Capítulo XXIII
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Na minha opinião o pior dia da semana era terça feira. %Abi% tinha o dia de folga, então não aparecia na Academy nem que fosse paga e o intervalo dos meninos era na hora da minha única aula. Ou seja: Eu ficava sozinha durante a maior parte da manhã. Sem falar que era o dia em que eu passava duas horas trancada em uma sala com o professor Hosftheder. Ele costumava extrair tudo de mim durante as aulas particulares e estava ficando cada vez mais difícil.
Eu estava na barra, me alongando, e o professor adorava corrigir a minha postura. Minha coluna estava totalmente reta enquanto eu levantava a perna direita e a mantinha estendida na minha frente, mas não era o suficiente. O homem tocou as minhas costas com a mão esplanada e apoiou a outra no meu abdome.
- Você não está fazendo esforço, %Star%. – Ele falou com rispidez e eu tive que me segurar para não dar uma resposta mal educada. – Trave o abdome!
- Eu estou tentando. – Falei ofegando. Minha perna estava queimando e eu não podia abaixá-la. Tinha um pouco de apoio porque estava segurando na barra ao meu lado, mas ainda assim era difícil.
- Você não está tentando o suficiente! – Reclamou e apertou minha barriga e costas. – Isso, é exatamente assim.
- Ugh. – Murmurei e voltei a perna para a posição inicial.
- Voltaremos para a barra depois. – O professor rolou os olhos, provavelmente entediado com a minha falta de habilidade.
- Sim, senhor. – Fui até o centro da sala e fiquei de frente para o espelho. Passei a mão pela testa, limpando um pouco de suor, e arrumei a minha saia de seda transparente na minha cintura.
- Muito bem. Um, dois, um, dois. – O senhor Hofstheder começou a contagem e batia palmas fortes no mesmo ritmo. Eu já estava acostumada com aquilo, mas ainda achava ridículo. – E plié...
Encostei um calcanhar no outro e coloquei as mãos na cintura. Contraí o abdome e levantei o queixo. Com a ordem do professor, flexionei os joelhos em um plié delicado. Minha sorte em ser francesa era que todos os nomes de passos de ballet eram na minha primeira língua, então mesmo que eu esquecesse o nome de um, podia só lembrar o significado da palavra e conseguia acertar. %Abi% me odiava por isso e reclamava que as coisas não deveriam ser tão fáceis pra mim. Aham, fáceis. Tá bem.
- E relevé... – Outra ordem se seguiu e eu “desflexionei” os joelhos. – Termine com um Grand Jeté e podemos voltar para a barra. É inútil continuar com esses passos que você já domina.
Apenas afirmei com a cabeça e o professor foi para perto do espelho. Eu caminhei até a diagonal da sala e respirei fundo algumas vezes. Aquele salto seria fácil, então eu não perdi tempo. Corri até pegar impulso suficiente para pular o mais alto que consegui e estiquei os joelhos e as pontas dos pés. Meus braços foram para cima da minha cabeça em outro semicírculo. Pousei no chão novamente em cima de um pé só e mantive o outro estendido atrás de mim. Não achava aquilo muito difícil, mas o professor sempre parecia impressionado quando eu repetia o salto.
+++ Finalmente a aula acabou e o professor me liberou. Eu segui para o banheiro do terceiro andar, pois era o que sempre estava vazio naquele horário, e já procurava o meu celular na bolsa. Eu estava exausta e meu corpo já começava a doer, mas tinha combinado com %Abi% que a ajudaria a encontrar uma fantasia para ela usar na festa de Halloween que aconteceria em três dias. Eu já estava com a minha pronta e mesmo que o combinado fosse não contar para ninguém até a hora da festa, não podia deixar %Abigail% sozinha e sem fantasia. Ela gostava de insistir que o meu senso de moda era perfeito e que se o ballet não desse certo, eu poderia virar uma estilista famosa. De qualquer forma, passaria na casa dela para depois irmos às compras.
Entrei no banheiro e me certifiquei de que não havia ninguém ali dentro. Deixei as minhas coisas em cima do balcão de mármore claro e disquei o número de %Abi%. Coloquei no modo viva-voz. Enquanto minha amiga não atendia, eu comecei a tirar as roupas de dança; começando pela saia de seda e sapatilhas.
- Quem é? – %Abi% atendeu. Pela sua voz eu senti que ela acabara de acordar.
- Não se deu nem ao trabalho de olhar o meu nome na tela do seu celular? – Ri.
- Ah, oi, %Tah%... Ainda estou de olhos fechados, dê um desconto.
- Você acabou de acordar, sua imprestável? Eu devia passar aí em dez minutos!
- Eu consigo me arrumar em dez minutos! – Ela tentou me convencer.
- Por que será que eu não acredito nisso? – Rolei os olhos mesmo que ela não pudesse ver e terminei de tirar a meia-calça cor de rosa. – Mas tudo bem. Eu vou enrolar um pouco por aqui e passo aí em VINTE minutos, ok?
- Vai ver o Malik? – Escutei ela rir do outro lado da linha.
- Vou ver o Nialler. – Provoquei-a.
- HEY! – %Abi% gritou e eu agradeci por não estar com o telefone na orelha. – Ele é meu, ok? Se contente com o seu moreno e deixe o meu loiro em paz.
- Vou tentar... Mas você sabe que eu não resisto àqueles olhos azuis.
- Se quer olhos azuis se olhe no espelho! – Ela reclamou e eu ri alto.
- Tá bem, ruiva. – Terminei de me vestir e tirei o celular do viva-voz. – Te vejo daqui a pouco, ok? Vista algo quentinho, pois hoje está frio.
- Certo, mãe. – Nós duas rimos. – Mande um beijo para os meninos.
Desligamos e eu pude sair do banheiro. Aproveitando que já estava no terceiro andar, fui em direção à sala dos meninos. Eu já sabia onde todas as salas ficavam e era difícil eu me perder. Quem diria que aquela menina que não sabia por onde andar na primeira semana de aula estaria se saindo tão bem um mês depois. Cheguei até a porta da sala de música e espiei pela parte de vidro. Os meus dois amigos e o professor Ed Sheeran estavam rindo de alguma coisa. Bati levemente na porta depois de ter certeza que não estaria atrapalhando nada. Os três olharam na minha direção na mesma hora e me chamaram pra entrar.
- Bonjour! – Os cumprimentei assim que entrei na sala.
- Bonjour, mon chéri. – Zayn foi o primeiro a levantar e vir na minha direção com um sorriso.
- Eu já falei que amo quando você fala francês? – Sorri abracei o mais alto pelo pescoço.
- Não, mas é bom saber. – Seu sorriso aumentou e ele me envolveu pela cintura, deixando alguns beijos rápidos nos meus lábios.
- Nós deveríamos ter falado com ela primeiro. Agora os dois não vão se soltar. – Niall falou para Ed e eu acabei rindo, me separando de Zayn.
- Você sabe que é o meu loiro preferido, Nialler. – O irlandês se levantou e eu o abracei.
- Ainda bem! – O menino riu e eu passei para o último.
- E você é o meu ruivo preferido, Ed. – Também o abracei.
- Aposto que sou o único que você conhece. – Brincou, mas era meio que verdade, já que ele era o único ruivo que eu conhecia.
- Isso é detalhe!
- Além do mais, só eu posso ser o preferido dela. – Zayn passou os braços em volta dos meus ombros de forma possessiva.
- E você é, Malik. – Sorri e olhei pra ele, roubando um selinho em seguida.
- Vai assistir a essa aula com a gente? – Perguntou-me depois de retribuir o selinho. – Você é sempre bem vinda aqui, %Tah%.
- Eu sei disso... Mas vou sair com a %Abi%, então só passei aqui pra dar um oi pra vocês. – Fiz um pequeno bico. Eu queria poder ficar por ali, mas não tinha como.
- Eu posso te deixar na casa dela. – Zayn me balançou de um lado para o outro devagar, ainda sem me soltar.
- Eu vim de carro, então não precisa.
- Só me diz não! – Me soltou finalmente e se afastou, fingindo estar chateado.
- Zayn! – Fui atrás dele, rindo. – Me pede algo mais fácil que eu te digo sim!
- Me liga quando chegar em casa? – Virou de frente pra mim novamente.
- Claro que sim.
+++ - Get in, loser. We’re going shopping! – Me senti a própria Regina George ao parar o conversível na porta do prédio de %Abigail%. Ela já estava me esperando por ali e riu da minha cara.
- Eu já falei que amo o seu carro? – %Abi% sorriu e pulou para dentro do carro sem nem abrir a porta. A capota estava abaixada, então ela não teve dificuldade. – E eu sempre quis fazer isso! Me sinto em uma série de TV americana!
- Se estivermos em Gossip Girl, eu sou a Serena. – Ri da animação da minha amiga e dei partida no carro.
- Eu sou a Blair então? Ela é diva! – Arrumou os óculos escuros nos olhos e fez uma cara de metida.
- Imagino o Niall falando: “Eu sou... Chuck Bass.” – Gargalhamos alto. Sim, nós duas éramos muito idiotas quando estávamos juntas.
Rodamos alguns quilômetros até achar uma loja de fantasias que parecesse de boa qualidade e eu estacionei o carro. %Abi% foi a primeira a descer, já tagarelando sobre as ideias que teve para sua fantasia e pedindo a minha opinião. Nós entramos na loja e uma moça bem bonita veio nos atender. A ruiva logo a dispensou, falando que eu era toda a ajuda que ela precisaria e me senti levemente envergonhada. A moça só estava fazendo o trabalho dela, oras! Antes de se afastar, a funcionária nos deu uma dica e falou para subirmos até o segundo andar, porque lá era onde as melhores fantasias estavam. A agradecemos e partimos para a escadinha bem escondida no fundo da loja.
Ao chegarmos ao final da escada em espiral, encontramos um mar de fantasias. Várias araras atoladas das mais variadas roupas coloriam o depósito. Eu tinha certeza que encontraríamos todos os tipos de coisa ali dentro e meus olhos brilharam. Sabia que não estava ali por mim, até porque a minha fantasia já estava bem guardada no closet, mas não resisti a um sorriso.
- Vamos à luta! – %Abi% partiu para um lado e eu a segui.
- Você pelo menos tem alguma ideia do que quer, %Abi%? – Perguntei-a, começando a vasculhar entre os cabides. Seria mais fácil encontrar o que estava procurando se soubesse o que estava procurando.
- Quero algo sexy e criativo. – Ela também passava de uma fantasia para a outra.
- Eliminou bastante! – Rolei os olhos.
Nós duas ficamos atravessando de um lado para o outro e eu mostrava algumas fantasias que achava interessante. Claro que %Abi% recusava todas. Encontrei fantasias que iam desde Sininho até Darth Vader. Ofereci uma fantasia de Ariel e até falei sobre as duas serem ruivas, mas ela rejeitou. Disse que achou legal a parte de escolher uma ruiva, mas que uma sereia seria muito simples. Pois é, eu também não concordo com ela, mas fazer o que? %Abigail% foi para uma arara e eu a acompanhei, ficando do outro lado da mesma arara.
- %Abi%... – Queria contar pra ela sobre a declaração de Liam no meu banheiro.
- Sim? – Me olhou por cima dos cabides.
- O Liam disse que gosta de mim. – Falei rápido. Ficar enrolando só iria piorar.
- Qual a novidade? – Deu de ombros. – A gente já sabia disso.
- Sim, mas dessa vez ele falou diretamente pra mim. Sem enrolar. Me olhando nos olhos.
- SÉRIO? – Finalmente ela demonstrava alguma emoção. – O que ele disse? O Z. escutou?
- Sério... – Suspirei. – Ele falou que gosta de mim e que não vai desistir, mesmo sabendo que eu estou com outro. E é claro que Zayn não sabe disso... Eu fiquei com medo de contar e ele se afastar. Pra piorar, Liam cantou uma música que supostamente escreveu pra mim e que fala sobre uma menina que ele amou primeiro, mas que já é de outro. E o Zayn escutou, mas acho que não percebeu nada, porque o resto do dia acabou bem...
- Uau. – %Abi% digeria aquelas informações. – E você se sentiu balançada com o que o Liam falou?
- Na hora eu achei que sim... – Parei um pouco de olhar as fantasias e fitei a minha melhor amiga. – Mas depois que eu vi o Zayn... Tudo se encaixou.
- Isso é bom, %Tah%... – %Abi% sorriu. – Posso te fazer uma pergunta, mesmo que já saiba a resposta?
- Claro.
- Você está... Apaixonada pelo Zayn? – Perguntou finalmente.
Eu não gostava de usar palavras tão fortes para definir, mas %Abi% tinha feito exatamente aquilo. Talvez por medo de me iludir, ou de me precipitar. O caso é que nem na minha própria cabeça eu usava a expressão “estar apaixonada.” Mas chega um ponto em que a pessoa não pode mais fugir, sabe? Não pode se enganar com algo que já é óbvio. %Abi% sabia a resposta para aquela pergunta e eu também.
- Sim, %Abi%... – Respondi com a voz trêmula, olhando para um ponto fixo no nada.
- Isso é tão fofo! – A baixinha atravessou as fantasias da arara para chegar no mesmo lado que eu estava e me abraçou. – Quando você vai contar a ele?
- Ahn, nunca? – A abracei de volta, mas já cortei o seu barato. – E você também não vai, %Abigail%!
- Tá bem... Mas então vocês nunca vão falar sobre isso?
- Eu não sou adivinha, %Abi%. – Bufei. – Só não quero acabar falando demais e estragar tudo. Eu estou gostando do jeito que estamos agora... E além do mais, não sei se ele sente o mesmo. Então vai que eu assusto o garoto? Não mesmo!
- Mas e se ele também estiver apaixonado por você?
- %Abi%, você já olhou pra mim? – Parei com as mãos na cintura. – Eu sou só uma garota normal e sem graça. Já ele...
- Pode parar por ai. – Me repreendeu. – Vocês já se viram juntos? Todo mundo já notou que vocês dois são um casal, %Tah%. Vocês combinam.
Rolei os olhos tentando ignorar a ruiva. Me afastei um pouco fingindo procurar alguma coisa, mas na verdade eu só queria que aquele assunto acabasse. Não queria ter que ficar escutando que eu era “boa suficiente” pra ele ou que existia a possibilidade de Zayn ter se apaixonado por mim. Tudo que eu queria era encontrar logo a fantasia de %Abi% para que pudéssemos ir comer.
+++ - Eu ainda não acredito que você achou essa fantasia, %Tah%! – %Abi% me agradecia com felicidade enquanto nós duas entrávamos no restaurante. – Eu vou ficar linda e super sexy!
- Você sempre está linda e super sexy! – Ri da minha frase, tentando parecer o menos lésbica possível. – Mas o Niall vai amar. Porque vocês dois não vão fantasiados como um casal?
- Eu pensei nisso, pra falar a verdade. – Sentamos em uma mesa perto da parede de vidro que dividia o lado de dentro do restaurante e o de fora. – Mas ele já escolheu a fantasia que vai usar na sexta. E não, ele não me falou.
- Mas o certo é não falar mesmo! – Comecei a olhar o cardápio.
- Eu devia te bater por ter ideias assim!
%Abi% também pegou o cardápio dela e demoramos muito para decidir os nossos pedidos. Quando falo “muito” eu quero dizer realmente muito. O garçom foi e voltou para a nossa mesa três vezes até termos decidido. Eu pedi um prato com sushi e %Abigail% preferiu um peixe frito com batatas. Agora me responda uma coisa: Quem pede pra ir a um restaurante japonês e pede peixe frito? É, só ela mesmo. Mas como eu não sou de reclamar, cof cof, deixe-a ser feliz e pedir sua fritura. Também pedimos sucos de sabores diferentes que logo foram servidos em taças bem enfeitadas com pedacinhos de fruta.
- Quando será que vão revelar os resultados da peça? – %Abi% perguntou casualmente e eu quase engasguei com o meu suco.
- Não sei... Mas também não me importo. – Fiquei brincando com o canudinho e ela percebeu que aquele ainda era um assunto delicado pra mim.
- Desculpa, %Tah%... Não falei sobre isso por mal...
- Sei disso, %Abi%. E não precisa se preocupar. – Tentei fingir que não me importava, mas foi difícil. – Eu estou feliz por você e pelos meninos... Porque tenho certeza que vão conseguir os melhores papeis.
- Mas e você? – Ela me olhava tentar pegar um pedaço de laranja que tinha escapado da borda do copo.
- Eu vou estar na plateia pra aplaudir vocês. – Forcei um sorriso. – Ano que vem eu tento de novo...
O assunto foi interrompido assim que o garçom voltou com os nossos pratos. Meu sushi parecia muito apetitoso e eu até salivei. A diferença entre a minha comida e a de %Abi% era óbvia. Enquanto o meu prato estava dividido em pequenas porções coloridas, o dela estava coberto por um filé de peixe e muita bata frita.
- Você é tão elegante, %Abi%! – Ri enquanto a ruiva enchia a boca de bata frita.
- Blaaaaah. – Ela abriu a boca cheia de comida e eu olhei em volta, torcendo para que mais ninguém estivesse admirando aquela cena.
- Eeeeeeeeew! Para com isso! – Tive que rir e ela acabou fazendo o mesmo, o que quase causou a sua morte por engasgamento. – Além de ser nojenta ainda não sabe mastigar!
- Cala a boca, sua chata! – %Abi% reclamou comigo enquanto ainda tentava recuperar o ar.
- Ora você me ama por achar a melhor fantasia pra você, ora me chama de chata! Quem entende?
%Abigail% me respondeu mostrando o dedo do meio e um casal de velhinhos que estava na mesa ao lado da nossa a repreendeu com o olhar. Preciso falar que ri ainda mais depois disso? Achei que não. De qualquer forma, nós duas seguimos com o nosso almoço em paz e os assuntos mais variados foram surgindo, como os planos para juntar os nossos cinco meninos em uma banda, ou sobre como seria a festa de sexta feira... E é claro que o tópico “Zayn” apareceu várias vezes, principalmente por %Abi% ficar repetindo que eu havia admitido que estava apaixonada por ele.
- Você não acha que é rápido demais? – Perguntei em um suspiro, finalmente largando meu hashi de lado. – Quero dizer... Eu não o conheço há tanto tempo assim.
- %Star%, dá pra parar de pensar assim? Eu também “não te conheço há tanto tempo assim”, mas já tenho certeza que você é a minha melhor amiga e o amor da minha vida. – Fez aspas no ar e me fez rir do seu exagero. – E nem venha me falar que é diferente, porque não é. Quando as coisas são feitas pra dar certo, elas simplesmente dão.
- Então me desculpe, senhorita sabe tudo!
- De qualquer forma, é normal ter um pé atrás, então não precisa se desculpar. – %Abi% sorriu pra mim de forma companheira. – Também é normal se apaixonar por alguém que está tão próximo de você. Não é como se fosse amor, certo?
- Certo. – Respondi já um pouco mais aliviada. Talvez se apaixonar não seja algo tão complicado quanto eu estava achando e talvez não precisasse de anos de convivência para sentir um sentimento mais forte que apenas amizade. De fato não era amor... Talvez um dia esse sentimento viesse a nascer, mas quem pode falar ao certo, né? – Obrigada, %Abi%. Você sempre sabe o que falar pra me deixar bem. Até parece o meu avô.
- Sério? Então eu quero conhecer esse senhor tão genial quanto eu. – Brincou e me arrancou uma risada. Eu até podia imaginar os dois entretidos em uma conversa filosófica. Foi só pensar em Charles que meu coração apertou de saudade.
Depois de mandar a minha dieta –inexistente, diga-se de passagem– para os ares com um pedaço gigantesco de torta de chocolate, nós duas pagamos a conta e deixamos o restaurante para trás. Os velhinhos olharam para a minha amiga da mesma forma de antes, enquanto saíamos, e dessa vez eu apanhei por rir.
Deixei %Abigail% em casa e segui o meu próprio caminho em seguida. O meu relógio de pulso marcava 15h30min quando eu entrei na minha própria casa. O lugar estava completamente vazio, o que era até um pouco triste. Eu já estava acostumada a nunca ficar sozinha, então não sabia muito bem o que fazer. Resolvi ir para a sala e assistir um pouco de TV até alguém chegar, mas o que acabou chegando foi o sono.
+++ A televisão ainda estava ligada quando eu acordei com o meu celular apitando em cima da mesinha de centro da sala. Eu levei um susto tão grande que quase caí do sofá. “Nossa, eu preciso mudar esse alerta de mensagem.” Pensei ao coçar os olhos e tentar acordar direito. Se fosse uma ligação eu teria me desesperado para atendê-la, mas como era apenas uma mensagem, quem quer que fosse poderia esperar cinco minutos. Me espreguicei e bocejei duas vezes até conseguir me mexer e sentar no sofá para poder esticar o braço e pegar o meu iPhone.
“Tah, de quantas aboboras você precisa mesmo? – Lou.” Era o que dizia a mensagem. Por um momento achei que ele estava ficando louco, mas foi aí que eu me lembrei do que ele estava falando. Eu pedira pra ele trazer algumas aboboras pra casa quando estivesse voltando do trabalho. Iria esculpir algumas delas para usar na decoração da festa de Halloween e sabia que ao lado da agência em que ele trabalhava havia uma loja com as melhores.
“12. Grandes de preferência. Love you. xxxxxxxx” Eu sabia que era uma quantidade grande, por isso exagerei na quantidade de “x”. Talvez aquilo amolecesse o coração de meu irmão e ele não se importasse em carregar tantas aboboras pra cima e pra baixo. Mesmo que Zayn insistisse em comprar as aboboras já prontas, eu queria fazer pelo menos algumas. Além de ser divertido passar o dia inteiro fazendo aquelas obras de arte, nós já estávamos comprando muita coisa pronta.
Por falar em Zayn, eu havia prometido a ele que ligaria assim que chegasse em casa, mas ainda não havia o feito já que peguei no sono antes de realmente fazer qualquer coisa. Aproveitei que estava com o celular na mão e procurei o nome dele na minha agenda de contatos.
- Vas happening, %Tah%? – Depois de três “beeps” Zayn atendeu a minha ligação daquele mesmo jeito de sempre.
- Vas happening, Zayn. – Respondi mesmo sem saber se aquele era o jeito certo de usar aquela expressão. Coloquei as pernas para cima do sofá e deitei novamente.
- Olha só, você está pegando o jeito! – Ele riu. – Estava com a %Abi% até agora?
- Na verdade, eu cheguei em casa há algumas horas, mas acabei pegando no sono, sabe como é... – Rolei os olhos para mim mesma e me senti idiota por não conseguir tirar um sorriso do rosto. Como aquele garoto me deixava assim só por escutar a sua voz? – Achar uma fantasia pra ela foi mais fácil do que a gente pensava.
- E você não vai me contar qual é a sua, certo?
- Certo! – Soltei uma risada baixa.
- Se eu estivesse na sua frente, tenho certeza que me contaria. – Zayn falou e eu tive certeza que ele estava levantando uma das sobrancelhas, cheio de segundas intenções.
- Como pode ter tanta certeza? – Parei de rir, mordendo o meu lábio inferior já imaginando as formas de persuasão que ele poderia usar para me arrancar informações.
- É simples, %Tah%. Você não resiste ao meu charme. – O menino disse e eu acabei rindo mais uma vez. – Ei, para de rir! Não é uma piada. Eu estou falando sério!
- Tá bem, Malik, continue se iludindo. – Gargalhei alto, tirando uma com a cara dele.
- Não estou me iludindo! É você que pensa que me engana. – Ele estava sorrindo do outro lado da linha, eu sabia disso.
- Enfim! – Cortei o assunto antes que eu falasse alguma besteira por estar imaginando demais aquele sorriso perfeito. – Está tudo certo para a festa na sexta?
- Está sim! Minha mãe vai embora na quinta e as encomendas foram confirmadas. Aliás, %Tah%... Eu queria te pedir um favor.
- Claro, pode falar. – Preciso dizer que aceitaria qualquer coisa que ele me pedisse àquela altura?
- É que algumas entregas estão marcadas para a manhã e como eu vou estar na aula, não vai ter ninguém em casa pra receber. – Onde ele estava querendo chegar com aquilo? – Então eu estava pensando... Quem poderia fazer isso por mim?
- E é claro que você pensou em mim, já que eu tenho a sexta feira livre de aulas. Acertei?
- Que bom que você aceitou, %Tah%. Amanhã eu te entrego uma chave extra e te explico tudo. – Zayn encerrou o assunto mesmo que eu não tivesse aceitado ainda.
Então, aparentemente, Zayn me emprestaria a chave da casa dele para que eu ficasse sozinha lá esperando as entregas para a festa. Ou ele tinha ficado louco de vez, ou realmente confiava em mim. Eu preferia acreditar na segunda opção. Antes que eu pudesse negar e falar que era responsabilidade demais pra mim, a porta da casa se abriu e eu escutei Louis gritando o meu nome. Provavelmente precisava de ajuda com as aboboras.
- Já vou, Lou! – Tapei o meu celular com a mão para não deixar Zayn surdo e respondi o meu irmão. – Não, não foi com você, Zayn. É que os meninos acabaram de chegar aqui com as aboboras que eu vou esculpir.
- Você realmente não mudou de idéia, né? Eu já te disse que poderíamos ter comprado prontas e...
- Shh, Malik! – O repreendi. Não queria entrar naquela discussão de novo. – Eu tenho que ir, ok?
- É o Zayn? – Louis gritou do hall de entrada, colocando duas aboboras grandes no chão. – Fale que eu mandei oi.
- Aliás, meu irmão está mandando “oi”. – Ri. Até que eles estavam se tornando bons amigos.
- Mande outro! – Zayn respondeu animado. – Ele vai pra festa, né?
- Sim, todos os meninos vão. E eu nem precisei obrigar ninguém!
- Ótimo. Oh... Eu vou te deixar ir agora, ok? Boa noite, %Tah%, te vejo amanhã.
- Até amanhã, Malik. – Desliguei o celular com um sorriso bobo.