Quarto Capítulo
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Portsmouth, New Hampshire, 20 de Dezembro de 2024:
%Ágata% caminhava pelas ruas ainda pouco movimentadas de Portsmouth. O ar frio da manhã mordiscava suas bochechas, e ela apertava o casaco ao redor do corpo, enquanto o vapor de sua respiração flutuava no ar. Apesar de estar acostumada ao inverno rigoroso da cidade, algo parecia diferente naquela manhã. Talvez fosse o resquício da estranha conversa da noite anterior com %Taehyun%, que ainda ecoava em sua mente.
Ao dobrar a esquina, viu a fachada da livraria surgir, com suas letras douradas desbotadas e o letreiro indicando "
ABERTO" ainda apagado. Mas algo chamou sua atenção: uma silhueta familiar encostada no batente da porta, com as mãos nos bolsos do casaco e um sorriso tranquilo no rosto.
Ela parou no meio do caminho, respirando fundo antes de continuar.
— Bom dia — disse ele assim que a viu se aproximar.
— Está cedo demais para tanto entusiasmo — respondeu %Ágata%, franzindo o cenho, mas sem conseguir evitar um leve sorriso.
— Pensei que poderia ajudar a abrir a loja hoje — ele retrucou, ignorando o tom ácido dela e dando um passo para o lado enquanto ela destrancava a porta.
— Você faz isso com frequência? — perguntou enquanto empurrava a porta para abrir.
— Decidir que vai trabalhar em uma livraria sem ser convidado.
%Taehyun% riu, um som leve e descontraído que ecoou pelo espaço vazio da livraria.
— Digamos que eu gosto de ajudar onde sou necessário.
— Ainda não decidi se você é necessário — ela murmurou, caminhando para trás do balcão e começando a organizar os papéis que havia deixado espalhados na noite anterior.
— Bem, pelo movimento de ontem, acho que está bem claro que sou.
%Ágata% parou por um momento, levantando os olhos para ele, que ainda estava parado próximo à entrada, com aquele mesmo sorriso confiante.
— Você tem sempre que ter uma resposta para tudo?
— Só quando sei que estou certo.
Ela bufou, mas não conseguiu esconder a leve curva nos lábios.
— Tudo bem, já que está aqui, pegue uma vassoura e faça algo útil — disse, apontando para o canto onde o utensílio estava guardado.
%Taehyun% assentiu como se fosse um empregado exemplar, pegando a vassoura sem questionar.
Enquanto ele começava a varrer, %Ágata% notou algo peculiar. Por mais que tentasse tratá-lo com certa distância, havia algo em %Taehyun% que a desarmava. Talvez fosse o jeito despreocupado como ele se comportava ou a naturalidade com que parecia se encaixar na rotina da livraria, como se sempre tivesse feito parte dela.
E, apesar de si mesma, ela começava a se perguntar o que, exatamente, ele queria ao estar ali.
%Ágata% estava reorganizando a pilha de papéis no balcão, perdida em pensamentos, quando uma ideia a atingiu como um raio.
Ela se virou abruptamente para %Taehyun%, que estava tranquilamente varrendo um canto da livraria, como se realmente pertencesse àquele lugar.
— Espere um pouco — começou, estreitando os olhos. — Como você entrou aqui?
%Taehyun% ergueu os olhos para ela, uma expressão inocente no rosto que não convencia ninguém.
— Você estava aqui fora quando cheguei. Como abriu a loja?
Ele parou o movimento da vassoura, apoiando-a contra a parede enquanto caminhava na direção dela com um sorriso enigmático.
— Não brinque comigo, %Taehyun% — disse ela, cruzando os braços. — A chave fica comigo. Não tem como você ter entrado antes de mim.
— Ah, mas eu não entrei antes de você.
Ele inclinou a cabeça levemente, como se estivesse considerando como responder, mas acabou dando de ombros, um gesto que só aumentou a frustração de %Ágata%.
— Digamos que tenho meus métodos.
— Isso não é uma resposta — retrucou ela, sentindo um misto de irritação e inquietação.
%Taehyun% ergueu as mãos em rendição, mas o sorriso continuava lá, provocador.
— Talvez um dia você descubra.
— Talvez um dia eu chame a polícia — rebateu %Ágata%, embora soubesse que era mais provocação do que uma ameaça real.
Ele riu novamente, aquele som despreocupado que parecia sempre desconcertá-la.
— Acho que você gosta mais da minha companhia do que quer admitir — disse ele, voltando para a vassoura e retomando o trabalho como se a conversa não tivesse acontecido.
%Ágata% suspirou, balançando a cabeça. Havia algo de profundamente irritante e, ao mesmo tempo, intrigante em %Taehyun%. Algo que fazia com que ela quisesse entender melhor quem ele era — e o que estava fazendo ali.
O dia na livraria estava surpreendentemente movimentado mais uma vez. %Ágata% mal teve tempo de respirar entre atender os clientes, organizar as prateleiras e lidar com as vendas que pareciam não parar. Para sua surpresa, %Taehyun% também estava à altura do ritmo frenético, ajudando com uma eficiência que a deixava tanto aliviada quanto intrigada.
Perto do meio-dia, enquanto o fluxo de pessoas começava a diminuir, ele sugeriu:
— O que acha de fazermos uma pausa para almoçar?
%Ágata% hesitou por um momento, olhando para os papéis que ainda precisavam de atenção e para a pilha de livros a serem organizados.
— Acho que podemos, sim. Mas só porque você está me ajudando a manter o ritmo.
Ele sorriu, pegando seu casaco rapidamente.
— Considere isso uma recompensa pelo meu excelente desempenho.
Ela revirou os olhos, mas não pôde evitar um leve sorriso enquanto pegava seu casaco e bolsa.
Enquanto caminhavam pelo centro iluminado e decorado para o Natal, %Ágata% sentiu uma leveza que não experimentava havia algum tempo. O ar estava gelado, mas o sol fraco tornava o passeio mais agradável.
Foi então que %Taehyun%, com a naturalidade de quem pergunta sobre o clima, soltou:
— E então, você fez o que era pedido na carta?
O passo de %Ágata% vacilou levemente, e ela o encarou com os olhos semicerrados.
— O que você quer dizer com isso?
Ele ergueu as sobrancelhas, como se fosse óbvio.
— Você sabe, o livro que deveria buscar.
— Como você sabe sobre a carta? — A voz dela saiu firme, mas ela sentiu um calafrio percorrer sua espinha.
— Eu sei de muitas coisas, %Ágata%. — %Taehyun% deu de ombros, com um sorriso que parecia tanto tranquilizador quanto desafiador.
Ela parou de andar, cruzando os braços e o encarando.
— Eu não gosto de enigmas, %Taehyun%.
Ele parou também, voltando-se para ela com uma expressão mais séria.
— Às vezes, respostas vêm na hora certa. Talvez você devesse confiar no processo.
%Ágata% soltou um suspiro exasperado, mas algo em seu olhar indicava que ele tinha conseguido plantar uma semente de curiosidade e inquietação dentro dela.
— Você é insuportável, sabia? — murmurou, retomando o caminho.
— Já me disseram isso antes — respondeu ele, acompanhando-a com passos tranquilos.
❄️❄️❄️
Enquanto continuavam caminhando, %Taehyun% manteve o olhar tranquilo sobre %Ágata%. Ele parecia medir cada movimento dela, como se entendesse algo que ela mesma ainda não compreendia.
— Se quiser, posso te acompanhar até o porão da livraria — disse ele de repente, com um tom despreocupado. — Caso tenha medo.
%Ágata% parou abruptamente, virando-se para ele com uma expressão de incredulidade.
— Medo? — repetiu, cruzando os braços. — Por que eu teria medo do porão da minha própria livraria?
%Taehyun% deu um sorriso provocador, inclinando levemente a cabeça.
— Não sei. Talvez porque seja um lugar escuro, cheio de segredos... e porque você parece hesitar toda vez que ele é mencionado.
Ela revirou os olhos, claramente irritada com a provocação.
— Não preciso de companhia, obrigada. Já passei tempo suficiente sozinha naquele porão para saber que o único perigo lá é tropeçar em caixas de livros antigos.
— Ainda assim — insistiu ele, com um brilho divertido nos olhos. — Não custa nada ter alguém por perto. Só por precaução.
%Ágata% estreitou os olhos, desconfiada.
— Você está tentando me convencer a ir lá agora, não é?
— Só estou dizendo que, quando você decidir, estarei por perto.
Ela soltou um suspiro frustrado e retomou o caminho, balançando a cabeça.
— Você é impossível, sabia?
— Ou talvez eu só esteja aqui para te ajudar — respondeu ele, com um sorriso enigmático.
A ideia ficou pairando na mente de %Ágata% enquanto continuavam o trajeto. Ela não queria admitir, mas algo dentro dela começava a considerar a possibilidade de realmente descer ao porão com %Taehyun%. Afinal, o que ele sabia que ela não sabia?
Ao chegarem ao restaurante, %Ágata% mal teve tempo de abrir a boca antes que o proprietário, um homem robusto de cabelos grisalhos e avental manchado de molho, exclamasse:
O tom era uma mistura de surpresa e entusiasmo, o suficiente para fazer %Ágata% erguer as sobrancelhas em pura curiosidade. Ela olhou de %Taehyun% para o homem, claramente esperando alguma explicação.
— Olá, senhor Park — respondeu %Taehyun%, com um sorriso polido, mas um tanto desconfortável.
O senhor Park se aproximou, limpando as mãos no avental.
— Faz tempo que não te vejo! Como anda a vida?
— Tudo tranquilo — respondeu %Taehyun% rapidamente, desviando o olhar por um instante. — Só de passagem por aqui, como sempre.
%Ágata% estreitou os olhos.
Como sempre? Ele já esteve aqui antes? A pergunta ficou presa na ponta da língua, mas o sorriso meio forçado de %Taehyun% a fez guardar o comentário para si mesma.
— Que bom! E vejo que trouxe companhia — disse o senhor Park, lançando um olhar para %Ágata% com um sorriso acolhedor. — Seja bem-vinda.
— Obrigada — respondeu ela, um pouco desconcertada com a troca de olhares que acontecia à sua frente.
O senhor Park parecia prestes a dizer algo mais, mas %Taehyun% cortou a conversa, apontando para uma mesa perto da janela.
— Vamos sentar ali. Estou morrendo de fome.
Antes que %Ágata% pudesse argumentar, ele já estava caminhando até a mesa, deixando o senhor Park com um sorriso enigmático.
Quando se sentaram, ela não conseguiu se segurar.
—
"Como sempre"? — perguntou, apoiando os cotovelos na mesa e encarando %Taehyun%.
Ele suspirou, abrindo o cardápio para evitar seu olhar.
— Não é nada demais. Conheço o senhor Park de outras vezes em que passei por Portsmouth, só isso.
— Claro, só isso — repetiu %Ágata%, com um tom que deixava claro que não acreditava plenamente.
%Taehyun% ergueu os olhos, seu sorriso retornando, mas agora mais travesso.
— Nem um pouco — mentiu ela, pegando o cardápio com firmeza e o abrindo como se aquilo encerrasse a conversa.
Mas, enquanto %Taehyun% fazia o pedido, %Ágata% não conseguia afastar a sensação de que havia muito mais naquele homem do que ele estava disposto a contar. E, aparentemente, a pequena cidade natalina não era tão estranha a ele quanto ela imaginava.
%Taehyun% mal terminou de pedir quando %Ágata%, sem cerimônias, tirou o cardápio da frente dele e o encarou com um olhar sério.
— De onde você conhece o meu avô? — perguntou, sem rodeios.
Ele piscou, surpreso com a pergunta direta, mas logo recuperou a compostura.
— Seu avô? — repetiu, como se estivesse ganhando tempo para formular uma resposta.
— Não se faça de desentendido, %Taehyun%. O senhor Park o reconheceu, e você claramente conhece mais dessa cidade do que deixa transparecer. Então, vou perguntar de novo:
como você conhece o meu avô? Por um momento, ele pareceu ponderar. O sorriso travesso havia desaparecido, substituído por algo mais sério, quase melancólico. Ele baixou o olhar para as mãos entrelaçadas sobre a mesa e então voltou a encará-la.
— Digamos que ele e eu já cruzamos nossos caminhos algumas vezes — respondeu, sua voz baixa, mas firme.
— Isso não é uma resposta — retrucou %Ágata%, inclinando-se levemente para frente. — Meu avô era um homem reservado. Ele não cruzava caminhos com ninguém assim, do nada.
%Taehyun% soltou um suspiro, cruzando os braços e se recostando na cadeira.
— E você? Quanto sabe realmente sobre ele?
A pergunta a pegou de surpresa, mas %Ágata% não deixou isso transparecer.
— O suficiente para não saber sobre o porão até encontrar a carta? — Ele arqueou uma sobrancelha, o tom desafiador.
%Ágata% sentiu o sangue ferver, mas não deixou que ele percebesse. Ela estava acostumada a manter uma fachada calma, mesmo quando a mente fervilhava de perguntas.
— Meu avô tinha seus segredos. Mas não estamos falando sobre mim agora — rebateu.
%Taehyun% sorriu de canto, como se tivesse gostado da troca de farpas.
— Não se preocupe, %Ágata%. Vou te contar tudo o que você quiser saber. No momento certo.
Ela bufou, cruzando os braços e desviando o olhar para o senhor Park, que estava ocupado servindo outra mesa.
— Você é insuportável mesmo — murmurou, mais para si mesma.
— Insuportável, mas útil — replicou ele, pegando o copo de água à sua frente.
%Ágata% sentiu uma mistura de frustração e curiosidade. Algo em %Taehyun% a deixava inquieta, como se ele soubesse exatamente como puxar as cordas certas. Mas ela não deixaria esse jogo barato durar muito tempo. Ainda não.
%Ágata% suspirou, tentando afastar os pensamentos que %Taehyun% havia provocado. Quando o senhor Park voltou à mesa, ela rapidamente fez seu pedido:
— Uma salada com frango grelhado, por favor.
%Taehyun% arregalou os olhos e inclinou-se na direção dela.
— Sim, isso mesmo — respondeu ela, sem dar muita atenção.
Ele franziu o cenho, claramente insatisfeito.
— %Ágata%, você sabe que está no meio de um dia agitado, certo? Isso não vai te sustentar até o final do expediente.
Ela revirou os olhos e se voltou para o senhor Park.
— Ignore os comentários dele. Só traga a salada, por favor.
O senhor Park sorriu, claramente achando graça na troca, antes de se afastar para preparar o pedido.
— Estou falando sério — continuou %Taehyun%, cruzando os braços. — Você deveria comer algo mais substancial. Uma salada é comida de coelho.
— E o que você sugere, então? Um banquete de Natal no meio da tarde?
— Um bom prato de arroz, carne e vegetais não seria má ideia — respondeu ele com um sorriso travesso.
— Eu gosto de coisas leves no almoço — ela retrucou. — Além disso, quem disse que preciso da sua opinião sobre o que como?
— Só estou preocupado com sua energia, %Ágata%. Não quero que desmaie no meio da livraria — respondeu ele, levantando as mãos em um gesto de rendição.
Ela bufou, balançando a cabeça.
— Não se preocupe, %Taehyun%. Sei cuidar de mim.
Ele deu de ombros, mas não parecia convencido.
— Tudo bem. Mas não venha reclamar se acabar faminta antes do dia terminar.
— Você é chato — murmurou ela, olhando pela janela na tentativa de ignorar o sorriso satisfeito no rosto dele.
Poucos minutos depois, o senhor Park voltou com a salada dela e o prato generoso de %Taehyun%, que incluía arroz, carne assada e uma porção de vegetais.
— Assim se come — provocou %Taehyun%, olhando para o próprio prato e depois para o dela.
%Ágata% fingiu ignorá-lo enquanto começava a comer, mas a provocação dele trouxe um sorriso quase imperceptível ao rosto dela.
❄️❄️❄️
De volta à livraria, o frio do lado de fora contrastava com o calor acolhedor que emanava das luzes e do aroma dos livros antigos. %Ágata% destrancou a porta, e %Taehyun% segurou-a aberta para que ela passasse, lançando um sorriso despreocupado que ela tentou ignorar.
Assim que o expediente recomeçou, coisas curiosas começaram a acontecer novamente. Um casal entrou buscando um livro para presentear o filho, mas saiu com dois exemplares que eles próprios tinham lido durante a adolescência, comentando sobre como aquele lugar lhes trouxe nostalgia.
Pouco depois, uma mulher de cabelos grisalhos apareceu perguntando por um título obscuro que %Ágata% nem sabia que existia no estoque. %Taehyun%, entretanto, encontrou o livro com uma rapidez impressionante, quase como se soubesse exatamente onde ele estava.
— Isso é incrível — disse a cliente, emocionada. — Meu pai costumava ler isso para mim quando eu era criança. Nem acredito que encontrei!
%Ágata% observava a cena com atenção, cada vez mais intrigada com a facilidade que %Taehyun% demonstrava em lidar com os clientes e em encontrar livros que pareciam perdidos no tempo.
Mais tarde, um menino entrou com os olhos brilhando, segurando moedas cuidadosamente contadas na palma da mão. Ele queria comprar um pequeno livro de contos, mas o dinheiro não era suficiente.
— Espere aqui — disse %Taehyun%, antes de desaparecer entre as estantes. Ele voltou com um exemplar mais antigo do mesmo livro, que custava um pouco menos. — Que tal este? É uma edição especial, com ilustrações.
O garoto saiu radiante, apertando o livro contra o peito.
— Como você sabia que tínhamos aquele livro? — perguntou %Ágata%, cruzando os braços e estreitando os olhos.
%Taehyun% apenas deu de ombros, com um sorriso enigmático.
Conforme o dia avançava, parecia que a livraria tinha ganhado vida própria. Os clientes vinham e iam, compartilhando histórias emocionantes e reencontrando pedaços do passado em meio às prateleiras.
— Isso é surreal — murmurou %Ágata%, enquanto ela e %Taehyun% organizavam alguns livros no balcão.
— Talvez seja apenas a magia do Natal — respondeu ele com um brilho divertido no olhar, enquanto empilhava cuidadosamente mais alguns exemplares.
%Ágata% não sabia se acreditava em magia, mas não podia negar que o dia tinha algo especial. E, de alguma forma, sentia que %Taehyun% tinha tudo a ver com isso.
❄️❄️❄️
O fundo da livraria era mais tranquilo, afastado do movimento principal dos clientes. As prateleiras ali eram mais antigas, algumas precisando de reparos, e %Ágata% se ocupava em reorganizar os livros que estavam fora de ordem. %Taehyun%, como sempre, parecia disposto a ajudar, mesmo sem ser oficialmente contratado.
— Você sabe que não precisa ficar aqui até tão tarde, não é? — disse ela, sem tirar os olhos de uma pilha de livros.
— E perder a chance de explorar o universo fascinante de uma livraria? Nunca — ele respondeu com aquele tom leve que parecia irritá-la e diverti-la ao mesmo tempo.
Enquanto trabalhavam, um dos suportes de uma prateleira rangeu alto, e alguns livros começaram a escorregar.
— Cuidado! — %Ágata% exclamou, tentando segurar os volumes que caíam.
No mesmo instante, %Taehyun% se inclinou para ajudar, e os dois acabaram se esbarrando. %Ágata% perdeu o equilíbrio e, em um reflexo rápido, %Taehyun% segurou-a pela cintura, impedindo que ela caísse.
— Você está bem? — perguntou ele, a voz próxima e suave.
Ela olhou para cima, os olhos se encontrando. Por um momento, tudo pareceu suspenso no ar — os sons da livraria, as preocupações do dia, até mesmo o peso das dúvidas que ela carregava. O toque das mãos dele em sua cintura era firme, mas gentil, e o calor que emanava dele contrastava com o frio lá fora.
%Ágata% sentiu o coração acelerar, e, por mais que quisesse desviar o olhar ou dizer algo para cortar o clima, não conseguiu. %Taehyun% parecia tão sereno, quase hipnotizante, com aquele sorriso que carregava um mistério que a intrigava e irritava ao mesmo tempo.
— Talvez você devesse considerar usar menos salto em ambientes perigosos como este — brincou ele, com um tom provocador que a fez estreitar os olhos.
Antes que ela pudesse responder, o som da campainha da porta ecoou pela livraria, anunciando a chegada de um cliente.
— Parece que seu admirável ajudante precisa de uma pausa — ele disse, soltando-a com cuidado.
%Ágata% se recompôs rapidamente, ajustando a blusa e desviando o olhar enquanto murmurava algo ininteligível.
— Eu vou atender o cliente — disse ela, tentando soar casual enquanto caminhava em direção ao balcão, sentindo as pernas um pouco trêmulas.
Quando ela olhou para trás, %Taehyun% já estava de volta aos livros, como se nada tivesse acontecido, mas o sorriso no rosto dele sugeria que ele sabia exatamente o impacto que tinha causado.
O restante do dia passou de maneira inesperadamente tranquila, mas a tensão do momento no fundo da livraria ainda pairava no ar. %Ágata% se ocupou atendendo os clientes, organizando prateleiras e evitando qualquer troca de olhares prolongada com %Taehyun%. Ele, por outro lado, parecia perfeitamente à vontade, como se nada tivesse acontecido.
Conforme a noite se aproximava, os últimos clientes foram saindo, agradecendo pela atenção. %Ágata% passou pelo balcão, anotando as vendas e organizando alguns papéis, enquanto %Taehyun% fechava as cortinas das vitrines.
— Parece que foi um dia cheio novamente — comentou ele casualmente, caminhando até ela.
— É, aparentemente você atrai sorte ou algo assim — respondeu %Ágata%, sem levantar os olhos das anotações.
Ele riu baixo, uma risada que ela sentia reverberar mais do que gostaria de admitir.
— Pronta? — perguntou %Taehyun% de repente, com um tom que parecia carregar um significado maior do que a simples pergunta.
%Ágata% parou o que estava fazendo e olhou para ele, confusa.
— Claro, estou sempre pronta para ir embora — respondeu, pegando sua bolsa e se dirigindo à porta.
%Taehyun% deu uma risada leve, aquela que soava como se ele soubesse algo que ela não sabia.
Ela congelou por um instante, encarando-o com uma mistura de incredulidade e impaciência.
— Ah, você ainda está com isso? — murmurou, tentando soar indiferente, mas o peso da carta e o mistério ao redor de %Taehyun% voltaram a rondar sua mente.
Ele cruzou os braços, encostando-se na estante ao lado, com aquele sorriso tranquilamente provocador.
— Não precisa ir sozinha. Afinal, estou aqui para ajudar.
Ela estreitou os olhos, balançando a cabeça como se tentasse se livrar de algum pensamento intrusivo.
— Certo... Vamos acabar logo com isso.
E com essas palavras, ela colocou a bolsa de lado, respirou fundo e começou a caminhar em direção à porta que levava ao porão. %Taehyun% a seguiu, o silêncio entre eles carregado de expectativa.
❄️❄️❄️
%Ágata% parou diante da porta do porão. A madeira antiga exalava um cheiro leve de mofo misturado com tinta velha. O som das festas natalinas ao longe parecia abafado ali, quase inexistente. Ela segurou a maçaneta, hesitando por um momento, antes de soltar um suspiro e olhar para %Taehyun%.
— Espero que isso não seja só mais uma perda de tempo.
— Talvez seja exatamente o oposto disso — respondeu ele, ainda com aquele sorriso tranquilo, mas com algo diferente nos olhos: uma mistura de paciência e algo que ela não conseguiu identificar.
Ela girou a maçaneta e empurrou a porta, revelando uma escadaria íngreme de madeira que descia para a escuridão. A luz fraca de uma lâmpada piscando no topo dava ao ambiente uma aparência ainda mais misteriosa.
— Ótimo — murmurou %Ágata%, cruzando os braços. — Claro que a lâmpada está quase queimando.
%Taehyun% passou por ela, descendo o primeiro degrau.
— Vai ficar aí, reclamando, ou vai descer?
%Ágata% bufou, pegou uma lanterna que estava pendurada ao lado da porta e começou a descer atrás dele, os degraus rangendo sob seus pés.
O porão era maior do que ela lembrava. Estantes velhas repletas de livros esquecidos estavam espalhadas ao longo das paredes, enquanto caixas empoeiradas se acumulavam em cantos aleatórios. No centro, havia uma mesa coberta com um pano escuro. %Taehyun% acendeu outra lâmpada, que iluminou o espaço com uma luz amarela e suave.
— Faz quanto tempo que você não desce aqui? — perguntou ele, quebrando o silêncio enquanto examinava o lugar.
— Anos, provavelmente. Nunca tive motivo para vir — respondeu ela, passando a lanterna pelas prateleiras.
Ele se aproximou da mesa no centro da sala, levantando o pano para revelar uma pilha de livros antigos e um pequeno baú de madeira, fechado com um cadeado enferrujado.
— E agora? Encontrou um motivo?
%Ágata% o observou por um momento, em silêncio, antes de se aproximar. Ela reconheceu o baú imediatamente.
— Esse era do meu avô — sussurrou, ajoelhando-se ao lado da mesa.
%Taehyun% a observava atentamente, mas não disse nada. Ela passou os dedos pelo cadeado, tentando abrir, mas estava preso.
— Droga, preciso da chave.
— Ou você pode deixar que eu tente — sugeriu ele, inclinando-se levemente.
Ela levantou os olhos para ele, desconfiada, mas acabou cedendo.
— Vai em frente, Sherlock.
%Taehyun% tirou algo do bolso: uma pequena chave de metal, antiga, que ele segurou entre os dedos.
— Como você tem isso? — perguntou %Ágata%, a voz repleta de surpresa e confusão.
— Digamos que foi um presente do destino.
Sem esperar uma resposta, ele colocou a chave no cadeado e o abriu com facilidade. O baú rangeu ao ser aberto, revelando um conjunto de cartas, fotografias e um pequeno caderno de capa de couro.
%Ágata% pegou o caderno com cuidado, seus dedos trêmulos. Na capa, estava gravado o nome de seu avô.
— Isso... Isso não estava aqui antes. Eu tenho certeza.
%Taehyun% apenas sorriu, mas dessa vez seu sorriso parecia carregado de algo mais profundo.
— Talvez você só não estivesse pronta para encontrar.
%Ágata% abriu o caderno, suas mãos quase hesitantes, e começou a folhear as páginas. Cada palavra parecia puxá-la mais fundo em um passado que ela nem sabia que existia.
E, ao seu lado, %Taehyun% permanecia em silêncio, observando com um olhar que parecia carregar segredos próprios.
Conforme %Ágata% lia o caderno, a voz de seu avô parecia ecoar nas palavras rabiscadas naquelas páginas antigas. Eram anotações sobre a livraria, seus clientes, e... algo mais. Algo que fazia seu coração acelerar.
—
"Aquele que entende o valor dos livros nunca estará sozinho", — ela leu em voz alta, as palavras firmes mas carregadas de emoção.
%Taehyun% inclinou-se ligeiramente, sua expressão curiosa, mas não interrompeu. Ele parecia saber o peso do momento para %Ágata%.
— Ele escreveu sobre os livros como se fossem pessoas — ela disse, olhando para %Taehyun%. — Meu avô acreditava que cada volume tinha uma história além do que estava escrito. Que cada dono deixava um pouco de si neles.
— Ele não estava errado — respondeu %Taehyun% calmamente. — Livros têm uma alma, mesmo que as pessoas não percebam.
%Ágata% voltou sua atenção para o caderno, virando mais algumas páginas. Mas, de repente, algo chamou sua atenção. Um pequeno desenho no canto de uma página — um símbolo circular com detalhes intrincados.
— Isso parece um selo — comentou ela, apontando para o desenho.
%Taehyun% estreitou os olhos, olhando com atenção.
— Parece mais um... marcador de localização. Algo que indicaria um lugar ou objeto específico.
%Ágata% franziu o cenho, virando a página seguinte. Mais símbolos, seguidos por palavras que pareciam enigmáticas:
"O livro não é apenas um objeto. Ele é a chave para a verdade que repousa abaixo de nós." Ela piscou, surpresa, e olhou para %Taehyun%.
— Uma pista? — ele completou, um pequeno sorriso surgindo em seus lábios.
%Ágata% sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Tudo aquilo parecia surreal demais, quase como se fosse parte de um enredo de ficção. Mas o olhar de %Taehyun%, firme e atento, a mantinha ancorada na realidade.
— Acho que já tive emoção suficiente por hoje — disse ela, fechando o caderno com um suspiro.
%Taehyun% inclinou a cabeça, como se estivesse avaliando suas palavras.
— Então você não quer descobrir o que isso significa?
Ela ficou em silêncio por um momento. Queria — mais do que qualquer coisa, na verdade. Mas havia algo em %Taehyun% que a deixava em dúvida. Ele era parte desse mistério ou apenas um espectador curioso?
— Quero... — admitiu, relutante. — Mas amanhã. Já está tarde, e eu ainda preciso organizar meus pensamentos.
Ele assentiu, parecendo entender.
%Ágata% recolheu o caderno e fechou o baú novamente, trancando-o com o mesmo cadeado. Quando se virou para %Taehyun%, ele já estava no topo da escada, esperando por ela.
— Não vai me deixar sozinha aqui embaixo, não é? — perguntou, em tom de brincadeira.
— Eu seria um péssimo acompanhante se fizesse isso — ele respondeu, estendendo a mão para ajudá-la a subir.
Ela hesitou por um segundo antes de aceitar, sentindo os dedos dele firmes ao redor dos seus.
De volta ao térreo, %Ágata% trancou a porta do porão, guardando a chave no bolso.
— Pronto. Mistério adiado para amanhã.
%Taehyun% apenas sorriu, mas o brilho em seus olhos dizia que ele não acreditava que aquilo seria tão simples.
Quando saíram juntos da livraria, a noite já havia caído sobre Portsmouth, e o ar estava ainda mais frio. %Ágata% puxou o casaco para se proteger, lançando um último olhar para %Taehyun% antes de se despedir.
Mas, mesmo enquanto caminhava de volta para casa, sua mente estava presa às palavras de seu avô e à presença de %Taehyun%. Ela sabia que aquilo era apenas o começo.
❄️❄️❄️