Drácus Dementer: Lycanthrope


Escrita porHels
Revisada por Natashia Kitamura


Capítulo 32

Tempo estimado de leitura: 12 minutos

  Dentro do pequeno banheiro sujo, iluminado por uma luz fraca que pendia no teto, encaro o meu reflexo no espelho trincado e manchado. Meu rosto estava sério, mas eu ainda conseguia enxergar o medo dentro das minhas íris escuras, que tremiam um pouco. Os meus lábios pintados por um batom vermelho, como se fosse um alerta de sangue, estavam fechados em uma linha reta e fina. E, especialmente hoje, eu estava pálida como se fosse um vampiro.
  Respiro fundo e passo minhas mãos cobertas pelas luvas pretas de couro, pelo casaco igualmente preto e de botões que eu usava. Em torno do pequeno cinto de couro preto com uma ponta fina de metal, sobre o casaco e ao redor da minha cintura deixando-a bem marcada, checo as duas estacas de pratas que prendi ali, me certificando de que elas não cairiam. Presas dentro das mangas largas do casaco, escondi duas facas de caças muito bem afiadas, assim como escondi dentro das minhas botas pretas, alguns frascos de erva Anti-Parálysi, sabendo que precisaria deles quando as coisas ficassem mais complicadas lá fora. Em seguida, pego as duas espingardas carregadas com balas de prata que deixei sobre a pia velha do banheiro, e as transpasso sobre os ombros com o auxílio das tiras marrons de couro, jogando-as sobre as minhas costas, bem onde o casaco escondia a minha marca Van Helsing. Por fim, pego a grande balestra de madeira que também estava sobre a pia e me viro, pronta para sair do banheiro, enquanto sinto os coldres presos em minhas coxas, apertados, carregando as duas pistolas escondidas.
  Essa noite, o preto era a nossa cor e nosso sinal, pois ela nos camuflaria perfeitamente dentro da madrugada silenciosa e fria, enquanto nos rastejávamos perigosamente por cada casa de Upiór, como se fossemos uma das pragas do Egito, matando todos aqueles que não tivessem pintado suas portas com sangue de cordeiro.
  Quando entro no quarto que dividi com as garotas e alguns vampiros - levando em conta que os fiéis da igreja não gostavam de ficar perto deles, encontro minha equipe já pronta e me esperando. Todas de preto, fantasiadas como se fossem Dementadores sombrios prestes a roubarem almas. As mãos de Lilu estavam cobertas por socos ingleses com pontas tão afiadas de metal que, com certeza, arrancariam facilmente a pele de alguém em uma briga. Seu corpo estava quase que inteiramente vestido por coldres que carregavam todo tipo de arma e faca, essa noite ela era como um verdadeiro arsenal mortífero. Sally usava um longo casaco de touca sobre os cabelos curtos e escuros, enquanto apoiava suas mãos sobre o topo de uma alta espingarda, mais precisamente, sobre o buraco onde as balas saiam. E então tínhamos Wendy, a responsável por liderar o grupo de exorcistas da igreja. Ela me encarava de forma séria, jogando para o alto um pequeno isqueiro de prata. Ele subia, rodava no ar e voltava para sua mão com unhas pintadas de vermelho sangue, e mesmo sendo tão pequeno, eu escutava com perfeição o líquido dentro dele chacoalhando: água benta.
  – Ignis. – A curta palavra que sai em tom baixo da boca de minha irmã, é o suficiente para fazer, instantaneamente, uma chama brilhante escapar de dentro do isqueiro lançado no ar. O fogo brilha sob a luz do quarto, glorioso, e se apaga assim que o objeto volta para a mão de Wendy, como se fosse mágica.
  Com um aceno firme de cabeça, elas entendem que o momento havia chegado. Na frente, saio do quarto, e atrás, elas vão passando em todos os outros cômodos, avisando para quem ainda estava na cabana, que precisávamos nos reunir do lado de fora.
  Depois de descer para o primeiro andar, observo tudo organizado com maestria, antes de passar pela porta aberta da entrada. Do lado de fora, a grande maioria já me esperava, todos parados em frente a cabana, rodeados pela madrugada escura e fria. Espero até que o restante saia de dentro da cabana, se juntando ao pequeno grupo que me observava.
  – Antes de nos dividirmos, vamos repassar o plano uma última vez. – Falo alto o suficiente para que todos escutem. Eles permanecem em silêncio, esperando que eu continue. – Uma parte de vocês irá comigo, e nós seremos a distração. Precisamos atrair o híbrido para o vilarejo, afastando-o de Henry e atrasando sua transmigração até que Taehyung chegue e o surpreenda em um ataque surpresa. Tenho certeza que Henry não entrará na linha de frente, pois precisa poupar energias e, por isso, continuará escondido na mansão, esperando que Kihyun dê um jeito em tudo. – Sinto minha feição ficar ainda mais séria do que antes.
  "Taehyung chegará em algumas horas com o restante dos vampiros e dá igreja uma vez que confirmamos que Upiór é o lugar certo. Nós não estamos em um grande número, pois não podíamos arriscar mandar muitos para um lugar da qual não sabíamos se seria o lugar certo..." Faço uma pequena pausa e expiro alto. "Nós teremos que ser o suficiente até que a ajuda chegue. Então, não hesitem em matar quem quer que esteja do lado dos lobos."
  – A maioria de nós ficará aqui na base sendo comandados por Sally e Alef, que estarão à frente do esquadrão de ervas, curando qualquer um que se machuque gravemente. Estamos a cinco quilômetros e meio do vilarejo, então, se perceberem que não podem aguentar, por favor, voltem para a base ou peça ajuda para voltar. Não vamos nos arriscar e fazer o mesmo que aconteceu na Lua de Sangue. E é exatamente por isso que a maioria ficará aqui na base, seguros e prontos para curarem qualquer um. Mas não se esqueçam, tomem cuidado pra que não descubram essa localização. Não podemos atrair o inimigo até a base.
  – Mas, caso aconteça, nós estaremos preparados para tudo. – Sally dá um passo para frente, parando do meu lado, mostrando propositalmente a espingarda que ela segurava. E Alef, que estava junto dos outros, em frente a cabana, assente em concordância para ela.
  – Agora, todos que fazem parte do esquadrão de ervas, venham para a cabana. Os exorcistas, se juntem a Wendy. E o restante, comigo e com Lilu. – Peço e depois desço os poucos degraus da cabana, indo para o terreno de vegetação malcuidada.
  Logo a varanda da cabana se enche de fiéis da igreja, todos atrás de Sally e Alef. Wendy foi para o lado direito, onde pouco mais de seis exorcistas se juntaram a ela. E do lado esquerdo, comigo e com Wendy, estavam alguns vampiros e o restante dos fiéis, que ainda eram poucos.
  – Sei que nos preparamos, mas vi como o vilarejo está abarrotado de lobos e vampiros. Isso não vai ser nada fácil. – Abel se aproxima, me encarando com apreensão.
  Sinto vontade de suspirar, enquanto penso no que responder, pois eu sabia que Abel tinha razão. Como disse antes, somos poucos justamente porque seríamos os que precisavam verificar se a localização estava certa. Não podíamos correr o risco de virmos todos de uma vez para Upiór e o lugar não ser esse no fim das contas, isso só nos faria perder mais tempo, e tempo era algo que não tínhamos mais.
  – Não é hora para ter medo. – Wendy diz do outro lado, atraindo a atenção para ela. – Enquanto estive presa naquela cama, após o ataque dos lobos, eu fiz o que odiava fazer na escola: eu estudei. Li cada um dos livros de exorcismo que levei para a Transilvânia... bem, eu tinha tempo. – Ela dá de ombro. – E só estava esperando esse momento para mostrar a vocês, a pequena surpresa que eu preparei pra hoje. – Wendy sorri de lado, de forma completamente maliciosa e até um pouco vil, mostrando que escondia algo muito grandioso, que nem mesmo eu sabia o que era.
  Ela se afasta do seu pequeno grupo de exorcistas, puxando do seu cinto, um pequeno frasco com água benta. Wendy tira a rolha do frasco e começa a despejar o líquido transparente no chão, formando um grande círculo sobre a terra e mato. Em seguida, ela se agacha fora do círculo, perto de uma das bordas. Retira o crucifixo que estava ao redor do seu pescoço e o coloca sobre a água benta derramada, cobrindo-o com sua mão espalmada. Seus olhos se concentram no círculo, enquanto ela começa a sussurrar coisas inaudíveis.
  Subitamente, uma luz extremamente forte surge dentro do círculo de água benta, obrigando todos a cobrirem seus olhos. Meu corpo inteiro se arrepia quando uma forte rajada de vento passa por nós, balançando roupas e cabelos. De repente, tudo fica silencioso e calmo, e quando, cuidadosamente, afasto o braço do rosto, me sinto completamente atordoada com o que vejo, algo capaz de fazer as minhas pernas fraquejarem. E eu não era a única a me sentir assim, todos, sem exceção, vampiros e fiéis, estavam tão descrentes quanto eu.
  Corpos cintilantes e levemente transparentes estavam parados dentro do círculo de água benta, nos encarando com expressões fortes e intensas. Mas, o que fez verdadeiramente o meu coração acelerar, foi reconhecer a imagem da garota parada entre muitas outras. E, antes mesmo que eu pudesse dizer algo, vejo Lilu correr para longe de mim, entrando apressada no círculo de água benta, praticamente se jogando em cima da figura translúcida que, para um espanto maior ainda, corresponde ao abraço exasperado de Lilu, enquanto fecha seus olhos como se sentisse aquilo.
  Escuto os passos incertos de Sally nos degraus da cabana, e com as duas mãos tapando a boca e com os olhos arregalados, ela também se aproxima da figura cintilante.
  Totalmente desacreditada, encaro Wendy, que sorri e faz um gesto de cabeça para que eu me junte as garotas.
  Involuntariamente, solto a balestra que segurava. Os meus passos são receosos e amedrontados, e eu podia jurar que as minhas pernas tremiam a cada passo que me aproximava mais da figura cintilante.
  Lilu seca seus olhos com o braço e se afasta com Sally após um abraço, para que eu consiga parar na frente da figura.
  Ela não havia mudado nada, nem um mísero detalhe: os mesmos cabelos escuros ondulados, o mesmo rosto bonito, o mesmo sorriso angelical da pessoa mais doce que eu já conheci em toda a minha vida.
  Movida por uma grande onda sentimental, a abraço com todas as forças que tenho, sentindo o meu corpo inteiro se arrepiar quando a toco. Eu podia sentir tudo, ela era tão real agora.
  – Meg... – Sussurro sofregamente, enquanto sinto os meus olhos lacrimejarem.
  – Por favor, não chore. – Sua voz calma faz meu coração acelerar mais do que acho possível, me causando mais um arrepio.
  Me afasto dela, tentando controlar a vontade de chorar, mas estava quase impossível.
  – Nos desculpe por não tê-la salvado naquele dia. – Procuro suas mãos com exaspero e as minhas tremem um pouco.
  Ela sorri de novo, e era como se seu sorriso pudesse iluminar a madrugada.
  – O que aconteceu na Lua de Sangue era o que deveria acontecer. E eu não carrego mágoa alguma, pelo contrário, estou feliz por ver que o meu sacrifício manteve as minhas garotas vivas. – Ela aperta ternamente as minhas mãos, e não posso mais controlar as lágrimas que tento esconder.
  – Como você fez isso? – Viro a cabeça em direção a Wendy, enquanto fungo e seco as minhas lágrimas.
  Wendy cruza os braços antes de responder.
  – Esse é um tipo mais avançado de invocação de espíritos. Ao contrário do tradicional, onde não enxergamos os Filhos da Sombra e eles nos ajudam apenas a imobilizar alguém durante um exorcismo, esse aqui os invoca por completo, permitindo-os lutarem ao lado daquele que os invoca. – Me sinto ainda mais espantada com sua explicação.
  – Isso quer dizer que vocês podem ficar aqui de novo? – Lilu pergunta, com os olhos bem abertos, cheios de esperança.
  – Não. – Meg nega com a cabeça. – Geralmente, somos invocados para batalhas e nossa única função é lutar o quanto aguentarmos, mas, quando morremos nessas batalhas, voltamos para o plano astral outra vez.
  Os ombros de Lilu caem, e sua expressão se torna triste, assim como a de Sally e a minha.
  – Apenas um exorcista muito habilidoso consegue fazer um exorcismo tão poderoso como esse. – Alef desce os poucos degraus da cabana, indo em direção a Wendy com um olhar completamente admirado e espantado.
  – Eu não sabia se conseguiria fazer isso, mas precisava tentar. Aquele ataque dos lobos não foi de todo mal, ele me encheu com a raiva e vontade de matá-los que ainda me faltava. – Meu corpo se arrepia pela terceira vez, me fazendo enxergar Wendy de um jeito completamente diferente. Eu sempre soube que ela era promissora e muito dedicada desde que entrou para minha equipe, mas a vendo agora, percebo que ela definitivamente é a que mais cresceu dentre nós quatro.
  – Detesto ser aquele que vai atrapalhar um momento tão tocante como esse, mas nós precisamos ir, logo a madrugada vai começar a virar manhã. – Abel alerta, do outro lado.
  – Ele está certo, nós precisamos ir agora. – Concordo.
  – Devemos explicar para eles antes? – Sally pergunta, me encarando.
  – Não precisa. Mesmo no plano astral, nós sabemos o que acontece aqui. – Um dos Filhos da Sombra invocados por Wendy, responde.
  – Certo, então isso é bom. Todos já sabem que os lobos querem ferrar com tudo. Vamos agora? – Abel se vira de lado e aponta para a estrada deserta e escura.
  – Estamos indo agora... – Olho especificamente para os fiéis na varada da cabana. – Por favor, tomem cuidado. – Agora, olho para Sally.
  – Vai ficar tudo bem. – Ela diz, mas tem um olhar apreensivo. Eu sabia que ela também estava com medo.
  Rapidamente dou-lhe um abraço e as garotas fazem o mesmo, em uma despedida fria e cheias de incertezas.

Capítulo 32
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