Dahlia Negra


Escrita porStephanie Pacheco
Revisada por Natashia Kitamura


CAPÍTULO TRÊS

Tempo estimado de leitura: 32 minutos

  Quando %Reyna% abriu seus olhos naquela manhã, algo lhe disse que seu dia seria maravilhoso. Talvez por conta do céu, que estava em uma tonalidade de azul perfeita aos seus olhos. Talvez porque o clima estava frio, porém com a presença do sol, que aquecia de um jeito gostoso qualquer um que ficasse exposto à sua luz. Ou quem sabe se desse ao fato de que, ao olhar seu celular para verificar o horário, %Rey% constatou que havia recebido uma mensagem de um número desconhecido.
  Poderia ser tolice ficar tão animada antes mesmo de verificar se o remetente era mesmo a pessoa que ela esperava, mas, de alguma forma, %Reyna% sabia, e sua intuição foi o suficiente para que a mulher se levantasse da cama com o aparelho em mãos e um enorme sorriso em seus lábios.
  No entanto, por mais feliz que estivesse com aquilo, algo dentro dela também a fez hesitar por vários minutos. Um nervosismo que a fez precisar de toda a sua força de vontade para não roer as unhas, que já eram um tanto curtas devido aos seus trabalhos na floricultura e no laboratório.
  Agoniada, %Rey% passou a andar em círculos por seu quarto e aquela cena seria um tanto cômica se não fosse trágica, já que em vez de roer as unhas, ela resolveu raspar os dentes na ponta do celular, arrastando os pés descalços no carpete, enquanto vestia nada além de uma calcinha de algodão e uma camiseta do Homem Aranha.
  Se ela gostava do amigão da vizinhança? Só um pouco. Talvez muito.
  Porém, naquele momento, toda a sua atenção estava voltada para uma simples mensagem e %Reyna% se sentiu estúpida por estar tão ansiosa a ponto de enrolar para ler o seu conteúdo.
  — Não seja idiota, %Bennington% — resmungou para si mesma, encarando o próprio reflexo no grande espelho ao lado do closet.
  De repente, seu celular vibrou, fazendo-a pular de susto e ficar um tanto agitada só para descobrir segundos depois que se tratava de uma ligação da companhia telefônica.
  Se sua mãe estivesse ali, certamente tomaria o aparelho de suas mãos para ler antes dela e ainda fazer caras e bocas para atiçá-la. Já seu pai, pediria todos os dados possíveis do remetente.
  Riu com aqueles pensamentos e teve a sensação de que a qualquer momento os dois entrariam em seu apartamento e fariam exatamente aquilo.
  Céus, por que estava sendo tão covarde? Era só clicar e ler. Qual era o problema dela?
  Quem sabe fosse o medo de se iludir e ser jogada lindamente na friendzone.
  Apesar de que, tecnicamente, ela já estava na friendzone, não estava?
  — Só abre a porcaria da mensagem, %Reyna%! — ralhou consigo mesma e, prendendo a respiração, %Bennington% desbloqueou a tela do celular e clicou na notificação de mensagem.
  Segundos antes do conteúdo aparecer na tela, ela ainda sentiu uma vontade forte de pressionar os olhos, mas resistiu porque não podia ficar se acovardando para sempre.

  Conferindo se esse é o seu número mesmo ou se você resolveu se vingar me dando
  qualquer outro.
  x Peter Parker.

  Foi impossível para %Rey% não soltar um gritinho ao ler aquilo. Tudo bem que certamente não era nada demais, Peter apenas estava conferindo se pegou o número certo, mas ainda assim a mulher sorriu boba, achando uma graça o jeito dele.
  Parou alguns segundos para pensar no que responderia e, enquanto fazia isso, seus olhos passaram e retornaram até o horário que Parker lhe enviou a mensagem.
  Duas e trinta e sete da manhã.
  Franzindo o cenho em surpresa, %Reyna% finalmente clicou para respondê-lo.

  Isso foi alguma epifania sua da madrugada, ou você só tem o costume mesmo de mandar mensagens para as pessoas nesse horário?
  E aqui é a %Rey%, sim. Me pergunto o que você faria se o número estivesse errado.

  Sorriu satisfeita ao enviar. Havia sido razoável e talvez um pouco divertida, mas resolveu que não iria pensar muito sobre aquilo ou acabaria surtando da mesma forma que aconteceu antes de conseguir abrir a mensagem dele.
  Tendo a consciência de que Peter poderia demorar para responder, já que ainda era relativamente cedo, %Reyna% procurou uma muda de roupas e se enfiou no chuveiro para retirar qualquer resquício de sono. Com certeza ela já estava bastante desperta, mas não dispensava o banho matinal porque sempre sentia uma dose extra de energia depois.
  Quando saiu, já devidamente vestida, tinha optado por uma calça jeans, uma baby look de gola alta em tom vinho e AllStar pretos nos pés. Um sobretudo preto completaria o look e ela deixaria os cabelos soltos, já que não pretendia ir até o laboratório tão cedo naquele dia.
  Antes de começar a se maquiar, %Rey% conferiu o celular e nada havia chegado ainda. E nada veio por um bom tempo, o que a fez imaginar que provavelmente Peter ainda estava dormindo ou muito ocupado.
  Ao chegar à cozinha de seu apartamento, devidamente pronta, %Bennington% não se surpreendeu nem um pouco ao encontrar a senhora Corbyn por ali, terminando de fritar ovos e bacon.
  Hellen Corbyn era a dona do apartamento que %Reyna% havia alugado assim que conseguiu deixar o dormitório da universidade. Ela era viúva e muito sozinha, e como %Rey% passava algum tempo em casa, principalmente nos finais de semana, as duas acabaram se tornando amigas. Com isso, quase sempre tomavam café da manhã juntas e volta e meia uma estava no apartamento da outra para ajudar em alguma coisa.
  %Bennington% gostava muito da companhia de Hellen, adorava ouvir as diversas histórias que a mulher tinha para contar.
  — Bom dia, Hellen. — Sorriu animada para a mulher, enquanto puxava uma cadeira e se sentava à mesa.
  — Pelo jeito você dormiu bem hoje, querida. — A senhora retribuiu o sorriso, trazendo a frigideira até o prato de %Reyna% e colocando uma quantidade generosa de ovos e bacon ali.
  — Chega, chega! Duvido que eu vá conseguir comer tudo isso. — Arregalou os olhos, achando graça quando Hellen estreitou os olhos.
  — E é por isso que está tão magrinha. Você precisa se alimentar direito, %Reyna%. Aposto que durante o resto do dia come feito um passarinho.
  — Claro, porque sempre saio rolando de casa. — Olhou significativamente para a mulher, que negou com a cabeça.
  — Vou começar a invadir seu trabalho para lhe levar almoços. — Não havia sido uma sugestão, muito menos uma pergunta. Hellen havia afirmado, como se aquilo já estivesse decidido.
  %Reyna% riu.
  — Ai, Hellen, só você mesmo.
  No fim das contas, ela adorava aqueles gestos. Era bom ter alguém que se preocupava com ela daquele jeito por perto.
  A senhora Corbyn comentou alguma coisa em resposta, porém %Rey% não prestou atenção, já que seu celular notificou uma nova mensagem e o nome de Peter Parker brilhou no visor.
  Sem nem pensar no quanto parecia afobada, ela rapidamente pegou o aparelho e desbloqueou a tela.

  Se eu disser que gostei de conversar com você, isso é considerado epifania?
  Bom saber que é você mesmo e não algum pervertido mascarado.
  Provavelmente eu fingiria que nunca aconteceu. :x

  Mais uma vez, ela sorriu feito boba, principalmente ao saber que ele havia gostado da conversa que tiveram.
  Não dava nem para esconder que ela também tinha e que na verdade não via a hora de vê-lo novamente, por mais que nem soubesse se era aquilo que Peter queria.
  %Bennington% não precisou pensar muito para responder.

  Se você pensou nisso do nada, eu diria que sim. E acho ótimo, porque eu também gostei da nossa conversa, Peter Parker.
  Por que tem que ser mascarado?
  Esperto. Eu faria o mesmo! :P

  Tenho a impressão de que você gosta também de dizer o meu nome completo, %Reyna% %Bennington%.
  Não faço ideia, só veio na minha cabeça kkkk.
  Então nós formamos um bom time!

  É um nome completo bem bonito. Gosto da sonoridade dele.
  Eu acho que você anda demais com o Senhor Jameson, isso sim. Ele costuma chamar o Homem Aranha de qualquer xingamento com o mascarado logo depois.
  Acho que formamos, sim. ;P

  — O que tem nesse celular que você está sorrindo tanto, menina? — A voz da senhora Corbyn chamou a atenção de %Reyna%, que ergueu a cabeça num sobressalto.
  Ela ainda precisou de uns três segundos para assimilar as palavras da amiga e quando isso aconteceu, %Rey% desviou o olhar.
  — Nada demais, Hellen. — Deu de ombros, tentando fazer pouco caso, mas ela estava ansiosa pela resposta de Parker, tanto que não conseguia parar de mexer uma das pernas.
  — Nada demais, uh? Sei. — Corbyn a observou com atenção.
  — Uhum — %Bennington% murmurou, vendo que a resposta de Peter havia chegado.

  Sabe qual nome completo soa ainda melhor? O seu.
  Isso faz muito sentido. :O
  Não me diga que você é hater como o meu “chefe”?
  Que bom que você concorda. ^-^

  O meu? Assim eu fico mal-acostumada e super convencida, Peter.
  Claro que faz! hahaha.
  Eu, hater? Muito pelo contrário, na verdade.
  ^-^

  %Reyna% mordeu o lábio inferior de leve, incerta sobre o que responder à última mensagem dele. Aquela história de os dois fazerem um bom time tinha pegado ela de jeito e a feito repetir mentalmente pelo menos umas cinco vezes que não era nada demais, que o sentido era completamente diferente do que imaginava.
  No entanto, a cada novo elogio de Parker, ficava mais difícil não se iludir pelo menos um pouco. Por que ele tinha que fazer aquilo?

  Não vou te julgar se ficar. É apenas a verdade.
  Pelo contrário? O que isso quer dizer? Você é fã dele então?

  É sério. Pare de me elogiar. A humildade é a minha maior qualidade, não tire ela de mim! :x
  Talvez.
  Vai me conseguir um autógrafo dele por acaso?

  Tá bom. Mas só porque me pediu com jeitinho. ;)
  Talvez não é bem uma resposta. Você sabe disso, né?
  Hmm… talvez eu consiga. :P

  Então essa é a tática para conseguir algo de você, Parker? Pedir com jeitinho?
  Você acabou de se contradizer hahahahaha.

  Por que quer saber? Vai me pedir mais alguma coisa, %Bennington%?
  E você não me respondeu ainda. ;)

  As bochechas de %Reyna% esquentaram. Na verdade, não apenas as bochechas. Ela podia sentir seu pescoço pegando fogo e de repente sua boca até ficou meio seca.
  Rapidamente, a mulher pegou o copo de suco, até então intocado, na frente dela e bebeu todo o conteúdo, enquanto ainda mantinha os olhos no celular.
  Hellen acompanhava tudo com o olhar, não precisando de muito para entender o que se passava ali.
  — Você vai se atrasar, viu? — comentou, indicando o relógio na parede.
  %Bennington% olhou rapidamente para o objeto, arregalando seus olhos porque a senhora Corbyn tinha razão.
  Na verdade, ela tinha que ter saído há sete minutos, mas sabia que se corresse, ainda conseguiria pegar a linha seguinte e chegar bem em cima da hora à floricultura.

  Uma coisa só? Consigo pensar em várias. ;)
  Fica pra uma próxima. Agora estou atrasada.
  Até logo, Peter.

  Um sorriso travesso moldou os lábios de %Reyna% quando terminou de enviar aquelas mensagens, então ela pegou sua bolsa e o casaco, vestindo-o em seguida.
  Antes que ficasse tentada a ver a resposta de Peter, guardou o celular no bolso, não conseguindo parar de pensar na conversa que acabaram de ter.
  — Tchau, Hellen. Estava tudo ótimo como sempre! — Se aproximou rapidamente da senhora para dar-lhe um beijinho no rosto.
  — Quando você voltar, quero saber tudo sobre esse namoradinho aí, viu, dona %Reyna%. — Corbyn sorriu com malícia e %Rey% sentiu suas bochechas esquentarem novamente.
  — Hellen! Não é nada disso. Ele é só um amigo. — No entanto, estava mais do que na cara que não se sentia daquela forma, o que definitivamente era um problema.
  — Um amigo que você adoraria dar uns beijos, não é?
  — Meu Deus, você está impossível hoje! — %Reyna% arregalou os olhos, surpresa com as palavras da amiga.
  — Nem nega, né? Aproveite a vida, minha cara. Beije bastante, mas só depois de me mostrar quem é. Quero ver se é bonito o bastante pra você. — E piscou.
  %Rey% negou com a cabeça e resolveu sair logo dali. O atraso só aumentava e com o andar daquela conversa, dali a pouco Hellen estaria falando de coisas bem além de beijos.
  Por que ela havia cogitado aquilo mesmo?
  — Tchau, Hellen — repetiu, saindo sem esperar por uma resposta, tentando distrair sua cabeça com qualquer outra coisa que não fosse as outras coisas que gostaria de fazer com Peter Parker.
  No entanto, já era tarde demais.

🕷

  Peter, que estava sentado em sua cama, se jogou de volta no colchão ao ler a resposta que %Reyna% havia enviado. Durante toda a conversa, foi impossível conter os sorrisos que se formavam em seus lábios, tampouco as risadas que escapavam. %Rey% era divertida e por mais coisas que ele tivesse em sua cabeça nos últimos tempos, de repente tudo pareceu um pouco mais leve. Tanto que, quando a mulher se despediu, Parker se sentiu levemente ansioso pelo momento em que conversariam outra vez.
  Uma risada ecoou de sua boca e Peter levou as duas mãos para trás da cabeça, negando ao refletir sobre o que %Reyna% havia mandado.
  Ela tinha noção de que aquele lance de outras coisas era um tanto sugestivo? Talvez não, mas, antes mesmo que pudesse se refrear, sua imaginação formou alguns cenários que foram o suficiente para Parker soltar um suspiro, com as bochechas queimando como se %Bennington% estivesse ali vendo tudo.
  Fazia tempo que ele não tinha aquele tipo de pensamento e, sendo honesto consigo mesmo, era a primeira vez que aquilo acontecia com alguém que não era Gwen Stacy.
  Peter pressionou seus olhos com força, se recusando a ir por aquele caminho mais uma vez. Um caminho onde se sentia extremamente culpado, como se estivesse traindo Gwen ao pensar ou até mesmo olhar para outra pessoa.
  Resolvendo se levantar para colocar algumas coisas em ordem, de repente ir ao mercado comprar algo para comer além de cereal, e riu outra vez ao se lembrar de outra parte da conversa.
  %Rey% estava fazendo o maior mistério, mas tudo indicava que ela era, sim, fã do Homem Aranha, o que o fazia até querer estufar o peito, orgulhoso de si mesmo.
  Obviamente, não era incomum encontrar fãs dele por ali, mas de alguma forma era diferente, e Parker sabia que era porque se tratava de %Reyna% %Bennington%.
  Por mais que tentasse evitar desde o início, ela havia dado um jeito de mexer com ele. Aquela conversa no laboratório realmente tinha mudado as coisas.
  Peter sabia que seguir em frente com a sua vida não era errado, mas ainda existia aquela parte dele que martelava em sua cabeça, reforçando a culpa não importava quantas vezes tentasse empurrá-la para longe.
  Uma ideia então ocorreu em sua mente e cedendo totalmente aos próprios impulsos, se arrumou e saiu de seu apartamento assim que a tarde chegou.

🕷

  O ar lá fora era frio e por isso Parker colocou suas mãos nos bolsos enquanto caminhava para um lugar que, infelizmente, ele conhecia bem.
  E quando, por fim, chegou, ficou parado diante dos portões daquele cemitério, exatamente como na última vez em que esteve ali. Sua última visita havia destruído mais um pedaço seu e foi impossível não lembrar, assim como foi impossível não sentir aquela dor chata, que na verdade sempre estava ali, ele só se esquecia dela de vez em quando.
  — Ora, vamos lá, Peter. A ideia foi sua e não é como se você não fosse voltar aqui nunca mais, não é? Claro que não — falou consigo mesmo e sorriu amarelo quando um casal passou por ele, encarando-o como se fosse completamente maluco.
  — Boa tarde para vocês também — Parker gracejou, não se importando tanto com o que pensavam.
  Por fim, tomou vergonha na cara e adentrou logo o cemitério, traçando primeiro um caminho até a lápide de seu tio Ben.
  Se perguntou se o homem ainda teria orgulho dele. Antes de ir parar em outro universo, Peter tinha consciência de que seguia por um caminho completamente diferente do seu propósito inicial. Consumido pela raiva, pela dor e pelo luto, havia suspendido qualquer limite, pesando os punhos brutalmente contra qualquer criminoso que cruzasse seu caminho.
  Sabia que seu tio jamais aprovaria aquele comportamento, muito menos Tia May. Nem mesmo ele concordava em uma sentença tão cruel, independente do criminoso e agradecia por conseguir acreditar naquilo agora.
  — Eu sei que não agi de acordo com o que me ensinou, Tio Ben. Parei de agir com responsabilidade e dei ouvidos à vingança. Ao ódio. Mas espero que ainda tenha orgulho de mim. — Suspirou, enquanto seu olhar estava fixo na lápide. — Nós te amamos e sentimos sua falta todos os dias.
  Parker queria ter dito mais coisas, queria dividir com ele tudo o que viveu recentemente e as perguntas que povoavam seus pensamentos. No entanto, mesmo que estivesse vivo, certamente também seria mais seguro para Ben não saber nada sobre a verdadeira identidade do Homem Aranha. Qualquer um que soubesse estaria condenado.
  — Isso não vai acontecer nunca mais. — Sentiu a necessidade de deixar aquilo claro. Ele realmente jamais se deixaria levar novamente. Jamais desviaria de seu principal objetivo.
  Suspirando mais uma vez enquanto segurava as lágrimas, Peter se afastou e seguiu para sua segunda parada.
  Não foi mais fácil encarar a lápide de Gwen. As pessoas costumavam dizer que era o que acontecia, mas com ele não funcionava. A sensação de que algo esmagava seu peito com toda a força ainda estava ali, tirando seu fôlego e frustrando qualquer esforço de Peter em conter as lágrimas.
  Primeiro uma escorreu por sua bochecha esquerda. Ele a limpou, respirando fundo, buscando mais controle, porém, logo em seguida, sentiu a bochecha direita se molhar. E quando ficou claro que não havia escapatória, Parker se permitiu desabar.
  Chorou em silêncio, recebendo uma enxurrada de lembranças e sorrindo pesaroso com elas.
  — Eu queria que você ainda estivesse aqui, Gwen. — Sua voz soou fraca, mas Peter não deu importância, sabia que ela o escutaria de onde quer que estivesse. — Você sabe que também era a minha melhor amiga, não sabe? O que só torna tudo ainda mais difícil de suportar.
  Parker se agachou próximo à lápide, como se aquilo realmente fosse fazê-lo ficar mais perto de Gwen. Naquele plano, naquele universo, nunca mais estaria.
  Sentiu mais lágrimas escorrerem e permaneceu daquela forma até elas diminuírem.
  — Conheci uma pessoa nesses últimos dias. Na verdade, foi mais de uma se contar os outros Peters e aquele mago irado que parecia ter saído de Dungeons and Dragons, mas vou deixar essa história pra depois porque ela é mais complexa — Peter foi contando e descobriu que era bom, lhe trazia um certo alívio e alguma coisa dentro de si dizia que Stacy o ouvia atentamente, como sempre havia feito.
  — Enfim, o que quero dizer é que conheci uma mulher e ela é brilhante, sabe? É divertida e ambiciosa demais. Acho que você ia gostar de conversar com ela sobre o projeto que ela está desenvolvendo. É um negócio um pouquinho preocupante, bem estilo Doutor Connors, mas sei lá, dá pra dar o benefício da dúvida e acreditar que ela vai usar isso para o bem e não para algo totalmente biruta? — Parker soltou uma risada rouca. — Eu gostei da companhia dela, Gwen. Fazia tempo que não me sentia assim… Bom, desde você eu não me sentia assim. E isso me traz um monte de culpa também. Sei lá, medo de estar traindo você e todas as nossas memórias.
  A voz dele se quebrou e ele engoliu em seco. De repente, o nó na garganta havia voltado e o peso de suas palavras o sufocou. Peter jamais se perdoaria se traísse as memórias dele com Gwen.
  Ela havia sido o amor de sua vida e sempre seria.
  Então aquele último pensamento o fez sorrir.
  Era isso. Gwen Stacy sempre seria o amor de sua vida e ficaria sempre guardada em seu coração. Não havia motivos para se sentir culpado. Seguir em frente agora fazia parte de sua vida.
  — Acho que você gostaria dela. E não sei por que estou pensando demais nisso, mas acho que eu penso demais sobre tudo, não é? — Riu mais uma vez. — Enfim, vou parar de te alugar, trocar essa roupa e fazer o que faço de melhor. Sempre por você, Gwen. Eu te amo.
  Quando se levantou para deixar a lápide, a dor ainda estava ali, mas, ao mesmo tempo, a sensação de alívio havia ganhado mais força.
  Parker seguiu em direção aos portões, porém, antes que saísse do lugar, algo chamou sua atenção.
  Os cabelos de %Reyna% %Bennington%.
  Sacudiu a cabeça, achando que poderia estar imaginando, já que não parava de pensar nela, mas quando a viu se virar de perfil, constatou que era mesmo ela.
  Era a terceira vez que encontrava %Reyna% por acaso e isso o fez questionar mentalmente se era mesmo coincidência ou algo proposital.
  Mas por que %Bennington% o seguiria?
  — Pelo jeito, o stalker da história é você, Parker. — Ele só se deu conta de que havia caminhado em sua direção quando ela se virou para encará-lo, abrindo um pequeno sorriso.
  — Ah, é? E o que te faz pensar isso, %Bennington%? — Peter ergueu uma sobrancelha, parando de frente para ela.
  — Porque o peguei em flagrante me observando. — Imitou o gesto dele, que não conseguiu evitar uma risada baixa.
  — Não tenho defesa contra isso. Eu realmente estava — confessou, o que a fez sentir algo engraçado no peito. Podia jurar que seu coração queria dançar naquele momento.
  — Aha! Então você está admitindo! — Ela fez uma expressão que misturava choque e uma certa diversão ao mesmo tempo.
  — Espera aí. Mas foi porque achei que reconheci os seus cabelos e queria ver se realmente era você.
  %Reyna% estreitou os olhos.
  — Sabe que isso não te absolve, né? Stalkers gravam coisas como o tom dos cabelos, o cheiro do perfume e quantas vezes você twitta durante o dia.
  — Será que eles usam máscaras também? — Peter relembrou a conversa que tiveram mais cedo.
  — Se a máscara os ajudar a se camuflar… Mas, espera, acho que não ajuda, não é? — Riu fraquinho.
  — É, acho que não — ele concordou, ficando um tanto sem graça porque com certeza a estava encarando demais.
  %Reyna% sorriu mais uma vez, então desviou seu olhar dele, virando de frente para as lápides.
  — Quem você veio visitar? — Aquela certamente era uma pergunta invasiva, porém Parker não conseguiu se conter, era uma tentativa de quebrar o silêncio.
  Um suspiro escapou dos lábios de %Bennington%.
  — Meus pais. — Diferente de todas as vezes em que se falaram, a voz dela morreu algumas oitavas.
  Peter se sentiu péssimo por aquilo.
  — Eu sinto muito, %Rey%. Eu… — Então ele não soube mais o que dizer.
  — Tudo bem, Peter. — Ela lhe sorriu fraco. — Eu tive um pensamento engraçado sobre eles hoje e resolvi visitá-los depois do trabalho, conversar um pouco.
  — Sei bem o que quer dizer. — Parker retribuiu o sorriso e se virou para também encarar as lápides.
  Pamela e Christopher %Bennington% haviam partido há dois anos.
  — Eu realmente sinto muito. — Ele reforçou, engolindo em seco.
  — Sabe, eu ouvi várias pessoas me dizerem que com o tempo a dor vai embora. Mas isso é uma grande mentira. A dor e o luto não nos deixam, somos nós que aprendemos a conviver com eles.
  Peter acabou sorrindo porque havia pensado em algo parecido minutos antes.
  — Seguimos nossas vidas esquecendo deles, mas, na primeira chance, eles se fazem notar, né? — complementou a fala dela, o que a fez virar o rosto para encará-lo. Parker a olhou de volta, percebendo os olhos de %Reyna% um pouco marejados.
  — Eu queria ao menos ter me despedido deles, sabe? Ao menos ter tido a oportunidade de dizer o quanto os amo. — Os lábios dela tremeram.
  — Mas eles sabem disso, %Rey%. Acredite, eles sabem. — Peter tocou o braço dela e o contato era como eletricidade para os dois, os aquecendo, espalhando a onda de cumplicidade e conforto que precisavam.
  — Obrigada. Você é bom nisso. — %Bennington% riu fraquinho.
  — No quê? — Parker ficou ligeiramente confuso, talvez porque estivesse lutando contra a vontade de não soltá-la mais e de ampliar o contato.
  — Com as palavras.
  — Converso muito comigo mesmo. Acho que é por isso. — Ele se arrependeu no segundo seguinte. Aquela havia sido a coisa mais idiota que disse, o que acabava de invalidar o elogio de %Reyna%.
  Mas ela simplesmente riu e negou com a cabeça.
  — Bom — suspirou —, acho que já é o bastante de cemitério por hoje. — Quebrou o contato com ele, embora também não o quisesse.
  — Eu te acompanho — rapidamente, ele se dispôs e %Rey% assentiu.
  Então ela se voltou rapidamente para as lápides dos pais.
  — Até a próxima, mamãe. — Olhou para o nome de Pamela, depois para Christopher. — Papai. Eu amo vocês. Muito.
  E foi seguindo com Peter para a saída do cemitério.
  O silêncio reinou entre ambos durante o trajeto. Parecia que as palavras haviam se perdido, porém não foi desconfortável para nenhum dos dois. Era como se a presença de um para o outro fosse o bastante.
  No entanto, quando, por fim, chegaram aos portões do cemitério, perceberam que teriam de se despedir. E nenhum dos dois queria aquilo.
  — %Rey%! — Foi Peter quem se pronunciou.
  — Peter? — Ela ergueu seu olhar para ele, que resolveu parar de pensar tanto pelo menos uma vez e se deixou levar por seus impulsos.
  — Quer ir tomar um café ou algo assim?
  Ela sorriu largo.
  — Adoraria.
  O sorriso também se formou nos lábios dele, então ambos seguiram para a mesma direção.

🕷

  Peter não havia planejado um lugar específico para irem, só sabia que naquele momento queria a companhia dela.
  Por mais que as coisas estivessem um tanto pesadas e melancólicas, afinal acabavam de sair de um cemitério, ele quis mais daquela sensação de conforto que teve no laboratório e ao trocar mensagens com %Reyna%.
  %Bennington% lutava para conter as batidas aceleradas de seu coração. Podia jurar que a qualquer momento ele a ouviria e, da mesma forma que havia feito na biblioteca, a dispensaria lindamente.
  Apesar de que %Rey% não sabia ao certo o que era aquilo. Estavam saindo em uma espécie de encontro ou era só uma saída entre amigos?
  Provavelmente era a segunda opção, afinal Parker tinha recusado um encontro com ela.
  No entanto, aquilo realmente importava?
  %Reyna% estava gostando da companhia de Peter independente do que aquilo significava.
  Precisava relaxar mais e se deixar levar.
  E foi o que ela fez.
  Não se incomodou com os outros minutos de silêncio que reinaram entre eles. Era um silêncio confortável, onde ambos caminhavam lado a lado, observando o mundo ao seu redor e sorrindo vez ou outra para alguns cenários que encontravam.
  Quando iniciaram uma conversa, Parker indagou %Bennington% a respeito de seu projeto na universidade, porque realmente estava interessado em como funcionaria. %Rey% foi explicando alguns detalhes, confiando que ele não ia compartilhar aquelas informações com outra pessoa, muito menos roubar o projeto para si. Simplesmente não parecia o tipo de coisa que Peter Parker faria.
  Christopher %Bennington% costumava dizer que aquele era um defeito de %Reyna%. Confiar daquela forma nas pessoas apenas por intuição um dia poderia colocá-la em maus lençóis. Já Pamela, pedia para que o marido não pegasse tão pesado. Um pouco de coração nas coisas não fazia mal a ninguém.
  %Rey% conteve um suspiro com aqueles pensamentos, tornando a focar sua atenção em Peter e achando graça da forma como havia estreitado os olhos em sua direção.
  — Desculpe, o que disse? — Mordeu o canto da boca porque de repente sentiu vontade de rir.
  — Bem-vinda de volta, %Bennington% — ele ironizou e %Reyna% acabou não aguentando e rindo baixo.
  — Se você quiser andar comigo, Parker, precisa saber que isso acontece bastante. Meus pensamentos adoram me carregar com eles — confessou, enquanto prestava atenção na reação dele.
  Parker acabou rindo com ela.
  — Já percebi isso. E você fica uma graça com os pensamentos longe.
  Droga, ele tinha mesmo falado aquilo? O que %Reyna% pensaria dele?
  Provavelmente que era maluco e não sabia o que queria da vida. Não que as duas coisas não fossem verdade.
  — Eu… obrigada, eu acho. — %Bennington% colocou uma mecha de cabelo para trás da orelha, nervosa. Certamente, dessa vez ele conseguiria ouvir seu coração disparado e se questionasse, ela diria que era tudo culpa dele e daqueles elogios.
  Alguns segundos de silêncio constrangedor vieram, então %Reyna% o quebrou.
  — Mas o que você dizia antes, Peter? — Tentou soar o mais natural possível.
  Ele sacudiu a cabeça, espantando os próprios pensamentos e tentando se lembrar.
  — Perguntei se é clichê demais nós irmos até o parque e comprar algo nos carrinhos de comida. — Com a atenção de fato focada nele, Parker sentiu sua nuca esquentar, então levou uma mão até o local, o pressionando de leve e deixando sua mão cair ao lado do corpo em seguida.
  %Rey% sentiu como se o sorriso fosse rasgar seu rosto.
  — Com certeza é, mas qual o problema? A maioria das pessoas que criticam os clichês gostam deles em segredo. — Piscou, o fazendo sorrir também.
  Alguns minutos depois, o clima entre eles estava ainda mais leve. Haviam encontrado um banco livre e se sentaram lá enquanto observavam a paisagem. Estavam num período de transição entre inverno e primavera, então as árvores começavam a florescer e um ou outro esquilo passava por eles, ao que %Reyna% sempre reagia com entusiasmo.
  Ela simplesmente amava aqueles bichinhos.
  Devoraram um cachorro-quente cada um e depois pediram dois cafés expressos, que acabaram jogando fora porque tinham um gosto duvidoso e só conseguiram esquecer depois de beberem a boa e velha coca-cola. Estava um tanto frio, mas nenhum dos dois se importava. Na verdade, só não tomaram sorvete porque não encontraram o carrinho.
  — Você começou o projeto por causa da floricultura? — Peter questionou. Haviam chegado àquele assunto porque ele estava realmente surpreso por %Reyna% trabalhar ao lado do Clarim Diário e ele nunca tê-la visto.
  — Na verdade, não. Eu precisava de um emprego e tive a sorte de encontrar algo com a área que eu gosto. — Ela deu de ombros e Parker assentiu, compreendendo.
  — Eu já cheguei a pensar em seguir com a fotografia, mas não sei.
  — Por que não? As suas fotos são ótimas. Não que eu entenda muito, mas gosto muito das que vejo no Clarim. — Tudo bem que aquilo era quase um incentivo para que ele deixasse a universidade, mas %Reyna% sempre pensava que o mais importante era fazer o que gostava.
  — É complicado. — Peter apenas sorriu fraco. Não podia se aprofundar no assunto, mas o ponto era que não podia ter muitas certezas em sua vida. — Mas fico feliz que goste. O que traz de volta um ponto que você ainda não me respondeu, senhorita.
  — Ponto? Que ponto? — %Reyna% tentou se fazer de desentendida, mas a verdade era que sabia muito bem que aquela pergunta viria no exato momento em que o assunto do Clarim começou.
  — Aquele das mensagens e não tente me enganar, %Bennington%, você sabe qual é. — Parker estreitou os olhos, curvando os lábios em um meio sorriso.
  Por mensagem aquilo era bem mais fácil. Como resistiria a qualquer pedido dele?
  — O que você acha? — Ela tentou se esquivar com outra pergunta.
  O sorriso dele se abriu mais.
  — Que você vai adorar um autógrafo do meu amigo mascarado.
  %Reyna% riu e por algum motivo sentiu suas bochechas esquentarem.
  — Tá legal. Eu sou fã dele mesmo. Satisfeito?
  Ela não fazia ideia do quanto.
  — Não sei, porque agora vou ter que te apresentar a ele e não tô muito afim de ter que dividir sua atenção com um aracnídeo — Peter gracejou, o que a fez rir alto.
  — Você é péssimo, Parker. E nem vem com essa. Vai me apresentar a ele, sim.
  Ele acabou rindo junto e negou com a cabeça.
  Ela o olhava sem acreditar que aquilo tudo era real. Estava encantada demais com Peter Parker para o seu próprio bem e ele dizer coisas como aquela só pioravam tudo.
  — Vou ver o que posso fazer. — Ele piscou, ainda fazendo graça apenas para não dar o braço a torcer.
  E assim o resto da tarde foi passando. A conversa fluía muito fácil entre os dois, assim como as brincadeiras e risadas. %Reyna% trazia a Peter aquela leveza que ele não sentia há um bom tempo e o permitia que fosse simplesmente ele mesmo. Talvez por esse motivo cada minuto na companhia dela não fosse o suficiente.
  Começava a escurecer quando ambos perceberam que novamente havia chegado a hora de se despedirem.
  — Posso te acompanhar até em casa, %Rey%. Não é seguro andar sozinha, principalmente nos últimos tempos. — Ele havia evitado pensar em seus problemas envolvendo o justiceiro encapuzado, mas no fundo sabia que não havia como.
  %Reyna% negou com a cabeça.
  — Não precisa, Peter. Eu vou ficar bem. — Sorriu e logo voltou a falar quando ele abriu a boca para protestar. — Da próxima vez, eu deixo.
  — Então vai ter uma próxima vez? — Parker adquiriu uma expressão esperta.
  — Depende de você. — %Reyna% ergueu uma sobrancelha, então se aproximou dele, ignorando a tremedeira em suas pernas para deixar um beijo suave em sua bochecha. — Boa noite, Peter Parker.
  — Boa noite, %Rey%. — Ele a encarou nos olhos assim que ela se afastou e o olhou.
  Descobriu que podia ficar daquele jeito por vários minutos e não se cansaria, porém a conexão foi quebrada quando %Reyna% abriu outro meio sorriso e se afastou para ir embora.
  Então Peter soube, com toda certeza haveria uma próxima vez.

CAPÍTULO TRÊS
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