Capítulo 30
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Somos as almas da condenação em nossas próprias realidades, espiando um futuro não previsto e sorrateiro. Não vítimas inocentes, sem avisos e sem sinais, mas sim almas ingratas e condenadas por toda a eternidade. O dia do julgamento havia chegado, e antes de ver a luz, alguém deve morrer.
Respiro fundo, apertando o batente da sacada com força, enquanto encaro uma Transilvânia coberta pelo céu da madrugada. A maioria das pessoas provavelmente dormiam o sono dos justos, e quando acordassem, espreitariam o belo dia e cuidariam de seus afazeres. E, neste momento, eu nunca desejei tanto poder fazer isso, ao invés de estar aqui me sentindo completamente nervosa e ansiosa, sem saber se teria a chance de vislumbrar um novo dia.
Respiro fundo e alto, puxando para dentro o vento gelado da madrugada.
Minhas mãos escorregam até minha barriga, enquanto, com pesar, as sinto tremerem.
– Bebê, você acha que viveremos? – Pergunto para o que eu sabia que crescia dentro de mim a cada dia mais.
– Eu cuidarei para que sim. – Assustada, me viro com rapidez quando um arrepio percorre toda minha espinha. Taehyung estava encostado no batente da porta da sacada, com os braços cruzados.
O meu quarto atrás do seu corpo alto, estava completamente escuro, e parecia tão silencioso como alguém que se entristece ao ser abandonado.
Não o respondo, apenas desvio o olhar, me sentindo totalmente angustiada.
Mesmo olhá-lo diretamente, consigo perceber quando ele se desencosta do batente e caminha até onde estou, depois de suspirar.
Taehyung para na minha frente e segura as minhas mãos de forma suave.
– Por que você ainda insiste em mim? – Minha pergunta o pega de surpresa, e minha voz era tão amarga com o fel.
Eu mentiria se dissesse que dormi essa noite. Longe disso. Depois que celebrarmos o aniversário de Wendy, mesmo após alguns pedidos das garotas e do próprio Taehyung para que eu dormisse com algum deles, eu preferi me recolher sozinha no meu quarto, pois assim eu poderia mergulhar fundo nesse grande buraco de medo que me puxava fortemente para baixo.
Não quero morrer, eu definitivamente não quero. Mas é inevitável não pensar que isso pode acontecer, do mesmo jeito que pode acontecer com qualquer um dos outros. Eu nunca me senti assim antes, era como se eu pudesse estar tão perto da morte que ela caminha comigo, apenas esperando o momento certo para me recolher; e eu não sei o que seria pior, abraçá-la de uma vez por todas, ou viver uma vida sem aqueles que são importantes para mim.
– Por que está dizendo isso? – Taehyung pergunta, me olhando de força tão intensa que não me deixava desviar.
– Eu nunca conseguiria viver sem algum de vocês, Taehyung. E mesmo que todos escapem da morte, isso não pode dar certo. Eu sou uma humana e um dia morrerei muito antes de você. – Minha voz despeja toda a minha aflição à medida que enchia os meus olhos de lágrimas amedrontadas.
Ele solta uma das minhas mãos, a levando até o meu rosto, espalmando a lateral dele, enquanto o seu polegar desliza por minha pele quente.
– No dia em que você se for, eu vou junto. – Ele diz de forma calma e intensa, mas isso não impede o meu coração de tremer.
– Não diga uma besteira dessas, Taehyung. Você não pode fazer isso. Nunca. – Falo, de forma aflita.
Ele sorri fechado, de forma mínima, enquanto o vento da madruga nos rodeia e o silêncio de fora nos embala.
– Os Van Helsings vivem mais que os humanos comuns. Vocês também reencarnam – Ele inclina sutilmente sua cabeça para o lado, não desviando o seu olhar do meu, como se me apreciasse. – Essa não será a última vida que viveremos juntos, Elena.
Suas palavras me fazem chegar ao limite, então, engulo o bolo ardente em minha garganta e fecho os olhos, enquanto algumas lágrimas quentes rolam por meu rosto. Sinto os seus lábios frios tocarem a minha testa como se ele estivesse prestes a partir para sempre.
– Seja forte agora, por você e pela nossa criança. – Ele sussurra com os lábios tocando minha pele, e todo o meu corpo é engolido por um grande pesar de alguém que estava de luto.
***
– Acho que está na hora. – Jin fala, olhando por cada um de nós. Ele já não conseguia esconder a preocupação, era algo evidente em sua feição que, na maior parte do tempo, era impecável.
Assinto e, silenciosamente, respiro fundo, enquanto permaneço parada ao lado da minha equipe, e de frente para os irmãos e Blarie. Todos nós estávamos no final do hall de entrada, perto da porta.
Os outros vampiros foram na frente, pois não havia necessidade que pegassem um avião conosco até Upiór. Por este motivo, certamente eles chegariam antes e, como combinado, usando a transmutação de morcego, eles sobrevoariam o pequeno vilarejo para descobrir se os lobos realmente estavam ali. Nós quatro chegaríamos provavelmente um dia depois deles e, assim, todos nos reuniríamos em uma pequena base abandonada nas redondezas, e ali prepararíamos o nosso próximo passo.
– Eu nunca fui boa em ter amigas, por isso vocês precisam ficar bem até que cheguemos em Upiór. – Blarie diz com a ponta do nariz vermelha, como alguém que segura o choro. Com os olhos bem marcados pela maquiagem que ela sempre usava, a vampira pisca repetidas vezes querendo afastar o que os faziam brilharem. – E você, Venator – Ela sorri e me encara, tendo a voz completamente embargada. – Precisa sobreviver mais do que qualquer um aqui.
Minha boca e queixo tremem quando sorrio para ela. Eu assinto.
– Por favor, qualquer nos avise imediatamente. – Jimin diz com um tom de voz completamente preocupado.
– Nós vamos ligar. – Sally diz de forma firme, tentando diminuir a preocupação dele.
– Vocês realmente estão botando pouca fé em nós. – Wendy fala, atraindo nossos olhares para ela. – Somos humanas, mas ainda assim fomos Filhas da Sombra, as escolhidas da igreja para lidarmos justamente com situações como essa. – O seu olhar era completamente seguro, como se ela realmente soubesse que o fosse acontecer. – Nós vamos sobreviver.
– É isso aí. – Sally diz, sorrindo de força esperta. – Se nos dão licença, agora nós precisamos colocar fogo em Upiór. – Suas palavras fazem Blarie e Wendy rirem, amenizando um pouco os olhares dos irmãos.
Sally ajeita a mochila em suas costas e abre a porta, revelando a madrugada que seria nossa cúmplice.
Olho uma última vez para todos os irmãos, em especial para Taehyung que, discretamente, assente para mim, e eu sabia que era como se ele dissesse “vai ficar tudo bem”. Sorrio sutilmente para ele, acreditando em tudo que havíamos conversado antes.
Wendy sai do castelo logo após Sally, mas Lilu para na minha frente, me impedindo. E, antes que eu pergunte se ela esqueceu algo ou coisa do tipo, Lilu se vira e se afasta da porta, indo em direção aos irmãos. Wendy se esgueira na porta, quase caindo e os meus olhos se arregalam em puro espanto quando Lilu para em frente a Jin, segurando sua nuca e o puxando para um rápido beijo.
– Só para o caso de alguma coisa acontecer. – Ela sorri para ele, que fica completamente sem jeito.
Rapidamente olho para Hoseok, mas ele não parece chateado, muito pelo contrário, ele sorriu de forma verdadeira.
– Por essa eu não esperava. – Sally comenta do lado de fora.
– Agora sim. Vamos, Eleninha. – Lilu se aproxima e segura minha mão, me puxando para fora do castelo enquanto permaneço completamente atordoada com o que vi.
E entre alguns comentários provocativos vindos de Wendy e Sally, nós quatro descemos as escadas do castelo. Depois atravessamos todo o grande jardim da frente e caminhamos até à entrada, onde havia a escrita em pedra com os dizeres “Castelul lui Dracula”. Do outro lado, ao pé na grande colina onde ficava o castelo, um carro já no esperava pronto para nos levar até a base do Padre, o lugar, cujo, iriamos nos reunir com alguns membros da igreja antes de partirmos para Upiór.
Todas as mensagens e ligações perdidas do Padre eram para avisar que o Vaticano havia aceitado a minha barganha. Pelo tempo que levaríamos para encerrar essa história com os lobos, eles não nos caçariam, e nem aos vampiros, mas no exato segundo em que tudo terminasse, eles nos puniriam como um diabo pregado na cruz.
Eu não posso imaginar como será trabalhar com os membros da igreja, pois sei que eles não gostam de nós, em especial, de mim. Mas contanto que eles façam o que é preciso ser feito, eu realmente não me importo com os olhares ou insultos.
***
Respiro fundo mais uma vez, enquanto afivelo o meu cinto. Todos já estavam devidamente acomodados em seus assentos no avião e, em pouco mais de dois dias de viagem, nós estaríamos de volta ao vilarejo.
A ansiedade e o nervosismo me corriam toda vez que eu repassava o nosso plano mentalmente, mas julgo dizer que o fato de voltar a onde tudo começou também ajuda para que essa sensação ruim me consuma cada vez mais.
– Fique calma. Vai dar certo. – Wendy segura a minha mão. – Não se esqueça que você está grávida. Sei que estamos indo para uma situação pior do que isso, mas tente se controlar um pouco, certo? – Minha irmã me encara de forma terna, e isso me conforta e me acalma. Ela realmente se tornou uma irmã mais velha e eu admiro muito por isso.
– Espero que a comida seja boa. Não tive tempo de tomar café. – Lilu comenta do meu lado esquerdo, perto da janela.
– É claro, você acordou no horário errado e se atrasou. – Sally resmunga, sentada do outro lado da Wendy.
Procuro dentro da minha blusa, o relicário que Namjoon me deu, e o puxo para fora, segurando-o com força entre os dedos, enquanto peço para São Raimundo Nonato proteger a mim e ao meu filho.
– Atenção, senhores passageiros. Aqui quem fala é o comandante. Gostaria de informar que tenho permissão para decolar. Voo com destino final para Upiór. Espero que tenham uma boa viagem.
