Capítulo 21
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Suspiro baixo, tentando não o acordar. Já deve fazer, ao menos, uns bons minutos que estou aqui deitada, apenas o encarando.
Estico meu braço esquerdo, já que meu corpo, de lado, estava sobre o direito e, suavemente, acaricio seu rosto de expressão calma. Depois de um dia difícil, e de uma noite muito agitada, acordando toda hora por ter sonhos com seus pais, Taehyung finalmente havia dormido.
Ele precisava descansar, e fez isso há pouco. Nossa madrugada não compensou o momento que tivemos antes disso. Eu pensei que talvez tivesse o ajudado a esquecer o que aconteceu por um momento, mas quando decidimos dormir e Taehyung passou a ter essas lembranças da vida de seu pai, provavelmente despertadas pela revelação de Carla, ele chorou de novo, se enfureceu mais uma vez e precisei contê-lo para que não destruísse o próprio quarto. Agora, ele havia visto com os próprios olhos a morte de sua mãe, e não havia mais nada que eu pudesse fazer para o ajudar nesse momento.
Cuidadosamente, saio debaixo do lençol que nos cobria e me arrasto para fora da cama. Taehyung não se mexe, permanece dormindo. Procuro por minhas roupas e as visto e, em seguida, deixo o quarto de Taehyung, indo até o meu.
Solto outro suspiro, sentindo meu corpo pesado, não de cansaço, mas sim de emoções e sentimentos escuros. Após tomar um banho e vestir roupas limpas, abro as portas da sacada, deixando a luz do sol que nascia, iluminar e aquecer meu quarto.
Vou para o quinto andar, em direção ao quarto de minha irmã. Devido a sua melhora, Sally e Lilu não dormiram com ela hoje. Elas devem estar descansando agora, todos estão cansados de tudo que passamos, então decido não as acordar ou ir até seus quartos.
Converso brevemente com minha irmã sobre toda essa situação, mas, ao perceber como isso me deixava, Wendy resolveu mudar de assunto e me mostrou alguns livros que andava lendo. Todos eram sobre exorcismo. Ela disse que já que passava tanto tempo no quarto, resolveu se aprofundar um pouco mais, pois, segundo ela, assim que melhorasse, iria detonar os lobos com tudo que aprendeu.
Ficar ao lado da Wendy, com esse jeito despreocupado dela, realmente era algo que me curava, e me sinto um pouco mal por não passar tanto tempo com ela, mas hoje, com certeza, eu faria isso. Minha irmã me disse que mais tarde Sally faria o primeiro teste para saber se Wendy já conseguia sair da cama sozinha, e isso era uma notícia boa no meio de tantas coisas turbulentas.
Quando meu estômago ronca de fome, aviso minha irmã que irei tomar café e pedirei para que Skull trouxesse algo para ela. Wendy assentiu e voltou a ler mais um dos seus livros sobre exorcismo.
A mansão estava silêncio, e mesmo que sempre fosse assim, hoje era diferente. Até mesmo o ar que transitava pelos corredores parecia mais pesado de respirar.
Não encontrei Skull na sala de jantar, então o procuro na cozinha, onde o mordomo estava a preparar o café. Educadamente pedi que ele me preparasse um chá de erva-roxa antes, e tenho certeza que meu rosto ficou vermelho por isso. Com um aceno de cabeça e em poucos minutos, ele me entregou uma xícara de porcelana com o líquido quente. O agradeço e volto para a sala de jantar, deixando a xícara na mesa, esperando o chá esfriar um pouco.
– Bom dia.
De pé em frente à ponta da mesa, encontro Blarie parada na entrada da sala de jantar.
– Bom dia. – Respondo.
Ela se escora contra a parede aberta e cruza os braços. Seu olhar era vago e sua expressão um pouco cansada.
– Como está? – Pergunto, apoiando as mãos sobre a mesa.
– Um pouco chocada com tudo isso. Não deveria estar, porque já conhecia Henry, mas estou.
Assinto, sem saber bem o que dizer.
– E o Taehyung, como ele está?
Suspiro alto.
– Mal. – Encolho os olhos. – Depois do que Carla disse, ele começou a sonhar com as lembranças do pai e... e viu tudo. – Desvio o olhar, encarando a borda da mesa coberta por uma bonita toalha branca.
– Quando Jin encontrou nossa equipe ontem e contou tudo, Namjoon, Jungkook e Yoongi sumiram, cada um foi para um lado. Eles ainda não voltaram para o castelo. – Seu semblante se torna amargo, de modo que sua tristeza me atinja.
Me afasto da mesa, a contornando e indo até Blarie, dando-lhe um abraço que ela retribui.
– Hoseok está trancado no seu quarto e Jimin está com ele, enquanto Jin continua enfiado no escritório pensando em planos idiotas para tentar distrair sua mente um pouco. – Com o queixo apoiado em meu ombro, ela diz com a voz baixa. – Eu queria poder fazer alguma coisa por eles, Elena.
Suspiro pela quarta vez.
Desfaço nosso abraço e seguro em suas mãos.
– Eu também queria. – Confesso, sincera.
Blarie pisca os olhos algumas vezes, tentando afastar o brilho marejado que surgia neles.
– Vou atrás daqueles três. Não acho que estejam fazendo coisas boas por aí. – Um pequeno arrepio atinge os pelos dos meus braços, quando escuto suas palavras.
Assinto e, com um sorriso triste, Blarie larga minhas mãos e sai da sala de jantar ao mesmo tempo em que Hyun entrava. Ela passa rapidamente as mãos pelos cabelos escuros dele e se vai.
Carregando sua inseparável boneca, Hyun para na minha frente.
– A Wendy já tá acordada?
– Está, sim, mas ela precisa comer um pouco, Hyun. E fará isso assim que Skull terminar de preparar o café da manhã. – Ele parece ficar um pouco desapontado com o que digo.
O encaro em silêncio por alguns segundos, pensando em como esse pequeno garotinho é o único isento de toda confusão, mas, também, o que mais foi privado de ter o amor da sua mãe.
– Estou pensando em dar uma volta. Você quer vir comigo? – Pergunto, e bastam segundos para que seus olhos ganhem um brilho entusiasmado.
Ele assente várias vezes, me fazendo sorrir sutilmente.
***
Após pegar algum dinheiro, Hyun e eu deixamos o castelo, indo em direção ao centro da cidade.
Primeiro, fizemos uma pequena parada em uma simples e ajeitada loja, onde tomamos nosso café da manhã. Depois, demos algumas voltas pela cidade e paramos toda vez que Hyun se impressionava com alguma coisa, seja ela ver os peixinhos que nadavam debaixo da ponte de pedra, ou observar os músicos de rua que tocavam sanfona.
Deixar os ares do castelo era bom não só para mim, mas para Hyun também. O dia estava realmente bonito para ser apreciado, e como não posso fazer muito pelos outros irmãos, ao menos posso fazer por esse pequeno aqui.
Também estou pensando em comprar algumas flores para Wendy, por hoje ser um dia especial para ela, pois tenho certeza que ela vai conseguir sair daquela cama e voltar a sua vida normal. Da mesma forma, penso em levar algumas flores para Taehyung; sei que ele gosta muito e espero que isso o ajude a se sentir melhor, mesmo que minimamente.
Quando estamos a passos de entrar na pequena rua de ladrilhos onde a loja de flores ficava, Hyun aponta para o seu lado esquerdo, em direção a um homem vestido em um uniforme branco, que manuseava um carrinho de sorvete.
– Você quer? – Pergunto, e Hyun assente.
Fazemos outra pequena pausa para comprar o sorvete de Hyun, e me pego rindo ao ver como ele parecia satisfeito com o doce gelado. Sabendo que os vampiros comem puramente por prazer, do mesmo jeito que os humanos fazem sexo sem ter o intuito da reprodução, era engraçado observar Hyun e a maneira como lidava com as comidas humanas, como se precisasse delas para se alimentar, e não de sangue. Bem, isso com certeza é algo que vai mudar quando ele se tornar um vampiro adulto.
Enquanto se deliciava com seu sorvete de casquinha, Hyun e eu entramos na loja de flores que ficava em frente ao café, do qual já fomos antes. O sino no topo anuncia nossa chegada.
– Tome cuidado para não sujar nada, ok?
Ele assente de novo, com a sua boca ocupada pela massa de morango.
A loja estava vazia, então tivemos a liberdade de andar entre todos os balcões baixos com vasos de flores, nos possibilitando sentir o aroma variado e fresco de cada uma delas.
Hyun me ajudou a escolher as flores de Wendy, insistindo para que levássemos umas de tom rosado, provavelmente por ter a mesma cor que o seu sorvete recém finalizado. Após pegar algumas, procurei pelas flores de Taehyung, me encantando com um pequeno ramo de taraxacum.
Elas seriam perfeitas.
Com tudo que precisava em mãos, vou até o outro lado da loja, onde havia o balcão principal para pelas flores.
Assim que o vencedor começa a colocar os dois buquês em uma sacola marrom de papel, escuto o sino da loja tilintar de novo. Espio sobre os ombros, mas não encontro nada. Franzo o meu cenho e olho para os dois lados, não encontrando Hyun. Me afasto do balcão e dou uma volta completa na loja.
Meu coração se agita e acabo deixando o dono da loja e os buquês para trás, quando saio correndo. Olho para os lados da calçada e não vejo o garotinho entre as pessoas que transitavam por aqui. Meu corpo inteiro fica tenso, e o sol do dia agradável começa a fazer as minhas mãos suarem.
Atravesso a rua correndo e não paro nem quando uma moto buzina para mim, quase me acertando. Vou até o final da rua e paro em frente ao carrinho de sorvete.
– O garotinho que estava comigo antes, o senhor o viu passar por alguém? – Pergunto, exasperada, mas o homem de bigode branco nega com a cabeça.
Minha respiração se torna alta e parece ser a única coisa que consigo escutar agora.
Começo a refazer todo o caminho que fizemos, enquanto grito por Hyun, na esperança de que ele me escute, mas tudo que recebo são os olhares das pessoas ao meu redor que, provavelmente, me acham louca.
Eu já estava desesperada, completamente afundada nisso.
Eu só queria ajudar e acabei piorando tudo, aqueles irmãos já estão passando por tanto, como posso dizer que perdi o irmão mais novo deles?
Parada em uma calçada qualquer, as pessoas passam por mim sem se importarem com o meu estado.
– Não pegue isso, deve estar sujo.
Olho em direção a voz feminina que me puxou para a realidade que me deixava nervosa, vendo uma mulher de mãos dadas com uma criança que tentava pegar uma boneca caída no chão.
– Hyun. – Sussurro para mim mesma, antes de correr em direção ao brinquedo que estava jogado na entrada de uma virada.
As pessoas resmungam quando acabo esbarrando em algumas, mas não tenho tempo de me desculpar.
Quando alcanço, me abaixo para pegar a boneca, limpando-a um pouco. Seu rosto de porcelana estava rachado.
Ainda agachada, olho para dentro da entrada onde a boneca estava, vendo mais uma ruazinha estreita e de ladrilhos, ela era fechada pelas paredes de alguns comércios. Estava deserta, sem sinal de Hyun, apenas os muitos latões largos de lixo.
Abraço a boneca quebrada e entro na rua estreita, disposta a ir para o outro lado dela e procurar Hyun por lá.
Depois passar três latões de lixo, paro abruptamente de andar quando sinto meu corpo se tornar frio e alguém surgir atrás de mim. Aperto a boneca em meus braços e encaro o chão, vendo a silhueta de uma sombra feminina. Meu corpo fica tenso mais uma vez, e antes mesmo que eu tenha a oportunidade de atacar, a sombra se mexe e um pano molhado é colocado em frente ao meu rosto, enquanto um braço rodeia minha barriga, me prendendo quando começo a me debater.
Lentamente meu corpo se torna fraco e mole, e o cheiro forte que vinha do pano me causa uma grande letargia, como se eu estivesse bêbada. Alguns pontos escuros começam a surgir na minha frente, à medida que minha visão vai escurecendo até que eu não consiga mais manter os olhos abertos.
E nesse momento, enquanto meu corpo se desligava e afundava na escuridão, me deixando à mercê dessa sombra, eu entendi o que estava acontecendo. Eu soube que havíamos caído em uma armadilha, onde os lobos foram inteligentes o bastante para contra-atacarem mais rápido do que imaginávamos. Para nós, Kihyun estaria tão preocupado em tirar os lobos das igrejas, que estaria encurralado, mas enviar Carla ao encontro de Taehyung era sua vingança. Ele atingiu os irmãos onde sabia que machucava, nos desestabilizou e sacrificou Carla por sua espécie. Desta forma, nos deixando vulneráveis o bastante para que orquestrasse sua próxima jogada.
– Tenha bons sonhos, querida.
