Drácus Dementer: Lycanthrope


Escrita porHels
Revisada por Natashia Kitamura


Capítulo 27

Tempo estimado de leitura: 30 minutos

  O ar sai de forma pesada da minha boca entreaberta, e meu corpo treme quando um calafrio me percorre, arrepiando todos os meus pelos, enquanto meu peito infla e meu tronco se levanta em um supetão exasperado. Os meus olhos estavam arregalados e eu ainda conseguia sentir o medo correndo por minhas veias como se fosse sangue. As imagens eram frescas em minha mente, de um sonho que se repetiu várias e várias vezes, me prendendo naquele momento confuso e horripilante. Eu não sei quantas vezes passei por ele, mas, com certeza, sou incapaz de contar.
  Eu ainda tremia, encarando a parede no fundo do quarto claro, na mesma proporção que apertava o lençol fino que me cobria até o começo da cintura. A minha respiração era o único barulho que eu conseguia escutar, ela estava desregulada, da mesma maneira que ficava quando eu estava assustada.
  Minhas pálpebras tremiam, obrigando-me a piscar algumas vezes, enquanto meus olhos se enchiam de lágrimas que não escorriam. Eu me sentia sufocada, como se estive literalmente morrendo por borbulhar e transbordar esses sentimentos e emoções causados pelo estranho sonho que eu gostaria de esquecer para sempre. Eu era nada além de angústia e desespero, me sentia mal dentro do meu próprio corpo e queria poder arrancar minha pele, pois, eu sabia que nada doeria mais do que o que vi naquele quarto com um berço ensanguentado.
  Enquanto apertava o lençol com mais força e tentava puxar o ar para dentro de mim, braços rodeiam meu corpo dos dois lados. Um baixo choro se mistura ao som da minha respiração, molhando meu ombro, e eu fecho os olhos, sentindo isso através de uma grande sensibilidade.
  – Graças a Deus. Graças a Deus. Graças a Deus você está bem agora. – A voz de Wendy sussurrava, enquanto ela apertava meu corpo de forma desesperada, assim com, Jimin fazia do meu lado esquerdo. Ela tremia, Jimin não, mas eu podia sentir a angústia dele.
  Quando me soltam, ambos se afastam e me encaram, obrigando-me a vislumbrar toda a amargura exposta em suas feições.
  Por um momento desvio meu olhar, percebendo que eles dois não eram os únicos no quarto - que reconheço como sendo o de Wendy. Na beirada a cama, Sally e Lilu estavam deitadas de forma desajeitada e dormiam silenciosamente. Mais duas poltronas estavam próximas da cama, em uma delas, Blarie também dormia com a cabeça virada para o lado. Na outra, Hoseok me fitava com os olhos arregalados e uma expressão surpresa.
  – Como você se sente? – Ele pergunta, parecendo um pouco receoso.
  Encaro o lençol e meu rosto se contorce em uma expressão de choro, enquanto seguro as lágrimas.
  Encolho os ombros como resposta, e Hoseok não diz mais nada.
  Wendy se arrasta pela cama, saindo do meu lado e indo até à beirada, onde, de forma sutil, acorda Lilu e Sally. Logo depois, Hoseok faz o mesmo com Blarie.
  Lilu se senta na cama e coça os olhos, demorando alguns segundos para olhar em minha direção, mas, ao fazer isso, seus olhos escuros se abrem bem e ela não demora ao se jogar em cima de mim, em um abraço muito apertado.
  – Por favor, nunca mais faça isso. – Ela funga em meu pescoço, antes de me soltar.
  Sally também se aproxima. Ela pondera por alguns segundos, como se estivesse assustada, antes de me abraçar também.
  Blarie se levanta da poltrona e vem até a cama, sentando-se perto de Jimin. Ela pega em minhas mãos, segurando com brandura. Hoseok também se junta e, no final, todos os seis estão sentados em um semicírculo ao meu redor.
  – Nos conte o que aconteceu, Elena. – Blarie pede com a voz calma, tentando não me pressionar em seu tom.
  Todos me observam em silêncio entre algumas fungadas de choros presos e passados.
  Solto as mãos de Blarie e engulo em seco, respirando fundo enquanto me lembro de tudo. Preciso de alguns segundos para me acalmar em meio ao bombardeio de lembranças.
  – No dia que saí com Hyun, nós dois fomos apanhados pela Amia. Ela está com o Kihyun agora, e fez isso a mando dele. Nós dois ficamos presos em uma cela, como animais. – Respiro fundo de novo, e passo as costas nas mãos sobre a boca. – As barras estavam encharcadas com óleo ungido.
  Encaro o lençol.
  – Depois de uma noite naquela torre, Hyun se transformou em um morcego e foi buscar ajuda e descobrir onde estávamos. Amia disse que era fora da Transilvânia. – Levanto meu olhar, sentindo os meus olhos marejarem muito. Olho de Jimin para Hoseok. – Ele não voltou porque... porque... porque Henry o capturou e disse que se tentarem fazer algo, ele o matará.
  Os olhos de Jimin se arregalam, e uma expressão de incredulidade atinge cada parte do seu rosto. Já Hoseok aperta os dentes uns nos outros, pois sua mandíbula fica bem marcada sob a pele, em uma expressão nervosa.
  – Você o viu, Elena, o nosso pai? – Jimin pergunta, enquanto tenta segurar algumas lágrimas que deixavam seus olhos brilhantes.
  Assinto fracamente.
  – Henry me contou sobre Amélia. – Encolho os ombros, tentando soar passiva, não querendo reviver memórias ruins em Jimin e Hoseok. – Ele me contou sobre vocês se parecerem muito com ela e que, por isso, não podiam o sucedê-lo. Então Henry disse que esse foi o motivo de ter outro filho, pois Kihyun existe apenas para que ele possa fazer uma migração de almas e possuir seu corpo. Dessa forma, ele engana a maldição da lua de sangue e continua vivo para poder assumir o comando tanto dos vampiros, quanto dos lobos, já que viraria um híbrido.
  Hoseok se levanta da cama. Ele começa a andar de um lado para o outro, enquanto enterra as mãos nos cabelos de forma nervosa.
  – Eu não posso acreditar. Não consigo acreditar que ele quer fazer uma coisa dessas. – Hoseok se aproxima de uma pequena penteadeira que havia no quarto e passa sua mão por ela, raivosamente derrubando tudo que havia ali. As garotas se encolhem na cama, espantadas.
  Blarie se levanta e corre até Hoseok, tentando acalmá-lo.
  Meu queixo treme em uma tentativa desesperada de não me entregar ao choro que ardia dentro de mim.
  Blarie traz Hoseok de volta para cama. Ele se senta de novo e seca o rosto com raiva, quando algumas lágrimas escorrem. Ele estava um pouco vermelho.
  Observo Jimin, que estava paralisado com uma expressão atônita de quem estava em choque.
  – Como funciona essa migração de almas? Nunca ouvi falar, mas acho que posso ter uma noção de como seria. – Sally pergunta, tentando interferir no clima pesado.
  Blarie suspira alto.
  – É um antigo exorcismo não mais praticado dos Van Helsings, eles a usavam para transferirem almas de Drácus para humanos já mortos, e assim matá-los com mais facilidade. Esse exorcismo foi proibido há muitos anos por ser perigoso, pois podia matar o seu usuário. Esse é o motivo de vocês nunca terem ouvido falar sobre. – Blarie responde Sally, que estava tão surpresa quanto Wendy e Lilu.
  – Foi por isso que eles te pegaram? Porque é uma prática dos Van Helsings? – Wendy me olha, e eu assinto.
  Todos ficam tensos ao meu redor, me encarando como se esperassem o pior.
  – E-E você fez isso? – De olhos amuados e assustados como um humano, Jimin pergunta com a voz tremida.
  – Não. – Faço uma pausa, engolindo o choro que estava casa vez mais forte. Franzo o meu cenho para o lençol e fungo. – Henry roubou metade da minha alma. Ele disse que isso o daria a essência dos Van Helsing para que ele mesmo realizasse o exorcismo. Depois ele me abandonou em uma floresta, eu estava fraca e machucada, mas alguém me achou e me ajudou. A última coisa que lembro é de discar os números da Wendy antes de finalizar uma chamada, pois desmaiei em seguida.
  – O senhor que te ajudou finalizou a chamada e nos disse onde você estava. Demoramos três dias para chegar lá. Era um lugar muito isolado e longe. – Sally começa a dizer, me encarando de forma amarga. – Logo percebemos que seu estado não era dos melhores, Elena. Eu já havia estudado sobre os seus sintomas: pele extremamente pálida, respiração chiada, batidas do coração fracas, quase sem reflexos e não acordava. Jhoel disse que você demorou dois dias e meio para acordar depois que ele a encontrou na floresta. Isso só podia significar uma sucção de alma interrompida.
  Por um momento, Sally para de falar e encara os demais ao redor, compartilhando um olhar temeroso que fez uma pontada ruim atingir o meu estômago.
  – Elena, por favor, quero que entenda que o que fizemos, foi unicamente para te ajudar. – Sally volta a me encarar, e segura uma das minhas mãos, a apertando levemente de forma nervosa.
  A pontada em meu estômago vira uma linha ardente de ansiedade que começa a se alongar pelo meu corpo.
  – O que aconteceu? – Mesmo sem uma resposta, os meus olhos ardem em mais lágrimas.
   Jimin pega em minha outra mão, tentando me confortar de algo que eu ainda não sabia o que era.
  – Você também estudou sobre isso, sabe como um ataque Dementador de um Drácus pode ser extremamente letal para um humano, mesmo que ele seja um Van Helsing. – Sally fecha os olhos por alguns segundos e expira alto. – A única forma de te ajudar era usando a Erva-Negra, mas você sabe que ela é uma erva rara e que apenas alguns membros superiores da igreja a tem. Por isso, tivemos que pedir ajuda do Padre e contar o que aconteceu, que você havia sido pega e atacada.
  O fio de ansiedade começa a se desfazer dentro de mim, ocupando o lugar dos meus ossos.
  – Quando retornamos com você para Transilvânia, o Padre já havia conseguido algumas dessas ervas e veio junto de um médico especializado da igreja até o castelo. Esse médico cuidou de você por quatro dias, Elena, porque ele precisava acompanhar a sua recuperação, ver se você realmente voltaria ao normal, porque essa é uma erva muito poderosa, a mais poderosa.
  – Eu voltei ao normal. Não estou mais como antes. – Digo, engolindo em seco de novo, ainda sentindo esse mau pressentimento.
  – Sim, você está. – Sally funga, e percebo quando seus olhos lacrimejam. Ela passa a mão pelo nariz, que fica vermelho na ponta.
  Meu corpo volta a tremer e sou incapaz de segurar as mãos de Sally e Jimin, por isso, as solto enquanto encaro todos. E cada um deles estava tão tenso e nervoso que meu corpo parecia sugar isso para dentro de mim, me deixando aflita.
  – O médico fez alguns exames em você para acompanhar sua recuperação – Sally encara as próprias pernas dobradas na cama, e sua boca aberta estremece quando ela não consegue falar e precisa de alguns segundos para isso. – Você está grávida, Elena.
  O meu corpo treme por dentro, e tudo parece ficar distante, como se todos ao meu redor sumissem, e apenas o som da minha respiração voltasse a ser a única coisa que consigo escutar. Imagens do sonho que tive inúmeras vezes, começam a passar como flashes diante os meus olhos que, por fim, deixam as lágrimas reprimidas escaparem.
  A maneira desesperada como eu gritava “Meu bebê” no sonho... o meu corpo já sabia? De alguma forma, já sabia o que estava dentro de mim?
  – Elena... – Wendy toca meu ombro, me puxando para a realidade desconfigurada, da qual eu estava presa. Os olhos da minha irmã demonstravam preocupação e ela tentava não chorar mais. – Ainda tem algo que você precisa saber.
  Minha boca treme quando tento falar um “não", negando com a cabeça de forma fraca. Eu estava assustada demais para continuar com isso.
  – No dia que descobriu sobre a sua gravidez, o médico não nos contou. Ele foi embora e relatou tudo na base... Padre Albert foi afastado como mentor da nossa equipe, e nós recebemos uma ligação vinda direta do Vaticano. – Wendy desvia seu olhar, não tendo coragem para sustentá-lo. – Eles nos declararam desertoras da igreja e, a partir de agora, estamos sendo oficialmente caçadas pelo Vaticano.
  – Enquanto esteve desacordada, o castelo foi atacado três vezes pela igreja que tentou capturar vocês. Precisamos trazer mais vampiros pra cá, para que eles passassem a vigiar o castelo dia e noite. Já tem um dia e meio que eles não nos atacam e, talvez, estejam preparando algo, mas nós também estamos prontos para isso se for o caso. Eles mataram alguns dos nossos, mas nós matamos muito mais dos deles. – Quando Blarie termina de falar, eu sinto que posso desmaiar a qualquer momento, pois estava a um passo de ter um grande colapso nervoso.
  O meu corpo tremia muito e as lágrimas escorriam como se não acabassem. Eu estava começando a hiperventilar, enquanto minha visão começava a escurecer em alguns pontos.
  – Elena, calma! Por favor, fica calma! – Jimin me abraça, enquanto balança o meu corpo para frente e para trás. – Escute a minha voz, por favor, só ela. – Ele funga, e suas mãos afagam os meus cabelos, ao mesmo tempo que, me prende em seus braços, contra o seu tronco.
  – É tudo minha culpa. É minha culpa. – Começo a chorar como uma criança, me sentindo mergulhada em um buraco fundo e cheio de desespero. – O Hyun, e agora isso... é tudo minha culpa. Eu deveria morrer. Por que vocês não me entregam pra igreja?
  – Não diga isso nunca mais! – Wendy grita com a voz embargada, antes de me abraçar por cima dos braços de Jimin. – Não diga isso, sua idiota. A culpa não é sua. – Ela chorava tanto quanto eu e, por um segundo, escuto como se todos aqui nesse quarto chorassem, enquanto afundamos juntos em uma aura amarga.

***

  Após me acalmar um pouco e todos nós conseguirmos parar de chorar, posteriormente ao me buscarem um copo com água, eles me contaram com mais detalhes sobre toda a situação atual que se tornou um completo caos.
  O Vaticano estava apresentando o Padre Albert como incapaz por não perceber a situação e, por este motivo, ele teria que se redimir enquanto liderava um grupo de invasão ao castelo. E como Blarie já explicou, muitos humanos morreram ao tentarem fazer isso, e penso que esse pode ser o motivo dos ataques terem parado, por enquanto.
  Não acho que posso me redimir em relação a essa confusão e tão pouco posso livrar as garotas que foram dadas como culpadas, uma vez que sabiam de tudo e não interferiram, pelo contrário, estavam comigo e com os vampiros.
  Eu gostaria de ligar para minha mãe e me desculpar, pois tenho certeza que já a informaram sobre tudo, mas eu simplesmente não tinha coragem. Eu me sentia a pior das pecadoras, alguém tão impura que não tinha esse direito. Se naquela torre eu achava que estava vivendo um pesadelo, aqui no castelo eu tenho certeza que fui expulsa do paraíso pelo próprio Deus.
  De forma covarde, levo minha mão levemente trêmula até minha barriga coberta pela roupa limpa que vesti depois do longo banho, e quando meus dedos a tocam sob o pano, os afasto assustada. Não importa quantas vezes eu me lembrasse de não ter tomado o chá de Erva-Roxa naquele dia, ou quantas vezes eu olhasse para minha barriga, eu ainda não podia acreditar no que estava se desenvolvendo dentro de mim.
  A facada de Henry não atingiu um lugar letal e, mesmo assim, esse bebê ainda deve ser pequeno demais para sofrer com um ataque desses. Ele simplesmente resistiu a tudo que eu vivi nessas últimas semanas e passou a me assombrar através de um sonho em um grito agoniante por ajuda.
  Eu estou grávida de um vampiro. Não de qualquer um, do Drácula. Eu, como uma Van Helsing e parte dos Filhos da Sombra, me deixei ser expurgada do céu, enquanto ia diretamente para o inferno por vontade própria, e agora pagaria fielmente por isso.
  – Posso entrar? – Wendy pergunta do outro lado da porta, após dar leves batidas.
  – Sim. – Respondo, afastando esse momento de mim.
  Começo a recolher a roupa que usei antes.
  Wendy entra no banheiro, encostando a porta antes de se encostar nela, colocando as mãos para trás do corpo.
  – Se sente melhor? – Mesmo que não chorasse mais, eu ainda conseguia perceber a preocupação em seu olhar.
  – Um pouco. – Coloco as roupas em um cesto que havia no banheiro.
  – Elena, por favor, não quero que se culpe. Nós falamos isso desde que viemos para a Transilvânia, você nunca nos obrigou a nada, nós quatro somos uma equipe e uma família, e estaremos juntas até o final, seja ele qual for.
  Encaro Wendy, observando com atenção a expressão amargurada em seu rosto levemente inchado e avermelhado pelo choro anterior.
  – É um pouco difícil pensar como você. Não queria que vocês estivem metidas nessa confusão, você percebe o quão sério isso se tornou, Wendy? Estamos sendo caçadas pela igreja, mas nós deveríamos lutar por ela e não nos virar contra.
  – Mas essa não é uma escolha sua. – O corpo de Wendy é empurrando sutilmente para frente quando Sally abre a porta do banheiro e entra com Lilu. – Você não pode decidir as coisas por nós, e nós escolhemos estar aqui do seu lado. – Sally fala de forma séria, mas sem soar grosseira.
  – Eleninha, por favor, não se esqueça de todas as nossas conversas. – Lilu se aproxima de mim, segurando minhas mãos com ternura. – A igreja só estava nos usando, e eu tenho certeza que ela não nos daria um final bom. Nós passamos a tomar nossas próprias decisões, e se as coisas estão assim agora é porque elas deveriam ser assim.
  – Ser um caos total, onde provavelmente a única saída será a nossa morte, Lilu? – Pergunto de forma atormentada, enquanto me sinto extremamente sufocada por tudo isso.
  – Não diga essas coisas, Elena! Nós não vamos morrer, isso é uma promessa! – Wendy dá um passo para frente, se tornando um pouco fervorosa. – Nós quatro iremos passar por essa confusão e, no final, ela não será nada além de lembranças de um passado que já foi superado! E se você decidir ter essa criança, independente do que ela seja, nós estaremos aqui para te ajudar a cuidar dela!
  Os meus olhos lacrimejam de novo, mas não choro, apenas os fechos e engulo essa vontade. Lilu aperta sutilmente as minhas mãos.
  – Como vocês conseguem dizer isso? Eu sei dos horrores que passaram com vampiros, e mesmo que eu carregue o filho de uma dessas criaturas, vocês ainda estão aqui. Nós não deveríamos odiá-los até a morte ou algo do tipo?
  – Você os odeia? – Wendy pergunta, séria.
  Seu olhar era carregado e acentuado, mostrando-me um lado completamente novo de minha irmã, que parecia ter crescido tanto desde sua recuperação ao ataque dos lobos. Wendy não estava mais machucada, pelo contrário, estava de pé, mais forte do que nunca.
  – Mesmo que eu não goste de admitir – Sally suspira. – Morar com esses vampiros mostrou que eles não são os únicos a fazerem mal, nós também fazemos um grande estrago por onde passamos. Está na bíblia, Elena, nós somos apenas cópias pecadoras de um Deus sem falhas. Ele é o ser perfeito e não nós. Desde os primórdios, todo mal existe por nossa culpa, os humanos sempre iniciam isso, mas agem como se fossem aqueles capazes de purificar o mundo, mas isso não passa de uma merda de besteira da igreja. Eles mentem! – A voz de Sally fica um pouco mais alta, ecoando pelo banheiro. – Eles mentiram para nós desde o começo. Nos tornaram os capachos que sujam as mãos de sangue e arriscam suas vidas, para que eles fiquem seus altares agindo como se fossem Deus, decidindo quem deve ou não ser condenado.
  Sally nem sequer piscava, ela estava completamente tomada por seu momento.
  – Nunca mais vou deixar que eles decidam por mim. Eu serei a única a tomar minhas decisões, e se eu achar que devo fazer amizade com um vampiro, lobisomem ou até mesmo uma sereia dessas que a Wendy vê nos documentários estúpidos dela, eu farei isso e ponto final. – Ela fala tão rápido e tão cheia de emoção, que arregalo os olhos, me sentindo comovida.
  – Pra começo de conversa, os vampiros nasceram através da nossa crueldade, então por que devemos julgá-los assim? Nós também matamos para viver e para comer, mas isso não se torna tão pavoroso quando é feito por um humano, não é? – Lilu arqueia suas sobrancelhas, enquanto me encara, sorrindo sutilmente.
  – A contar desse momento, nesse banheiro, nós iremos atrás daqueles que verdadeiramente são uma ameaça para a nossa existência. Sem mais descriminação por espécie. Todos nós nascemos pecadores e morremos como tal, porque não se pode mudar o inevitável. – Wendy assume uma postura poderosa, preenchendo o banheiro com suas palavras, enquanto olha para cada uma de nós.
  Respiro fundo por querer chorar pela milésima vez. Em meio a todo esse caos, eu realmente me sentia grata por essas três garotas comigo; a minha família.
  – Obrigada por serem a minha força e vontade de viver. – Falo, sincera.
  – Não me faça chorar mais, Eleninha. – Lilu me abraça e Wendy corre para fazer o mesmo, não deixando outra alternativa para Sally a não ser juntar a nós.
  – Não se esqueçam, as mosqueteiras: uma por todas e todas por uma. – Lilu brinca, e nós nos entreolhamos e trocamos sorrisos gratos de compaixão.

***

  Já estava de noite, o céu escureceu há pouco, mas eu ainda continuo trancada nesse quarto. Não saí para nada, e só a menção me deixava assustada, pois eu sabia exatamente o que teria que encarar lá fora se fizesse isso.
  Namjoon foi o único irmão que veio me ver, e julgo que os demais estejam fervendo e seus pensamentos, pois sei que Jimin e Hoseok já devem ter contato tudo que revelei. Tenho medo de encará-los e descobrir que talvez alguns deles me culpem por Hyun e por toda essa bagunça. E por mais que eu receba palavras reconfortantes dos meus amigos, é difícil não sabotar os meus próprios pensamentos e me manter calma sobre isso.
  Eu estava sozinha no quarto de Wendy, que se reuniu com as outras garotas no quarto de Sally, a meu pedido. Eu precisava desse momento sozinha, pois estava tentando juntar um pouco de coragem para ir até o oitavo andar, onde Jimin me informou que Taehyung estava, após ele ir contar a seu irmão sobre o meu despertar.
  Fui avisada que as coisas não estavam boas por aqui, mas parece que para Taehyung tudo estava pior. Minha equipe disse que esse castelo passou a ter um ar mais sombrio e que muitas coisas ruins aconteceram aqui nos últimos dias, e que em alguns momentos elas realmente passaram a ter medo dos vampiros, em especial, medo do Taehyung. Soube que ele se trancou no seu quarto a maior parte do tempo, e que era possível escutar gritos vindos de lá durante a madrugada, mas gritos que não eram dele.
  Afundo as duas mãos no colchão e me impulsiono para cima, levantando-me da cama enquanto sinto meu corpo ser abraçado por uma enorme ansiedade. Fecho os olhos por um momento e respiro fundo antes de caminhar até à porta do quarto, me sentindo surpresa ao ver no final do corredor, um homem. Com certeza ele fazia parte da segurança reforçada que foi trazida para o castelo, como me falaram antes, mas ainda assim era estranho saber que havia um vampiro em cada canto do castelo, como se fosse um vigia. Isso apenas me fazia cair cada vez mais na realidade de que as coisas estavam perigosas demais desse lado.
  Em silêncio, caminho pelo corredor, e quando passo em frente ao vampiro, ele me olha e acena com a cabeça. Eu retribuo o gesto e sigo rápido para longe, indo até às escadas para o quinto andar. E assim o fiz, me sentindo cada vez mais nervosa ao subir um andar. Eu gostaria de voltar correndo e me esconder, mas eu sabia que precisava fazer isso, visto que Taehyung e eu precisávamos conversar agora mais que nunca.
  A vampira que estava a postos no sétimo andar foi a última, já que não havia ninguém no oitavo andar, e posso imaginar que isso tenha sido uma ordem do próprio Taehyung. Definitivamente ele fez isso.
  Quando meu corpo para em frente à porta do seu quarto, minha ansiedade se torna extremamente desconfortável, sendo muito pior do que antes. Respiro fundo mais uma vez e uso a minha pouca coragem nesse momento para girar a maçaneta. A porta range baixo ao abrir, me deixando ser recebida pela escuridão do quarto e pelo forte odor que vinha de dentro.
  Eu reconheceria esse cheiro em qualquer lugar, era como inalar o perfume da própria morte.
  Minha mão treme sob a maçaneta, e com a boca entreaberta, expiro profundamente, antes de empurrar a porta para dentro e finalmente entrar no quarto.
  Os meus olhos se arregalam e minhas pernas parecem falhar quando vejo os corpos ensanguentados em vários cantos do quarto: dois sobre a cama e três pelo chão. Alguns pareciam terem sido mortos recentemente, outros não.
  Me torno levemente enjoada, mas eu sabia que não era pela gravidez, e sim pela pavorosa cena que fez meu corpo se arrepiar de forma ruim.
  Involuntariamente, solto a maçaneta da porta que se fecha sozinha em uma batida baixa a suave. Encosto minhas costas nela como um apoio, porque eu me sentia extremamente mal aqui dentro.
  Engulo toda a saliva duas vezes, e quando finalmente consigo desvia meu olhar dos cadáveres com pescoços dilacerados, olho em direção a sacada aberta, onde o corpo alto de Taehyung estava parado. A luz que vinha de fora me permitia ver a coloração vermelha em suas mãos e mangas soltas da blusa branca. Algumas gotas de sangue escorriam e pingavam delas, passando por cima das suas unhas pintadas de preto. Já havia um tempo desde que o vi com as unhas pintadas, e a maioria das vezes que me recordo dele assim, Taehyung não estava de um jeito especialmente bom.
  – Taehyung... o que você fez? – Minha voz sai trêmula e baixa, mas, mesmo assim, ele vira sua cabeça, me encarando sobre os ombros, com o rosto sombreado pela escuridão do quarto.
  Apesar de não estarem vermelhos, seus olhos pareciam tão sombrios quanto, e isso faz meu corpo se arrepiar pela segunda vez.
  O meu coração se aperta de desespero por ele e por quem ele matou.
  As palavras de Amia surgem em minha mente, em um aviso que dizia que eu deveria correr se não conseguisse suportar isso. E eu não sei até onde posso ir com o Taehyung. Eu sei que apesar de querer apenas me desestabilizar, Amia não mentiu em nada do que disse, e encontrar essa cena no quarto do Taehyung só reforça os meus maiores temores.
  Ainda com as pernas fracas, me afasto da porta e começo a ir em sua direção com passos pequenos. Paro atrás do seu corpo alto e encaro suas costas largas cobertas pela blusa fina que quase era transparente.
  – Você pode me olhar, por favor?
  Ele permanece parado por alguns instantes, mas acaba se virando lentamente até que estive de frente para mim.
  Sua boca estava manchada de sangue, e alguns vestígios do líquido quente haviam escorrido por seu queixo e pescoço, sujando a gola da blusa.
  – Por que você fez isso? – Pergunto, sentindo os meus olhos ameaçarem marejar.
  – Por que eu não faria isso? – Sua voz sai baixo e muito grave.
  Fico em silêncio, sentindo o peso do seu olhar que não muda. Eu não sabia o que fazer, me sentia mal aqui e me senti ainda pior quando percebi que, por um segundo, o olhar de Taehyung foi até a minha barriga, me fazendo prender a respiração e dar um passo assustado para trás. Minha mão faz um mínimo movimento involuntário querendo ir até minha barriga, mas não o faço.
  O que é isso? Por que me sinto assim tão frágil? É o Taehyung que está na minha frente, mesmo que seu olhar me lembrasse um pouco o de Henry agora. Não, esse ainda era o Taehyung.
  – Jimin já te contou sobre Henry? – Pergunto, temente.
  Taehyung desvia seu olhar e se vira, indo para perto do batente da sacada.
  – Sim. – Ele segura no batente, o sujando de sangue.
  Mais uma vez me aproximo dele, me colocando ao seu lado.
  – E o que você está pensando em fazer agora?
  Ele me encara de canto de olho.
  – Amanhã mesmo irei atrás dele e o matarei da pior forma possível. – O vento da noite passa por nós, mas são suas palavras que me causam um calafrio.
  Os seus olhos estavam cheios de fúria e seus dedos ensanguentados criaram rachaduras no batente da varanda quando ele o apertou com força.
  – Você nem sabe onde ele está.
  Taehyung se vira bruscamente para mim, me assustando pelo gesto inesperado.
  – Mas eu vou encontrá-lo, Elena, nem que eu tenha que buscá-lo no inferno. – Percebo quando suas presas se alongam um pouco em meio a sua fala tempestuosa.
  Puxo bastante ar pelo nariz, tentando me acalmar para continuar com essa conversa.
  – Não faça nada agora, o seu pai está com o Hyun, não se esqueça. É preciso ser cauteloso, eu vi nos olhos dele que ele não estava mentindo quando disse que mataria o Hyun se você fizesse algo.
  Suas pupilas dilatam e sua mandíbula fica marcada quando ele aperta os dentes. Taehyung estava se controlando, e sei que poderia acabar com qualquer um agora. Por este motivo, estremeço ao pensar que poderia ser eu.
  Um pouco receosa, toco em uma das mãos de Taehyung, logo vendo o sangue que já não era mais quente, manchar minha pele. Ele encara nossas mãos e depois meu rosto.
  – Me deixe te ajudar, Taehyung. Acredite em mim, eu quero tanto quando você acertar as coisas com o seu pai, mas nós precisamos fazer da maneira certa. – Pisco os olhos alguns vezes e depois encaro o interior do quarto, vislumbrando rapidamente os corpos.
  O sinto fechar seus dedos nos meus em um aperto suave, e quando o encaro percebo que já não tenho mais medo. Eu havia tomado a minha decisão, apenas precisava ser corajosa o suficiente para admitir isso para mim mesma.
  – Eu sei que você tem motivos para não confiar em mim, embora nunca tenha feito isso de forma agressiva. Vim para Transilvânia com o intuito de terminar o que comecei em Upiór, na lua de sangue e, mesmo assim, você me recebeu, indo contra todos os outros vampiros. E hoje, quando a igreja se vira contra mim, você continua me protegendo no seu castelo. – O fito com veemência para que ele enxergue minha sinceridade. – Se você fez tanto por mim, me deixe fazer isso por você agora.
  Noto seus olhos se arregalarem quase que imperceptivelmente, mas não espero por uma resposta, pois, logo em seguida, solto seus dedos e o abraço de forma imprevisível.
  Taehyung permanece estático por um tempo, com os braços minimamente levantados, antes de corresponder ao meu abraço, espalmando suas mãos sujas nas minhas costas. Fechos os olhos e encosto minha cabeça em seu peito, escutando as batidas lentas do seu coração que tinha a única função de bombear o sangue daqueles que ele se alimentava.
  – Eu confio em você. – Ele confessa baixo, me fazendo expirar alto, quase como se suspirasse.
  Após cinco anos dentro da Transilvânia e nos braços do verdadeiro Drácula, me dou conta que isso era inevitável, assim como morrer sendo uma pecadora. Eu sempre neguei o que levava dentro de mim, tentei de todas as formas me convencer de que nunca deveria cair em tentação, mas era apenas uma grande tolice. Dediquei os últimos nos da minha vida a seguir as regras da igreja e obedecer a todos os seus mandamentos, para que no final eles me condenassem como alguém tão sujo quanto os vampiros, em sua percepção do que era ser sujo. Mas, foi nesse enorme castelo, convivendo dia após dia com os vampiros, que eu finalmente pude me libertar e me soltar das amarras do Vaticano. Como ímpia, não julgarei alguém pelo que é; mas como Van Helsing, eu caçarei todos aqueles que ameaçarem a minha vida e daqueles que são importantes para mim. A marca que carrego em minhas costas e o anel que carrego em meu dedo, são, a partir de agora, a união do que nascia dentro de mim. A complexidade de duas espécies expurgadas que um dia darão vida a algo maior.
  – O que faremos em relação ao bebê? – Pergunto, quebrando o silêncio que nos envolveu.
  Taehyung não me solta, permanecendo-me contra seu corpo quente pelas vidas que ele roubou.
  – Tenho estado aqui por quase trezentos anos, e já vivi tudo que você pode imaginar. Mas nada disso me preparou para um momento como esse... me desculpe por não poder te ajudar agora, Elena. – Com o tom de voz baixo, ele diz para que apenas eu o escute. – Não importa qual decisão você tomar em relação a nossa criança, eu vou estar do seu lado por toda eternidade.

Capítulo 27
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