PRIMEIRO CAPÍTULO
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Portsmouth, New Hampshire, 18 de Dezembro de 2024:
Conforme o Natal se aproximava, a cidade ficava ainda mais brilhante — e barulhenta, de acordo com %Ágata%. As luzes piscantes que decoravam cada esquina, as vitrines ornamentadas com guirlandas exageradas, e as músicas natalinas que tocavam sem parar em cada café e loja eram, para ela, um exagero quase insuportável. Enquanto muitos se deixavam contagiar pela euforia da época, %Ágata% sentia apenas o incômodo da pressa das multidões e da falsa alegria que parecia pairar no ar.
Às
7h30 da manhã, ela já estava na livraria que herdara de sua tia-avó, a qual ironicamente se chamava
Encanto Natalino. O nome, assim como os enfeites temáticos espalhados pelas prateleiras, pareciam zombar de sua falta de entusiasmo pela época. %Ágata% tinha planos de fechar a loja definitivamente no início do próximo ano, pois as vendas eram escassas e ela não via razão para mantê-la. Sentada atrás do balcão, ela folheava um antigo livro de capa dura, mais para ocupar as horas vazias do que por real interesse.
— %Ágata%, querida, você não vai decorar a vitrine? — perguntou a senhora May, a vizinha que passava todos os dias pela livraria em sua caminhada matinal. Ela parou na porta, ajeitando o cachecol de lã.
— Para quê? — respondeu %Ágata%, sem erguer os olhos do livro. — Ninguém entra aqui mesmo.
Ora, não seja tão amarga. O Natal é uma época mágica! — insistiu a senhora May, sorrindo. — Você precisa acreditar mais.
%Ágata% apenas ergueu as sobrancelhas, preferindo não responder. Sabia que discutir com May seria como tentar argumentar com uma das decorações animatrônicas da cidade:
inútil. A senhora, percebendo a resistência, deu de ombros e continuou seu caminho, deixando %Ágata% com seus pensamentos.
Às
9h, a rotina seguia seu curso habitual: um ou dois clientes entravam, mais para escapar do frio do que para realmente comprar algo. %Ágata% atendia com profissionalismo, mas sem grande entusiasmo, limitando-se ao essencial. Suas respostas eram curtas, e o sorriso, raro. Os livros eram organizados impecavelmente, pois ela encontrava certo conforto na ordem. A bagunça externa da cidade podia ser um caos, mas ali dentro, tudo estava sob seu controle.
Enquanto colocava um livro de volta na prateleira, %Ágata% se pegou olhando pela janela. A neve começava a cair devagar, cobrindo as calçadas com um manto branco que contrastava com as luzes coloridas. Ela suspirou, imaginando o quanto a cidade ainda ia se agitar antes da noite de Natal. Para ela, eram apenas dias que precisavam passar.
Porém, mal sabia ela que aquele seria o último Natal em que poderia se esconder atrás de sua apatia. Um visitante inesperado estava prestes a cruzar a porta da livraria, trazendo consigo não apenas perguntas sobre livros, mas respostas que ela nunca soube que precisava.
❄️❄️❄️
Às
16h, serviu-se de um chá nos fundos, observando pela pequena janela a neve que começava a cair. Depois voltou ao balcão, conferindo o relógio de tempos em tempos. À medida que o dia avançava, os visitantes diminuíam. O último cliente saiu às
17h30, comprando apenas um marcador de páginas.
Quando o relógio marcou
17h45, %Ágata% olhou para a rua. Não havia ninguém. “Ninguém mais vai aparecer hoje”, pensou. Decidiu fechar a loja mais cedo, algo incomum para ela, mas parecia um dia apropriado para terminar logo. Apagou as luzes principais, deixando as da vitrine acesas, e caminhou até a porta.
Quando estava prestes a girar o letreiro de
"Aberto" para
"Fechado", o som do sino da entrada ecoou. Ela se virou, surpresa.
Um homem alto, de cabelos escuros e olhar penetrante, entrou na livraria trazendo consigo uma rajada de vento gelado. Vestia um casaco pesado, mas parecia alheio ao frio.
— Desculpe — disse ele, com um leve sorriso. — Espero não estar atrapalhando. Ainda está aberta, não?
Por um momento, %Ágata% hesitou. Algo na presença dele a deixou inquieta, mas ela se recompôs rapidamente.
— Ainda temos alguns minutos. Eu posso ajudar?
O homem olhou ao redor, como se já conhecesse o lugar.
— Talvez mais do que imagina — respondeu ele, enigmaticamente.
❄️❄️❄️