.
  – Tudo bem, eu voltarei amanhã. – Ela nos encara com seus grandes olhos azuis, e depois se vira, indo até à saída da loja.
  – Isso foi estranho. – Comento com Wendy, quando tenho certeza que a garota já foi embora.
  – Contanto que ela nos pague, eu não vejo problema. – Wendy dá de ombros, e caminha para o lado direito do balcão, procurando por alguma coisa nas prateleiras.
  – Se vendermos tudo isso pra ela, a loja ficará sem nada.
  Wendy puxa de umas das prateleiras do balcão, um regador cinza.
  – O que você vai fazer?
  – Se vamos vender tanto assim, precisamos cuidar do jardim. E com esse calor, as plantinhas devem estar sofrendo mais do que a gente. – Wendy responde, e vai em direção à porta aberta do jardim.
  – O seu sorvete, Wendy. Acho que já derreteu. – Vou atrás de minha irmã, carregando a pequena sacola branca.

***

  – Finalmente vamos pra casa. Eu preciso de um banho. – Alongo meus braços, sentindo toda a preguiça correr meu corpo.
  – Eu também. – Wendy tranca a porta da loja, guardando a chave em seu bolso traseiro.
  – Vamos? – Faço um gesto de mão para que ela me siga, mas Wendy fica parada perto da porta e encara a floresta. – O que foi?
  Seus olhos encontram os meus, se tornando brilhantes, e sei que ela está prestes a me pedir algo.
  – Nos últimos dias a comida da vovó não tem me feito bem, e eu quase não como nada. – Ela suspira falsamente. – Você poderia colher algumas maçãs e fazer uma deliciosa torta para sua irmã mais velha. – Wendy abre um grande sorriso.
  – Não inventa, Wendy. Eu quero ir pra casa. Meu corpo inteiro está grudando.
  Wendy junta as mãos como se fosse rezar, e começa a piscar seus olhos.
  – Por favorzinho, Eleninha. Eu estive tão mal nos últimos dias. – Ela arrasta as letras de sua fala como se fosse uma criança.
  Me sentindo cansada, suspiro alto.
  – Por favor.
  A encaro seriamente.
  – Tudo bem, mas não saia daqui. – Alerto, e Wendy dá alguns pulos de alegria.
  Completamente sem vontade, caminho até a entrada da floresta, agradecendo pelo sol estar se despedindo e tornando o ar menos quente.
  Com passos apressados, tento ser rápida ao alcançar a macieira. Sendo guiada pelo canto das cigarras. E assim, caminho até à grande árvore que projetava uma grande sombra no chão de terra e mato.
  Uma mão pequena e de dedos finos apanha uma das maçãs caídas no chão, e sua dona estava agachada nos joelhos, fazendo as pontas de seus longos cabelos roçarem contra à terra seca.
  Como se soubesse que eu estava ali, os dedos finos soltam a maçã e os olhos grandes e azuis olham em minha direção. Em seguida, a garota se levanta, passando a mão pelo vestido rosa, tirando a poeira seca. Ela sorri e aponta com o dedo indicador para o caminho de arbustos, correndo em direção a eles logo depois.
  Sem entender o que estava acontecendo, eu apenas sinto que deveria segui-la, mesmo que fosse irracional, mas nada parece racional agora, definitivamente não parece.
  Encaro o céu de fim de tarde, e tomo coragem para começar a andar até o caminho de arbustos. Em meu primeiro passo para dentro do caminho fechado, vejo a imagem sorridente da garota de olhos azuis, que rodopia e volta a correr.
  Preciso deixar meus passos ágeis e rápidos para acompanhá-la, que acaba entrando no caminho que estive apenas uma vez, quando Jimin me levou até aquele estranho festival. Por um segundo, êxito em segui-la, já que era um caminho do qual eu não tinha familiaridade, mas eu ainda sentia que devia fazer isso, então, sigo o meu intuito agora.
  A princípio, ela traceja pelo mesmo caminho que passei com Jimin, mas depois entre no meio das árvores altas, saindo da pequena trilha no chão.
  A essa altura, eu tive que me render e literalmente correr atrás da garota, que a cada passo se aproximava mais do que parecia ser uma pequena ribanceira.
  Seus passos param rente à beirada da ribanceira, onde ela perde alguns segundos encarando o que poderia ter no final do buraco. Depois, ela se vira de costas para a ribanceira e me encara tão profundamente que me sinto hipnotizada pelo azul de seus olhos.
  Seus lábios finos e sem cor sorriem para mim, como uma despedida e, nesse momento, sou capaz de entender o que estava prestes a acontecer. A garota de olhos azuis abre os braços no ar, fazendo seus longos cabelos e vestido rosa balançarem com o vento que vinha da direção contrária.
  Meus olhos se arregalam e sinto meu interior se revirar. Desesperada, corro em sua direção na esperança de impedir que ela faça o planeja, mas já era tarde demais, eu cheguei tarde demais, e tudo que tenho agora é a imagem do seu corpo caindo de costas para dentro da ribanceira, sendo engolida pelo ar que passava por seu corpo magro.
  Nossos dedos se tocam brevemente, quando ela estende sua mão em direção à minha, embora o sorriso no seu rosto nunca tenha sumido. Minha tentativa de agarrá-la e impedi-la é falha, mas ela não parece chateada ou desesperada, na verdade, a aura deste momento desesperado é completamente insana. Seus olhos azuis me observam como um falcão, e a ribanceira cede, fazendo meu pé encontrar o ar e vento que vinha do buraco. Meu corpo se desequilibra e é completamente puxado para baixo, me tornando companhia da garota de olhos azuis. Ele cai em queda livre, tornando cada uma das pedras no final do desfiladeiro, meu descontrole.
  Mal tenho tempo de pensar no que estava acontecendo, já que o barulho do corpo da garota de olhos azuis batendo contra as pedras é o suficiente para me fazer fechar os olhos em horror.
  No segundo seguinte, sinto o impacto doloroso contra meu corpo. E agora, minha respiração era falha e agoniante, onde eu precisava colocar muita força em meus pulmões para conseguir inspirar o mínimo de ar que podia, trazendo com isso, o chiado que meus pulmões produziam.
  A minha cabeça estava pesada e molhada, e a minha coxa ardia tanto que eu queria chorar, mas até isso parecia doloroso agora. Com as mãos trêmulas, levo uma delas até minha coxa e, tateando com a ponta dos dedos, sinto um corte profundo o bastante para enterrar meus dedos.
  Meu peito subia e descia freneticamente em uma busca desesperada por ar, enquanto meus olhos eram tão pesados como toneladas. E com muito esforço, consigo abri-los em uma pequena fresta, enxergando tudo embaçado, mas o suficiente para ver o corpo magro e ensanguentado que estava caído a poucos metros de mim, corpo este que não se movia.
  A garota de olhos azuis estava morta e, provavelmente, eu seria a próxima.

Capítulo 19
0 0 votos
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Todos os comentários (0)
×

Comentários

×

ATENÇÃO!

História NÃO RECOMENDADA PARA MENORES ou PESSOAS SENSÍVEIS.

Esta história pode conter descrições (explícitas) de sexo, violência; palavras de baixo calão, linguagem imprópria. PODE CONTER GATILHOS

O Espaço Criativo não se responsabiliza pelo conteúdo das histórias hospedadas na sessão restrita ou apontadas pelo(a) autor(a) como não próprias para pessoas sensíveis.

Você não pode copiar o conteúdo desta página

0
Adoraria saber sua opinião, comente.x