Drácus Dementer: Lycanthrope


Escrita porHels
Revisada por Natashia Kitamura


Capítulo 23

Tempo estimado de leitura: 14 minutos

  Entre as barras, além da janela, eu conseguia enxergar a lua do lado de fora. O vento estava um pouco mais forte, fazendo os meus braços descobertos se arrepiarem. O som do vento assoviando ao passar pela janela era a única coisa que fazia barulho aqui dentro.
  Respiro fundo enquanto continuo passando minha mão pelos fios de cabelos escuros de Hyun, que estava com a cabeça deitada no meu colo. Já nem sei a quantas horas estamos assim, sentados sobre esse chão duro e gelado.
  Os meus olhos ardiam um pouco, resultado do choro e, às vezes, eu precisava piscar vários instantes seguidos até que eles se lubrificassem e se tornassem menos incômodos.
  No fundo, a porta de metal é aberta por um homem que dá passagem para Amia, que entra aonde estamos, carregando um balde de alumínio.
  Fico em silêncio, apenas a observando se aproximar.
  Ao parar em frente a cela, ela balança uma única chave presa em uma argola.
  – Pensei que estariam com fome. – Amia sorri e abre a cela, empurrando o balde para dentro. Ela volta a trancar a cela logo em seguida.
  Hyun levanta sua cabeça para olhar Amia e acaba se sentando do meu lado.
  Permaneço parada em silêncio.
  Amia arqueia as sobrancelhas.
  – Não vai comer? Eu não envenenei a comida, caso esteja pensando isso. – Não a respondo. – Certo, morra de fome então. Mas seria uma morte bem chata e sem valor algum.
  Ela cruza os braços.
  – De qualquer forma, faça o que quiser, mas tenho certeza que ele vai querer o que está aqui dentro.
  Encaro Amia e depois Hyun, que devolve o olhar. Eu realmente não confio na Amia, mas isso não se trata apenas de mim. Esse garotinho tem estado quieto o tempo todo e, talvez, mesmo sendo um vampiro, esteja assustado com tudo que está acontecendo, afinal, ele ainda é uma criança.
  – Fique aqui. – Peço para Hyun, antes de me afastar e ir até o balde de alumínio, vendo dentro dele um pão e um frasco de vidro cheio de sangue.
  – Nosso estoque de almas humanas infelizmente acabou, mas acho que isso pode ajudar a conter o fedelho estranho por enquanto. A menos que você queira se abater por ele, Elena. – Amia sorri, enquanto caçoa.
  Ainda sem respondê-la, pego o balde e o arrasto para perto de Hyun, entregando para ele o frasco com sangue. O garotinho desrosqueia a tampa e logo começa a beber o líquido espesso e vermelho como os humanos bebem água.
  Amia contorna a cela enquanto seus saltos, debaixo do vestido, criam ecos. Ela para do lado esquerdo e se agacha, sentando-se no chão de frente para onde estávamos, com as pernas cruzadas.
  – Sabe, eu estive pensando sobre a nossa conversa de antes. – Ela suspira falsamente. – Talvez eu tenha sido um pouco dura com você, mas não me entenda mal, eu só queria abrir os seus olhos, Elena.
  A encaro com severidade, sem ter nenhuma pretensão de conversar com ela.
  – Enquanto eu pensava sobre isso, também encontrei a solução perfeita para você e Taehyung. – Ela sorri fechado, falando como se eu realmente estivesse interessada. – Quando estamos apaixonados, fazemos coisas inexplicáveis, por isso, quero saber se você já leu Romeu e Julieta, Elena?
  Desvio meu olhar, fitando Hyun. Coloco minha mão sobre sua cabeça e começo a afagar seu cabelo de novo, enquanto ele termina de beber o sangue e eu finjo que Amia não estava aqui.
  – A maneira desesperada como Romeu bebeu o veneno por pensar que Julieta havia morrido quando, na verdade, ela estava viva. Ele fez isso por amor, por querer desesperadamente estar ao lado de sua amada. – Continuo me concentrando em Hyun, tentando não prestar atenção nas palavras de Amia. – E quando Julieta acorda e vê Romeu morto, o que ela faz? Pega o punhal dele e se mata, pois para ela já não havia mais motivos para viver sem ele.
  Quando Hyun termina de beber o sangue, ele me entrega o frasco, da qual eu fecho e coloco de volta no balde.
  – Quer o pão? – Pergunto para o garotinho, mas ele nega.
  – É uma história trágica, não posso negar, mas a base dela é o sacrifício pelo amor, a vontade de estar com aquele que se ama. Você e Taehyung são como Romeu e Julieta, Elena. Não deveriam estar juntos, porém, a única forma disso acontecer, é através do sacrifício. Então, se você gosta do Taehyung, o quanto estaria disposta a se sacrificar por ele? – O tom de voz de Amia vai se tornando mais baixo à medida que ganha intensidade, rodeando minha mente como um encanto assombrado que eu não conseguia me livrar.
  Puxo uma grande quantidade de ar para dentro, tentando me manter calma e controlada.
  – O único jeito de permanecer ao lado do Taehyung, Elena, é se você sacrificar o que tem de mais valioso... – Mesmo sem olhá-la, a escuto rir de forma nasalada. Diante o olhar de Hyun, que me fitava, sinto meu corpo se arrepiar com o vento, mas eu sabia que isso era sobre o que estava por vir. – sua vida humana.
  O vento assovia alto quando Amia fica em silêncio, e isso entrava diretamente dentro da minha cabeça, deixando meu corpo desconfortável.
  – Você se tornaria uma vampira por ele, Elena?
  Involuntariamente, meu corpo estremece ao escutar essa frase, como se trouxesse memórias ruins.
  – Esse é o seu sacrifício, o único jeito de ficarem juntos. Você precisa renunciar tudo que tem, dar as costas para sua fé e o seu Deus, se entregando de corpo e alma para uma nova vida, ou no caso, morte. Passar todos os seus dias caçando e matando aqueles pelo qual você vem lutando, os enxergando como seres mais fracos que você, que vivem por um único motivo, te satisfazer. Talvez, no começo, seja um pouco difícil para você, afinal, você tem sua família; a sua irmã, por exemplo. Você acha que ela te aceitaria depois de tudo que passou com os vampiros? Possivelmente não, mas com o tempo você aprenderia a lidar com isso até não se importar mais com o que os humanos pensam.
  Respirando fundo e soltando o ar fortemente pelo nariz, me viro para Amia, que me observava com atenção.
  – Eu gostaria de ir ao banheiro.
  Amia sorri e me fita por alguns segundos, antes de se levantar.
  – Claro, eu te levo. – Ela caminha até a frente da cela, destrancando-a.
  – Vem, vamos. – Digo para Hyun, que se levanta comigo.
  – Ele fica. – Amia diz da entrada da cela.
  – Não vou deixá-lo sozinho aqui. Ele vai comigo e não fará nada, não é mesmo? – Encaro o garotinho, que assente em silêncio, enquanto pega em minha mão.
  Amia suspira e nos encara com desinteresse, mas nos deixa sair da cela.
  Ela toma a frente, nos guiando até à porta de metal, enquanto seus saltos ecoam pelo lugar pequeno. Amia dá duas batidas na porta enferrujada, que logo é aberta pelo mesmo homem de antes. Nós três saímos, entrando em um enorme corredor escuro.
  A mais ou menos uns três metros da porta de metal havia outra, essa, de madeira. Amia parou em frente a ela, enquanto o homem de cabelos escuros ficou parado perto da porta de metal.
  – Esse é o banheiro, fiquem à vontade, mas não tentem nada idiota. Eu vou saber se tentarem. – Ela alerta e abre a porta de madeira, nos deixando entrar.
  Assim que acendo a luz do banheiro, Amia fecha a porta, deixando-nos sozinhos. O lugar era pequeno e simples, só com uma privada, uma pia branca trincada e um espelho pequeno acima dela.
  – Nós vamos sair daqui, Elena? – Hyun pergunta quando paro na frente do espelho.
  O fito sobre os ombros e levo o dedo indicador até os lábios, fazendo um gesto de silêncio, depois, indicando a porta. Amia com certeza, podia nos ouvir.
  Não queria usar o banheiro, isso foi apenas um pretexto para fugir daquela conversa. Eu verdadeiramente não aguento mais ouvir a voz da Amia, me sinto mal só por escutá-la falando comigo.
  Apoio minhas mãos sobre a pia de mármore e suspiro de olhos fechados, enquanto penso em como posso descobrir aonde estamos e como podemos fugir. Segundos depois, abro os olhos e encaro meu reflexo no espelho, fitando bem os meus olhos.
  Você não se tornará uma vampira, Elena. Você nasceu como uma Van Helsing e morrerá como uma. E não há nada nesse mundo que te fará mudar de ideia.
  Fico por mais algum tempo no banheiro, apenas para que Amia acredite.
  – Precisa fazer alguma coisa? – Encaro Hyun através do espelho, e ele nega com a cabeça.
  Com isso, pego em sua mão e abro a porta do banheiro, onde Amia nos esperava do outro lado, escorada contra a parede.
  Sorrindo, mas em silêncio, ela nos leva de volta para onde nos mantinha presos. Se eu estivesse sozinha, talvez tentasse fugir correndo, mas não seria uma boa ideia tendo Hyun comigo. E não posso esquecer que nem sei onde estamos, nem quantos lobos e vampiros estão nesse lugar.
  – Quer ver? – Amia pergunta, quando me percebe olhar para a janela, antes de entrar na cela.
  A encaro com desconfiança, mas assinto. Assim, caminhamos até à janela. E tudo o que se podia ver daqui era o céu da noite e uma enorme floresta. Haviam árvores altas por todos os lados, e a distância delas para onde estávamos era alarmantemente alta, chegando a ser um pouco assustador. Isso definitivamente era uma torre.
  – Ainda estamos na Romênia? – Pergunto, apoiando as mãos na janela de pedra.
  – Sim, mas fora da Transilvânia. – Amia se coloca do meu lado na janela.
  O vento que vem de fora nos atinge de uma só vez, assoviando.
  Me afasto da janela e de Amia, caminhando até à cela onde Hyun estava. Sem reluta, entro e vou para perto do garotinho, me sentando do seu lado.
  Amia tranca a cela.
  – Se não precisam de mais nada, estou indo agora. – Ela coloca as mãos na cintura e nos fita por alguns segundos, esperando por resposta que não vem. – Certo, estou indo então. Elena querida, pense na nossa conversa. – Ela sorri para mim, depois se vira e sai da torre.
  Permaneço quieta por alguns minutos para me certificar de que ela e nem ninguém viria aqui de novo.
  – Acho que agora podemos conversar. – Me arrasto para ficar sentada na frente de Hyun.
  Ele me encara com atenção e acena com a cabeça.
  – Eu não me lembrei disso antes porque estava nervosa – Confesso. – Hyun, você consegue voar, não é? Como seus irmãos fazem. Transmutação em morcego.
  – O Jimin e o Jin me ensinaram isso algumas vezes. – Com as pernas dobradas debaixo do corpo e as mãos sobre os joelhos, Hyun responde.
  Olho para a porta de metal fechada, e depois de novo para Hyun. Seguro nas pequenas mãos do garoto.
  – Hyun, preste atenção em mim agora. – Falo baixo. – Coisas ruins podem acontecer se continuarmos aqui, por isso, eu preciso que você voe e veja se encontra alguma coisa nos arredores, uma cidade ou pessoas que não estejam perto desse lugar. Pra que possamos fugir, eu preciso saber o que tem ao nosso redor, você entende? – Ele assente.
  Suspiro, encarando o chão por um momento.
  – Se suspeitar de algo, sempre continue como um morcego, não deixe que te vejam na forma normal. Dê uma volta no lugar e volte pra cá, está bem? – Não o espero responder e dou-lhe um abraço que transmitia toda minha preocupação. – Não faça nada perigoso.
  Quando o solto, Hyun se levanta e me encara por segundos. De pé, o garotinho me abraça de novo, passando seus braços ao redor do meu pescoço.
  – Eu vou voltar, tá bom? – Ele sorri para mim, antes de seu pequeno corpo se envolver em uma cortina de fumaça negra, o transformando em um pequeno morcego que voa em direção às barras da cela, passando por entre elas e indo até à janela aberta, sumindo.
  Me aproximo das barras, as segurando enquanto encaro a noite além da janela.
  – Por favor, fique bem.

***

  A brisa fresca me atinge e abro os meus olhos, vendo o grande penhasco que estava perto de mim. Franzo meu cenho e dou um passo para trás, involuntariamente. A brisa me rodeia e, confusa, começo a me aproximar do penhasco, espiando-o; um grande vazio cujo fim não se podia ser visto.
  Meu corpo inteiro se arrepia e escuto o som baixo de um choro. Me viro em direção a ele e arregalo os olhos ao ver, não muito longe, um enterro acontecendo..
  Haviam fileiras de cadeiras vazias sobre a grama alta, enquanto ao fundo, havia um caixão e uma mulher vestida de branco debruçada sobre ele, chorando em meio às coroas de flores mortas.
  Era uma noiva.
  Tenho um mau agouro quando penso reconhecer o vestido e véu que ela usava.
  Cautelosa e um pouco temente, começo a me aproximar da cerimônia fúnebre de uma pessoa só. O som dos meus passos sobre o mato malcuidado entrega a minha chegada, mas a noiva não se importa, pois permanece debruçada sobre o caixão, chorando.
  Devagar, caminho no meio das duas fileiras de cadeiras vazias, me aproximando mais ainda do caixão fechado e da noiva.
  O seu choro parece ficar mais alto, de um jeito que chegava a incomodar os meus ouvidos, como um estridente zumbido.
  Mais alguns passos e paro atrás dela, de fato reconhecendo seu vestido e o anel em sua mão esquerda. Os meus olhos se arregalam de novo e mais um arrepio sobe por minha espinha, enquanto, hesitantemente, toco seu ombro, e isso a faz chorar ainda mais alto.
  – Você está bem? – Pergunto e encaro o caixão fechado, conseguindo ver agora que estou próxima, uma pequena janela de vidro nele, deixando à vista o rosto de quem estava do outro lado.
  Se isso é possível, eu não sei, mas pude sentir o meu coração parar no segundo em que percebi quem estava dentro do caixão: era a Wendy.
  Minhas mãos começam a tremer e me desespero. Me jogo de joelhos no chão e encaro de perto seu rosto sem cor através da janela pequena e retangular.
  – Abra esse caixão! Abra esse caixão agora! – Exasperadamente tento levantar a tampa do caixão, que não abre, mas faz com que a noiva finalmente erga seu rosto, me encarando com os olhos vermelhos como os de um vampiro.
  Mesmo de joelhos, me desequilibro e caio para trás, sentada, enquanto agarro o mato alto com força, o arrancando do chão de terra.
  A pele pálida, os olhos vermelhos, as presas longas, a boca suja de sangue... essa era eu.
  Meu coração volta a bater em um salto e minha respiração se acelera em questão de segundos.
  Completamente assustada, me levanto e corro para perto das cadeiras que, nesse momento, não estavam mais vazias, mas sim ocupadas por cadáveres de pessoas que eu conhecia, como Lilu, Sally, Padre Albert e minha mãe. Todos com mordidas sangrentas nos pescoços e olhos vidrados que pareciam me encarar com julgamento.
  Tremendo mais que antes, começo a correr para longe deles enquanto sinto as lágrimas de desespero molharem o meu rosto. Com as pernas descontroladas, não paro de olhar para trás, me vendo cada vez mais longe daquela cena horripilante.
  Um grito mais alto que o choro da noiva rasga a brisa fresca de antes, quando sinto os meus pés saírem do chão e meu corpo ser puxado de encontro do penhasco escuro e sombrio, do qual corri em direção.

Capítulo 23
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