Capítulo 17
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– Wendy, terminei! Você já pode vir limpar tudo! – Grito da cozinha, enquanto tampo o pequeno pote quadrado que guardava meia dúzia de bolinhos de Erva-Verde.
– Pronto, está feito. – Coloco as mãos sobre a cintura e sorrio minimamente, me sentindo aliviada por finalmente ter feito isso.
Procuro por meu celular, que deixei sobre a mesa, checando no visor que já marcava quase seis horas.
Limpo as mãos – com quase imperceptíveis resquícios de farinha – no avental em torno da minha cintura, e depois desato o nó que o prendia ao meu corpo, dobrando a pequena peça florida e, em seguida, a deixando sobre a pia.
Caminho até a saída da cozinha e vou direito para a sala, onde encontro Wendy jogada no sofá, mexendo em seu celular, com a televisão ligada de fundo. E sem que minha irmã perceba, puxo uma das almofadas na direção contrária, e a solto sobre sua cabeça.
Wendy forma um bico em seus lábios e me olha com desagrado.
– Não me escutou falando com você, não? Já pode ir lavar a louça, Wendy. – Bato, levemente a ponta de dois dedos contra sua testa, e ela retorce o rosto em uma careta, logo depois afastando meus dedos e tapando sua testa com a própria mão.
– Por que eu preciso lavar a louça? – Com um tom de voz indignado, Wendy se levanta do sofá em seu pijama roxo-claro e branco.
– Porque eu fiz os bolinhos. – Levanto as sobrancelhas e respondo o óbvio que talvez não seja assim tão óbvio para Wendy.
– E por que precisamos levar esses bolinhos para o padre? – Ela espreguiça o corpo, ainda segurando o celular em uma das mãos.
– Você sabe que a vovó pediu, agora vai lavar a louça. Eu preciso tomar banho e depois que terminar, você faz o mesmo. Não vamos nos atrasar muito, senão a vovó vai ficar irritada. – Respondo - pela milésima vez naquela dia - a mesma coisa.
Escutando os resmungos de Wendy, saio da sala e vou em direção às escadas, subindo os degraus com os pés cobertos por meias listradas. No andar de cima, vou direto para o meu quarto, onde separo uma roupa limpa e decente para ir até a capela; depois, pego tudo que preciso para um banho.
Retiro minhas roupas do dia e ligo o registro do chuveiro, fechando os olhos enquanto sorrio aliviada ao sentir a água quente abraçar meu corpo. Tentando não molhar o cabelo, desvio a cabeça da água corrente e das gotas teimosas que pingavam para alguns lados todas às vezes que se chocavam contra o meu corpo.
Quando finalizo meu banho, enrolo meu corpo úmido em uma tolha seca e volto para o quarto. Caminho até a janela e arrasto uma brecha da cortina para o lado, observando o céu limpo ganhar um tom escuro.
Depois de perder alguns segundos olhando através do vidro limpo da janela, me afasto e começo a secar meu corpo, em seguida, vestindo roupas limpas. Procuro por um par de sapatos confortáveis e, por fim, arrumo o meu cabelo, a tempo de ver Wendy entrar no quarto, já tirando suas roupas e as jogando sobre o chão.
Nego com a cabeça em desaprovação, recolhendo cada peça de roupa que minha irmã deixou pelo caminho, como uma pequena trilha que levava até a porta do banheiro.
Saio do quarto e volto para o primeiro andar, especificamente para a cozinha, em busca do celular que deixei sobre a mesa. Pego o aparelho e encaro o visor que agora marcava seis e meia. A foto de fundo era nova, Wendy praticamente me obrigou a colocá-la, onde tudo se resumia a ela sorrindo para a lente da câmera. E no celular de minha irmã, havia uma foto minha, uma espécie de combinação de wallpaper, ou qualquer bobagem que ela tenha dito enquanto me importunava para fazer isso.
Essas fotos foram tiradas há três dias, exatamente quando Wendy e eu saímos com as pessoas da mansão, para uma noite um tanto quanto conturbada. Desde então não vi mais nenhum deles, nem mesmo Jimin apareceu na loja. Talvez ele esteja me esperando, querendo sua blusa de frio de volta, mas a verdade é que, eu me sinto tão pequena depois de o que aconteceu, toda aquela situação com Taehyung, e saber como Amia podia ser tão cruel. Eu não posso dizer isso em voz alta, mas, ao mesmo tempo que eu gostaria de ir até à mansão, me sinto receosa.
Acho que não tenho olhos para encarar essa situação.
Suspiro alto e guardo o celular no bolso traseiro de minhas calças. Olho em torno da cozinha limpa por Wendy, antes de caminhar para perto da pia, procurando sobre a pequena marretinha rente à janela, o anel que eu havia tirado por um segundo, depois de perceber que ele juntava uma grande quantidade de massa durante o preparo dos bolinhos.
Vasculho entre os temperos bem organizados, mas não encontro meu anel. Franzo o cenho e olho em volta, procurando por outros lugares na cozinha, mas ele parecia simplesmente ter sumido.
– Será que eu levei pro quarto e não me lembro? – Pergunto para mim mesma, saindo da cozinha e voltando para o andar de cima.
Retorno ao quarto, escutando o chuveiro de fundo. Dou algumas batidas na porta do banheiro e peço para Wendy se apressar, e depois começo a procurar por meu anel no meio das minhas coisas. Quase reviro cada roupa, sem sucesso.
Agachada ao lado da cama, me levanto e mordo o interior da boca, pensando em qual lugar eu deixei esse bendito anel. Minha mãe me deu ele, tem um grande valor sentimental, não posso perdê-lo como Wendy fez com o dela.
Solto outro suspiro e decido procurar mais uma vez no guarda-roupas, remexendo entre roupas, acessórios, produtos de pele e qualquer coisa entre o meu anel e seu esconderijo.
Me sinto frustrada por não conseguir encontrá-lo e, por isso, acabo abrindo o lado de Wendy do guarda-roupas, apenas como uma opção a mais. E não preciso vasculhar por mais de alguns segundos para encontrar meu anel enterrado entre alguns vestidos seus. Chego até mesmo a conferir a marcação no fundo do anel, com uma pequena letra “E”, que diferenciava o meu anel do da minha irmã.
Um pouco confusa, puxo o objeto do meio dos vestidos e fecho o guarda-roupas.
– Terminei. – Wendy cantarola alto, saindo do banheiro sem roupas e secando seus cabelos molhados na tolha branca.
Ela para ao meu lado e procura por algumas roupas.
– Hm, Wendy... por que meu anel estava nas suas coisas? – Pergunto, a fazendo parar de mexer em suas roupas para me olhar com o cenho franzido.
Ela olha do anel em meus dedos, para mim.
– Eu guardei pra você, ele estava jogado lá na cozinha. Fiquei com medo que pudesse perder o seu também. – Ela sorri e volta a mexer em suas roupas, puxando uma blusa amarela do meio das peças dobradas.
– Eu só achei um pouco estranho ele estar escondido no meio das suas coisas. – Rio baixo, tentando amenizar tudo isso.
– Ele não estava escondido, Elena. – Wendy rebate, enquanto veste sua blusa, sem se preocupar em vestir um sutiã. – Eu devo ter colocado ele aqui por acaso.
– É, você está certa. – Aceno com a cabeça e forço um sorrio. – Se apresse, já estamos atrasadas.
***
Quando Wendy finalmente fica pronta, nós duas seguimos para a loja de vovó, que já nos esperava com impaciência. Ela fechou a loja, encerrando todas as atividades do dia, e durante nosso caminho até a capela, vovó enfatizou inúmeras vezes que Wendy e eu teríamos que trabalhar na loja no dia seguinte, já que tivemos o dia de folga para que eu fizesse os bolinhos para o padre.
Caminhando debaixo de um enfeitado céu estrelado e tempo agradável, nós três traçamos as ruas de ladrilhos, acenando educadamente para cada morador que nos cumprimentava pelas calçadas, andando com seus amigos ou família.
Não demorou até que estivéssemos em frente à pequena capela, onde algumas pessoas se alternavam entre entrarem e saírem pela porta dupla de madeira.
Com o seu crucifixo pendurado ao redor do pescoço, vovó pede para que a seguíssemos em silêncio, respeitando o local; e assim o fizemos. Com o número considerável de pessoas, nós nos camuflamos entre elas, entrando no lugar sagrado.
O ambiente era pouco iluminado, enquanto passávamos por entre o corredor no meio dos bancos largos, onde alguns rezavam sentados e outros ajoelhados, adornados com véus em suas cabeças e crucifixos em suas mãos.
Em silêncio, observo cada detalhe da capela que, mesmo sendo pequena, era realmente acolhedora, deixando as pessoas confortáveis para externalizarem sua fé. Não importa quantas vezes eu entre nesse lugar, acho que sempre vou observar as duas fileiras de bancos largos de madeiras, os vitrais coloridos, o grande altar no fundo e a imponente cruz pregada no alto da parede.
Talvez eu tenha imergido demais nestes detalhes, pois acabo chocando meu corpo com o de uma garota de longos cabelos escuros, que cobriam boa parte de seu rosto com o véu branco e um pouco transparente, o que me possibilitou ver os grandes orifícios azuis que eram seus olhos.
Me desculpo e a garota sorri como se não fosse grande coisa, depois passa ao meu lado usando um longo vestido branco, indo em direção à saída da igreja. Observo por alguns segundos seu corpo pequeno e franzino se movimentar em passos calmos, fazendo as pontas de seus cabelos acompanharem o balanço, assim como o crucifixo enrolado em torno da sua mão esquerda. E com a barra de seu vestido quase tocando o chão, ela deixa a capela.
– O que você está fazendo? Vamos. – Wendy arrasta o som do “O” em sua última palavra, de maneira baixa, e segura em minha mão, me puxando para frente para que alcançássemos vovó que, por sinal, já estava diante ao altar elevado, conversando com uma figura vestida em uma batina preta.
Humildemente, minha irmã e eu nos aproximamos.
– Minhas netas. Mas o senhor já as conhece. – Vovó aponta com a mão livre em nossa direção.
O padre, que estava parado em seu lugar com as mãos em frente ao próprio corpo, na altura do ventre, sorri gentilmente.
– Sejam muito bem-vindas de volta à casa do Senhor, o lugar onde vocês podem deixar todos os seus pecados para trás. – Com um olhar manso, o padre mantém o sorriso.
E sem saber o que eu deveria responder para ele, me contento em sorrir de volta, e Wendy faz o mesmo.
– Veja, padre, vim até a capela para fazer minha reza, mas também vim trazer isso. – Vovó estende a sacola branca em direção ao padre, que mesmo sorrindo, a encara com confusão.
– Minha neta, Elena. – Vovó aponta para mim. – É uma ótima cozinheira, e ela mesma criou essa receita de bolinhos doces feitos com Erva-Verde, o senhor vai adorar.
O padre me encara.
– Erva-Verde? Nós adoramos Erva-Verde por aqui, será um prazer compartilhar esses bolinhos com os meus irmãos de fé. – De forma educada, o padre pega a sacola das mãos de vovó. – Elena, muito obrigada pelo seu esforço, nós o apreciamos muito.
– Não foi nada. – Coloco as mãos para trás do corpo, sorrindo genuinamente por este senhor de cabelos quase brancos, ser alguém tão simpático. Até mesmo sua fala soa simpática, tão calma e suave.
– Eu adoraria mostrar a capela para vocês duas, mas, infelizmente, é uma humilde capela pequena que só se dá para mostrar o que os seus olhos alcançam. – Segurando a sacola branca com as duas mãos, o padre sorri sem mostrar os dentes.
– Não tem problema, senhor padre. Acho que já vimos todas as partes da capela da outra vez que viemos. – Wendy fala ao meu lado e o padre ri.
– Apenas padre Albert, por favor. Bom, vou deixar vocês à vontade, preciso cuidar dos interesses da capela. Sintam-se em sua própria casa, já que a casa do Senhor é a casa de todos.
Com um gesto educado de cabeça, o padre se afasta, indo em direção ao pequeno confessionário.
– Vamos fazer uma reza e depois eu levarei vocês para comerem em algum lugar. Está uma noite muito bonita, devemos aproveitar. – O humor de vovó parecia completamente revitalizado agora.
***
Soando de certa forma engraçado, Wendy e eu havíamos nos ajoelhado diante de um dos bancos de madeira, enquanto rezávamos ao lado de vovó, que parecia saber muito bem fazer isso.
Mesmo que nossa mãe tivesse o costume de ir na igreja aos domingos, ela nunca nos obrigou a isso e, por este motivo, Wendy e eu não somos as pessoas mais espirituosas do mundo, então nossa reza foi rápida. Eu me contentei em agradecer por coisas normais, talvez o que todo mundo agradeça em uma reza: obrigada por mais um dia, pela comida, pela saúde, entre outras necessidades básicas de se ter uma vida.
Abro os olhos algumas vezes para espiar vovó, mas ela parecia ter muito o que pedir, então acabo trocando meio olhar aberto com Wendy, que mesmo sem dizer nada, é capaz de me fazer rir de nossa situação não habitual.
Depois de nossas rezas, para finalizar nosso dia tranquilo, vovó nos levou até um pequeno restaurante de três meses, que servia uma deliciosa comida caseira. E assim, nós três encerramos nossa noite ao redor de muitas conversas e risadas nostálgicas de memórias.
A noite estrelada do lado de fora alertava o dia – provavelmente – ensolarado que acordaria na manhã seguinte, tornando tudo aconchegante para nós três. E embolando seu crucifixo nos pontos traçados de seu xale vermelho, vovó o retira, deixando a peça de roupa sobre uma das cadeiras vazias do pequeno restaurante. Em seguida, ela vira parcialmente seu corpo para pedir para uma das garçonetes nos trazer mais uma rodada de refrigerante.
– Acho que nunca vou me acostumar com o fato de que a senhora tem uma tatuagem nas costas. – Wendy apoia o rosto entre as mãos entrelaçadas, enquanto encara a pele clara de vovó que, em certas partes, eram pintadas pelo preto.
Um grande desenho do que parecia uma sombra de um pássaro ou talvez morcego, preenchia o centro de suas costas, com uma grande estaca em formato de cruz como segundo plano, bem ao centro do desenho, como se acertasse o animal. Enquanto muitos riscos pareciam sair da suposta estaca, traçando quase que todas as partes de suas costas. E mesmo que eu pudesse ver apenas algumas partes do que o vestido de alças finas de vovó não cobria, eu sabia de cor cada traço da tatuagem, afinal, minha mãe tinha uma idêntica.
– Eu era nova e imatura, não faria isso de novo se pudesse voltar no passado. – Vovó vira seu corpo para frente, se sentando corretamente na cadeira.
– Vovó era uma rebelde, isso sempre soa engraçado pra mim. – Wendy ri, e vovó a acompanha.
– Sobre o que é isso, vovó? – Pergunto, sempre me sentindo curiosa quando o assunto era essas tatuagens.
– De uma banda qualquer da minha época, tolice de adolescente. – Vovó suspira de forma exagerada.
– Se a nossa mãe também tem uma dessas, nós deveríamos fazer também? – Wendy olha em minha direção com as sobrancelhas levantadas em animação.
– Não. Vocês não precisam disso. Elizabeth só fez aquela tatuagem para me irritar. – O tom de voz de vovó fica um pouco mais alto, enquanto ela abana a mão de um lado para o outro no ar.
– Sinceramente, irritar a própria mãe fazendo uma tatuagem idêntica a dela, isso é doideira, mas rende uma ótima história. – Wendy continua rindo.
Vovó pega seu xale de volta, cobrindo seus ombros e costas outra vez.
– Você nem imagina.
