Três.
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Com o passar das semanas, aos poucos, as coisas voltavam ao normal para os bruxos. O Ministério da Magia voltava a trabalhar integralmente e, com isso, o Departamento de Execução de Leis da Magia e todas as suas subcategorias tinham o triplo de trabalho. Os Aurores ainda caçavam e prendiam Comensais foragidos, os bruxos do Controle do Uso Indevido de Magia e do Controle de Mal uso dos Artefatos Trouxas ainda estavam abarrotados de casos para examinarem e o pessoal da seção de Julgamentos ainda precisavam catalogar todas as provas e testemunhos contra os bruxos que, por ora, estavam em Azkaban antes dos julgamentos começarem. Trabalhos que ainda demorariam muitos meses para serem finalizados e, é claro, não foi surpresa para ninguém o número excessivo de horas extras que os funcionários do departamento estavam fazendo.
Muitos bruxos que haviam perdido o emprego ou fugido para salvarem suas vidas durante o último ano retornaram para seus cargos, dentre eles, Cedrico Diggory — que ficou extremamente feliz ao receber sua carta de readmissão, voltando ao trabalho duas semanas após o funeral em Hogwarts.
A Escola, conforme informado pelo Profeta Diário, havia começado a ser reconstruída e mesmo que não estivesse totalmente pronta em setembro, seria reaberta. E então levantou-se a possibilidade dos quatro amigos, que não haviam finalizado seus estudos, retornarem para Hogwarts, já que Minerva McGonagall era a nova diretora e estava oferecendo essa chance a eles.
Hermione, conforme esperado por todos, aceitou no mesmo instante, enviando sua resposta na mesma Coruja. Também não foi um choque para ninguém quando Harry e Rony agradeceram o convite, mas negaram de imediato alegando já terem passado da fase de estudos. %Sam% era a única que não tinha decidido o que faria, em partes porque estava acostumada a ficar com a família e o namorado, além de achar que ajudaria mais se ficasse para ajudar com Teddy, parte porque não se imaginava voltando para a Escola depois de tudo, apesar de saber que aquela seria a opção mais fácil: “estudaria” mais alguns meses para completar seus estudos, faria os NIEM’S, se formaria com uma média razoável e ainda, possivelmente, seria a Capitã do time de Quadribol da Grifinória — o que a fazia realmente considerar retornar para o castelo. E, o ponto principal, daria a ela mais tempo para planejar seu futuro, já que era a única sem ideia do que faria desde que Voldemort havia sido derrotado.
Harry e Rony já estavam inscritos no curso de Auror que começaria após o verão, e Hermione tentaria algum cargo importante no Ministério, embora estivesse dividida entre dois ou três departamentos que achava interessante.
Black era a única que não fazia ideia do que fazer da vida, nunca planejou muito o passo pós-Hogwarts porque sempre pareceu muito distante. Agora que já não tinha mais Comensais da Morte ou Voldemort para se preocupar, voltou a se sentir completamente perdida com a ideia de uma vida adulta. Ainda se considerava até bem imatura para já precisar pensar em uma profissão para a vida toda.
Nem mesmo sabia quais seriam suas principais qualidades para buscar algo.
Gostava de Quadribol e sabia jogar muito bem, mas seria boa o suficiente para tentar uma carreira profissional?
Sempre foi muito bem nas aulas de Transfiguração, mesmo que não se esforçasse tanto quanto Hermione, e o mesmo valia para Defesa Contra as Artes das Trevas e Feitiços. Considerou juntar-se aos dois amigos e também tentar virar uma Auror, com certeza teria alguma vantagem após o último ano participando da Ordem da Fênix e duelando contra os Comensais, mas era aquilo mesmo que queria para si?
Em que momento deveria ter parado e decidido o que fazer da vida?
No quinto ano, quando McGonagall perguntou quais eram seus planos, %Samantha% disse a primeira coisa que lhe veio à cabeça: Quadribol.
McGonagall havia garantido que ela teria grandes chances, inclusive poderia ajudá-la a tentar um teste com alguns times. Mas queria aquilo mesmo?
Quando mais nova, achou que seria a melhor coisa que poderia fazer, jogar profissionalmente sempre pareceu um sonho difícil, porém possível. Mas agora já não tinha a mesma certeza.
Também pensou no Ministério da Magia e pegou vários folhetos com informações sobre diferentes departamentos, mas nenhum fez seus olhos brilharem; não sabia se gostaria de passar a vida trabalhando em um escritório, seguindo ordens.
Conversou sobre aquilo com Sirius, mas achou que foi uma péssima ideia.
— %Samantha%, eu passei doze anos preso — respondeu, negando com a cabeça sem nem mesmo tirar os olhos do jornal. — E antes disso minha preocupação era azarar alguns Comensais e chamar algumas garotas para sair, não necessariamente nessa ordem. — Deu de ombros, olhando-a por um instante. — Provavelmente teria tentado fazer carreira como Auror, agora já estou cansado demais para qualquer coisa e, felizmente, tenho dinheiro o suficiente no Gringotes para não me preocupar com nada disso.
A segunda pessoa com quem tentou conversar a respeito foi Harry — que estava sentado embaixo de uma árvore, aproveitando o fim de tarde tranquilo enquanto via Bicuço cavar em um canto, atrás de uma toupeira.
— Eu nunca pensei em muita coisa — disse com o cenho franzido. — Quadribol por alguns anos e depois passei a querer ser um Auror. Claramente tenho vantagem no segundo! — Piscou, rindo pequeno. — Como é que você nunca pensou em nada além de Quadribol?
%Samantha% deu de ombros.
— Sempre achei que fosse boa o suficiente para pensar apenas em jogar profissionalmente.
Considerou que o namorado fosse a melhor opção, não perdendo tempo para perguntar assim que ele entrou em seu quarto aquela noite, jogando-se em sua cama.
— Sei lá, %Sam%… Sempre soube que queria algo no Ministério. — Passou a língua pelos lábios. — Mas também não queria nada muito monótono. Achei que o Departamento de Cooperação Internacional poderia ser uma boa opção e também teria a chance de algumas viagens, eu sempre quis conhecer outros lugares… Pareceu uma boa ideia, ainda mais depois que organizaram o Torneio Tribruxo…
— E você simplesmente soube? — questionou frustrada. Cedrico negou, rindo pequeno.
— Passei dois anos procurando mais informações para saber se era aquilo mesmo, mas, sinceramente, depois desse último ano, embora eu continue gostando do meu trabalho, tenho achado a coisa mais entediante possível… — resmungou, passando a mão pelos cabelos.
— Não quer tentar outra coisa?
Diggory meneou a cabeça, sorrindo pequeno.
— É só uma fase, me conheço o suficiente para saber que daqui dois meses isso vai passar e se eu trocar de área vou me arrepender.
Black bufou, jogando-se na cama ao lado do loiro e olhando para o teto, nervosa.
— Como é que eu sou a única pessoa que não sabe o que fazer da vida?
— Tenho certeza que não é a única. — Riu, apertando-lhe a mão. — Só está confusa. Precisa decidir agora o que fazer?
— Basicamente, só tenho mais alguns dias para responder a Minerva, e se resolver voltar para Hogwarts tenho que comprar todo meu material e uniforme… As aulas voltam em três semanas. — Suspirou, passando as mãos pelo rosto, cansada.
Diggory fez um barulho com a boca, começando a dizer em voz baixa:
— Se voltar para a Escola ganha mais um ano antes de precisar tomar alguma decisão…
— Eu sei, pensei muito nisso, mas não sei se quero mesmo voltar a estudar… Pelo menos teria Gina e Mione na mesma sala, só que acho que já passei da fase de estudar, sabe?
— Só que você tá esquecendo uma coisa, %Sam% — continuou, passando a língua pelos lábios antes de olhá-la de lado —, se for tentar qualquer coisa no Ministério vai precisar prestar seus NIEM’s e tem que estudar pra isso.
A loira bufou, sentando-se na cama e cruzando as pernas, negando com um aceno.
— Isso é um absurdo. Os Weasley não fizeram!
— Mas os gêmeos abriram um negócio próprio — respondeu, passando a mão por suas costas, tentando acalmá-la com o carinho —, a menos que seja essa sua ideia…
— E eu abriria uma loja do que, Cedrico? — O olhou por sobre o ombro, vendo-o dar de ombros.
— Poderia trabalhar em alguma, não? Tem várias lojas no Beco Diagonal… Ganhar experiência até descobrir o que quer fazer…
%Sam% o olhou por um segundo, levantando as sobrancelhas e considerando aquela ideia, não parecia ruim.
— E se eu não gostar de nada? E se passarem dez anos e eu ainda não souber?
— Não tem um prazo para você descobrir, pode ser que realmente só saiba com certeza daqui dez anos, ou que trabalhe em várias coisas até achar algo que se identifique. Não tem nada de errado nisso.
— Fácil pra você que já sabe o que quer… — resmungou, tornando a jogar-se contra o travesseiro. Cedrico aproveitou a proximidade para curvar-se levemente sobre ela, beijando-lhe a bochecha.
— A menos que realmente considere voltar para Hogwarts, não precisa de tanta pressa para decidir, %Samantha%, pode pensar com calma… — disse baixo, beijando-lhe o queixo.
— Sei que sim — disse, virando-se e voltando a ficar em pé e andando pelo quarto, não reparando no olhar desapontado do outro. — Mas quero ter algo para me distrair, sabe? Ocupar a cabeça, qualquer coisa.
O loiro soltou o ar lentamente, passando os braços por trás da cabeça.
— Por que não faz uma lista? Poderia colocar suas qualidades e coisas que quer pra sua vida, e aí tentamos ver algo que se encaixe em ambas as colunas.
— O problema é esse, Ced, eu não sei o que eu quero — respondeu derrotada, sentando-se no canto da cama e olhando para baixo.
Diggory arqueou a sobrancelha quase ofendido com a resposta, porque ele sabia que independentemente de qualquer coisa, queria passar a vida ao lado da namorada. %Samantha% era a única certeza que ele tinha para absolutamente tudo. Contudo, apenas se levantou, ignorando a pontadinha em seu peito sabendo que ela estava nervosa demais com a situação toda, agachando-se em sua frente.
— Comece aos poucos: no que você é boa? Do que você gosta? Quais são seus hobbies? O que você planeja fazer nos próximos cinco anos?
— Eu diria que a resposta de três das quatro perguntas são a mesma: Quadribol.
— E qual a resposta da quarta? — perguntou rindo.
%Sam% deu de ombros, pensando por um tempo.
— Não é exatamente um plano, mas gostaria de viajar um pouco, conhecer algum outro país, preferencialmente com você — o olhou por um segundo, vendo-o sorrir de lado — e sei lá, em cinco anos... definitivamente já ter encontrado algo que eu queira trabalhar… Talvez ter meu próprio dinheiro, embora papai não fosse me negar o dele… — Riu fraco. Diggory concordou, aproveitando para sentar ao seu lado. — Como você se vê em cinco anos, Ced?
O loiro passou a mão pelos cabelos, pensando por um instante.
— Espero que com um salário maior do que eu tenho agora — começou, fazendo uma careta e escutando-a rir. — Definitivamente morando sozinho ou melhor dizendo, morando com você, talvez… — falou, vendo a garota sorrir, piscando em sua direção. — Sei lá, com uma independência maior, quem sabe viajando nas férias para lugares novos?
— Bom, acho que já está a meio caminho de conseguir tudo isso, não?
— Tá se oferecendo para morar comigo, é? — perguntou brincalhão, a loira deu um soco leve em seu braço.
— E perder a vida boa que meu pai me dá?
Diggory passou a língua pelos lábios.
— É, mas não tem sido muito vantajoso para nós, zero privacidade.
— Não foi você quem disse que começaria a escalar a janela?
Cedrico a olhou por um momento, sem saber se ela estava falando sério ou não.
Dias antes, quando Sirius entrou no quarto e os viu aos beijos, deu um sermão de quase dez minutos sobre como Diggory estava quebrando a confiança que lhe era dada. Pouco depois Cedrico fez uma brincadeira dizendo que começaria a escalar a janela após o homem ir dormir, assim ele nunca mais o veria lá e pensaria que era a melhor pessoa do mundo para %Samantha% ter ao lado. Naquele momento a loira apenas sorriu pequeno, sem fazer nenhum comentário a respeito.
Na verdade, aquele tinha sido o primeiro “amasso” que haviam dado em semanas, porque %Sam% estava cada vez mais distante, fosse por ainda estar mal com os acontecimentos ou por estar sempre ajudando Andrômeda com Teddy e, nos últimos dois dias, toda a preocupação sobre o futuro que, até então, Black não havia considerado.
Embora estivesse um tanto chateado com o distanciamento, Cedrico não falava nada sobre porque tentava entender o lado da garota, mesmo que sentisse falta de estar com ela. Não era como se ele pudesse virar e falar “e aí, vamos transar?” quando a namorada chorava boa parte da semana e o tempo que passavam juntos era basicamente voltado para o loiro garantir que em algum momento tudo passaria e ela ficaria bem.
Com tudo isso, o comentário dela o pegou desprevenido porque não sabia se era apenas uma brincadeira ou se tinha algum fundo de verdade.
Diggory piscou em sua direção.
— É só dizer o dia, gata!
%Sam% riu baixo e então se levantou, puxando um pedaço de pergaminho, pena e tinta para escrever sua carta e enviá-la para Minerva. Não escreveu muito, Cedrico reparou, e então o olhou da cadeira em que estava sentada, franzindo o cenho.
— Acha que eu teria chances de conseguir jogar se tentasse?
— Profissionalmente? — perguntou segundos depois, ao entender o que ela dizia. %Sam% concordou com um aceno, o olhando incerta. — Pelo que eu vi em Hogwarts, com certeza. Mas você está há tempos sem jogar Quadribol, precisaria treinar bastante.
— Hm… E se eu passasse esses meses treinando? — começou em voz baixa, falando conforme a ideia surgia em sua mente. — Os testes para as Harpias são sempre em janeiro e julho. Posso treinar até lá e, nesse meio tempo, consigo ajudar Andy com o Teddy. O que acha?
— Não vai mesmo voltar para a escola?
— Não, Teddy precisa de mim agora, não posso deixar minha tia sozinha com ele. Além do mais, nem teria muita graça, era capaz da Hermione me arrastar o ano todo pra biblioteca, e nem teria você por perto… — Suspirou, negando com um aceno. Diggory riu baixo.
— Não preciso deles para Quadribol, Ced. Se não der certo, me preocupo com isso daqui um ano.
— E aí, Harry, você já chamou a Gina para um encontro ou não? — Diggory perguntou, ao ver o garoto entrar na casa, sentando-se ao lado dos dois no sofá e vendo o que eles assistiam na televisão.
— Mas você não sabe ficar quieta mesmo, hein, %Samantha%? — reclamou ao virar-se para a loira, que ergueu as sobrancelhas, dando de ombros. — Sua fofoqueira.
— Não é como se eu tivesse contado ao Rony — respondeu —, além do mais, eu não guardo segredos do Ced.
— Então ele já sabe que no quinto ano, quando terminaram, voc… — interrompeu-se ao reparar no olhar que a outra lhe lançou.
— Quer uma morte precoce, Potter?
— O que foi que ela fez? — Cedrico perguntou curioso, inclinando-se para olhar melhor o moreno. — Pode terminar essa frase!
— Fica quieto aí, Diggory — Black replicou. — E você, fica na sua, Cicatriz.
— E toda a história de não ter segredos? — o moreno resmungou arqueando a sobrancelha.
— Isso é do sexto ano pra frente, quando voltamos, o que aconteceu antes disso não faz diferença!
— Você estava interessada em alguém, não é? Teve algum encontro? — Cedrico tornou, vendo-a rolar os olhos antes de virar-se para Harry.
— E então, já chamou a Gina para sair ou nada? Não se esqueça que ela volta para Hogwarts em uma semana!
Potter olhou para o aparelho, tentando ignorar o casal ao lado.
— Fala logo, Harry, não é como se a gente fosse espalhar pra todo mundo. Nem para o papai eu falei! Só para o Ced, e ele não fala muito com os Weasley, não se preocupe.
— Na verdade eu falo bastante com o Gui — respondeu baixo, vendo Potter o olhar assustado —, mas diferente de %Samantha%, eu sei guardar segredos, não se preocupe.
— Ah, ótimo. Nunca mais te conto nada! — resmungou, cruzando os braços. — O que foi? — perguntou ao ver a expressão sem graça do amigo.
— Ela recusou? — Cedrico perguntou com o cenho franzido.
— Não! — negou rápido, pigarreando em seguida. — Não deu pra gente conversar muito porque Rony está sempre perto…
— Por Merlin, nem agora que ele está com a Mione ele tá dando paz? — %Sam% negou com um aceno. — Weasley sempre foi inconveniente mesmo…
Potter riu baixo, ainda com o rosto vermelho.
— E por que você tá tão constrangido se nem conseguiu chamá-la para sair? — Diggory tornou a perguntar.
Harry respirou fundo, soltando baixo.
— A gente se beijou algumas vezes.
— Vocês o quê?! — %Samantha% gritou, completamente chocada com a informação. — E você nem me contou, Harry Potter?
— Parece que Rony estar por perto não é, de fato, um empecilho!
— Não é bem assim — Potter respondeu baixo, olhando para as mãos.
Não iria negar que estava bastante feliz com o início de relacionamento que estava tendo com Gina — muito melhor do que ele esperava e disparadamente mais confortável do que quando saiu com Cho. Agradecia internamente %Sam% ter puxado o assunto semanas após a Batalha, dizendo que havia reparado no quanto ele parecia preocupado com a ruiva. Quando Harry confessou que, de fato, a estava olhando de outra forma, a loira o incentivou a chamá-la para sair, garantindo que a Weasley ainda tinha uma grande queda pelo moreno.
— Como foi que isso aconteceu e… — %Sam% interrompeu-se ao ouvir um estalo no lado de fora da casa, sabendo que Sirius havia voltado.
— Não vão falar nada pra ele! — o moreno pediu rapidamente. — O que menos preciso agora é Sirius fazendo piadas o tempo todo!
— Hmm… — Cedrico coçou o queixo, passando o braço pelos ombros da namorada ao voltar a recostar-se no sofá. — Mas não era nada mal pra gente se ele começasse a implicar com você…
— Diggory, você voltou a morar aqui, por acaso? — Sirius falou ao entrar na casa com duas caixas de pizza, vendo o loiro sentado no sofá, junto de %Sam% e Harry, mais ao canto, esparramado com as pernas esticadas na mesa de centro.
— Isso é um convite? — perguntou sorridente. O mais velho rolou os olhos, segurando a vontade de respondê-lo como queria, sabendo que %Samantha% talvez reclamasse.
— Nem nos seus sonhos, Cedrico, nem nos seus sonhos — disse, andando para a cozinha e logo sendo seguido pelos três que se dividiram em pegar pratos, talheres e copos, além de abrirem duas garrafas de bebida.
Após alguns minutos de silêncio enquanto aproveitavam as pizzas, Harry virou-se para o padrinho, mastigando devagar.
— O que você tanto faz em Londres, Sirius?
O homem continuou a mastigar, dando de ombros em seguida.
— Tenho muito assuntos pendentes para resolver…
— Aham, e aquela Trouxa francesa não tem nada a ver com isso, né? — %Sam% provocou, sorrindo pequeno.
Sirius a encarou por alguns instantes, passando a língua pelos lábios.
— Mas você não sabe mesmo ficar de boca fechada, não é?
— Eu quase preferia quando essa garota estava morando com a Andrômeda — Potter concordou, não esquecendo-se de que a loira também havia falado para Cedrico sobre seu interesse em Gina.
— Ei! — reclamou, jogando uma azeitona no rapaz que estava sentado de frente para ela.
— E aí, como estão as coisas? Já falou com ela? — Cedrico perguntou para Sirius, subitamente interessado no desenrolar daquele relacionamento; se o homem estivesse ocupado com a própria namorada, talvez não se importasse tanto com o loiro passando horas a mais com %Sam%.
Black rolou os olhos, colocando mais um pedaço de pizza na boca.
— Vocês três não têm mais o que fazer? — tornou ao notar o olhar deles em sua direção.
— Eu não! — %Sam% respondeu rápido, apoiando o rosto na mão fechada sobre a mesa. — Qual é, pai, quero conhecer sua namorada!
— Já estou considerando te mandar morar com Andrômeda de novo — concordou com Harry antes de tomar um gole de sua bebida. — E não estou namorando ninguém.
— Por quê? — Harry perguntou rápido. — Precisa de dicas para conquistá-la?
— E desde quando você entende de namoro? — %Samantha% replicou debochada. — Se bem me lembro, você foi péssimo com a Cho! — Sorriu de canto ao notar o amigo avermelhar. Cedrico tomou um gole de seu suco para disfarçar a vontade de rir.
— Eu iria dizer do Diggory — respondeu baixo, apontando com a cabeça para o loiro —, ele com certeza é o que melhor entende, até consegue enganar o Sirius.
— Como é? — Black ergueu o tom de voz, travando a mandíbula.
O loiro terminou de engolir antes de virar-se para o mais novo.
— Primeiro, quem está te provocando é a %Samantha%, eu não tenho nada com isso, então não joga nas minhas costas, Potter. — Virou-se para Sirius, com sua melhor cara de inocente. — Fazem dias que mal nos vemos e só ficamos na sala com você ou Harry junto, lembra?
O homem o encarou por mais alguns instantes antes de respirar fundo, voltando seu olhar para o prato.
— Realmente, estou até surpreso, embora feliz.
Cedrico sorriu debochado para Harry, vendo-o rolar os olhos.
— Mas sério, pai — %Sam% retomou —, o que aconteceu? Achei que você queria sair com ela de novo, não?
Sirius respirou fundo, levando seu copo de suco à boca e tomando um longo gole antes de voltar a falar, achando o assunto muito delicado para um sábado.
— Como você mesmo disse, Genevieve é Trouxa, não sei se vale à pena eu voltar a procurá-la. Primeiro passei meses sem aparecer e dei uma desculpa fraca para isso. E, de qualquer forma, não sei se seria um relacionamento bem-sucedido.
— Mas você não pensa em contar para ela? — Diggory começou confuso. — Se você realmente gosta dela, teria que contar, não é?
— O problema é justamente esse — concordou, passando a mão pelos cabelos compridos —, não podemos expor nosso mundo para os Trouxas.
— Mesmo se vocês realmente ficarem juntos? — Harry perguntou surpreso, vendo-o concordar. — Mas não faz sentido nenhum! Como alguém conseguiria esconder e…
— A maioria dos bruxos faz isso — Sirius o interrompeu. — Quando têm filhos, só contam quando está na hora deles irem para Hogwarts, é lei. Não podemos expor nosso mundo aos Trouxas, são pequenas as exceções.
— Pai, mas você ouviu o discurso do Quim, ele falou que vai tentar mudar algumas coisas, talvez isso seja uma delas; além do mais, você só contaria para ela, não é? Se ela surtar, você poderia apagar a memória, ninguém mais saberia — sugeriu, vendo-o menear a cabeça. — E, mesmo se for contra as regras, não é como se fossem te mandar para Azkaban por contar à sua namorada que é um bruxo!
Sirius concordou a contragosto, sorrindo minimamente.
— Alguma vantagem eu teria que ter depois de tudo — disse baixo.
— Você deveria falar com ela. — Cedrico sorriu confiante quando o mais velho o olhou. — Convide-a para um jantar, retome o namoro e depois você pensa em um jeito de contar.
— Sim, mesmo porque não vai conseguir esconder muito tempo se ela começar a frequentar a casa! — %Sam% concordou.
— Não seja medroso, Sirius! — Harry encerrou, rindo da cara de desagrado que o padrinho fez.
— Já sei! — A loira sorriu, virando-se animada para o pai. — A convide para vir aqui!
— Você está louca? — Sirius negou no mesmo segundo, balançando a cabeça.
— Está com vergonha de nós? — %Sam% replicou, estreitando o olhar. — Como é que eu tive que apresentar o Ced, Harry provavelmente fará o mesmo quando estiver namorando, e você passa impune sem a gente aprovar nada?
— Teoricamente você não me apresentou ninguém — respondeu arqueando a sobrancelha —, eu já o conhecia, não foi? — Apontou com a cabeça para Cedrico, que sorriu sem graça ao lembrar-se da época em que o homem fingia ser um cachorro. Era sempre embaraçoso pensar em tudo aquilo, por isso Diggory normalmente preferia fingir que havia sido uma alucinação.
— Que seja! O mínimo é trazê-la aqui em casa para que possamos conhecê-la!
Cedrico afastou-se de %Sam% poucos segundos depois, ao ouvir Sirius pigarreando ao entrar na sala, olhando o casal se despedindo na porta.
— Tchau, Sirius! — Sorriu amarelo para o homem, que apenas acenou com a cabeça, logo subindo as escadas. — Te vejo depois! — disse ao voltar a atenção para a namorada, roubando-lhe mais um beijo antes de se afastar, mas a loira o puxou pela mão antes que ele se virasse, beijando-lhe a bochecha e sussurrando próximo ao seu ouvido:
— A janela está aberta, Diggory.
Cedrico mordeu o lábio, tentando evitar o sorriso largo que se espalhava por seu rosto.
— Uns quarenta minutos? — perguntou baixo, vendo-a concordar antes de fechar a porta.
%Sam% subiu as escadas entrando em seu quarto e pegando suas coisas antes de ir para o banho, sentindo-se um tanto mais tranquila. Ainda tinha aquela sensação estranha no peito, como uma ferida que não cicatrizava.
Já haviam se passado quase 4 meses desde a Batalha de Hogwarts, mas continuava com aquele incômodo dentro de si. Aos poucos parecia começar a acostumar-se com ele, achando que talvez nunca mais se livrasse daquele sentimento, e no fundo se perguntava se mais alguém sentia aquilo, mas não iria puxar o assunto com ninguém. Todos tentavam voltar ao normal, não seria ela quem traria aquilo de volta, era algo particular de cada um e %Samantha% não queria ser a responsável por fazer qualquer pessoa se sentir mal. Havia conversado mais algumas vezes com Andrômeda que, aos poucos, também parecia se acostumar com o vazio, embora Teddy ocupasse muito de seu tempo.
Respirou fundo ao ligar o chuveiro, sentindo a água quente cair por sobre sua cabeça, pensou por alguns instantes se havia tomado a decisão certa, pois tinha sido algo impulsivo, apenas queria passar mais um tempo com Cedrico.
Parte de si sabia que não estava sendo a melhor das namoradas, mas também sabia que ele entendia e não a cobraria. Talvez fosse aquilo um dos motivos de amá-lo tanto: Diggory sempre entendia o momento que cada um passava, era muito empático. Por isso não dizia nada, passou semanas apenas consolando-a sempre que precisava e até quando ela não dizia nada ele estava lá, abraçando-a e garantindo que tudo ficaria bem. Sorriu sozinha ao lembrar-se da conversa de semanas antes, na qual ele disse que se via morando com ela em algum momento. %Sam% esperava o mesmo, queria passar a vida toda ao seu lado. Ao pensar nisso soube que tinha feito a coisa certa ao chamá-lo para passar a noite ali, mesmo que tivesse sido impensado.
Desligou o chuveiro ao ouvir uma batida na porta e Harry gritar que também queria tomar banho, fazendo-a rolar os olhos. Colocou seu pijama e saiu minutos depois, secando os cabelos. Potter apareceu no corredor com uma toalha sobre os ombros, soltando um “finalmente” antes de entrar no cômodo. Ainda parou para desejar boa noite a Sirius que vinha subindo as escadas com um copo d’água e beijou-lhe a testa, antes de seguir para o final do corredor. %Sam% entrou em seu quarto acendendo a luz e virando-se para pendurar a toalha atrás da porta antes de pentear os cabelos compridos, os quais já precisavam de um bom corte, e logo voltou para a cama, jogando-se sobre a mesma e encarando o teto.
Ouviu Harry sair do banho minutos depois, dando duas batidinhas em sua porta como sempre fazia ao passar, antes de trancar-se no próprio quarto.
Bocejou instantes depois, sentindo-se sonolenta, franziu o cenho ao olhar o relógio, considerando se Diggory talvez tivesse desistido e ido para a própria casa. Resmungou baixo, apagando a luz e virando-se na cama, pronta para dormir.
Quando já estava quase pegando no sono, ouviu uma movimentação na janela e, pouco depois, pode ouvir a voz baixa do loiro:
— Por que demorou tanto? — disse no mesmo tom, vendo apenas a luz que saía da ponta da varinha que Cedrico segurava para iluminar o quarto enquanto fechava a janela.
— Estava esperando Sirius e Harry apagarem as luzes, queria garantir que não apareceriam aqui de surpresa — falou, retirando os sapatos antes de subir na cama, deitando-se ao seu lado. — Você está cheirando a morangos! — Riu ao mexer em seus cabelos úmidos.
— Troquei o shampoo — respondeu, sorrindo ao notar ele aproximar seus rostos.
— Talvez mais tarde! — sussurrou antes de juntar seus lábios aos do loiro, passando os braços por seu pescoço ao sentir as mãos dele apertarem sua cintura, juntando seus corpos.
Foi em meio àquele primeiro beijo e todos os outros que vieram depois que %Samantha% soube que, por mais que tivessem dias mais difíceis do que outros, estava na hora de ela também seguir em frente, e saber que tinha Cedrico ao seu lado fazia tudo parecer mais possível. Diggory era como seu sol particular; sempre iluminava seus dias após uma noite tempestuosa.