OITAVO CAPÍTULO
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Portsmouth, New Hampshire, 24 de Dezembro de 2024:
A cidade estava ainda mais lotada e barulhenta do que o habitual. Carros buzinavam impacientemente enquanto pessoas carregadas de sacolas de compras se espremiam pelas calçadas, formando um caos típico da véspera de Natal. %Ágata% puxou o casaco para mais perto do corpo, encolhendo os ombros em uma tentativa de se proteger do vento cortante e da bagunça ao seu redor.
— Eu detesto essa época do ano — murmurou para si mesma, desviando habilmente de um grupo de adolescentes que corriam com gorros de Papai Noel. — Tudo vira um circo.
Assim que virou a esquina de casa, seu destino à vista, ela avistou %Taehyun% vindo em sua direção. Ele caminhava depressa, o cachecol azul pendendo no pescoço de forma descuidada, o rosto marcado por uma expressão de urgência.
— %Ágata%! — chamou, ofegante, quando finalmente a alcançou. Sem dar tempo para que ela processasse, ele segurou o braço dela e a puxou consigo.
— Ei, espera! O que está acontecendo? — protestou, tentando acompanhar o ritmo dele enquanto seus pés tropeçavam levemente no chão escorregadio. — Para onde você está me levando? Preciso abrir a livraria!
— Esquece a livraria por hoje — ele respondeu rapidamente, sem diminuir o passo. — Confia em mim, é importante.
%Ágata% tentou soltar o braço, mas ele estava decidido.
— Importante o quê, %Taehyun%? Você sabe que não sou fã de surpresas, ainda mais numa manhã de véspera de Natal!
— E quem disse que você tem escolha? — ele retrucou, com um sorriso travesso, mas os olhos ainda brilhavam com algo que ela não conseguia decifrar.
%Ágata% suspirou, frustrada, mas percebeu que, conhecendo %Taehyun%, era melhor ceder.
— Se eu perder clientes por sua causa, você vai ter que compensar no próximo ano.
Ele apenas sorriu, mas manteve o silêncio enquanto a conduzia pelas ruas, sem revelar para onde estavam indo.
Eles andaram por quase quinze minutos até que chegaram a uma construção abandonada na periferia da cidade. Era um prédio antigo, com paredes descascadas e janelas quebradas, cercado por uma atmosfera sombria que fez %Ágata% hesitar por um momento.
— Tá falando sério, %Taehyun%? — perguntou ela, franzindo a testa.
— Calma, eu prometo que vai valer a pena — ele respondeu, puxando-a com mais delicadeza desta vez enquanto atravessavam o portão enferrujado.
%Ágata% olhou ao redor, desconfiada, enquanto eles entravam na construção. O interior era escuro e úmido, com cheiro de poeira e madeira velha. %Taehyun% caminhava com confiança, como se já soubesse exatamente para onde ir.
— Você já esteve aqui antes? — ela perguntou, tentando esconder o desconforto.
— Algumas vezes — ele admitiu, parando em frente a uma porta no fundo do corredor. Ele tirou do bolso um pequeno feixe de chaves e, com cuidado, escolheu uma delas.
— Espera... Isso é sobre aquela chave, não é? — %Ágata% perguntou, sua voz baixa enquanto as peças começavam a se juntar em sua mente.
%Taehyun% apenas sorriu de canto e girou a chave na fechadura enferrujada. A porta se abriu com um rangido alto, revelando uma sala pequena e iluminada apenas por um feixe de luz que escapava de uma abertura no teto. No centro do cômodo, havia um baú de madeira antiga, com entalhes intrincados nas laterais.
— O que é isso? — %Ágata% perguntou, aproximando-se com cautela.
— A chave que encontramos era só o começo — ele explicou, ajoelhando-se ao lado do baú e gesticulando para que ela fizesse o mesmo. — Isso aqui… é o que ela estava protegendo.
Ele girou a chave na tranca do baú, que se abriu com um estalo. %Ágata% segurou a respiração enquanto %Taehyun% levantava a tampa, revelando o conteúdo: uma coleção de objetos antigos, mapas, e um diário com capa de couro.
— Isso... isso estava escondido aqui todo esse tempo? — ela perguntou, incrédula, passando os olhos pelo interior do baú.
— Não é incrível? — %Taehyun% disse, a empolgação evidente em sua voz. — Isso pode ser a peça que faltava para entender tudo o que aconteceu.
%Ágata% olhou para ele, a surpresa ainda evidente em seu rosto, enquanto a curiosidade começava a vencer sua relutância. Ela sabia que aquilo era apenas o início de algo muito maior.
A loira sentou-se ao lado do baú, os olhos fixos nos objetos antigos. Ela passou a mão pelo diário, sentindo a textura do couro desgastado, e o abriu com cuidado. As páginas estavam repletas de anotações, esquemas e ilustrações que pareciam um emaranhado de ideias desconexas à primeira vista.
— Meu avô... — %Ágata% murmurou, sentindo uma mistura de emoção e confusão. — Ele sempre mencionava enigmas, histórias... mas eu nunca imaginei que ele tivesse deixado algo assim.
— O que exatamente ele dizia? — %Taehyun% perguntou, observando-a com atenção.
%Ágata% respirou fundo, tentando se lembrar.
— Ele falava de um
"tesouro da mente", algo que não era ouro nem joias. Mas também dizia que ninguém o entenderia até o momento certo. Eu achava que eram apenas histórias para me entreter.
%Taehyun% pegou um dos mapas do baú, analisando as marcas e anotações.
— Isso aqui não é só história, %Ágata%. É um quebra-cabeça real. E parece que você é a peça central para resolvê-lo.
Ela fechou o diário e olhou ao redor.
— Precisamos de tudo o que já encontramos. A chave, as cartas, as anotações... tudo. Vamos levar isso para minha casa e montar o quebra-cabeça.
❄️❄️❄️
A sala estava mergulhada no som abafado do relógio marcando os minutos. A mesa permanecia cheia de cartas, anotações e o diário do avô. %Ágata% mantinha os olhos fixos na última página que lera, as palavras pareciam vibrar em sua mente:
"Não existe cura para a dor que não passe pelo amor. Não existe vida plena sem reconciliação." — Isso é sobre a minha mãe — ela murmurou, quase sem querer admitir.
%Taehyun%, que estava sentado no braço do sofá ao lado, ergueu os olhos.
— Claro que é. Você sabe disso desde o momento em que leu.
%Ágata% balançou a cabeça, frustrada.
— Ele não podia simplesmente deixar um testamento como todo mundo? Uma conta bancária ou uma joia de família? Por que precisava ser isso?
— Porque ele sabia que esse é o tipo de coisa que realmente importa — %Taehyun% respondeu com paciência. — E porque ele sabia que vocês precisavam disso.
Ela fechou o diário com força, empurrando-o para longe.
— Eu não preciso de nada disso. Eu aprendi a viver sem ela.
%Taehyun% suspirou, inclinando-se para frente.
— Você não aprendeu nada, %Ágata%. Você fugiu.
— Fugir foi a única opção que ela me deixou! — ela rebateu, a voz elevando-se. — Depois que o meu pai morreu, ela simplesmente me ignorou. Eu era só uma adolescente, %Taehyun%!
— E agora você é uma adulta. O que significa que você pode tomar a decisão de fazer as coisas diferentes.
— Não quero fazer diferente — ela disse, cruzando os braços. — Não no Natal, não amanhã, talvez nunca.
%Taehyun% ficou em silêncio por alguns segundos, os olhos buscando os dela.
— Isso não é sobre ela, %Ágata%. É sobre você.
Ela desviou o olhar, mas ele continuou.
— Você está deixando o rancor definir quem você é. E eu sei que não é isso que o seu avô queria para você.
%Ágata% se levantou abruptamente, o som da cadeira ecoando pelo ambiente.
— Não me diga o que ele queria ou deixava de querer! Eu já ouvi o suficiente, %Taehyun%.
Ele também se levantou, a frustração finalmente transparecendo.
— Então me diz o que você quer, %Ágata%! Ficar sozinha? Continuar fingindo que não sente falta dela?
— Eu quero que você me deixe pensar! — ela explodiu. — É isso que eu quero.
Ele deu um passo para trás, surpreso com a intensidade dela. Respirou fundo e assentiu.
— Tudo bem. Eu vou dar espaço.
Ele pegou o casaco e caminhou até a porta, mas antes de sair, virou-se para ela.
— Só não esquece que o tempo passa, %Ágata%. E ele não espera ninguém.
A porta se fechou, e o silêncio voltou, mas desta vez era mais pesado, mais difícil de suportar.
%Ágata% ficou de pé no meio da sala, olhando para a bagunça na mesa. As palavras de %Taehyun% ecoavam na mente dela:
"O tempo não espera ninguém." Ela sentou-se novamente, pegando o diário do avô. As páginas estavam cheias de histórias e conselhos que agora pareciam mais pessoais do que nunca.
"O perdão é uma escolha, não um sentimento. E é a escolha mais libertadora que você pode fazer por si mesma." Ela fechou os olhos, sentindo a pressão do que precisava fazer, mas a resistência ainda estava ali, teimosa.
— Eu não consigo... — ela sussurrou para si mesma. — Não ainda.
Olhou para a janela, as luzes de Natal piscando do lado de fora, as casas decoradas e cheias de vida. O mundo seguia em frente, enquanto ela permanecia presa em seu próprio labirinto emocional.
Mas o que o avô teria feito? Essa pergunta ecoou em sua mente como um farol. Ela sabia que não podia ignorar para sempre, mas precisava de tempo para processar. Só não sabia se o tempo que queria era o mesmo que tinha.
%Ágata% decidiu que precisava de algo para se sentir mais leve. Um banho parecia uma boa ideia — não resolveria seus problemas, mas talvez ajudasse a acalmar a mente.
No banheiro, o vapor começou a embaçar o espelho, ocultando o reflexo que ela mal reconhecia. Enquanto a água quente caía sobre sua pele, ela tentou organizar os pensamentos.
Primeiro, o avô. Ele sempre fora um pilar na vida dela. O homem que a ensinou a andar de bicicleta, a apreciar os pequenos detalhes da vida e, mais importante, a nunca perder a conexão com as pessoas que amava
. “E o que eu fiz? Me afastei da minha mãe,” pensou, a culpa começando a pesar.
Mas então, havia a mãe. O relacionamento delas sempre fora complicado. Após a morte do pai, parecia que cada uma havia se recolhido para o próprio casulo de dor, incapazes de se alcançar.
"Ela deveria ter sido o adulto da situação," %Ágata% argumentava para si mesma.
"Ela deveria ter vindo atrás de mim." Mas, agora, a verdade era clara: a reconciliação precisava partir de alguém. E talvez esse alguém fosse ela.
A água quente começou a esfriar, mas %Ágata% continuou ali, apoiando a testa contra a parede de azulejos. A imagem de %Taehyun% surgiu em sua mente. Ele era persistente, irritantemente certo em suas observações, mas também alguém que se importava profundamente. Ela odiava admitir, mas ele estava certo: seu avô queria que ela fizesse as pazes com a mãe, não apenas por elas, mas por ela mesma.
"E %Taehyun%?" A pergunta surgiu sem aviso, mas era impossível ignorá-la. Ele estava sempre ali, mesmo quando ela o afastava. Ele não tinha obrigação alguma de ajudá-la, mas fazia isso porque... porque se importava?
%Ágata% desligou o chuveiro, envolveu-se na toalha e voltou ao quarto. Sentou-se na cama, o cabelo pingando, enquanto olhava para o vazio. Sua mente girava entre três pessoas:
o avô, a mãe e %Taehyun%. Era como se o avô tivesse deixado não apenas um legado, mas também um caminho a seguir, uma forma de enxergar a vida com mais compaixão e coragem. E, talvez, o primeiro passo fosse justamente dar o braço a torcer, mesmo que isso significasse enfrentar medos antigos.
"Eu preciso resolver isso. Com ela. Com ele. E talvez, comigo mesma." Ainda não sabia exatamente como, mas sabia que não podia mais ignorar. Por enquanto, precisava se recompor. Amanhã seria Natal. E, talvez, uma oportunidade de começar de novo.
❄️❄️❄️
%Ágata% se levantou da cama depois de algum tempo refletindo. Decidiu que precisava fazer algo mais prático para ocupar a mente, então depois de se vestir começou a organizar algumas coisas pela casa. Limpou a pequena mesa da sala, arrumou a estante com os livros que estavam espalhados e, enquanto colocava ordem nas coisas, tentava também alinhar os próprios pensamentos.
Quando o relógio marcou meio-dia, seu estômago roncou. Preparou algo simples: uma sopa quente e um pedaço de pão que ainda tinha na cozinha. Comia lentamente, sem realmente sentir o gosto da comida, perdida em pensamentos.
Depois de lavar a louça, sentiu o peso do cansaço. O sono parecia convidativo e, apesar de relutar, decidiu se deitar no sofá. Adormeceu rapidamente, o som distante do mundo lá fora sendo substituído por uma tranquilidade momentânea.
No sonho, ela estava em um campo aberto. O sol brilhava forte, e uma brisa suave fazia os cabelos dançarem. No horizonte, uma figura caminhava em sua direção. Reconheceu o avô imediatamente, com seu sorriso sereno e os braços abertos. — Você está pronta para entender agora, minha menina? — ele perguntou, sua voz carregada de uma ternura familiar. — Entender o quê? — %Ágata% respondeu, sentindo-se novamente como uma criança. — Que a vida não é sobre o que deixamos para trás, mas sobre como seguimos em frente. É sobre amor, sobre perdão. Sobre enxergar as pessoas que amamos enquanto ainda estão aqui. Ela sentiu os olhos marejarem. — Mas... e se eu não souber como fazer isso? — Você saberá. Basta começar. O resto se ajeita. O avô deu um passo para frente e segurou suas mãos. Ela sentiu o calor do toque, como se fosse real. — Confie em si mesma, %Ágata%. E não tenha medo de dar o primeiro passo. Antes que pudesse responder, ele desapareceu, e tudo ao redor ficou em silêncio. Ela acordou com um sobressalto. O céu do lado de fora já estava tingido de laranja, marcando o fim do dia. Olhou para o relógio: eram 17h50.
Enquanto ainda processava o sonho, ouviu alguém chamando do lado de fora.
Era a voz de %Taehyun%. Ele chamava do portão, insistente, mas não irritado.
Ela suspirou, levantou-se e foi até lá. Ao abrir o portão, encontrou-o parado com as mãos nos bolsos, o frio marcando o rubor em suas bochechas.
— Não vai querer passar a véspera de Natal sozinha, vai? — ele perguntou, com um sorriso que parecia carregar mais do que uma simples proposta.
%Ágata% cruzou os braços, olhando para ele.
— Estou dizendo que não. Vem, vamos fazer algo diferente — insistiu %Taehyun%.
%Ágata% cruzou os braços e desviou o olhar.
— Eu vou passar sozinha porque sempre foi assim. E está tudo bem.
— Não, não está — ele retrucou, a determinação evidente em seu tom. — Eu não vou deixar você passar o Natal sozinha.
Ela soltou um suspiro exasperado, revirando os olhos.
— E você é teimosa. Agora, vai me deixar entrar ou vou ter que pular o portão?
%Ágata% segurou o riso que ameaçava escapar. Resignada, ela abriu mais a porta e deu um passo para trás.
— Entra logo antes que eu mude de ideia.
%Taehyun% entrou com um sorriso satisfeito, tirando as luvas e esfregando as mãos para se aquecer.
— Obrigado pela hospitalidade, senhora
"estou bem sozinha". — Nem começa — ela respondeu, fechando o portão atrás dele.
Mesmo com o clima tenso entre eles mais cedo, a presença de %Taehyun% trazia uma leveza inesperada ao ambiente. Ela não sabia exatamente por que o deixara entrar, mas algo lhe dizia que, talvez, ela estivesse precisando disso mais do que admitia.
%Taehyun% sentou-se no sofá com um suspiro, acomodando-se em um dos cantos. %Ágata% hesitou por um momento, mas acabou se sentando na outra extremidade, mantendo uma distância segura. O silêncio entre eles era quase palpável, mas não desconfortável. Seus olhares se encontraram algumas vezes, mas nenhuma palavra foi dita.
Ela mexia distraidamente nos próprios dedos, enquanto ele mantinha o olhar fixo em algum ponto indefinido da sala. Após alguns minutos de quietude, %Ágata% quebrou o silêncio.
— E a sua família? — perguntou, a voz baixa, mas curiosa.
%Taehyun% desviou o olhar para ela, suspirando profundamente antes de responder.
— Na Coreia — disse, simplesmente, com um leve encolher de ombros.
%Ágata% o observou, captando um misto de saudade e aceitação em sua expressão.
— Deve ser difícil estar tão longe deles... principalmente nessa época.
Ele sorriu de canto, sem muito entusiasmo.
— É. Mas faz parte, não é?
Ela assentiu, pensativa, sem saber exatamente o que dizer. Por algum motivo, aquilo a fez sentir um leve peso no peito, como se a solidão que ambos compartilhavam naquele momento os unisse de forma inesperada.
%Ágata% o observava atentamente, o olhar cheio de perguntas não ditas. O silêncio entre eles permaneceu por um momento antes que ela se inclinasse levemente, cruzando os braços.
— Então, você não tem nenhum problema com a sua família?
%Taehyun% riu baixinho, balançando a cabeça.
— Nenhum. Na verdade, minha família é incrível. Sempre me apoiaram em tudo, mesmo quando eu cometi erros... e foram muitos.
Ela arqueou uma sobrancelha, intrigada.
— Então, por que veio parar aqui? — perguntou, ainda sem entender completamente.
%Taehyun% desviou o olhar por um momento, como se estivesse organizando os pensamentos. Quando voltou a encará-la, havia algo sério e profundo em sua expressão.
— Como você me achou? E por que veio atrás de mim, %Taehyun%? — a voz dela saiu firme e direta, mas com um toque de vulnerabilidade.
Ele respirou fundo, passando a mão pelos cabelos antes de começar.
— Eu conheci seu avô em um dos momentos mais difíceis da minha vida. Estava perdido, %Ágata%... completamente sem rumo. Achei que não tinha mais nada pelo que lutar ou viver. Foi quando, do nada, ele apareceu.
Ela franziu o cenho, inclinando-se um pouco mais.
— Literalmente. Ele me encontrou em uma estação de trem, em Seul. Eu estava... pensando em fazer algo idiota — ele confessou, a voz carregada de um peso que ela não esperava. — Ele se aproximou, como se soubesse exatamente o que eu estava passando. Começou a falar comigo, contar histórias, compartilhar conselhos que pareciam saídos de um livro antigo, mas que faziam sentido de uma forma que eu nunca imaginei.
%Ágata% ficou em silêncio, absorvendo cada palavra.
— Ele me fez ver que a vida não precisava ser perfeita para valer a pena. Que as pessoas que amamos e os momentos simples são o que realmente importam.
Ela engoliu em seco, as memórias do avô começando a inundar sua mente.
— E... o que isso tem a ver comigo?
%Taehyun% desviou o olhar por um momento, parecendo hesitar antes de responder.
— Antes de morrer, seu avô me fez prometer algo. Ele disse que havia alguém muito especial na vida dele, alguém que estava tão perdida quanto eu estava naquela época. E que, se ele não pudesse estar aqui para ajudar essa pessoa, eu deveria fazer isso por ele.
Os olhos de %Ágata% se arregalaram, o peso da revelação caindo sobre ela como uma maré.
— Ele estava falando de mim...
%Taehyun% assentiu lentamente.
— Ele acreditava que você só precisava de um empurrãozinho para enxergar o valor da vida de novo. Para perceber que ainda há amor, família... e que nunca é tarde para se reconectar.
Ela abriu a boca para dizer algo, mas nada saiu. Sua mente estava uma confusão de emoções: choque, incredulidade, saudade... e algo que ela não conseguia identificar.
%Ágata% sentiu o nó em sua garganta crescer, apertando como se fosse sufocá-la. As palavras de %Taehyun% ecoavam em sua mente, cada sílaba trazendo de volta memórias do avô, memórias de um amor que ela havia enterrado junto com ele.
Antes que pudesse se controlar, as lágrimas começaram a escorrer por seu rosto. Ela tentou conter o choro, mas foi inútil. Um soluço escapou, seguido por outro.
— %Ágata%... — %Taehyun% começou, preocupado, mas ela não deu chance para ele continuar.
De repente, como se um impulso tomasse conta dela, ela o puxou para um abraço apertado. Seu rosto se escondeu contra o ombro dele, e o choro veio com força. Um turbilhão de emoções a tomou: tristeza, culpa, arrependimento... mas também um estranho alívio.
%Taehyun% ficou imóvel por um momento, surpreso, mas logo passou os braços ao redor dela, envolvendo-a com cuidado, como se temesse quebrá-la.
— Eu... eu não sabia — ela sussurrou entre os soluços, as palavras quase inaudíveis. — Eu me afastei de todo mundo... até dele. E agora... agora é tarde demais para pedir desculpas...
Ele afagou suas costas de leve, o gesto reconfortante, mas firme.
— Não é tarde demais, %Ágata%. Não é tarde para fazer as pazes com quem ainda está aqui.
Ela o apertou ainda mais, como se pudesse se segurar àquelas palavras, àquela promessa de redenção. As lágrimas continuavam caindo, mas, pela primeira vez em muito tempo, ela sentiu que estava liberando algo que a vinha sufocando há anos.
— Ele acreditava em você, %Ágata%. E você não precisa fazer isso sozinha. Eu estou aqui.
Ela não respondeu, mas o aperto em seus braços dizia tudo. Era como se, naquele abraço, ela estivesse se permitindo sentir outra vez, se permitindo acreditar que poderia consertar as coisas — com sua mãe, consigo mesma, e com a vida que ainda tinha pela frente.
❄️❄️❄️
%Taehyun% abriu a geladeira, analisando os ingredientes disponíveis enquanto %Ágata% mexia em uma tigela na bancada. O clima estava mais leve agora, com o cheiro de algo simples, mas reconfortante, começando a tomar conta do ambiente.
— Parece que a gente vai improvisar, hein? — ele comentou, erguendo um pacote de queijo.
— Nada que eu já não esteja acostumada — ela respondeu, com um meio sorriso, enquanto misturava farinha e ovos.
O silêncio confortável os envolveu enquanto trabalhavam juntos, mas %Ágata% não conseguia afastar os pensamentos que a martelavam. Finalmente, largou a colher na pia e virou-se para ele.
— %Taehyun% — começou, hesitando.
— Hm? — Ele olhou para ela enquanto cortava tomates, as mãos habilidosas e precisas.
— E os beijos? — ela disparou, cruzando os braços. — Faziam parte do plano também?
%Taehyun% parou no mesmo instante, a faca imóvel na tábua. Ele ergueu os olhos para ela, surpreso, mas logo sua expressão se suavizou.
— Porque se faziam, você é melhor do que eu pensava em cumprir promessas — ela continuou, tentando soar casual, mas sua voz tremia ligeiramente.
Ele largou a faca, respirou fundo e deu a volta na bancada, aproximando-se dela. Seus olhos estavam sérios, mas havia algo mais ali — algo caloroso e genuíno.
— Você pode não acreditar — começou, sua voz baixa e firme —, mas desde o momento em que seu avô me mostrou suas fotos, eu soube que queria você na minha vida, %Ágata%.
— Ele tinha uma foto sua na carteira. Me mostrou uma vez, quando estávamos conversando. Ele disse que você era teimosa, complicada e brilhante. E, mesmo assim, ele não parava de sorrir ao falar de você.
%Ágata% sentiu o rosto esquentar, o coração batendo acelerado.
— Então, não, os beijos não faziam parte do plano — ele continuou, dando mais um passo à frente. — Mas eu não me arrependo deles.
O olhar dele encontrou o dela, e por um momento, o mundo pareceu diminuir, deixando apenas os dois ali, na cozinha iluminada por uma luz suave. Ela queria responder, mas as palavras pareciam presas na garganta.
— Então... o que fazemos com isso agora? — ela sussurrou, finalmente.
Ele sorriu, um sorriso tranquilo e cheio de significado.
— Que tal descobrirmos juntos? — %Taehyun% perguntou, a voz baixa, mas cheia de intensidade.
%Ágata% não respondeu de imediato, mas o brilho em seus olhos falava mais do que qualquer palavra poderia dizer. Ela sentiu o coração acelerar, como se algo estivesse prestes a se romper dentro dela, algo que ela nem sabia que estava segurando por tanto tempo.
%Taehyun% deu mais um passo, diminuindo ainda mais a distância entre eles. Suas mãos ergueram-se hesitantes, parando no ar por um instante antes de pousarem suavemente nos braços dela.
— %Ágata% — ele murmurou, como se testar o som do nome dela em seus lábios fosse parte de uma confissão silenciosa.
Ela não sabia o que a impulsionou, talvez fosse o peso de tudo que ele dissera, ou talvez fosse simplesmente a necessidade de se permitir sentir algo real depois de tanto tempo. Mas, antes que pudesse se conter, ela ergueu a mão e tocou o rosto dele, seus dedos traçando suavemente a linha do maxilar.
— Você é insuportável, sabia? — ela sussurrou, mas o tom de sua voz carregava mais doçura do que irritação.
Ele riu baixinho, e no instante seguinte, sem mais hesitar, %Ágata% fechou a distância entre eles.
O beijo foi lento no início, como se ambos estivessem se dando tempo para absorver cada segundo. Os lábios dele eram firmes, mas gentis, movendo-se contra os dela com uma intensidade que a fazia esquecer de tudo — do jantar, da cozinha, até do ar ao redor.
Quando finalmente se afastaram, apenas o suficiente para se olharem novamente, %Taehyun% deixou escapar um pequeno sorriso, seus olhos brilhando com algo entre felicidade e alívio.
— Isso responde sua pergunta? — ele provocou suavemente, a voz rouca.
%Ágata% não pôde evitar sorrir, sentindo o calor espalhar-se por seu peito.
— Não sei... talvez você precise fazer de novo, só para eu ter certeza.
Ele riu, e antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, puxou-a para outro beijo, um pouco mais urgente, como se cada instante com ela fosse precioso demais para ser desperdiçado.
❄️❄️❄️
Os dois se acomodaram no sofá da sala, cada um com um prato equilibrado sobre as pernas e uma garrafa de vinho branco repousando na mesinha de centro. A TV, ligada em um volume baixo, transmitia uma programação natalina que parecia tentar resgatar um pouco da magia do feriado.
%Ágata% encarou a tela, mas sua atenção estava mais voltada para os próprios pensamentos do que para o filme que passava. Havia algo de reconfortante na cena, o calor do apartamento, a simplicidade do jantar improvisado e a presença de %Taehyun% ao seu lado.
Enquanto ele ria baixinho de uma cena engraçada, %Ágata% se pegou refletindo. Quantos natais ela havia passado sozinha, ignorando a data como se não fosse importante? Por que, mesmo quando a mãe tentava uma reconciliação, ela insistia em manter a distância?
Seus olhos se desviaram para %Taehyun%, que estava distraído saboreando o vinho. Ele parecia tão à vontade, como se pertencer àquele momento fosse a coisa mais natural do mundo. E talvez fosse. Ele era uma anomalia em sua vida, uma presença que chegou sem aviso, mas que agora parecia essencial.
"Eu estou diferente", pensou. Era sutil, mas algo dentro dela havia mudado. Não era só por causa de %Taehyun%, embora ele tivesse dado o empurrão necessário. Era como se todas as palavras de seu avô, os momentos em que havia se sentido perdida e agora a companhia de alguém que parecia acreditar nela, tivessem formado um mosaico de possibilidades que ela antes não enxergava.
— No que está pensando? — A voz de %Taehyun% a trouxe de volta.
%Ágata% piscou e percebeu que ele a observava com curiosidade.
— Em como eu estava errada sobre muitas coisas — confessou, segurando o copo de vinho entre as mãos. — Sobre a vida... e sobre mim mesma.
Ele não disse nada, mas o olhar atento e o sorriso discreto indicavam que ele entendia.
— Ainda dá tempo de consertar — disse ele, depois de um instante. — E você sabe disso, não sabe?
Ela respirou fundo, olhando novamente para a tela da TV. Uma família sorria enquanto decorava uma árvore de Natal, suas risadas enchendo a sala fictícia de um calor que %Ágata% mal se lembrava de ter sentido um dia.
— Talvez eu saiba — respondeu, baixinho.
E, pela primeira vez em anos, ela realmente acreditou nisso.
A noite dos dois continuou envolta em uma leveza que %Ágata% não sentia há muito tempo. Após terminarem o jantar, foram juntos para a cozinha lavar as louças. %Taehyun%, com um sorriso travesso, decidiu espirrar um pouco de água na direção dela, o que a fez gritar em indignação e rir ao mesmo tempo.
— Ah, você vai ver só! — disse %Ágata%, armando-se com o esguicho da torneira.
O que começou como uma simples tarefa doméstica virou uma pequena guerra de água. Eles riam alto enquanto tentavam escapar das gotas ou planejar a próxima retaliação. Quando finalmente terminaram, ambos estavam um pouco molhados, mas o riso e a cumplicidade valiam a bagunça.
Depois de se secarem, voltaram para a sala. A programação natalina ainda passava na TV, mas nenhum dos dois realmente prestava atenção. %Ágata% se acomodou no sofá, e %Taehyun% puxou-a para perto. Antes que percebesse, ela estava deitada com a cabeça apoiada no peito dele, sentindo a batida de seu coração. Ele acariciava seus cabelos, criando um silêncio confortável entre eles enquanto a noite avançava.
Pouco antes da meia-noite, %Taehyun% suspirou e mexeu-se suavemente, despertando %Ágata% de seu devaneio.
— Acho que já está na hora de eu ir — disse ele, levantando-se.
%Ágata% o observou por um momento, sentindo uma pontada inesperada de vazio com a ideia de ficar sozinha novamente. Algo dentro dela hesitou, mas, antes que ele pudesse dar mais um passo em direção à porta, ela falou:
— %Taehyun%... — Ele se virou, os olhos curiosos.
— Fica. Passa a noite aqui.
Ele pareceu surpreso, mas rapidamente se recompôs, um sorriso calmo surgindo em seu rosto.
— Tenho. — Ela desviou o olhar por um instante, como se buscasse coragem. — Não quero passar o Natal sozinha.
%Taehyun% não respondeu imediatamente. Em vez disso, ele se aproximou novamente, sentou-se ao lado dela e segurou sua mão.
— Então eu fico — disse ele, baixinho.
E naquele momento, %Ágata% percebeu que, talvez, esse fosse o Natal mais significativo de sua vida.
%Taehyun% sorriu ao ouvir o pedido dela e, sem dizer mais nada, inclinou-se lentamente, seus olhos presos aos dela. %Ágata% não se moveu, mas seu coração disparava como se quisesse pular para fora do peito. Quando os lábios dele tocaram os dela, foi como se o mundo ao redor desaparecesse.
O beijo foi lento, cheio de emoções que palavras jamais poderiam descrever. Era um misto de alívio, gratidão e um sentimento novo, mas inegavelmente forte, que começava a se formar entre eles.
Quando se separaram, %Ágata% manteve os olhos fechados por um momento, absorvendo tudo. Então, abriu-os e sorriu levemente.
— Obrigada, %Taehyun% — disse, com a voz suave.
— Pelo quê? — ele perguntou, sua mão ainda acariciando delicadamente o rosto dela.
— Por não ter desistido de mim... Por ter vindo até aqui, mesmo quando eu não queria enxergar o que era óbvio.
Ele sorriu, seu olhar cheio de ternura.
— Nunca foi uma opção desistir de você, %Ágata%.
Com um suspiro, ela tomou sua mão e o guiou até o quarto. Era simples, mas acolhedor, e %Taehyun% olhou ao redor com curiosidade discreta antes de se sentar na beira da cama. %Ágata% se acomodou ao lado dele, observando-o.
— Feliz Natal, %Taehyun% — disse ela, num tom baixo, mas cheio de significado.
Ele virou-se para ela, com aquele sorriso que parecia iluminar até os cantos mais escuros de sua alma.
E assim, enquanto o silêncio da noite os envolvia, ambos fecharam os olhos, lado a lado, prontos para enfrentar o que o futuro lhes reservava, juntos.
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Portsmouth, New Hampshire, 25 de Dezembro de 2024:
%Ágata% despertou devagar, sentindo o calor dos primeiros raios de sol entrando pela janela. Espreguiçou-se e, ao virar para o lado, percebeu que o lugar ao seu lado na cama estava vazio. O lençol estava ligeiramente bagunçado, mas não havia sinal de %Taehyun%.
Ela franziu o cenho, o sono dando lugar a um leve desconforto. Sentou-se devagar, os dedos puxando os cabelos para trás enquanto olhava ao redor do quarto em busca de algum sinal dele. Foi então que seus olhos pousaram em um pequeno pedaço de papel deixado sobre a cabeceira.
Com o coração disparado, %Ágata% estendeu a mão, pegando o bilhete com dedos trêmulos.
Precisei sair para resolver algumas coisas importantes, mas volto logo. Não se preocupe. Ela leu e releu as palavras, mas o vazio que começava a se formar em seu peito não cedia.
"Volto logo." Mas o que exatamente isso significava? Quanto tempo era
"logo"? O medo começou a tomar conta de seus pensamentos. E se ele não voltasse? E se tudo aquilo fosse só uma ilusão momentânea? Ela havia permitido que ele se aproximasse, que derrubasse as barreiras que construíra com tanto cuidado, apenas para... o quê? Para ele sair sem aviso e deixá-la sozinha?
Sua mente voltou a experiências passadas. Quantas vezes já havia se sentido abandonada? O afastamento da mãe, a morte do avô... %Taehyun% era diferente, não era? Mas será que era mesmo?
Com um suspiro profundo, %Ágata% apertou o bilhete contra o peito, tentando controlar a onda de ansiedade.
“Ele prometeu que não desistiria de mim”, lembrou-se. Mas mesmo assim, o medo persistia, cruel e teimoso.
Sem saber o que fazer, ela decidiu levantar e seguir com o dia. Mas algo no fundo de sua mente não a deixava em paz, um pequeno sussurro que repetia incessantemente:
E se ele não voltar? %Ágata% desceu para a cozinha, o bilhete ainda fresco em sua mente. Preparou uma xícara de café e colocou duas fatias de pão na torradeira. Enquanto esperava, abriu um livro que estava na bancada, tentando desviar seus pensamentos.
Sentou-se à mesa, a xícara de café quente entre as mãos, os olhos fixos nas páginas do livro. As palavras diante dela eram apenas borrões. Não importava o quanto tentasse, sua mente insistia em vagar, voltando para %Taehyun%, para a noite anterior, e para o vazio que agora parecia maior do que nunca.
O bilhete parecia tão distante do calor e do conforto que ela sentira ao lado dele. Por que ele precisou sair? Ele volta mesmo?
Entre um gole de café e uma mordida no pão, sua mente começou a repensar as palavras do avô, as conversas da noite anterior e, mais do que tudo, a sensação de que algo dentro dela estava mudando.
“Você ainda tem tempo para consertar as coisas, %Ágata%.” Essas palavras ecoavam como um sussurro constante, trazendo consigo uma verdade que ela vinha evitando. Seu avô tinha razão. Ela não podia continuar fugindo de tudo e todos. Não podia continuar ignorando a ferida aberta com sua mãe.
%Ágata% olhou para o celular sobre a mesa. A ideia de ligar para sua mãe fez seu estômago revirar. Não se falavam há anos. O que ela diria? O que sua mãe pensaria?
Mas outra parte de si dizia que precisava tentar. Que não poderia viver para sempre com aquele peso no coração.
Ela respirou fundo, o celular hesitando em suas mãos antes de finalmente desbloqueá-lo.
Rolou até o número de sua mãe, sentindo as mãos trêmulas. Apertou para ligar e levou o celular ao ouvido.
O som dos toques parecia durar uma eternidade, e %Ágata% começou a duvidar de si mesma. Talvez ela nem atenda... Talvez seja melhor assim.
A voz familiar do outro lado da linha a congelou. Era sua mãe. O mesmo tom firme, mas com uma doçura que %Ágata% não ouvia há muito tempo.
Houve um silêncio do outro lado, seguido por um leve suspiro.
A voz da mãe parecia hesitante, quase incrédula.
“Eu... eu sei que faz tempo, mas achei que... talvez fosse hora de conversarmos.” Sua mãe ficou em silêncio por alguns instantes, mas quando respondeu, havia um calor inesperado em sua voz:
“Estou feliz que você ligou.” %Ágata% sentiu uma lágrima solitária escorrer por sua bochecha. Talvez o avô tivesse razão. Essa ligação era o começo de algo que ela precisava há muito tempo.
Ela respirou fundo, ainda com o celular encostado no ouvido. Sua mãe estava do outro lado da linha, esperando.
“Eu... Não sei bem como começar.” — %Ágata% admitiu, passando os dedos pelo cabelo. —
“Só sei que... que sinto muito.” Houve um longo silêncio antes que sua mãe respondesse, com a voz embargada:
“%Ágata%, eu também sinto muito. Nunca foi minha intenção que as coisas chegassem a esse ponto.”
%Ágata% apertou os olhos, lutando contra a torrente de emoções que ameaçava transbordar. As lembranças de discussões, mágoas e anos de silêncio voltaram à tona.
“É difícil…” — %Ágata% começou, a voz trêmula. —
“Tudo isso... a ausência do vovô, as coisas que ele dizia... eu só…” “Ele sempre acreditou em nós” — interrompeu sua mãe. —
“Ele sabia que, no fundo, não importa quanto tempo passasse, encontraríamos um jeito de voltar uma para a outra.” Essas palavras a tocaram profundamente, como se um peso estivesse sendo lentamente levantado de seus ombros.
“Eu quero... tentar.” — %Ágata% disse, a sinceridade em cada palavra. —
“Não sei como, mas quero tentar, mãe.” Do outro lado, ela ouviu sua mãe suspirar aliviada.
“Isso é tudo que importa para mim, %Ágata%. Podemos dar um passo de cada vez.” Elas ficaram em silêncio por um momento, um silêncio confortável, cheio de compreensão.
“Você está bem” — sua mãe perguntou, quebrando o silêncio.
%Ágata% olhou ao redor de sua cozinha, o livro esquecido, a xícara de café ainda quente. Pensou na noite anterior, nas palavras de %Taehyun%, e no bilhete que ele deixara.
“Estou... tentando ficar.” — respondeu com honestidade.
“Isso já é um grande começo.” Depois de prometerem conversar mais tarde, %Ágata% desligou a chamada. Ela ficou olhando para o celular em suas mãos por alguns segundos, sentindo um misto de alívio e vulnerabilidade.
Foi nesse momento que percebeu algo: a ligação foi o primeiro passo. O que viria depois ainda era um mistério, mas ela sabia que queria descobrir.
Com um suspiro, colocou o celular de lado e voltou a se concentrar no café da manhã. Enquanto terminava, um leve sorriso surgiu em seus lábios. Talvez, pela primeira vez em anos, as coisas estivessem começando a se alinhar.
E, de alguma forma, ela sabia que %Taehyun% tinha sido parte essencial disso.
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%Ágata% estava na sala, folheando distraidamente o livro que tentara ler durante o café da manhã, mas sua mente continuava a divagar. O som de batidas no portão a tirou do devaneio.
Ela franziu o cenho, mas seu coração acelerou ao reconhecer a voz inconfundível que a chamou:
Levantou-se imediatamente, deixando o livro de lado e caminhando até a janela para verificar. Lá estava %Taehyun%, com o mesmo casaco pesado que ele usara na noite anterior, um sorriso cansado, mas genuíno.
%Ágata% abriu a porta e foi até o portão, cruzando os braços enquanto o encarava.
— Achei que você não fosse me deixar entrar. — Ele disse, brincando, mas havia uma pontada de seriedade em sua voz.
— E eu deveria? — ela retrucou, mas o canto de sua boca curvou-se levemente.
— Talvez não. Mas achei que deveria tentar mesmo assim.
Ela revirou os olhos, destrancando o portão para ele entrar.
— Tá bom, entra logo antes que eu mude de ideia.
Ele entrou, e ela o seguiu até a sala. Quando se sentaram no sofá, %Ágata% finalmente perguntou:
— Precisava resolver algumas coisas... pessoais. — respondeu, desviando o olhar por um momento. — Mas não queria sair sem deixar você saber.
Ela hesitou, observando-o com atenção.
— Achei que... você tivesse desistido.
— Desistido de você? Nem por um segundo.
Essas palavras pegaram %Ágata% de surpresa. Ela desviou o olhar, sentindo-se exposta.
— Eu liguei para minha mãe hoje. — contou de repente, como se precisasse preencher o silêncio.
Os olhos de %Taehyun% se iluminaram.
— Foi... difícil. — admitiu, encarando as próprias mãos. — Mas acho que foi um começo.
Ele sorriu, inclinando-se um pouco para frente.
— Fico feliz por você. Seu avô teria ficado orgulhoso.
%Ágata% sentiu um calor se espalhar em seu peito.
— Talvez você tenha razão.
O silêncio que se seguiu foi confortável, como uma pausa para que ambos absorvessem o momento. Depois de um instante, %Ágata% se levantou.
— Então, acho que podemos resolver isso.
%Taehyun% sorriu, levantando-se para segui-la até a cozinha, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
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Quando %Ágata% saiu do banho, sentia-se renovada, o vapor ainda em sua pele enquanto ajustava o robe ao redor do corpo. Caminhou descalça até a cozinha, onde encontrou %Taehyun% lavando a louça do almoço. Ele parecia concentrado, mas havia algo tranquilo na maneira como esfregava os pratos, como se fosse uma tarefa que fazia parte de sua rotina diária.
Ela se escorou no balcão da pia, cruzando os braços enquanto o observava em silêncio.
%Taehyun% terminou de enxaguar um prato e colocou-o no escorredor, mas não demorou para perceber que era observado. Sem desviar os olhos do que fazia, ele sorriu e disse:
— Já sei o que você quer saber, %Ágata%…
Ela arqueou uma sobrancelha, inclinando levemente a cabeça.
— Ah, é? E o que eu quero saber?
Ele desligou a torneira e se virou para encará-la, secando as mãos com calma antes de responder.
— Fui prolongar minha estadia na pensão. Minhas diárias acabavam hoje. — Ele fez uma pausa, seus olhos fixos nos dela, como se estivesse medindo cada palavra. — Também fui falar com a minha família. Disse a eles que não sei quando volto para a Coreia...
e talvez nem volte. O coração de %Ágata% deu um salto, mas ela manteve a expressão neutra, como se as palavras dele não a tivessem atingido com tanta intensidade.
— E por quê? — ela perguntou, sua voz um pouco mais baixa do que pretendia.
%Taehyun% deu um passo em sua direção, o olhar mais firme agora.
— Porque eu não quero voltar, %Ágata%. Não quero deixar você.
A sinceridade nas palavras dele a desarmou completamente. %Ágata% tentou manter-se firme, mas sentiu seu coração se apertar.
— Você não precisa fazer isso por mim — murmurou, desviando o olhar.
Ele deu mais um passo, agora muito perto dela.
— Não é só por você. É por mim também. — Sua voz estava cheia de convicção. — Desde o momento em que seu avô me mostrou sua foto, eu senti que precisava encontrar você. Agora que encontrei, não vou simplesmente embora.
%Ágata% não sabia o que dizer. As palavras dele ecoavam dentro dela, quebrando barreiras que ela nem sabia que existiam.
— %Taehyun%... — começou, mas não conseguiu continuar.
— Me deixe ficar, %Ágata%. — Ele estendeu a mão, tocando suavemente o braço dela. — Não só aqui, mas na sua vida.
Ela finalmente levantou os olhos para encará-lo, e o que viu no olhar dele era algo que ela não via há muito tempo:
alguém disposto a lutar por ela. Por tudo.
Sem pensar muito, ela deu um passo à frente, encostando a cabeça em seu ombro.
— Não sei o que dizer — confessou, a voz um sussurro.
Ele passou os braços ao redor dela, abraçando-a com firmeza.
— Não precisa dizer nada. Só me deixe ficar.
%Ágata% permaneceu ali, com a cabeça apoiada no ombro de %Taehyun%, sentindo o calor do abraço dele se espalhar por todo o seu corpo. Era como se, pela primeira vez em muito tempo, ela pudesse relaxar, como se a luta constante que travava contra si mesma finalmente tivesse cessado.
Quando ele a apertou um pouco mais, um suspiro escapou de seus lábios. Então, sem se afastar, ela assentiu devagar, os braços envolvendo-o com mais força.
— Fique — murmurou, sua voz carregada de emoção.
%Taehyun% relaxou visivelmente, como se aquelas palavras fossem tudo o que ele precisava ouvir. Ele se inclinou levemente, buscando o olhar dela. %Ágata% ergueu a cabeça, e seus olhos se encontraram, o brilho nos dele tão intenso que ela quase perdeu o fôlego.
O primeiro toque dos lábios foi lento, quase hesitante, mas tão carregado de sentimento que fez cada parte do corpo de %Ágata% despertar. Ela se sentiu tomada por uma onda de calor, um misto de nervosismo e excitação, enquanto seus dedos se entrelaçavam nos cabelos de %Taehyun%, puxando-o para mais perto.
O beijo se aprofundou, e tudo ao redor deles pareceu desaparecer. O tempo deixou de existir, as dúvidas sumiram, e apenas o momento presente importava. Ele segurou delicadamente o rosto dela, como se %Ágata% fosse algo precioso, e ela não conseguiu conter o arrepio que percorreu sua espinha.
Havia uma urgência sutil no modo como os lábios dele se moviam contra os dela, uma intensidade que transmitia tudo o que %Taehyun% não tinha conseguido expressar em palavras. Era mais do que paixão; era entrega, era promessa.
%Ágata% sentiu o coração disparar, o ritmo tão acelerado que parecia ecoar em seus ouvidos. O toque dele era firme, mas cuidadoso, e ela percebeu que estava correspondendo ao beijo com a mesma necessidade.
Quando finalmente se afastaram, os dois estavam ofegantes, os rostos próximos, os olhos conectados como se um pudesse enxergar a alma do outro.
— Foi assim que eu soube — %Taehyun% murmurou, a voz rouca, um sorriso tímido se formando em seus lábios.
— Soube o quê? — %Ágata% perguntou, ainda perdida nas sensações que tomavam conta de seu corpo.
— Que você é a pessoa que eu quero ao meu lado — respondeu ele, os dedos deslizando pelo rosto dela em um gesto terno.
Ela não conseguiu responder. Não com palavras. Então, puxou-o de volta para outro beijo, deixando que tudo o que sentia transbordasse naquele instante.
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%Ágata% estava sozinha na sala, depois que %Taehyun% foi ao banheiro. O silêncio parecia gentil agora, como se fosse um abraço reconfortante em vez de algo que pesava em seus ombros. Seus olhos vagaram pela estante até se fixarem em um porta-retratos. Era uma foto antiga, um pouco desbotada, mas cheia de significado.
Nela, seu avô sorria, aquele sorriso tranquilo e acolhedor que ela sentia falta todos os dias. Com um pequeno suspiro, %Ágata% pegou o porta-retratos e se sentou no sofá, os dedos deslizando sobre a moldura como se quisesse absorver um pouco mais da presença dele.
— Você sempre soube, não é, vovô? — ela murmurou, os olhos fixos no rosto dele. — Sabia que eu precisava disso, que precisava de alguém como o %Taehyun% para me mostrar o que eu estava evitando ver.
Houve uma pausa enquanto ela segurava a foto contra o peito, o coração apertado, mas de um jeito diferente desta vez. Não era tristeza; era gratidão.
— Obrigada por nunca desistir de mim, mesmo quando eu mesma desisti — continuou, a voz baixa, mas carregada de emoção. — Obrigada por me mostrar que o amor ainda existe... e por me dar a coragem de acreditar de novo.
Ela deixou um pequeno sorriso escapar, mesmo enquanto uma lágrima solitária deslizava por seu rosto.
Ao fundo, ela ouviu o som da porta do banheiro se abrindo e passos leves se aproximando. %Ágata% colocou a foto de volta no lugar, limpou a lágrima e virou-se, encontrando %Taehyun% parado na entrada da sala, com um olhar curioso.
— Tudo bem? — ele perguntou, a preocupação suavemente evidente em sua voz.
%Ágata% assentiu, um sorriso agora mais confiante em seus lábios.
— Tudo bem — respondeu, sentindo-se, pela primeira vez em muito tempo, completa.
E enquanto ele se aproximava e a puxava para perto, ela sabia que aquele era apenas o começo de algo que seu avô sempre quis que ela encontrasse: amor, paz e um novo começo.
❄❄❄ FIM. ❄❄❄