QUINTO CAPÍTULO
Tempo estimado de leitura: 18 minutos
Portsmouth, New Hampshire, 21 de Dezembro de 2024:
O relógio mal marcava sete da manhã quando %Ágata% se aproximou da livraria, envolta em um casaco grosso e com um café na mão. O frio daquela manhã parecia mais intenso, mas ela estava determinada. A curiosidade sobre o que encontrara no caderno de seu avô não a deixara dormir direito.
Enquanto caminhava pela rua quase deserta, viu a livraria ao longe e... alguém em frente à porta.
— Não pode ser... — murmurou, apertando o passo.
Lá estava ele, %Taehyun%, com aquele sorriso despreocupado no rosto, como se estivesse ali há horas esperando por ela.
— Bom dia, madrugadora — cumprimentou ele, as mãos nos bolsos do casaco.
%Ágata% parou a alguns passos dele, franzindo o cenho.
— Como você sempre chega antes de mim?
%Taehyun% apenas deu de ombros, o sorriso enigmático intacto.
— Digamos que eu sou uma pessoa pontual.
Ela revirou os olhos, mas não conseguiu evitar um pequeno sorriso.
— Bem, hoje eu vim mais cedo porque... — Ela interrompeu a frase, ponderando se deveria compartilhar seu plano.
— Porque vai para o porão — completou ele, direto.
— Como você... — Ela o encarou, desconfiada.
— Não é difícil de adivinhar — respondeu ele com um tom divertido. — Você parecia intrigada ontem à noite.
%Ágata% soltou um suspiro e pegou as chaves para abrir a porta.
— Tá, já que você sabe, vou aproveitar a sua presença. Pode me ajudar a carregar umas coisas?
%Taehyun% abriu a porta para ela, entrando logo em seguida com a mesma familiaridade desconcertante de sempre.
— Sempre disposto a ajudar — disse ele, enquanto ela colocava a bolsa no balcão.
%Ágata% suspirou novamente, indo direto para o porão. O dia ainda não havia começado oficialmente, e ela queria aproveitar aquele momento de calmaria antes que os clientes começassem a aparecer.
— Pode pegar aquela caixa ali no canto — — instruiu, apontando para um amontoado de papéis e objetos no fundo do porão.
Enquanto ele obedecia sem reclamar, ela abriu o baú novamente, retirando o caderno e os papéis que deixara lá na noite anterior.
— Encontrei isso ontem — disse, mais para si mesma do que para ele.
%Taehyun% colocou a caixa no chão ao lado dela e se ajoelhou para observar melhor.
Ela folheou o caderno, buscando os desenhos e as palavras que haviam chamado sua atenção.
— Parece que sim... Mas ainda não sei como conectar tudo.
Ele permaneceu em silêncio, observando-a atentamente enquanto ela mergulhava nos pensamentos. Era como se ele tivesse uma paciência infinita para aquele processo, o que a deixava ainda mais intrigada.
— Você parece saber mais do que conta, %Taehyun% — disse ela, sem tirar os olhos do caderno.
— Talvez eu saiba algumas coisas... Mas estou aqui para ajudar, não para atrapalhar.
%Ágata% parou, levantando o olhar para ele, que a encarava com uma expressão que era difícil de decifrar.
— E se o que está nesse caderno for algo importante? — perguntou ela, quase sem querer. — Algo maior do que eu posso imaginar?
%Taehyun% deu um pequeno sorriso, inclinando a cabeça.
— Então você terá que decidir se quer descobrir a verdade ou continuar vivendo como antes.
%Ágata% sentiu um arrepio, mas não respondeu. Havia algo naquelas palavras que soava como um desafio, e ela sabia que, de alguma forma, %Taehyun% fazia parte daquele mistério.
— Vamos terminar de organizar isso — disse ela, desviando o olhar. — O dia ainda nem começou.
Mas, no fundo, ela sabia que aquele dia seria diferente de todos os outros.
Enquanto organizavam o porão, o silêncio entre %Ágata% e %Taehyun% se tornou uma presença quase tangível. A luz fraca da lâmpada acima iluminava parcialmente o espaço, criando sombras que dançavam entre os livros e objetos antigos.
%Ágata% esticou o braço para alcançar uma caixa no alto da estante, e %Taehyun%, que estava próximo, notou o esforço.
— Deixa que eu pego — disse ele, com a voz calma, mas firme.
— Eu consigo sozinha — rebateu, teimosa, mas antes que pudesse protestar mais, ele já estava atrás dela, pegando a caixa com facilidade.
Ele se inclinou ligeiramente sobre ela para colocá-la no chão, e a proximidade fez com que %Ágata% sentisse o calor dele, mesmo com o frio do porão. Por um instante, tudo pareceu suspenso: o ar, o tempo, os sons abafados da livraria acima.
— Você é sempre assim, teimosa? — perguntou ele, com um sorriso que ela não pôde ver, mas sentiu na voz.
— Talvez — respondeu, virando-se para encará-lo, a poucos centímetros de distância.
Os olhos dele a fixaram com intensidade, como se estivessem lendo algo além do que ela dizia. %Ágata% sentiu o coração acelerar, mas não desviou o olhar.
— Você sabe que não precisa carregar tudo sozinha, né? — Ele falou em um tom mais baixo, quase um sussurro.
— Eu estou acostumada — respondeu ela, mas a voz saiu mais suave do que pretendia.
Por um momento, o mundo se restringiu aos dois. Ele parecia prestes a dizer algo, ou talvez a fazer algo, mas o barulho de um livro caindo de uma das caixas ao lado os fez recuar abruptamente.
%Ágata% se abaixou para pegar o livro, tentando disfarçar o rubor que subia pelas bochechas.
— Talvez devêssemos continuar antes que tudo vire uma bagunça ainda maior — disse ela, tentando soar indiferente.
— Talvez — respondeu ele, com um sorriso enigmático, antes de voltar ao trabalho, como se nada tivesse acontecido.
No entanto, a tensão no ar ainda pairava, um lembrete silencioso de que algo mais forte parecia crescer entre eles, mesmo que nenhum dos dois estivesse pronto para admitir.
O restante do tempo no porão foi preenchido com uma mistura de silêncio e diálogos ocasionais. %Ágata% tentava se concentrar nos livros e objetos antigos, mas sua mente voltava frequentemente para a proximidade que compartilhara com %Taehyun%. Ele, por outro lado, parecia à vontade, como se a tensão de momentos antes não tivesse acontecido.
Quando finalmente subiram de volta à livraria, o ambiente acima parecia diferente. A luz natural do fim da tarde entrava pelas janelas, tingindo o espaço com tons quentes e dourados. %Ágata% suspirou aliviada, agradecida por deixar para trás a atmosfera intensa do porão.
Enquanto organizavam as últimas coisas antes de abrir a loja para o público, %Taehyun% quebrou o silêncio.
— Foi produtivo lá embaixo, não acha? — perguntou ele com um leve sorriso.
— Bastante — respondeu %Ágata%, sem olhar diretamente para ele, fingindo focar em um conjunto de marcadores de livros.
Ele não insistiu, mas o sorriso permaneceu em seus lábios, como se estivesse saboreando um segredo que só ele sabia.
Mais tarde...
A livraria voltou a encher-se de clientes, e %Ágata% mergulhou no movimento. Mesmo assim, vez ou outra seus olhos encontravam %Taehyun% enquanto ele ajudava algum visitante ou organizava uma estante. Ele parecia fazer parte daquele lugar, como se sempre tivesse estado ali.
Perto do fim do expediente, a loja começou a esvaziar. %Ágata%, sentindo o cansaço do dia, sentou-se por um instante no banquinho do balcão. %Taehyun% surgiu ao seu lado, trazendo duas xícaras de chá fumegante.
— Aqui. Parece que você merece isso. — Ele entregou uma das xícaras a ela, sentando-se no outro banquinho.
— Obrigada. — Ela aceitou a bebida, deixando que o calor da xícara aquecesse suas mãos.
O silêncio entre eles era confortável dessa vez, mas carregado de algo que %Ágata% não conseguia identificar. Quando ela terminou o chá, ele se levantou, estendendo a mão.
— Pronta para encarar o porão de novo amanhã?
Ela bufou, cruzando os braços.
— Não é como se eu tivesse escolha, certo?
— Não mesmo. — Ele riu, seus olhos brilhando com algo entre desafio e diversão.
Ela sorriu, apesar de si mesma. Algo nele a desarmava, e isso a incomodava tanto quanto a intrigava.
Depois de mais alguns minutos ajeitando os últimos detalhes da loja, %Ágata% finalmente trancou a porta, sabendo que, amanhã, a presença de %Taehyun% continuaria a desafiar suas certezas — e talvez abrir brechas para algo mais.
❄️❄️❄️
%Ágata% estava de joelhos na frente de uma caixa aberta, espalhando pelo chão algumas fotos antigas que encontrara enquanto organizava suas coisas. Cada imagem trazia memórias distintas: a infância cheia de livros e histórias contadas pelo avô, os almoços em família com conversas animadas e risadas, e sua mãe, sempre com aquele olhar ao mesmo tempo doce e severo.
Ela pegou uma foto específica, na qual estava com a mãe em um parque, ambas sorrindo. Foi tirada há muitos anos, antes de tudo mudar. %Ágata% suspirou, sentindo uma mistura de nostalgia e amargura. Sua mãe era a única parente viva que lhe restava, mas a relação entre as duas havia se desgastado ao ponto de não se falarem mais. Nem mesmo nas festas de fim de ano elas se comunicavam.
Ela passou os dedos pelo rosto da mãe na foto, uma pontada de saudade ameaçando escapar. Estava perdida nesses pensamentos quando ouviu uma voz vinda do lado de fora:
O som foi inesperado, e ela arregalou os olhos. Levantou-se rapidamente, indo até a janela da sala. Ao olhar para fora, deparou-se com %Taehyun% parado na calçada, iluminado pela luz amarelada de um poste. Ele tinha as mãos nos bolsos do casaco, e um sorriso que misturava diversão e expectativa.
— O que você tá fazendo aqui a essa hora, seu maluco? — perguntou ela, com o cenho franzido.
— Se arruma, vem para a praça comigo. — Ele disse, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
— O quê? Não, eu já estava até indo dormir.
%Taehyun% balançou a cabeça, ainda sorrindo.
— Ah, por favor, %Ágata%. Eles vão fazer um recital de Natal. Vai ser incrível, você precisa vir comigo.
Ela cruzou os braços, olhando para ele como se quisesse acreditar que aquilo era uma brincadeira.
— Recital de Natal? %Taehyun%, sério, eu tô exausta.
— Eu prometo que vale a pena. Só uma horinha, vai. Você não vai se arrepender. — A insistência dele era quase cativante, mas o brilho nos olhos de %Taehyun% a fez hesitar.
Ela suspirou, derrotada, e balançou a cabeça.
— Tá, me dá cinco minutos.
O sorriso de %Taehyun% se alargou, e ele acenou animadamente.
Fechando a cortina, %Ágata% não conseguiu segurar um pequeno sorriso enquanto ia em direção ao quarto para pegar um casaco. O dia já tinha sido atípico o suficiente; por que não adicionar mais uma coisa à lista?
❄️❄️❄️
%Ágata% caminhava ao lado de %Taehyun%, o frio da noite envolvendo os dois enquanto seguiam em direção à praça. Ele falava sobre como os recitais de Natal eram uma tradição na cidade, mas ela mal conseguia se concentrar nas palavras. Havia algo no ar – não só o cheiro de pinheiros ou o som distante de sinos, mas uma energia que fazia seu peito apertar.
Quando chegaram à praça, a visão era encantadora. Luzes brancas e douradas estavam penduradas entre as árvores, criando um teto de estrelas artificiais. Havia uma pequena multidão reunida, e no centro, um palco decorado com guirlandas e laços vermelhos. Um coral começou a cantar uma versão harmoniosa de
Silent Night, suas vozes tão perfeitamente coordenadas que pareciam vir de outro mundo.
— Bonito, né? — %Taehyun% comentou, observando-a de canto de olho.
— É... mágico. — %Ágata% respondeu, ainda envolvida pela cena.
Eles caminharam até ficarem mais próximos do palco. %Taehyun% parecia estar mais interessado nela do que no recital, o olhar fixo em cada reação que ela tinha.
Enquanto o coral entoava as notas finais, flocos de neve começaram a cair. %Ágata% levantou o rosto, surpresa.
— Não disseram que ia nevar hoje... — murmurou, estendendo a mão para capturar um dos flocos.
— Talvez seja um presente da noite. — %Taehyun% disse, sua voz baixa e misteriosa.
Os flocos brilhavam à luz das decorações, caindo suavemente, como se fizessem parte da música. Uma criança próxima agarrou o braço da mãe, apontando para o céu:
— Olha, mamãe! As estrelas estão dançando!
%Ágata% levantou os olhos novamente e percebeu que as estrelas pareciam realmente mais vivas, piscando com intensidade incomum. Ela deu um passo para trás, sentindo uma pontada de nervosismo.
— %Taehyun%, o que tá acontecendo?
— Talvez... seja
magia de Natal? — ele disse, com um sorriso pequeno, quase enigmático.
Antes que ela pudesse questioná-lo mais, as luzes ao redor da praça se apagaram brevemente, deixando apenas a iluminação do palco e as estrelas no céu. As vozes do coral foram substituídas por uma melodia de violino que parecia encher o ar de emoção.
%Taehyun% virou-se para %Ágata%, seus olhos refletindo a luz das estrelas e das lâmpadas do palco. Ele deu um passo mais próximo.
— Eu sabia que você precisava ver isso.
— Você sempre aparece e bagunça tudo... — sussurrou, com a voz quase falhando.
— Talvez você precisasse de um pouco de bagunça.
Antes que ela pudesse responder, %Taehyun% inclinou-se lentamente. %Ágata% sabia que poderia afastar-se, que poderia dizer algo para cortar o momento, mas em vez disso, ficou imóvel. Seu coração parecia uma tempestade dentro do peito.
Quando seus lábios se encontraram, o mundo ao redor pareceu desaparecer. O beijo começou suave, como se ele estivesse testando o terreno, mas rapidamente tornou-se mais profundo, mais intenso. Havia uma energia naquele toque, algo que %Ágata% nunca havia sentido antes – como se o universo inteiro tivesse conspirado para aquele momento acontecer.
Os sons ao redor pareciam se misturar: o murmúrio da multidão, o som suave do violino e até mesmo os flocos de neve que caíam com delicadeza. Quando finalmente se separaram, %Ágata% percebeu que estava sem fôlego, e que %Taehyun% também parecia sentir o impacto do momento.
Ele sorriu, tocando levemente o rosto dela com os dedos.
— Eu estava esperando por isso desde o primeiro dia.
— %Taehyun%... — ela começou, mas as palavras fugiram.
O som de aplausos irrompeu na praça, trazendo-a de volta à realidade. A multidão aplaudia os músicos no palco, mas %Ágata% sentia que aquilo também era uma celebração do momento que acabara de compartilhar.
%Taehyun% segurou sua mão com firmeza, entrelaçando seus dedos aos dela.
— Pronta para o próximo capítulo? — ele perguntou, com um brilho malicioso nos olhos.
Ela riu, balançando a cabeça, ainda sem acreditar no que acabara de acontecer.
— Não sei o que vem a seguir, mas acho que sim.
Juntos, caminharam de volta pela praça, agora envoltos em uma nova conexão que parecia tão mágica quanto o recital que acabaram de presenciar.
❄️❄️❄️