Capítulo 26
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Sinto algo úmido ser pressionado em minha testa, em várias partes, de forma suave. Então, vagarosamente, com os olhos pesados, tento abri-los, vendo um pequeno filete de luz surgir, me obrigando a fechar os olhos de novo, por um momento.
– Você acordou, graças a Deus! Eu já estava ficando com medo de que nunca mais acordasse. – Uma voz masculina e desconhecida soa exaltada do meu lado esquerdo.
Me forço a abrir os olhos de novo, tentando lutar contra a claridade que me incomodava.
– Você consegue me entender? – Um senhor de cabelos brancos, iguais a sua barba, surge na minha frente, colocando sua cabeça em frente ao meu rosto.
– S-Sim... – Minha voz sai falha e baixa, devido a minha boca estar extremamente seca. – Eu consigo te entender.
A expressão do senhor é de alívio. Em seguida, sinto a superfície macia da qual eu estava deitada - uma cama, suponho - afundar quando o senhor se senta nela.
– Qual o seu nome, menina?
Pisco os olhos lentamente, e respiro fundo, fazendo um baixo chiado.
– Elena.
– Elena, eu sou Jhoel. Estava caçando aqui por perto e te encontrei desacordada na floresta. Eu dei um jeito nesse seu machucado, mas acho que você deveria visitar um médico. Não te levei para a cidade porque achei melhor esperar você acordar.
Tento abrir mais meus olhos, mas eles ainda estavam muitos pesados e meu corpo também, contudo, me sinto um pouco acalmada por não ter ficado caída naquela floresta para sangrar até morrer.
– Jhoel... muito obrigada. – Minha voz ainda sai com dificuldade.
– Você quer um pouco de água? Também estou fazendo uma sopa, se quiser. – Ele se levanta, afastando-se de mim e sumindo de onde eu podia vê-lo.
Encaro o teto acima de mim, me lembrando de tudo que aconteceu. Eu preciso avisar aqueles irmãos sobre o que está prestes a acontecer, mas sinto como se quase todas as minhas forças fossem arrancadas de mim e, de fato, isso aconteceu mesmo.
A sensação era ruim, como se eu estivesse tão cansada que não pudesse fazer nada e até mesmo manter os olhos abertos se tornava uma tarefa completamente difícil. Ao menos, eu não tinha mais dor e, na verdade, eu parecia não ter mais nada; eu experienciava um grande vazio.
Jhoel volta a surgir do meu lado, segurando uma tigela que parecia ser feita de argila. Uma pequena quantidade de fumaça saía dessa vasilha, e suponho que seja a tal sopa que ele mencionou antes.
– Você quer comer sozinha ou prefere que eu te dê? – Ele me encara com seus grandes olhos que passavam um pouco de bondade.
– Você tem algum telefone? Eu gostaria de fazer uma ligação antes.
Ele assente e se levanta.
– Eu tenho um, espere só um minuto.
Não o vejo mais, mas, logo depois, o consigo escutar abrindo alguma coisa e remexendo em algo.
– Eu não gosto muito dessas tecnologias dos jovens. Minha filha me deu um celular há alguns anos, no meu aniversário, ela insiste que eu mantenha isso aqui, porque eu moro nessa floresta e longe da cidade, e esse é o único meio de comunicação entre nós dois. – Ele continua remexendo sem suas coisas. – Ela não gosta muito de vir aqui, diz que tem medo de ser atacada por um urso. – O escuto rir. – Bem, eu nunca vi um por essas bandas, caso contrário, eu já teria feito um belo tapete com o seu couro. Aqui, achei esse trambolho.
O escuto correr para perto de mim, e logo sua imagem surge outra vez.
Jhoel me estende o celular, era um modelo um pouco antigo, mas a única coisa que importava, era que ele realizasse a minha ligação.
Respiro fundo de novo e começo a fazer força para levanta meu braço direito, que treme um pouco. Ele também estava bem pesado, tornando meus movimentos lentos demais. Jhoel me entrega o celular, e quando encaro as teclas do aparelho, minha visão embaça, e preciso piscar os olhos algumas vezes, tentando fazer minha visão melhorar.
Após alguns segundos com o aparelho desbloqueado em mão, começo a digitar o número de Wendy, com o dedo trêmulo, enquanto sinto meu corpo ficar cada vez mais pesado, principalmente, os meus olhos, que faziam minhas pálpebras se fecharem vagarosamente, me tornando enfraquecida a medida que volto para a escuridão, antes de conseguir tocar no botão verde para realizar a ligação.
***
Meu corpo sobressalta em um pulo, quando escuto um barulho muito alto. Assustada, abro os olhos e me sento sobre o chão, do qual antes eu estava deitada.
Rapidamente apalpo meu tronco, procurando pelo machucado na minha barriga, mas não sinto nada. Levanto minha blusa e vejo que não havia cortes ou cicatrizes na minha pele.
Mais uma vez, sobressalto quando passos pesados que corriam, ecoam acima de mim. Ainda mais assustada, olho para cima, vendo um teto de madeira.
Observo ao meu redor, percebendo que estava em uma casa escura e totalmente feita de madeira. Receosa, me levanto do chão e caminho para perto de uma janela coberta por uma cortina. A afasto, vendo do lado de fora, clarões que indicavam a chegada de uma tempestade.
Um barulhento e poderoso trovão acompanho de um relâmpago, rasgam o céu, iluminando o lugar onde eu estava e me fazendo sair de perto da janela, de forma involuntária e assustada.
O meu corpo inteiro se arrepia, e corro para fora da sala onde eu estava, encontrando uma porta de entrada. Tento abri-la, mas estava trancada.
Me afasto da porta e vou para uma cozinha pequena, encontrando mais uma porta. Essa também estava trancada. Tento abrir a janela da cozinha para sair, já que a da sala estava soldada.
Essa janela não abre, como tudo aqui.
Me viro de costas para a pia da cozinha quando escuto mais passos correndo no andar de cima. E sem ter por onde fugir, acabo saindo da cozinha e procurando as escadas que me levariam para o segundo andar, onde, possivelmente, havia alguém.
Seguro com força no corrimão de madeira e começo a subir, escutando cada um dos degraus rangerem debaixo dos meus sapatos. Conforme eu me aproximava do segundo andar, as coisas se tornavam um pouco mais claras.
Quando meus pés tocam o chão do segundo andar, os passos cessam e um agudo choro de bebê transita pelo corredor à minha frente. O choro parecia sofrido, como se me pedisse ajuda, por isso, não hesito em segui-lo, indo diretamente até à última porta, a única que estava aberta, deixando uma fraca luz emanar dela e atingir o outro lado do corredor.
Perto da porta, o choro para. Seguro no batente branco e me viro para entrar no quarto, vendo um cômodo completamente decorado com móveis para bebês. Haviam delicadas cortinas e um tapete felpudo, papéis de parede com desenhos infantis e um abajur em formato de urso. Tudo em tons claros e simples, com exceção do berço adornado por um dossel, que estava completamente manchado de vermelho, deixando um rastro da porta até a grade do berço.
Uma sensação ruim me corre dos pés à cabeça, e meu interior fica ansioso. Aperto o tecido das minhas calças, e começo a me aproximar lentamente do berço, até estar de frente para ele. Não havia nada no berço, ele estava vazio, apenas uma grande poça de sangue minava sobre o pequeno colchão para bebê.
Subitamente, o choro volta, mas, dessa vez, vem de fora do quarto, acompanhando os mesmos passos apressados de antes. Mais uma vez assustada, me viro, encontrando duas crianças paradas na entrada do quarto, uma menina e um menino, ambas com as mãos e bocas sujas de sangue.
– Foram vocês que fizeram isso? – Pergunto para as crianças, mas elas não respondem, apenas ficam em silêncio, me encarando.
O choro fica alto, muito alto, quase incomodando os meus ouvidos.
– Onde está o bebê? – Eles se viram e saem correndo para longe.
Me sentindo completamente assombrada, saio do quarto, procurando pelas duas crianças. As vejo indo em direção às escadas.
– Onde está o bebê?!Me digam onde está o bebê! – Grito, exasperada, e começo a tentar abrir as outras portas do corredor, mas todas estavam trancadas.
O choro ecoa pela casa onde estou, agora vindo do primeiro andar. Corro para as escadas e desço com pressa, tropeçando no último degrau.
Paradas do lado direito, na sala, as crianças riem enquanto me encaram, antes de saírem correndo de novo. Me apresso com rapidez e corro atrás delas, atravessando a sala e entrando em um novo corredor, esse, completamente escuro, não me impossibilitando ver nada. E tudo que eu posso fazer, é seguir o choro alto do bebê, sem saber onde ele estava.
Olho para trás e já não vejo mais a saída, estava tudo escuro e eu parecia presa aqui.
O bebê grita, me fazendo voltar a correr em sua direção, mas o corredor não tinha um fim, quanto mais eu corria, mas longe eu ficava do choro.
– O bebê! Onde está o bebê? – Automaticamente, sem que eu consiga entender, enquanto brado no corredor sem luz, sinto os meus olhos começarem a marejar, à medida que sou engolida por uma angústia da qual não sabia de onde vinha. – O meu bebê! Por favor, onde ele está? Eu preciso achar o meu bebê!
O meu bebê? O que eu estou falando?
Paro de correr, entrando em um estado de choque. Meus olhos se arregalam enquanto me jogo de joelhos no chão. Involuntariamente, uma das minhas mãos vai até à boca e a outra até à barriga, apertando o local com força.
– É o meu bebê...? – As lágrimas quentes começam a escorrer por meu rosto, ao mesmo tempo que o choro alto e estridente me engole de forma pavorosa, cobrindo o grito de desesperado que sai da minha boca.
