Capítulo 1
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– Chegamos! – A voz animada de minha mãe, faz com que eu olhe para frente, emergindo minha atenção da bela paisagem da qual eu observava através da janela do carro.
Seu sorriso era largo. Ela estava animada por nos trazer até o pequeno Vilarejo de Upiór, onde minha avó morava, depois de longos anos.
– Acorde sua irmã, vou pegar as malas lá atrás. – Ela aponta para fora, e eu assinto, assim, a fazendo sair do carro logo em seguida.
Quando a porta do carro é fechada, olho para a minha direita, encontrando Wendy totalmente desajeitada sobre o banco do carro. Seu corpo e cabeça estavam inclinados, seus olhos fechados, e ela ressonava baixo.
– Você sempre dorme nas viagens. – Suspiro ao encarar o rosto desacordado de minha irmã. – Vamos, acorde, Wendy. Nós já chegamos.
Levo minhas mãos até seus ombros e começo a chacoalhá-los, até que, de forma lenta, Wendy comece a abrir seus olhos, os coçando logo depois.
– O que foi? – Sonolenta, ela pergunta, completamente desnorteada.
– Nós já chegamos. – Repito, levando minha mão até a porta do carro para abri-la.
Coloco meus pés para fora, tocando o chão cimentado, e a primeira coisa que me recebe em um abraço gentil, é a suave brisa da noite que se estendia por minha cabeça. O céu rasgado de estrelas, era bonito, emoldurando o pequeno Vilarejo de Upiór.
Alguns poucos minutos bastaram para que a porta da casa em que estacionamos na frente, se abrisse, revelando a figura animada de minha avó.
Em seu vestido longo, de cor azul-escuro com algumas flores, ela vem apressada até a calçada, fazendo seus cabelos longos e brancos balançarem, acompanhando a brisa suave.
– Eu escutei o barulho do carro. – Vovó diz, assim que alcança a calçada.
– Oi, mãe. – Minha mãe, cumprimenta, terminando de pegar as malas e fechar o porta-malas.
– Vovó. – Uma Wendy, ainda com vestígios de sonolência, diz, assim que sai do carro.
– Como vocês duas estão? Wendy, venha aqui. – Vovó pede, sorridente, e Wendy se aproxima.
Somos envolvidas em um abraço caloroso, e não posso evitar de sorrir também.
– Estamos bem, e a senhora? – Pergunto, assim que nos afastamos.
Ela segura em nossas mãos.
– Estou ótima, criança.
Outro sorriso doce.
– Vão ajudar Elizabeth. Depois subam e escolham os quartos de vocês.
Wendy e eu apenas assentimos, indo pegar as malas que estavam com nossa mãe. Depois, saímos na frente, andando até a entrada da casa de vovó. A luminosidade de dentro era forte, parecia que todos os cômodos do primeiro andar estavam acessos.
Entre alguns resmungos de Wendy, subimos as escadas de madeira, que rangiam debaixo de nossos pés, até que estivéssemos no segundo andar.
– Eu vou ficar aqui. – Anuncio, parada a porta do quarto que escolhi.
– Eu também. – Wendy diz, parada a poucos passos de mim.
Coloco minha mala no chão, e a encaro com as sobrancelhas arqueadas.
– Escolha outro, Wendy. – Falo séria.
Wendy enruga o rosto em uma careta, e segura em minha mão direta com suas duas mãos.
– Mas eu quero ficar com você, Elena. Você sabe que eu tenho medo do escuro, não posso dormir sozinha. – Ela resmunga como se fosse apenas uma criancinha.
Solto um suspiro.
– Você dorme sozinha lá em casa, Wendy. – Rebato, firme.
– Exatamente. Lá na nossa casa, mas aqui não é a nossa casa. – Seus olhos se tornam grandes, como se ela me contasse uma coisa assustadora.
– Você já tem vinte anos, precisa superar esse seu medo idiota. – Com a voz derrotada, e sabendo que não tinha chances de ganhar uma discussão com a Senhora Medo Do Escuro, apenas pego minha mala e entro no quarto que eu escolhi e, que agora, terei que dividir com Wendy.
– Não seja chata, Eleninha. – Wendy diz, logo atrás de mim, arrastando sua mala para dentro do quarto.
Olho sobre meus ombros, encarando Wendy seriamente sobre este apelido, ela sabe que eu não gosto que me chamem assim. E, por sua vez, Wendy apenas sorri cinicamente, não se importando.
O quarto era iluminado pela luz que vinha da janela aberta. As cortinas claras, também abertas, balançavam bem vagarosamente, deixando que a brisa suave entrasse no quarto, tornando o ambiente mais agradável.
– O que nós vamos fazer por três semanas? Não tem muita coisa por aqui. – Wendy senta sobre sua mala, e me encara com expectativa.
– Eu não sei.
Fico pensante por alguns segundos, tentando encontrar alguma solução para o nosso pequeno problema, mas nada me vem em mente. Upiór é um pequeno vilarejo afastado de tudo, na verdade, quase não é conhecido, e todos aqui vivem de forma simples e pacata, não acho que seja o lugar favorito dos jovens.
Wendy e eu ficamos nos encarando por longos segundos, como se com isso, a solução fosse surgir magicamente. Mas a única coisa que obtivemos, foi o grito de nossa avó, pedindo que descêssemos.
Depois de deixar nossas malas largadas em qualquer canto, apenas descemos, como vovó pediu. E assim que chegamos na cozinha, nossa mãe estava sentada em das cadeiras ao redor da mesa, tomando uma grande xícara de chá, já nossa avó enchia mais duas xícaras com um líquido verde.
– Venham tomar um pouco de chá. – Nossa mãe pede, indicando as cadeiras vagas.
– Eu estou bem. – Wendy levanta as mãos em frente ao corpo e as abana, enquanto sorri forçada.
– Ora, venham, não façam essa desfeita com a vovó. – Depois de encher as xícaras, nossa avó leva as mãos até a cintura, nos olhando com falsa severidade.
Seguro no pulso de Wendy e a puxo para perto das cadeiras.
Ocupando meu lugar a mesa, encaro a xícara cheia do líquido que fumegava.
– É chá do quê? – Pergunto, segurando a xícara com cuidado, aproximando-a de meu rosto.
– Erva-verde. – Minha avó, responde.
– Esse é o nome? – Cheiro o conteúdo da xícara, com alguns pequenos pedaços de ervas boiando sobre o líquido.
Vovó apenas acena positivamente.
Espio de rabo de olho minha irmã, que fazia uma careta ao bebericar seu primeiro gole de chá.
– Quando vocês eram crianças, adoravam minhas ervas. – A dócil mulher de longos cabelos brancos diz, um pouco desapontada.
– Acho que meu gosto para chás pode ter mudado um pouco. – Wendy coloca a xícara sobre a mesa outra vez, desistindo de tomar o chá de erva-verde.
Nossa mãe ri, observando tudo com divertimento.
– E como estão as coisas por aqui, mãe?
– Calmas, como sempre. Já tem anos desde que algo agitado aconteceu nesse vilarejo, Liz. – Vovó responde.
– Assim é melhor. – Com um último gole, minha mãe termina seu chá. – E a sua loja?
– A senhora ainda tem a loja de ervas, vovó? – Com curiosidade, Wendy encara a mulher que estava de pé.
– Sim, mas agora vendo flores também. Minhas ervas são medicinais, e como esse é um vilarejo tranquilo, quase ninguém precisa delas, por este motivo resolvi vender flores também, isso sim me dá algum dinheiro.
– Então, por que não vende apenas flores? – Pergunto, e depois, dou meu primeiro gole no chá-verde, contendo uma careta com o amargor do gosto.
– Oras, eu adoro cultivar minhas ervas, faço isso porque gosto, assim como vender flores. É algo apenas para preencher meu tempo. – Ela explica, com um grande sorriso de orgulho e olhos brilhantes.
– Bem, acho que vou indo. – Minha mãe se levanta da cadeira em que estava.
– Não quer passar a noite, Liz? Já está tarde.
– Não posso, mãe, amanhã tenho uma reunião de trabalho, preciso voltar hoje. – Nossa mãe se aproximar de Wendy e eu, nos dando rápidos beijos no topo de nossas cabeças. – Sejam boazinhas com a vovó. – Ela sorri, acenando uma última vez, antes de deixar a cozinha.
– Crianças, subam e vão tomar um banho, logo começarei a preparar o jantar. – Vovó anuncia, e arrastadamente, nos levantamos também, para fazer o que ela pediu.
***
Depois de banhos relaxantes, de vestirmos pijamas quentes e de arrumarmos nossas coisas, Wendy e eu descemos para o primeiro andar, em direção à sala, onde esperamos por nossa avó, sentadas no carpete marrom-claro e macio.
– Quer assistir alguma coisa? – Wendy pergunta, enquanto zapeia os canais de televisão.
– Nada especial. – Respondo, me ajeitando melhor sobre o carpete, enquanto encosto minhas costas contra o sofá para poder responder as mensagens em meu celular.
– Oh... olhe só isso, Elena.
A voz animada de Wendy, me faz tirar os olhos da tela do celular.
O rosto de minha irmã tinha uma expressão animada; os olhos levemente arregalados e um sorriso nos lábios.
– O quê? – Franzo o cenho, e depois olho para a televisão, onde passava algum documentário no Discovery.
– Estão falando sobre criaturas sobrenaturais, acho que vampiros.
Wendy se aproxima mais da televisão, totalmente concentrada no homem de barba, que contava sobre a primeira vez em que encontrou um vampiro. O fundo preto e a música de suspense, até poderia fazer com que alguns telespectadores ficassem com medo. O homem de barba falava com tanta intensidade que quase me fazia acreditar no seu suposto encontro com o vampiro.
– Uma vez assisti o documentário deles sobre sereias, até vídeos delas eles tinham. – Wendy me olha com espanto, e quase reviro os olhos, achando graça em como ela acreditava fácil nessas coisas.
– É tudo mentira, Wendy. – Arqueio as sobrancelhas, e ela me olha feio, como se me repreendesse.
– O que é mentira?
Sobressalto em meu lugar, quando escuto a voz de minha avó ecoar pelas paredes da sala. Ela entrava no cômodo segurando uma grande bandeja com três vasilhas em cima.
– É tudo mentira, mas você ficou com medo, huh?! – Wendy caçoa, com os olhos estreitos.
– Do que vocês estão falando? – Vovó coloca a bandeja cuidadosamente em cima da pequena mesinha de centro, feita em madeira.
– Esses documentários do Discovery, Wendy acredita em todos eles, agora é com vampiros. – Respondo, sem interesse.
Percebo que vovó rapidamente fica com a postura rígida, e desvia seu olhar, sorrindo forçado.
– Não seja boba, criança. Vampiros não existem. – Em meio ao riso nervoso, vovó limpa várias vezes suas mãos no avental em torno de sua cintura.
Wendy dá de ombros, desligando a televisão.
– O que a senhora fez? – Minha irmã se aproxima da mesinha de centro, espiando dentro das vasilhas redondas.
Encaro por mais um tempo minha avó, achando estranho seu repentino comportamento apenas por um documentário mentiroso.
– Canja de galinha, me lembrei que vocês adoram. – Aos poucos, ela parece se recompor.
– Agora você acertou. – Com os olhos grandes, Wendy pega uma das vasilhas, assim como os talheres ao lado.
– Espere, coloque isso em cima. – Vovó pega a vasilha do meio, a menor, e posso ver que nela contém algumas ervas-verdes cortadas em pedaços pequenos.
Wendy faz uma careta, mas estende sua vasilha em direção à nossa avó, que salpica um pouco da erva sobre a canja. Em seguida, ela faz o mesmo com a segunda vasilha redonda, e me entrega.
Com o auxílio da colher, misturo a canja e a erva, enchendo uma grande colherada e a levando até a boca. Espero pelo gosto amargo de antes, mas para minha sorte, apenas sinto o delicioso sabor da galinha.
– Isso não te lembra os velhos tempos, Elena? – Wendy pergunta, vindo se sentar ao meu lado.
Sorrio fechado.
– Sim. Quando nós três e o vovô passávamos algumas noites aqui na sala. – Comento, cheia de nostalgia.
– As histórias sobre as criaturas da floresta que ele nos contava... a senhora não gostava. – Wendy solta uma gargalhada alta, enquanto segura sua vasilha.
– Claro que eu não gostava. – Vovó faz uma expressão séria, e começa a se aproximar da lareira, onde alguns porta-retratos estavam espalhados. – Ele inventava aquelas histórias bobas e depois vocês não conseguiam dormir. – Vovó pega um dos porta-retratos, um com a foto de nós quatro juntos.
– Acho que eram histórias sobre vampiros. – Comento, pensativa, tentando me lembrar.
– Por muito tempo eu não gostava nem de passar perto da floresta. – Wendy diz, levando sua vasilha até a boca, virando-a e tomando o resto da canja.
– Seu avô era um bobo. – Vovó comenta, com um sorriso triste no rosto enquanto encarava a foto. – Eu sinto tanto a falta dele.
Se para nós já era difícil lidar com a morte de nosso avô, para vovó deveria ser muito mais.
– Me sinto solitária sem ele.
Olho para Wendy, que também tinha um semblante triste. Ela se levanta e vai até nossa avó, a abraçando.
– Não se preocupe, nós viremos mais vezes, assim a senhora não vai se sentir tão sozinha. – Minha irmã diz, e vovó sorri, encostando sua cabeça contra o ombro dela.
– Obrigada, meninas, mas não precisam se preocupar com essa velha aqui.
Me sinto mal pelas palavras de vovó, e nem mesmo sua deliciosa canja, tenho vontade de terminar, apenas coloco minha vasilha de volta sobre a mesinha de centro, e me levanto também, indo até as duas.
– Não fale assim. – Peço, gentilmente.
Me junto ao abraçado delas, tentando, de alguma forma, consolar a dor de nossa avó.
***
Quando toda nostalgia foi embora, nós três tivemos uma agradável conversa, que não durou muito, já que o sono preencheu cada uma de nós. Wendy e eu nos despedimos de vovó e fomos até nosso quarto para descansar um pouco, já era quase um novo dia.
– A noite parece tão agradável, eu queria poder sair um pouco, Elena. – Wendy se aproxima da janela aberta, se escorando no batente.
– Pensei que estivesse com sono. – Me junto a ela, sendo recebida pela brisa da noite que embolava nossos cabelos.
– Eu estou, mas a noite está tão bonita que me faz ter vontade de sair. – Seus olhos castanhos estavam presos na paisagem do lado de fora.
Várias casinhas se espelhavam pelo vilarejo repleto de lamparinas, e claro, ao fundo era possível enxergar a grande floresta verde, das histórias de nosso avô.
– É melhor irmos dormir agora. Talvez a gente saia outro dia.
Dou uma leve batida no ombro de minha irmã, e depois ando em direção à cama, puxando o edredom branco para baixo e me enfiando no meio dele. Espero até que Wendy se junte a mim, para que assim, eu possa fechar meus olhos e ter um sonho tranquilo na minha primeira noite em Upiór.
