Capítulo 2
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Faz exatamente quinze horas que Padre Albert saiu daqui com Héllio, um dos representantes do Vaticano.
Anteontem, depois que eu e a minha equipe voltamos para essa pousada que estávamos ficando, percebi que haviam mais de vinte chamadas perdidas do Padre Albert no meu celular, fora as falhas tentativas dele no celular das garotas. Então, naquele momento, eu soube que estava em uma encrenca tão grande que queria fugir, mas tive que reunir coragem e retornar as ligações dele. E, depois de uma longa conversa, contando absolutamente tudo, desde a carta até o anel, Padre Albert ficou por longos segundos em silêncio, e eu até pensei que ele pudesse ter desmaiado ou coisa do tipo, mas quando ele começou a gritar do outro lado da linha, eu soube que ele estava mais que acordado. Eu nunca tinha "visto" o Padre daquele jeito, eu até o podia imaginar cuspindo fogo como um dragão irritado.
Não sei ao certo quanto tempo nossa ligação durou, mas sei que escutei um belo e longo sermão de como fui irresponsável colocando a minha vida e a da minha equipe em perigo, e eu que eu não podia simplesmente sair por aí e fazer o que me dava na telha, pois tenho um compromisso com a igreja. Acho que depois de descarregar toda sua raiva, ele conseguiu se acalmar, porque me lembro do seu tom de voz soar um pouco mais calmo, pouquíssima coisa.
O Padre pediu que todas nós nos mantivéssemos escondidas na pousada e que esperássemos por ele. Era como se ele tivesse vindo voando, já que algumas horas depois, ele estava batendo na porta do nosso quarto com Héllio ao seu lado. Padre Albert disse que, como sempre, precisou relatar todo o ocorrido para o Vaticano, e eles enviaram Héllio, que era o representante mais perto (em questão de espaço) do Padre, e que ele deveria o acompanhar até aqui.
Ambos escutaram toda nossa história - o Padre Albert pela segunda vez -, e ao final, eles simplesmente se levantaram e saíram do quarto, me deixando completamente imersa em um nervosismo que se perpetuou por quinze horas.
A ficha finalmente havia caído. Eu já tinha alguma noção da minha imprudência, mas agora, depois de tudo isso, parece ainda mais inconsequente. Eu não deveria ter deixado os meus sentimentos se sobressaírem à minha razão, já que eles são os verdadeiros culpados por tudo isso, incluindo essa porcaria de anel que não saía do meu dedo de jeito nenhum. Eu tentei usar sabonete, água e até mesmo óleo quando fui até à cozinha da pousada e pedi uma pequena ajuda para um dos cozinheiros. Wendy tentou alguns exorcismos e Sally tentou usar algumas ervas e itens místicos, mas nada funcionava. O anel se movia no máximo uns dois centímetros no meu dedo, mas não passava das juntas, e isso já estava me irritando tanto que estou cogitando a ideia de Lilu, de arrancar meu dedo e torcer para outro nascer no lugar depois.
– Daqui a pouco a porta vai criar pernas e sair andando, com medo desse seu olhar aí. – Wendy se senta ao meu lado na cama, também, ficando de frente para a porta do nosso quarto.
Não posso evitar, estou nervosa e esperando o momento em que Padre Albert vai entrar com Héllio e nos dar uma bela sentença.
– Provavelmente seremos expulsas da igreja, e a culpa é toda minha. – Expiro alto e forte, enquanto mordo o interior da minha bochecha, tentando de alguma forma controlar essa horrível sensação. Eu me sentia como uma criança que havia aprontado e que agora estava à espera de um castigo.
– Você não obrigou nenhuma de nós, estamos aqui por vontade própria. – Sally diz tranquilamente, deitada na outra cama de casal.
Eu invejava esse autocontrole que ela sempre tinha. As únicas vezes que ela não conseguia controlar seu nervosismo, era quando Lilu a irritava, o que era feito com frequência, por sinal.
– É. – E pensando nela, Lilu se joga sobre as minhas costas, passando seus braços para frente do meu tronco e me abraçando pelo pescoço, enquanto apoia seu queixo no meu ombro. – Nós somos uma equipe, Eleninha. Uma por todas e todas por uma. – Lilu balança nossos corpos, fazendo seu cabelo (que a quatros anos atrás era curto e loiro, e que agora estava longo e tingido por um laranja avivado) cair sobre os meus ombros.
Suspiro e seguro um dos braços de Lilu, tentando forçar um sorriso.
Mesmo em momentos como este, quando estou extremamente nervosa, consigo me sentir grata por ter essas três garotas comigo. Mesmo com as diferenças e inúmeras discussões, nós nos tornamos uma família. Às vezes, quando me lembro do que o Padre Albert me disse há quatro anos, lá na pequena capela de Upiór, sobre ter escolhido a dedo essas garotas para completarem a minha equipe, penso que ele usou o critério "vou juntar todas as que atraem mais confusão", porque era exatamente isso que expressava os momentos em que estamos juntas.
– Se você for se sentir mais calma, eu posso ligar para o Padre e perguntar onde ele está. – Wendy inclina seu corpo para frente para ver meu rosto melhor.
Encaro minha irmã, que depois de quatro anos resolveu cortar seu longo cabelo loiro, que além de mais liso e mais escuro, estava pouca coisa abaixo de seus ombros, talvez um palmo. E antes que eu tivesse a oportunidade de respondê-la, ou sequer pensar sobre isso, a porta do nosso quarto é aberta, fazendo meu nervosismo atingir o pico.
Em silêncio, Padre Albert e Héllio caminham até à cama onde Sally estava deitada, e se sentam. Sally rapidamente se levanta e vem para a cama onde estávamos, fazendo nossa equipe ficar em uma cama e eles na outra. Wendy, Lilu e eu nos viramos, ficando semelhante a Sally, para que possamos ficar de frente para os dois, e não mais para a porta.
Sentada entre Wendy e Sally, consigo sentir a tensão emanar do corpo de ambas, assim como a de Lilu, que aperta mais forte seus braços ao redor do meu pescoço; com a mão que uso para segurar um de seus braços, dou um leve aperto no braço de Lilu, tentando acalmá-la.
Padre Albert tinha uma expressão pior da que tinha quando saiu do quarto, e isso não era um bom sinal. Já Héllio suspira alto, antes de começar a falar:
– Vocês sabem que todo lugar habitado por vampiros precisa ter uma igreja ou base. Mas nós estamos na Transilvânia, essa é a cidade dos vampiros, e mesmo que humanos morem aqui, sabemos que nem se compara a população vampírica. Não tem como abrir uma igreja nesse lugar, por isso, Albert e eu fomos para a cidade vizinha. Lá nós nos acomodamos em uma igreja e, mais uma vez, conversamos com o Vaticano.
Héllio suspira outra vez.
– Todos pensávamos que aqueles malditos vampiros estavam mortos. Eles ficaram quietos por quatro anos, dá para acreditar? – Ele nega com a cabeça, rindo nervoso. – Com certeza, essas cartas não foram mandadas à toa, eles devem estar tramando algo, talvez uma vingança.
Foi exatamente o que pensei antes.
– E com toda essa história de anel e noiva do Drácula... vocês quase foram expulsas, sabiam? – Héllio encara especialmente a mim, apoiando suas mãos sobre as pernas. – Mas têm sorte de serem cuidadas por Albert, porque ele ficou um longo tempo tentando convencer o Vaticano a não penalizar vocês.
O corpo de Lilu se mexe atrás do meu, enquanto Wendy e Sally permanecem imóveis.
Encaro o Padre Albert, que continua sério para um inferno.
Não vou pedir perdão por esse pensamento, estou nervosa demais para isso, e sei que vou blasfemar de novo.
– O Vaticano resolveu dar uma chance para vocês. – Héllio aponta para nós, uma por uma. – Vocês poderiam ter criado uma grande confusão com os vampiros. Outra guerra.
– Vamos precisar fazer alguma coisa pra compensar, não é? – Pergunto, nervosa.
Héllio assente.
– Mais bravo do que vocês terem desobedecido as regras, o Vaticano ficou por saber que os filhos de Henry ainda estão vivos. Por isso, foi dada a ordem de que vocês quatro acabem de uma vez com tudo isso.
Meu corpo também fica tenso, enquanto endireito minha postura, fazendo Lilu se mexer comigo.
– Como? – Sally pergunta, séria. E sei que mesmo tentando esconder, ela também estava nervosa.
Os olhos de Héllio vão diretamente para minha mão que segurava o braço de Lilu.
– Elena, você vai aceitar o pedido do Drácula e vai se tornar a noiva dele.
– O quê?! – Wendy grita do meu lado, enquanto Lilu quase me enforca ao apertar seus braços fortemente ao redor do meu pescoço.
Eu nem posso dizer que estou perplexa agora, acho que é pouco.
– Como assim aceitar o pedido do Drácula? – Lilu pergunta, enfiando sua cabeça entre a curva do meu pescoço.
– Não é de verdade, você apenas precisa fingir que aceitou. E assim, levar toda sua equipe para dentro daquele castelo. O Vaticano quer que vocês se infiltrem no Castelo do Drácula e descubram quais são os planos dos Drácus. Uma base do Vaticano vai ser montada na saída da cidade com uma equipe reserva que estará pronta para ajudar se necessário, fora as igrejas das cidades vizinhas.
Não.
– Sei que é perigoso e tão arriscado quanto a decisão que você tomou. Mas é a sua bagunça, e está na hora de limpar ela. – Héllio finaliza.
– Vocês acham que eles não vão desconfiar? – Pergunto retoricamente, apavorada com a ideia
– É claro que eles vão. E é por isso que vocês precisam ser mais rápidas e inteligentes. Isso vai ser um jogo de sagacidade, Elena, como tem sido por décadas. Eles já nos enganaram uma vez, há quatro anos, em Upiór. Não podemos deixar que isso se repita dessa vez, e este é o motivo do Vaticano estar mandando vocês direto para o Castelo do Drácula. Nós vamos acabar com o inimigo bem debaixo do nariz dele, dentro do seu próprio castelo e na sua cidade.
– Se conseguirmos derrubar o Drácula, o resto se torna mais fácil. Nós desestabilizamos todos os seus seguidores. E se tem alguém que pode fazer isso, esse alguém é você, Elena Van Helsing, porque, aparentemente, o Drácula tem um interesse especial na sua pessoa. E é exatamente por isso que sabemos que ele não vai fazer nada a nenhuma de vocês, pelo menos, por enquanto.
Padre Albert suspira.
– Ou vocês estão dentro, ou estão fora. – Héllio diz com seriedade, e Padre Albert o encara.
– Você, por favor, pode me dar uns minutos com as minhas crianças? – O Padre pergunta, e Héllio assente antes de se levantar e sair do quarto.
– Padre, isso é loucura. Estão querendo nos jogar no covil dos vampiros. – Falo, exasperada.
– E o que você fez naquela noite foi o quê, Elena? – Ele me encara severo, e eu me calo.
– Isso nunca vai dar certo. – Sally quebra o meu silêncio.
– Vai sim, porque são vocês que estão fazendo. – O Padre diz e fica em silêncio por alguns segundos, antes de suspirar mais uma vez. – Escutem, eu não concordo com esse plano, mas eu não tenho poder para mudar uma ordem do Vaticano. Esse foi o único jeito que encontramos para manter vocês na igreja.
– Eles não estão sendo um pouco duros demais nessa decisão? Nós não causamos nenhum problema, no final das contas. – Sally pergunta, começando a ficar irritada.
– É mais que isso, Sally. O histórico da Elena com aqueles vampiros tem um grande peso. Existe um receio de que ela se envolva de novo com eles, ou que ainda nutra qualquer tipo de sentimento, por isso, a expulsão foi a primeira opção deles.
Meu corpo desfaz a postura tensa e meus ombros caem.
– Então é isso que eles pensam sobre mim? Não existe confiança, não é? – Pergunto amarga, quando percebo que Morgana não foi a única a me enxergar dessa maneira.
Padre Albert inclina seu corpo para frente, e toca meu joelho de um jeito terno.
– Eu confio nas minhas crianças, não duvide disso, Elena. E gostaria que a situação fosse diferente, mas não é. – Ele me encara, compreensivo. – Todos estão desesperados para derrubar os Drácus Dementers, ninguém quer outra lua de sangue. Vocês viram o tanto de vidas que perdemos naquela noite.
Assinto, em silêncio.
– Mesmo que perigosa, eu penso que isso pode dar certo. Vocês estão juntas por quatro anos, e hoje se tornaram uma equipe admirável. Quantos vampiros vocês já mataram? Muitos, eu sei disso, estive lá esperando vocês retornarem de cada uma das missões por todos esses anos.
– Mas...
– Não tem "mas", Lilu. Eu concordo com o que Héllio disse. Se mesmo depois de todo esse tempo, aqueles filhos de Henry ainda têm algum interesse na Elena, eles não farão nada, pelo menos, não agora. Se vocês usarem todas as suas habilidades para derrubarem eles, antes que eles derrubem vocês, será um grande passo para a humanidade, talvez o maior passo que já demos até hoje. Destruir o seu inimigo por dentro.
Entendo sua analogia de destruí-los na sua própria morada, de dentro para fora, mas ainda estou apavorada. Eu não quero voltar naquele castelo e muito menos ter que reviver tudo. Sinto que os meus sentimentos não aguentariam isso.
– A ordem foi dada... traga-me esses malditos vampiros dessa vez.
Inferno.
