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ATENÇÃO!

História NÃO RECOMENDADA PARA MENORES ou PESSOAS SENSÍVEIS.

Esta história pode conter descrições (explícitas) de sexo, violência; palavras de baixo calão, linguagem imprópria. PODE CONTER GATILHOS

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Cruel Warmth

Escrita porSoldada
Revisada por Natashia Kitamura

CAPÍTULO 01 • A WARM HEART IN COLD LAND.

Tempo estimado de leitura: 24 minutos

  AS CATACUMBAS SE ABRIAM PARA UM POÇO DE CORPOS APODRECIDOS.
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  %Lucie% %Vatra% desabou contra o chão coberto por pedras retangulares, porosas e umedecidas pela calefação precária do lugar, cuidadosamente enfileiradas. O impacto, que lhe roubou o ar, a cegou momentaneamente por completo. A dor pulsava por seus membros; o ar faltava-lhe nos pulmões de forma tão dolorosa que pequenos pontinhos de luz explodiam ao redor de suas pálpebras, brilhando e piscando como pequenas estrelas, enquanto os músculos sofriam pequenos espasmos.
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  Não era apenas o cheiro insuportável dentro das catacumbas, nem o sangue pungente, com uma textura pegajosa, que grudava em sua pele de maneira nauseante e a incomodava profundamente. Eram, igualmente, os risos que acompanharam sua queda. %Lucie% desejou poder chorar — na verdade, ela estava soluçando sem parar fazia algumas horas já, o suficiente para que seu abdômen doesse e seu diafragma parecesse em chamas com o movimento de contração contínuo —, mas, a essa altura, não restavam sequer lágrimas em seu rosto que pudessem lhe fazer alguma justiça. Ainda assim, obrigou-se a levantar-se. Obrigou-se a correr o mais rápido que conseguia. Obrigou-se a manter o olhar focado no caminho à sua frente. Obrigou-se a não olhar para trás. Custasse o que custasse, ela não deveria olhar para trás. Não importava o quanto seu instinto a mandasse fazê-lo. Não importava o quão próxima a criatura parecesse estar. Ela não deveria olhar para trás. Não importava o quanto o Basilisco rugisse ao tentar alcançá-la com suas presas grandes e afiadas.
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  %Lucie% ofegava. No lugar das lágrimas, agora havia apenas suor escorrendo por seu rosto amortecido, misturando-se com o sangue de desconhecidos — e o próprio —, marcando sua face com a brutalidade da perseguição em andamento. As risadas ecoando pelas paredes, com condescendência e desprezo, formavam um coral já familiar para a garota — não era, por isso, menos cruel. %Lucie% desejou novamente chorar, mas não conseguia mais. Seu corpo havia chegado ao limite; importava-se apenas com a sobrevivência. Questionava-se o que diabos poderia haver de tão errado com ela — pois deveria haver algo de errado, não havia outra resposta plausível. Quando uma pessoa lhe dizia que você era ruim, talvez houvesse algum erro de julgamento. Mas quando inúmeras pessoas diziam isso... então, talvez, realmente existisse um problema severo em você.
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  %Lucie% desejava apenas entender. Se seus amigos pudessem simplesmente lhe contar o que havia de tão errado com ela, se pudessem dizer onde estava errando tão dolorosamente, talvez — apenas talvez — ela pudesse finalmente consertar o que havia dentro de si e ser como eles queriam. Talvez assim pudessem, finalmente, ser amigos de verdade. Ou, ao menos, não rissem com tanto alarde dela. Talvez até a aceitassem. Gostassem dela. Ou, ao menos, parassem de colocá-la em situações em que sua única escolha era correr ou chorar por sua vida. Ela sabia que achavam engraçada a situação. Sabia que as risadas talvez não fossem maldosas — era apenas o jeito deles, cada um se divertia como bem queria. Mas ainda assim doía ouvir risos a cada queda, a cada novo corte que se abria em sua pele.
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  %Lucie% só queria entender por que, quando as pessoas olhavam para ela, tudo o que viam era... aquilo. Uma sangue-ruim. Às vezes, acreditava nas palavras da tia Joanne, sobre ter nascido um monstro e sido a causa da morte de seus pais. %Lucie% certamente não queria ser um monstro; só não sabia como não ser um. Não queria fazer mal a ninguém. Só queria ter um amigo — qualquer um, ela não se importava. Esse amigo nem precisava gostar dela. Apenas... não rir alto quando ela caísse no chão já seria suficiente. %Lucie% não conseguia entender por que a odiavam tanto assim. Por que a detestavam se ela não havia feito nada? Era tão... injusto! E, em paralelo ao sentimento de impotência, restava-lhe apenas o cansaço.
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  Alguém tão jovem só poderia aguentar uma determinada quantidade de corações partidos.
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  Talvez devesse deixá-los odiá-la. Talvez não houvesse nada dentro de si que fosse digno de ser amado. Talvez ela realmente fosse um problema e merecesse ser tratada assim. Era uma boa punição. Se tivesse escolhido nascer como uma sangue-ruim, então merecia a correção, certamente. Talvez, como sua tia Joanne sempre dizia, %Lucie% estivesse choramingando e praguejando por ser uma criatura insensível e monstruosa demais — egoísta em seu âmago —, sem enxergar o ponto de ser punida daquela forma por ter sangue trouxa em suas veias. Era impossível que tantas pessoas estivessem erradas sobre ela. %Lucie% merecia ser tratada assim, mesmo que não entendesse exatamente o porquê.
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  %Lucie% %Vatra% caiu com força, outra vez, tropeçando contra um corpo — e gritou, em completo pavor.
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  O corpo estava coberto de larvas, a esta altura. Apodrecido e desgastado pelo tempo que já havia passado lá embaixo, nas catacumbas, a umidade do ar e os gases que exalavam dele tornavam os corredores ainda mais quentes e repulsivos. O cheiro era insuportável. Mas, por mais estúpido que parecesse — especialmente para alguém que estava sendo perseguida por um basilisco em meio às catacumbas abaixo do Instituto Durmstrang —, %Lucie% estava com mais medo das larvas.
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  Ela havia passado a odiá-las e temê-las como se fossem seus verdadeiros bichos-papões. Portanto, o grito que rompeu de sua garganta — forte o suficiente para deixá-la rouca — bastou para que a serpente sibilante a localizasse outra vez.
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  A garota tentou se levantar, bem a tempo de se lançar contra um vão entre as paredes arredondadas das catacumbas, rolando várias vezes pela escadaria quebrada, com pedras retangulares faltando em determinados pontos, até se chocar contra a parede atrás de si.   Mais um corte se abriu, desta vez em sua nuca, e %Lucie% conteve um soluço de dor. Seus olhos %obsidianos% estavam embaçados o suficiente para distorcerem a luz, enquanto ela prendia a respiração com força, trêmula, observando com horror o corpo rastejante do basilisco deslizando pelos corredores das catacumbas — tão próximo dela que algumas escamas haviam arranhado seus braços cheios de cicatrizes.
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  %Lucie% achou que finalmente fosse desmaiar. Podia sentir sua pressão alcançar um pico e, então, despencar. Sua cabeça parecia girar no lugar, e ela soltou um soluço baixo, engasgado, enquanto seu corpo se dobrava para a frente e ela esvaziava o estômago. O vômito não revelava nada além de bile — provavelmente porque ela não comia havia dois dias, uma consequência de uma imprudência que fora devidamente punida por Joanne.
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  Com a adrenalina e o instinto de sobrevivência martelando em sua mente, amortecendo tudo ao redor, %Lucie% não esperou para saber se ali encontraria seu fim. Certamente, mesmo que morresse, seu espírito ainda não conseguiria compreender a própria passagem.
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  Soluçando, obrigou-se a levantar-se mais uma vez, cambaleando cegamente, tateando a parede até encontrar um pequeno vão à sua direita — e voltou a correr por sua vida.
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  Seus músculos já estavam trêmulos pelo esforço e pela exaustão física; não demoraria muito para que desabasse no chão permanentemente. Talvez fosse mais fácil se ela simplesmente...
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  Quando %Lucie% caiu, desta vez, não conseguiu se levantar novamente. Ouviu o rugido do basilisco avançando em sua direção, o bafo cálido e putrefato atingindo seu rosto, enquanto ela fechava os olhos com força, encolhendo-se, esperando pela mordida. Esperava o momento em que as presas venenosas da criatura se fincariam em sua pele, retalhando os músculos e dilacerando os ossos. Mas a mordida nunca chegou.
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  Ao longe, ela pôde ouvir o grito de um galo. %Lucie% ouviu um gorgolejo, mas não abriu os olhos para verificar de onde viera. Só os abriu quando sentiu a vibração do corpo da criatura chocando-se contra o chão — reverberando pelo seu corpo e fazendo seus dentes baterem uns contra os outros — antes de registrar que o basilisco que a perseguia agora estava morto. %Lucie% não soltou um suspiro de alívio. Pelo contrário, tremeu com mais força, sentindo um medo ainda pior do que o de ser presa de uma criatura como aquela.
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  Seus olhos %obsidianos% desviaram-se do corpo da cobra — agora jazendo ao seu lado — para encarar os saltos stilettos que estalavam contra o chão de pedras retangulares, úmidas e cobertas pelo sangue dos outros que estavam presos nas catacumbas. %Lucie% desejou poder fugir — desejou tão forte que sentiu uma pequena dor ao redor das têmporas, enquanto fechava os olhos —, mas, como sempre, não havia ninguém para resgatá-la.
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  Ninguém nunca veio resgatá-la. Ao menos, não daquele monstro.
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  – Chega! – A voz de Joanne Karine Rozenn ecoou pelas catacumbas com intensidade, reverberando entre as pedras com um tom de aprovação mal disfarçado. Seus olhos azul-prateados, gélidos como a neve, desviaram-se momentaneamente do rosto de %Lucie% para encarar os alunos que se escoravam na entrada das catacumbas, com olhares ansiosos e divertidos. – Isso é tudo por hoje. Estão dispensados.
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  %Lucie% não se moveu. Continuou ali no chão, tremendo, encarando suas mãos — agora cortadas, cobertas de sangue e com pequenas queimaduras causadas pelo veneno do basilisco. Coberta de suor e sangue, era difícil ignorar a sensação pegajosa da própria pele.
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  Os risos cessaram, substituídos por resmungos desapontados.
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  A vice-diretora de Durmstrang bateu algumas palmas para retomar a atenção dos alunos do primeiro ano, passando os últimos avisos enquanto os encaminhava para a próxima aula com o velho professor Krasny, em História da Magia. Diferente das outras crianças, %Lucie% não os acompanhou.
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  Como sangue-ruim, %Lucie% %Vatra% não podia acompanhá-los mesmo que quisesse. Sua tia Joanne dizia que já havia conseguido mantê-la nos terrenos do Instituto a muito custo, em meio a longas deliberações com os demais professores da borda estudantil daquela instituição mágica. Pedi-los para aceitá-la como uma de suas alunas era um absurdo impensável — quase uma heresia. %Lucie%, todavia, era permitida a ajudar os colegas de turma em seus treinamentos, quando necessário. Uma espécie de cobaia, %Lucie% ouvira o professor Volkov dizer certa vez, embora não compreendesse totalmente o significado da palavra, tampouco como ela se aplicava a si. Supunha que talvez fosse esse o único motivo que ainda a mantinha ali. Ao menos, não completamente esquecida.
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  De toda forma, a presença de bruxos mestiços ou vindos de famílias trouxas era terminantemente proibida nos terrenos de Durmstrang. %Lucie% não sabia dizer se sempre fora assim, ou se essa política fora instaurada mais recentemente. A única coisa de que tinha certeza era que, embora não pudesse estudar ali, também lhe era proibido sair — ou buscar refúgio em qualquer outro lugar do mundo. Uma vez, %Lucie% viu, pelas janelas, uma coruja carregando uma carta. O papel branco se destacava contra os bancos de neve por causa do pequeno selo vermelho.
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  Tia Joanne matou a coruja e queimou a carta com a varinha.
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  %Lucie% nunca entendeu exatamente por que ela fizera isso, mas desde então — já fazia um ano — nenhuma outra coruja se aproximou. O que quer que houvesse naquela carta, irritara profundamente sua tia, pois naquela semana, %Lucie% se alimentou apenas dos restos de pão mofado de uma caixa perto da despensa — com exceção de uma ou outra maçã que Kaprizen, um dos elfos domésticos do Instituto, lhe deu às escondidas.
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  Assim que as catacumbas se esvaziaram por completo, tia Joanne voltou o olhar para %Lucie%. Havia algo de assustador no olhar da mulher que paralisava a menina. %Lucie% até mesmo temia respirar de forma errada diante da tia. Engoliu em seco, os olhos voltando lentamente na direção da mulher de cabelos platinados e olhos prateados fixos em seu rosto. %Lucie% desejou, mais uma vez, simplesmente desaparecer. Mas desta vez, não vieram insultos nem tapas. Joanne apenas estalou os lábios, em desaprovação, indicando com o queixo que a menina se levantasse, estendendo-lhe a mão.
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  – Ande, está na hora do seu tratamento – disse Joanne Karine Rozenn com um tom de voz baixo, quase tranquilo — completamente oposto ao desespero e medo que ainda pulsavam da menina como ondas contínuas. – E vamos cuidar dessas suas novas feridas.
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•••

  O quartinho onde %Lucie% vivia não possuía sequer 10 metros quadrados.
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  Durante o inverno, era insuportavelmente gélido. No verão, sufocante e cálido. Quando não estava suando, estava tremendo. Às vezes, os dois ao mesmo tempo, em um intervalo ridiculamente curto. As paredes lhe causaram claustrofobia no início, mas com o tempo, %Lucie% se acostumou a manter os olhos fechados e fingir que estava dentro de alguma das telas que vira uma vez, há muito tempo, no escritório de sua tia. Um prado vasto e verde vívido, com pequenas flores silvestres espalhadas ao acaso, guiando talvez para uma floresta escura — mas que, sem sombra de dúvida, parecia mais segura que as catacumbas de Durmstrang.
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  %Lucie% se encolheu outra vez sob os lençóis puídos e finos, observando com tristeza as próprias mãos. Uma nova cicatriz se formava onde tia Joanne lançara o feitiço. Da ferida, esvaía-se um brilho esbranquiçado de magia, espiralando pelo ar em formas abstratas, enquanto a menina esperava o sono. Estava tão cansada de fugir do basilisco que não conseguia dormir. Seus músculos doíam tanto pelas quedas e fugas que mover-se na cama tornava-se penoso.
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  Virou-se de lado, de frente para a parede, soltando um gemido baixo de dor. Fechou os olhos com força, implorando outra vez — para o que quer que estivesse ouvindo — que viesse resgatá-la. Talvez até mesmo Azkaban fosse um lugar melhor. Talvez passar fome nas ruas fosse melhor
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  O ar gelado que atravessava as paredes de pedra lhe dava algum alívio, especialmente naquele espaço abafado. Dependendo de como apoiava o nariz contra a parede, quase conseguia imaginar que a corrente fria era ar puro. Às vezes, das fissuras nas paredes, surgiam sussurros. Baixos, sibilantes, que espiralavam por seus ouvidos de forma quase convidativa. Eram altos o suficiente para serem reconhecidos como vozes, e ainda assim, baixos demais para se entender o que diziam.
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  Quando mais nova, %Lucie% até tentou entender as palavras. Mas a repetida frustração a levou a crer que, fosse o que fossem aqueles sussurros, não eram destinados a ela.
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  %Lucie% %Vatra% fechou os olhos com mais força, tentando obrigar-se a dormir, quando o eco suave e distante de música atravessou as paredes.
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  Ela não se lembrava de sons ou melodias como aquelas. Presa desde pequena nas catacumbas, raramente autorizada a subir aos pátios do Instituto, pouco conhecia do mundo exterior. Aquele som não era agressivo, tampouco causava dor aos ouvidos — não lembrava ratos, nem o basilisco. Era estranho, desconhecido, mas ainda assim… belo. Com um fungar baixinho, %Lucie% se sentou na cama, usando o dorso das mãos enfaixadas para limpar o rosto, piscando inúmeras vezes a fim de clarear a visão — mesmo que não conseguisse ver a um palmo de distância.
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  Era arriscado. Extremamente arriscado. Se sua tia descobrisse que havia tentado se aventurar novamente pelos corredores de Durmstrang, %Lucie% estaria em apuros por meses. Mas, ao mesmo tempo, a garota — que passava a maior parte do tempo trancada naquele quartinho, tentando ler à luz de uma fissura com os livros que Kaprizen contrabandeava em gestos de compaixão — estava curiosa. Queria ouvir só mais um pouquinho.
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  %Lucie% tateou as paredes de pedra com cuidado, esgueirando-se por entre pequenos vãos. Observou, escondida, alguns alunos sentados em bancos de pedra ou escorados na entrada, rindo e conversando entre si. Alguns eram mais velhos, outros pareciam ter sua idade, sentados em círculo, gargalhando enquanto comiam doces ou giravam suas varinhas praticando feitiços. Algo dentro do peito de %Lucie% pareceu se partir. Ela queria tanto fazer parte daquilo. Às vezes, imaginava-se sentada com eles, ouvindo suas risadas, compartilhando algum doce. Perguntava-se como seria o sabor. Seriam doces de verdade? Ou mais amargos?
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  Mordeu o lábio inferior ressecado e lançou um olhar assustado para trás, em direção ao seu pequeno quartinho, antes de disparar silenciosamente, o mais rápido que conseguia, apesar da exaustão dos músculos — evitando chamar atenção de possíveis colegas... ou dos zeladores do Instituto.
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  – Sangue-ruim! – gritou um dos meninos de sua idade, sentado na rodinha, seguido por uma gargalhada e um comando de “perseguição”.
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  %Lucie% arregalou os olhos, percebendo tardiamente que havia sido pega em flagrante e, como em todas as vezes em que isso acontecera, não demorou para que as outras crianças dessem prosseguimento à perseguição contra a garotinha.
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  %Lucie% correu como se sua vida dependesse disso.
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  As crianças lhe arremessaram livros e até mesmo lançaram feitiços em sua direção. Nenhum Feitiço Imperdoável, é claro — seja lá o que isso significasse para eles —, mas feitiços que poderiam levitá-la, caso assim desejassem, ou prendê-la novamente em um dos lustres. Ou pior: fazê-la se coçar até que sua pele estivesse em carne viva.
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  %Lucie% sabia que gritar apenas os incentivaria mais. Então virou bruscamente à esquerda, descendo novamente as escadarias, em direção à sala da tia Joanne, que certamente já deveria ter escutado a comoção de gargalhadas e os gritos de comando das outras crianças.
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  No desespero, %Lucie% virou à direita, depois novamente à direita, até encontrar um vão na parede. Espremeu-se ali com toda a força, mordendo com força o lábio inferior quando a pressão machucou seu ombro esquerdo, tentando desaparecer entre a parede do Instituto e uma estátua. Prendeu a respiração, mesmo que seus pulmões estivessem desesperados por oxigênio, e implorou a qualquer entidade superior que a estivesse ouvindo para que a fizesse passar despercebida, até que todas as crianças se entediassem de caçá-la pelos corredores da Durmstrang e voltassem aos próprios interesses — antes que sua tia Joanne a encontrasse.
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  Sabia que o castigo viria de qualquer forma. Pelo menos poderia protelar um pouco antes de recebê-lo.
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  Mesmo que fosse um instinto tolo, %Lucie% fechou os olhos com força assim que viu as crianças passarem correndo por ela. Sabia que não demoraria para que percebessem o erro, e como ela mesma havia se encurralado. Todavia, a última coisa que esperava ver era o Professor Krasny.
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  O velho homem, de cabelos grisalhos misturados aos fios acobreados e olhos obsidiana como os dela, fingiu abaixar-se para recolher alguns dos livros que os estudantes haviam derrubado enquanto a perseguiam. Sem desviar o olhar dos volumes, sussurrou com um sotaque russo pesado:
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  – Siga as luzes.
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  %Lucie% piscou, surpresa com o comentário, mas ouvir os passos dos colegas retornando na direção dela foi suficiente para fazê-la sair imediatamente de seu esconderijo e seguir, ao pé da letra, as palavras do Professor Krasny.
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  Ela voltou a correr, os pés chapinhando no chão de pedras irregulares, escorregadio por pequenos amontoados de neve que derretiam nos terrenos do castelo — enfeitiçado para manter a neve longe.
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  Ainda escutava gritos e, por um breve segundo, sentiu-se tentada a olhar por sobre o ombro para verificar de onde vinham e quem a chamava. Certamente reconhecia as vozes de seus agressores, cada uma delas gravada no fundo da mente, espiralando sempre que tinham oportunidade. Mas então, lembrou-se vividamente do basilisco que a perseguia durante as aulas da tia, e como morria de medo de olhar para trás. Como supunha que a criatura de hálito fétido e presas venenosas poderia estar à espreita naquele mesmo corredor.
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  Então %Lucie% apenas correu. Correu o máximo que pôde, os olhos piscando em busca das luzes que o Professor Krasny dissera para seguir.
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  E então... lá estavam elas.
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  %Lucie% ouviu os sussurros outra vez, desta vez mais altos, espiralando não apenas dos telhados, como costumava ver, mas agora também ao seu redor — pontos brilhantes de bioluminescência, vivos, pulsando.
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  Ela parou de correr, esfregando os olhos, o cenho franzido. Olhou em volta, confusa e ao mesmo tempo fascinada, erguendo a mão direita para comparar com a nova cicatriz que a Professora Joanne observara. Uma pequena luz espiralava do ferimento e pairava no ar — não como os pontos que giravam livremente, mas parecida... não gêmea, apenas próxima.
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  %Lucie% teria se perdido ali.
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  Teria ficado admirando, com a fascinação de quem nunca vira o céu direito, mas ainda sonhava com ele. Que observava as estrelas de longe, imaginando como seria a sensação de apenas contemplá-las, assistindo ao passar dos seus infinitos anos enquanto ela mesma se desfazia em esquecimento e poeira.
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  A voz da tia ecoou em alto e bom tom, comandando-a para parar, e %Lucie% não pôde evitar: desta vez, obedeceu ao que os sussurros lhe diziam.
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  Direita.
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  %Lucie% virou à direita.
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  Esquerda.
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  Virou. E então novamente à esquerda. Esquerda.
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  Desceu, aos tropeços, uma escadaria em espiral, seguindo as luzes e os sussurros que a guiavam. Então novamente direita, direita, esquerda. Seguiu reto, depois novamente à direita. Os olhos de obsidiana voltaram-se instintivamente para o caminho que se abria à sua frente, e ela prendeu a respiração ao se deparar com uma das entradas das catacumbas — mas, desta vez, algo era diferente.
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  O corredor que se abria agora parecia mais... estranho do que ela se lembrava. %Lucie% deu um passo para trás, hesitante.
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  Uma fina camada, que parecia gelo, formava-se na entrada abobadada do corredor. Em vez de apenas revelar o breu das catacumbas do Instituto, refletia outro lugar. Um lugar estranho e completamente desconhecido. O chão de pedra era mais uniforme e escuro, com pontos duplos de luz se movendo rapidamente. Havia torres semelhantes às de Durmstrang — ou ao que %Lucie% se lembrava de ter visto poucas vezes — ou pequenas casinhas, lado a lado, apertadas e quase do mesmo tamanho, meio distorcidas pela penumbra de gelo.
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  %Lucie% prendeu a respiração outra vez, virando-se na direção da tia. O rosto de Joanne era uma máscara de frustração e fúria contida, marchando em sua direção.
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  A garota ofegou, agarrando a frente da blusa puída com força, os olhos arregalados saltando da imagem da tia para a visão distorcida pelo gelo à esquerda.
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  Céus, sua tia iria matá-la! Ela tinha certeza!
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  Durante todos os anos em que vivera ali, a regra fora sempre clara: pior do que se fazer notar era humilhar a tia Joanne diante dos colegas e estudantes. Pior do que ser percebida era se colocar à frente de Joanne. %Lucie% deveria ser como um fantasma — apenas assombrar, jamais pedir ou exigir algo. Ela não tinha direito algum. Era um monstro, aceito ali apenas pela misericórdia daqueles que ainda esperavam que fosse útil para alguma coisa — uma cobaia, nada mais.
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  E agora, %Lucie% havia se feito notar. Pior: havia desafiado as regras da tia Joanne, a expusera ao ridículo diante de todos.
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  Tia Joanne iria matá-la. Não, dessa vez %Lucie% estava mesmo encrencada!
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  Ofegante, em pânico, a garotinha agiu por puro instinto e desespero. Disparou em direção à fina camada de gelo que cobria a entrada do corredor — como uma membrana embaçada, impossível de compreender. Um passo após o outro. Sentiu as unhas da tia Joanne cravarem-se em seu ombro esquerdo, mas, desta vez, deixaram apenas arranhões e vergões para trás, quando a garota se projetou adiante, desabando no vazio.
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  – %LUCILLE% – o grito da tia Joanne desapareceu no instante em que %Lucie% afundou no portal.
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  Então, tudo escureceu.
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