Prólogo
Tempo estimado de leitura: 6 minutos
(POV %Agatha%)
— Tem que haver outra saída. — murmurei entre dentes repetidamente, enquanto o fundo da xícara encontrava o pires com força, quase rachando a louça.
— Você pode quebrar todas as porcelanas do escritório, %Agatha%, isso não muda os fatos. — %Adam% me avisou com calma. Com a sua irritante calma. — A O’Brien Group está colapsando, a nossa única chance é deixar que a companhia dos japoneses absorva a nossa.
— E pra isso eu tenho que me casar com esse tal de Hakuna Matata?
— Arata. O nome dele é %Mackenyu% Arata. — meu irmão corrigiu. — Vamos, %Agatha%, não pense nisso como um casamento, pense como um contrato. Os acionistas da nossa empresa precisam ser da família, é uma exigência burocrática. — %Adam% bateu nos papéis em cima da mesa. — É uma transação financeira, deixe o romantismo de lado.
— Fácil pra você falar. — recostei na cadeira da minha sala. — Você se casou por amor.
— Isso ainda pode acontecer com você. — %Adam% ergueu uma sobrancelha e abriu um sorriso. — Não estamos propondo que você case com algum velho caquético, o rapaz é o mais velho de três irmãos, mas ainda é jovem, bonito, bem-sucedido…
%Adam% se pausou quando me viu fechar o semblante e fuzilar ele com o olhar. A ideia era absurda desde a concepção até os argumentos que ele listava para me convencer. Em que século estávamos, afinal? Depois de dedicar toda a vida me preparando para assumir meu lugar nos negócios, para provar o meu valor e a minha capacidade, eu tinha que aceitar um casamento arranjado como solução para a falência iminente? Era inconcebível, mas era ainda mais inconcebível pensar em fechar as portas da empresa fundada pelos meus bisavós, o legado da nossa família.
Arfei para o contrato em cima do tampo de mármore, amaldiçoando todas as letras e cláusulas redigidas ali. No entanto, minha resistência e meu empenho em contornar os artigos mostraram-se inúteis: foram semanas me debruçando sobre o texto, buscando ajuda com meus colegas advogados, procurando uma brecha, uma contradição, um furo que fosse… Mas a peça era sólida e irrevogável, a O’Brien Group era uma companhia estritamente familiar e não podia, sob hipótese alguma, aceitar acionistas fora do sobrenome.
— Como isso beneficia a eles, afinal? — coloquei a franja para trás, suspirando. — Eles não podem ter concordado em investir numa empresa a ponto de quebrar sem que haja vantagens para eles.
— Expansão, irmã. Uma empresa consagrada como a nossa… — %Adam% sacudiu a caneta banhada a ouro no ar. — Ainda temos nosso nome, ainda somos uma vitrine. É a entrada dos japoneses no mercado americano.
— Mais do que isso, é a entrada de um japonês na minha…
— %Agatha%! — ele gritou, apavorado.
— Na minha vida, %Adam%. Credo.
Meu irmão balançou a cabeça, rindo do meu infortúnio, como era o privilégio do mais velho sempre que o caçula estava metido em problemas. Problemas que não foram causados por mim, mas que, pelo visto, eu teria que resolver. Não era justo que logo na minha geração e de %Adam% tivéssemos que arcar com o misterioso rombo fiscal que colocava em perigo a nossa permanência no mercado e, consequentemente, o meu futuro. Para receber o investimento que os Arata pretendiam fazer e valorizar nossas ações em baixa, eu teria que casar com um representante da empresa deles, a gigante metalúrgica Three Swords.
Estalei a língua, afundando na cadeira e considerando soltar um grito sem sentido para aliviar toda aquela pressão que foi jogada sobre os meus ombros. O destino inteiro da minha família dependia de mim e daquela decisão, era um fardo pesado demais.
— Ei. — %Adam% levantou-se e deu a volta na mesa, apoiando-se nela, de frente para mim. — Você sabe que pode dizer não, né?
— E jogar a última pá de terra na O’Brien Group? — neguei com a cabeça. — Você mesmo disse que é a única opção.
— E é. Mas tem outra coisa que eu não disse.
— Do que você está falando? — dei um pulo no lugar. — Não vai me dizer que o cara é tipo um Christian Grey e vocês vão me casar com um tarado?
%Adam% fez um gesto para que eu parasse de falar, acompanhado de uma cara de nojo.
— Não vai haver intimidade entre vocês a não ser que os dois queiram, vamos colocar isso no contrato de casamento. O que me lembra que você vai precisar de um bom advogado.
— Kim %Mingyu%. — pensei automaticamente no meu amigo e colega de curso. — Confio nele para me deixar bem amparada.
— Confia nele também para um plano de contingência? — %Adam% baixou a voz, voltando a falar na tal parte que ele ainda não tinha me contado.
— Plano? Que plano?
— Assim você me ofende, irmã. — ele voltou a se sentar e a cadeira reclinou com o movimento. — Acha mesmo que eu ia colocar a minha caçulinha nessa emboscada sem uma rota de fuga?
— Acho.
— Ingrata.
%Adam% mexeu na sua pasta de couro e tirou um arquivo cheio de gráficos e dados numéricos. Eram projeções financeiras para um ano, um esboço otimista de como poderíamos nos recuperar em tempo recorde, às custas de muito trabalho em parceria com a Three Swords. Os números de %Adam% eram ousados, mas possíveis. Bem possíveis.
— Um ano, %Agatha%. — ele levantou o indicador. — Só precisamos de um ano. Vocês casam, a companhia dele injeta capital na nossa e, quando nos recuperarmos em um ano…
— Eu peço o divórcio. — concluí e %Adam% confirmou com a cabeça.
Um ano era tempo suficiente para a O’Brien Group fazer bom proveito do investimento recebido, os cálculos sólidos de %Adam% não deixavam dúvidas. Também era tempo suficiente para que os Arata se estabelecessem e consolidassem seu domínio metalúrgico no país. Todo mundo sairia ganhando, no final das contas. Eu perderia um pouco mais que todo mundo, é claro, mas eu poderia aguentar um ano brincando de casinha.
— O Batata está sabendo disso? — perguntei.
— A-ra-ta. — %Adam% insistiu. — E não, ele não está sabendo. Está entre nós dois e, logo mais, o %Mingyu%.
— Vamos manter assim até que a O’Brien Group esteja totalmente a salvo. Não quero que meu maridinho se indisponha comigo e atrapalhe os negócios.
— Então você aceita?
— Sim. — suspirei, pensando no duplo sentido da frase. — Eu aceito.