Capítulo XVI
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Era terça feira à noite, véspera dos testes para a peça do semestre. Eu estava na casa de %Abi% e iria dormir lá para irmos juntas no dia seguinte. Já havíamos estudado e ensaiado várias cenas do livro/filme Romeu e Julieta e eu já não aguentava mais. Estávamos no quarto dela e eu a assistia encenar pela décima vez a parte que iria apresentar. Mas é claro que eu estava distraída brincando com Félix, o gatinho persa da minha amiga. Ele era uma bola de pelos e muito carinhoso. Não parava de se esfregar no meu joelho, como se estivesse me pedindo carinho. E é claro que eu sempre coçava atrás da sua orelha e o escutava ronronar.
- E então, achou essa versão melhor do que aquela? – Ela me perguntou ao terminar a sua encenação.
- Hum? – %Abi% iria me matar por não ter prestado atenção, tenho certeza.
- %Star%! Você não prestou atenção em nada do que eu falei? – Colocou as mãos na cintura e me encarou.
- Claro que prestei atenção! Mas você vai se sair muito bem de qualquer jeito, então não precisa ficar se matando assim. Você tem um dom para essas coisas que eu queria pegar emprestado. – Cruzei os braços e Félix levantou a cabeça na minha direção. – Gostaria que me emprestasse esse gatinho também.
- Ele só é assim com você, porque eu tenho certeza que já achei um papel onde ele planejava a minha morte. – %Abi% se sentou ao meu lado e o gato saiu correndo quase na mesma hora. Eu gargalhei e ela me lançou um olhar mortal. – Mas voltando ao que interessa... É claro que eu vou me dar muito bem. E você também.
- Duvido muito. – Coloquei um travesseiro atrás da minha cabeça e relaxei, já me sentindo em casa. – Mas pensamento positivo!
- É assim que se fala. – Fez sinal de figas com os dedos e se levantou. Eu a observei sentar em frente ao computador dela e abrir na página do Twitter.
- Niall vai fazer o teste também? – Perguntei distraída, mudando a minha atenção para o teto.
- É claro que vai! Mas ele é como eu... Não gosta dos papeis com muita concorrência. Acho que tinha se decidido por Mercúrio. – Ela voltou para a cama e trouxe a câmera consigo. – Vem cá, vamos tirar uma foto pra eu postar.
- Foto? – Me exaltei. – Meu cabelo está horrível, %Abi%. Nem vem!
- Deixa de frescura, idiota. Os meninos é que estão pedindo!
Mesmo que eu continuasse me negando a tirar aquela bendita foto, %Abi% a conseguiria de qualquer jeito. Ela tinha um poder de persuasão que me impressionava. Rolei os olhos em concordância e ela se sentou ao meu lado. Mirou a câmera em nossa direção e eu a abracei de lado, sorrindo. O flash machucou os meus olhos e eu fiz uma careta que, por sorte, não foi fotografada. Resmunguei um “tira essa luz assassina” e ela riu, mudando algo na configuração da câmera.
- Não gostei dessa, vamos tirar outra. – Ela reclamou sem nem ao menos me deixar ver a foto.
- Vou começar a cobrar. – Resmunguei mais uma vez e nós duas rimos.
Então tiramos a segunda foto, onde eu fiz uma careta e ela mostrou a língua. Na terceira, %Abi% estava me dando um beijo na bochecha e eu fazia cara de “eca”. Quarta: Nós duas em frente ao espelho fazendo “pose de Brigitte”. Quinta: Nós duas rindo e olhando uma para a outra; o que mais gostei naquela foto é que meu dedo bateu sem querer no botão e a foto nos pegou de surpresa, ficando bem espontânea. Sexta: Eu fazendo uma pose dramática. Sétima: Nós duas pulando em cima da cama. Oitava: Félix tentando se livrar do abraço da dona enquanto eu ria. O que era pra ser uma foto se tornou um photoshoot. Tiramos aproximadamente vinte e cinco fotos e a minha barriga doía de tanto rir. Ela foi procurar o cabo USB e eu me sentei em frente ao computador. Queria postar alguma coisa embaraçosa como se fosse %Abi% falando, mas nada vinha na minha cabeça. Sim, eu era terrível em fazer meus amigos pagarem mico.
“O que fazer quando cabelo ruivo pintado em farmácia começa a desbotar” E apertei enter. Em seguida digitei outro: “Ops, aqui não é Google.”
%Abi% ficaria puta porque não havia nada que ela idolatrasse mais do que seu cabelo naturalmente ruivo. Eu comecei a rir das respostas que “ela” estava recebendo por causa da minha brincadeira e a própria entrou no quarto.
- Por que você está rindo?
- Por nada... – Tentei disfarçar, mas %Abi% correu até mim e começou a procurar o que eu tinha feito em seu Twitter.
- EM FARMÁCIA? – Ela gritou e eu gargalhei mais ainda. – %Star%, eu vou te matar!
- Para de frescura! Oh, o Niall ta te defendendo. – Apontei para a tela do computador onde Niall twittara: “@%stargirl% difamando a minha menina @%abigail_%. Não acredite em tudo que lerem #realredhead” – Como ele sabia que era eu?
- Porque ele já teve provas de que eu sou ruiva natural. – Ela me olhou com uma cara de safada que eu só podia rir. – E sabe que você está aqui, então juntou dois mais dois.
- Não é justo! – Fiz um bico e ela me expulsou de sua cadeira. Não tive outra escolha a não ser voltar para a cama.
Peguei o meu iPhone entrei na minha própria conta do Twitter. Tinha que ficar de olho para o caso de ela começar a postar coisas ao meu respeito também. %Abi% logo passou as nossas fotos para o computador e abriu um programa para editar fotos. Ela não adicionou efeito algum, mas fez uma montagem com três fotos nossas: A que ela estava beijando o meu rosto, nós duas pulando na cama e aquela espontânea que era a minha preferida. Logo postou e adicionou a legenda:
“Girl’s night com a minha @%stargirl% #bff #ihateyou” Até que não foi uma má ideia tirarmos aquelas fotos, já que eram as primeiras de nós duas juntas. E com certeza eu queria registrar aquele momento, por mais simples que fosse. Aproveitei para comentar:
“#loveyoutoo melhor forma de acalmar os nervos na véspera de um teste importante? #sleepover na casa da sua melhor amiga.” Não demorou muito para recebermos alguns retweetts e mais pessoas comentarem. Uns amigos de %Abi% falaram que ela estava linda, outros perguntaram quem eu era e até Harry comentou.
“@Harry_Styles: Minhas duas garotas preferidas.”
“@NiallOfficial: Uma história de amor e ódio.”
“@Louis_Tomlinson: @%stargirl% vai quebrar a sua cama ” Acabamos rindo de todos os comentários, até mesmo do de Louis. Mais RT foram chegando e eu comecei a me sentir bastante popular. Para %Abi% aquilo devia ser normal, mas pra mim – que só tinha 50 followers – era algo muito emocionante.
- Viu quem comentou agora? – Ela me perguntou e eu mandei meu Twitter atualizar.
“@Real_Liam_Payne: Sinto a sua falta, @%stargirl%. Como vai dormir sem seu chá? x” Senti um frio gostoso na barriga e acabei sorrindo. %Abi% me olhou e eu entendi exatamente o que ela estava pensando. Antes de começarmos a ensaiar eu havia contado tudo que tinha acontecido, incluindo a noite inocente de filmes até o que Louis me falou no carro. Ela ficou se achando ainda mais e voltou a repetir aquela frase: “Eu sempre estou certa!” Quase na mesma hora em que eu respondi mais um comentário apareceu.
“@%stargirl%: Se eu não conseguir dormir, @Real_Liam_Payne vou te ligar no meio da madrugada pra trazer pra mim. xx”
“@zaynmalik: Linda como sempre @%stargirl% e a pequena @%abigail_% . Pensando seriamente em invadir uma festa do pijama.” - Isso é novo... – Suspirei com aquele elogio de Malik. – Desde quando ele diz que eu sou linda?
- Há muito tempo antes de você descobrir. – Piscou pra mim. – E parece que o Twitter vai virar um campo de duelo...
“@Real_Liam_Payne: Posso até ir agora...”
“@zaynmalik: Deixe a porta aberta @%abigail_% #onmyway” Nós duas nos entreolhamos. Os dois estavam, em teoria, brigando pra ver quem viria nos ver. Ou me ver. Zayn seria bem capaz de já estar pegando a chave do carro e Liam com certeza traria o meu chá. Não seria legal ter os dois no mesmo lugar, já que Liam supostamente gostava de mim e Zayn havia me chamado de “linda como sempre”.
“@%abigail_%: Essa é uma noite só de garotas, então MENINOS não são permitidos @Real_Liam_Payne @zaynmalik serve pra você também @Niallofficial.” %Abi% parecia ter lido os meus pensamentos e impediu qualquer um de vir nos ver. Além do mais, já era bem tarde e teríamos que acordar cedo no outro dia. Minha amiga se despediu de todos e foi ao banheiro escovar os dentes; o que por sorte eu já tinha feito. Enquanto isso, fui arrumando a cama dela, onde nós duas iríamos dormir. Eu já estava bem enrolada no cobertor quando peguei meu celular para também avisar que já estava indo dormir.
“Boa noite, todo mundo. Espero que @%abigail_% não se mexa muito durante a noite, porque vamos dormir juntas. ps: morra de inveja @NiallOfficial.”
“Volto pra casa amanhã e tomaremos chá juntos, ok @Real_Liam_Payne? xx”
“@zaynmalik Boa noite, badboy.” Saí do Twitter antes que qualquer um pudesse responder e começar uma conversa. Eu precisava dormir, porque o dia seguinte seria tenso. Ninguém teria aulas, então poderíamos acordar um pouco mais tarde, já que os testes só começariam depois das 10hrs da manhã. Eu pretendia estar o mais relaxada possível e repassava uma parte do texto na minha mente. %Abi% voltou para o quarto e se deitou ao meu lado. Eu me preparava pra dizer “boa noite” e ela apagou a luz e me perguntou:
- Liam ou Zayn?
- Como assim, %Abi%, ficou louca? – Gargalhei.
- Você entendeu... Se tivesse que escolher entre os dois, quem seria? E não adianta negar, porque eu vejo a sua cara quando está perto dos dois. – Será que eu era óbvia assim?
- Não quero responder.
Eu me sentia atraída pelos dois, é claro. Mas não morria de amores por ninguém e estava muito bem do jeito que estava; sozinha. Tudo bem que seria ótimo ter uma companhia masculina mais íntima pra dividir as emoções e até mesmo pra matar algumas vontades acumuladas pelo tempo. Mas a minha última relação não acabou nada bem, então eu me proibi de me envolver demais com qualquer um desde então. Ou era o que eu gostava de acreditar. Para a minha consciência era bom eu achar que era forte e que iria me segurar bastante antes de mergulhar de cabeça e um sentimento que poderia não dar em nada. Mas era só um olhar mais intenso de Zayn, ou um carinho de Liam que eu ficava arrepiada. E, acredite, odiava isso.
- Eu não sei... – Finalmente desisti de me segurar e comecei a falar o que vinha me perturbando. Deveria ser bom colocar essas coisas pra fora, principalmente confiando em alguém como eu confiava em %Abi%. – Os dois são tão diferentes, sabe? O Liam é fofo e divertido e nós podemos conversar por horas. E ele é carinhoso demais... Mas falta alguma coisa, sabe? E O Zayn tem aquela atitude de badboy que ao mesmo me irrita e me atrai. Mas eu acredito que tem algo escondido dentro dele, algo que eu já vi algumas vezes, mas bem rápido... Então os dois são opostos.
- Uau. – Eu não podia ver, mas sabia que ela estava sorrindo. Eu suspirei depois de desabafar tudo aquilo e realmente tinha sido bom. As coisas começaram a fazer sentido na minha cabeça. – Vamos ver o que o tempo vai mostrar, ok?
- Esse é o meu lema de vida! – Brinquei. Sentia que ela estava se segurando pra não me contar alguma coisa, mas nunca gostei de insistir.
- Boa noite, %Tah%...
- Boa noite, mon chéri.
+++ Nós acordamos com o alarme do meu celular tocando às nove horas da manhã. Cada uma teve dez minutos no banheiro para tomar banho e trocar de roupa, já que não queríamos nos atrasar. A mãe de %Abi% preparou um café da manhã tão maravilhoso que eu percebi o quanto comia mal em casa. Tinha bolo de milho, scones de todos os tipos, cookies, omeletes... Ela deve ter ficado achando que eu era uma morta de fome, porque comi de tudo. Só saí da mesa quando %Abi% gritou que iríamos chegar tarde se não fossemos logo. Depois de ameaças e xingamentos, levantei da mesa e agradeci à senhora %Dashwood% pela hospitalidade.
%Abi% e Harry tinham algo em comum: Ambos gostavam de dirigir rápido. Por esse motivo, não demoramos muito para chegar até a Academy. O céu estava aberto e o dia não estava tão frio quanto o normal. A falta de chuva fez o transito ser menor e aquilo me agradou muito. Odiava ficar meia hora parada no mesmo lugar. %Abigail% estacionou o carro e encontramos várias pessoas fantasiadas. Literalmente fantasiadas como os personagens da peça. Eu particularmente achei que aquilo já era forçar muito a barra e %Abi% devia concordar comigo, porque não parava de rir de uma menina com uma fantasia horrível de Julieta.
Os testes seriam no auditório e eu torcia pra que fossem acontecer por ordem de chegada, já que queria me livrar logo daquele nervosismo que me consumia. Seguimos pelo caminho que eu já conhecia bem e não havia sinal de Niall ou Zayn. Apesar de duvidar muito que Zayn fosse comparecer aos testes, algo dentro de mim sentia vontade de vê-lo.
- Está procurando alguém? – %Abi% deu um risinho quando entramos no auditório e me viu correr os olhos pelas cadeiras ocupadas.
- A diretora. – Menti. Aquele era o lugar onde eu havia visto Zayn pela primeira vez e era meio difícil entrar ali e não esperar vê-lo.
- Claro. – Ironizou.
Puxei %Abi% pela mão e caminhamos até a primeira fila de cadeiras. Ela reclamou que só os nerds sentavam na frente, mas eu não dei ouvidos. Queria ser vista pelos professores e principalmente pelos diretores. Eu balançada a perna direita pra cima e pra baixo, nervosa. Imagina se os testes fossem acontecer na frente de todos os outros? Eu teria um ataque do coração. Estava acostumada a dançar na frente de quantas pessoas fosse, desde que não precisasse falar nada. Quando o auditório já estava mais ou menos cheio, a diretora Agnes subiu no palco e procurou o microfone.
- Bom dia, alunos. Vamos logo ao que interessa, pois não tenho tempo a perder. – Séria como sempre, ela andava de um lado para o outro e olhava nos olhos de todos os alunos mais próximos; inclusive os meus.
- Vamos todos virar pedra. – %Abi% sussurrou na minha orelha e eu segurei o riso.
- Os testes irão funcionar da seguinte maneira: Em grupos de cinco pessoas vocês irão vir para o auditório e cada um vai se apresentar enquanto os outros assistem. Depois que se apresentarem, devem deixar o telefone e e-mail para contato com o professor Sheeran, para que possamos avisar caso sejam chamados para o callback amanhã. Vamos ao que interessa?
Alguns professores afirmaram que sim e a diretora falou alguma coisa com o professor ruivo que eu tinha visto na sala com Zayn aquele dia. Ele olhou em minha direção e afirmou alguma coisa que eu não entendi o que era. Agnes mandou todos se retirarem e assim que %Abi% e eu nos levantamos para também sair, o ruivo nos fez parar.
- Vocês podem ficar. Já que estavam na frente, serão as primeiras. Me chamo Ed e estarei acompanhando vocês durante todo o processo. – Eu congelei e %Abi% quis me matar. Outras três meninas que estavam ao nosso lago também não gostaram muito da notícia. Acho que eu fui a única a me animar, já que ficaríamos livres logo.
Esperamos o auditório ficar vazio e nos sentamos na segunda fileira, porque a primeira foi ocupada pelos professores. Ed nos perguntou quem gostaria de começar e como mais ninguém iria se oferecer, eu levantei o braço. Ele me chamou para o palco e assim que eu me levantei, Agnes me fez parar.
- Quero que a senhorita Tomlinson seja a última. – Pronto, era só o que faltava. Voltei a me sentar e uma menina alta se ofereceu para ir no meu lugar.
%Abi% segurou a minha mão, provavelmente querendo me acalmar. Eu não sabia se ser a última daquele grupo seria algo bom ou ruim. Como não tinha escolha, decidi que esperaria pra ver. A menina subiu no palco e se apresentou. Seu nome era Alissa e ela queria o papel de Julieta. Pegou o microfone e começou a cantar uma música que eu não conhecia, mas que praticamente contava a história de Romeu e Julieta. Em pouco mais de cinco minutos a menina terminou e ninguém se manifestou. Eu teria começado a aplaudir, mas preferi imitar os outros.
Minha amiga foi a segunda a subir no palco e ela foi simplesmente perfeita. Recitou tudo perfeitamente e sua linguagem corporal era bem melhor interpretando do que dançando. Realmente %Abi% estava no curso errado. A terceira se foi... E a quarta também. Preciso dizer que, além da minha amiga, todas as outras queriam o mesmo papel que eu e nenhuma me impressionou tanto. “Nunca subestime seu concorrente” era o que eu tentava manter em minha cabeça.
- %Star%, só falta você. – A professora Holly me pediu pra ir até o palco. O seu sorriso reconfortante me deu um pouco mais de confiança.
- Tudo bem... – Antes de me levantar, troquei os sapatos pelo meu par de sapatilhas de ponta que tinha trazido na bolsa.
- O que você está fazendo? – %Abi% sussurrou pra mim. Aquilo era novo, já que não tínhamos ensaiado nada que envolvesse a dança.
- Ficando confortável. – Sussurrei de volta e terminei de amarrar as fitas em volta do meu tornozelo.
Finalmente subi ao palco e olhei todos que estavam ali. %Abi% me dava força e sorria, sussurrando: “Eu sei que você consegue.” Holly também sorria e até mesmo Ed Sheeran. O professor Hofstheder me estudava criticamente e Agnes parecia querer ser surpreendida.
- Meu nome é %Star% Tomlinson e eu gostaria de interpretar Julieta, da casa dos Capuleto.
Sentir todos os olhares em cima de mim era um pouco assustador, mas eu tentei “ir para o meu lugar feliz.” Cheguei até o centro do palco e respirei fundo três vezes, fechando os olhos. Meu avô me ensinara essa técnica de relaxamento quando eu ainda era uma criança e tinha um trabalho pra apresentar na frente da sala inteira, mas estava com medo. Acabei sorrindo por lembrar da minha família e dos meus tempos de criança. O riso de Lux, o cheiro da torta de maçã com canela da minha avó, os abraços do meu pai, a argila molhada em minhas mãos quando eu tentava ajudar a minha mãe em suas obras de arte, as brincadeiras com Harry, implicâncias do meu irmão, carinhos de Liam, ciúmes de Niall e até mesmo da voz de Zayn cantando... De repente eu me senti leve. Como se não houvesse mais ninguém naquele auditório além de mim.
Meus braços se abriram como fossem asas e eu os balancei para trás, lenta e graciosamente. Senti o meu corpo flutuar e logo fiquei em cima da ponta dos pés. Estava de vestido e sem nenhuma roupa de ballet por baixo, mas aquilo não me impediu de dar um pequeno giro e levar os braços até o alto, formando um oval perfeito acima da minha cabeça. Minhas mãos voltaram para o centro do meu corpo e eu as observei descer enquanto fazia pequenas ondulações com os dedos. Desci da ponta, mas continuei dançando e trocando os pés de um lado para o outro. Minha postura era perfeita e eu parecia deslizar pelo palco. Tinha que recitar as minhas falas e não via forma melhor de fazer aquilo.
- Romeu, Romeu. Ah! Por que és tu, Romeu? Renega o pai e despoja-te do nome; ou então, se não quiseres, jura ao menos que amor me tens, porque Capuleto deixarei de ser logo... – %Abi% me ensinou que para dar credibilidade, eu deveria me colocar no lugar da personagem e sentir o que ela sentia. Minha dança sempre me ajudava a contar uma história e naquele momento não foi diferente. Os meus passos leves se tornaram mais firmes, como se eu estivesse em uma luta interna comigo mesma que, por um lado estava apaixonada por um inimigo, mas estaria disposta até mesmo a renegar a minha própria família. – Romeu, risca teu nome e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira.
Encerrei o texto e rodopiei uma última vez, em cima de um pé só, enquanto a minha outra perna foi dobrada e formava o número quatro. Assim que voltei a pisar com os dois pés no chão, cobri o rosto com as duas mãos, sem de fato encostar nele. Olhava pra baixo e estava quase ofegante. Eu podia não ser uma boa atriz, mas o ballet sempre me ensinou a passar para o público o que eu estava sentindo. Mais do que inesperadamente todos me aplaudiram; bem, quase todos. As meninas que se apresentaram antes de mim e %Abi% me aplaudiram de pé. Holly bateu palmas e sorriu, sentada mesmo. Ed tirou algumas lágrimas dos olhos e também fez o mesmo que os outros. Agnes acenou com a cabeça, parecendo satisfeita. E aquilo era o suficiente pra mim.
+++ Já era noite quando %Abi% me deixou na porta de casa. Nós duas passamos o dia inteiro sem fazer absolutamente nada de útil, apenas passeando de carro e parando em três Starbucks diferentes. Assim que cheguei em casa contei tudo para Louis e Liam, já que Harry não estava por ali. Eles foram positivos e repetiram que eu conseguiria o papel, mesmo que eu já estivesse nervosa por não ter recebido nenhuma ligação ou mensagem me chamando para o callback do dia seguinte, sendo que %Abi% já tinha recebido a dela.
- Você deveria ligar pra nana e contar como foi o teste, %Tah%. Eu falei com ela esses dias e contei que você estava nervosa. – Louis batucava nas minhas canelas enquanto eu estava deitada no sofá e com as pernas em cima dele.
- Você falou com ela e nem me disse? – Fiz um bico e levantei do sofá.
Não esperei a resposta do meu irmão e subi as escadas até chegar ao meu quarto. Meu celular estava em cima da mesinha de cabeceira, onde eu o havia deixado, e logo disquei um número que eu sabia de cor. Deitei no meio da cama e levei o aparelho até a minha orelha, esperando alguém atender.
- Oui? – Meu avô atendeu com aquele francês perfeito e eu senti uma pontada de saudade bem no meio do coração.
- Papa? Que saudade... – Era a primeira vez em um longo tempo que eu falava com ele, mas era como se estivéssemos nos visto no dia anterior.
- %Star%, mon petit. Como você está? – Ele devia estar sorrindo do outro lado e eu queria chorar.
- Eu estou muito bem, papa. E você? E a nana?
- Você sabe... A casa está vazia sem você, mas estamos bem. Eu acho que estou gripado, porque ando tendo essas dores de cabeça, mas não há nada com o que se preocupar. – Aquilo me alertou um pouco, mas ele não mentiria pra mim e como disse que não deveria me preocupar, resolvi deixar de lado.
- A vovó está cuidando direitinho de você? Não quero saber do senhor gripado! – Escutei a sua risada e meus olhos marejados arderam.
- Está sim, querida. Você sabe como a minha Jolene é uma boa curandeira.
- Ela é a melhor! – Funguei, me lembrando de todas as vezes que estive doente e minha vó cuidou de mim. – Papa, eu estou ligando pra contar sobre o meu teste para a peça.
- Então você não está ligando porque sentiu saudades do seu velho avô? – Pareceu ofendido, mas eu sabia que era brincadeira. – E como foi, huh?
Contei pra ele sobre a minha manhã inteira, especialmente sobre o teste e como eu me senti leve e nervosa ao mesmo tempo. Contei sobre %Abi% e como ela estava sendo a melhor amiga que eu poderia pedir e como ensaiamos na noite passada. Ele ficou muito animado em saber que eu me adaptara muito bem em Londres, mas disse que Paris sempre estaria ali pra mim caso eu quisesse voltar. Disse também que meu quarto continuava do mesmo jeito em que eu o deixara e que era lá que ele passava as tardes lendo. Poderíamos passar a noite inteira conversando, mas estava tarde e nós dois precisávamos dormir. Nos despedimos com um “Je’ taime” cheio de sentimento e nostalgia. Quando eu deixei o telefone de lado meus olhos transbordaram. Eu não comecei a chorar compulsivamente, mas algumas lágrimas escorreram pelas minhas bochechas.
- Tá tudo bem, %Tah%? – Liam estava parado na porta do meu quarto com uma bandeja nas mãos.
- Tá sim, Li. – Limpei as lágrimas e sorri. Sentei-me na cama e dei um espaço para que ele fizesse o mesmo. – O que é isso aí?
- Você disse que tomaríamos chá juntos, então... – Sorriu adorável como sempre e também se sentou. Apoiou a bandeja no meu colchão e serviu duas xícaras com o líquido que estava em um bule. – Eu sei que você gosta de chá gelado, mas esse é o único que eu consigo fazer e sei que fica bom.
- Uau, chá na cama. – Sorri mais ainda com aquela ação da parte dele. Peguei uma das xícaras e assoprei antes de dar o primeiro gole. – Hm... Maçã?
- Acertou! – Liam também deu um gole no seu chá e fez uma careta. – Queimei a língua!
- Você tem que tomar cuidado! – Gargalhei. – Tem que assoprar.
- Chá gelado é realmente melhor. – Ele também riu e começou a se servir de açúcar com uma faca.
- Como você espera pegar açúcar com uma faca, Liam?
- Porque é mais fácil do que pegar com um garfo! – Ele tentou se justificar, mas só me deixou mais confusa ainda. – Eu tenho medo de colheres.
- De colheres? – Ri alto, mas tentei voltar ao normal. Se o medo era real, eu não deveria rir. – De verdade?
- Desde pequeno. – Fez uma carinha envergonhada e eu sorri.
- Todo tem medos, Li. Mas não precisa se envergonhar disso. – Coloquei a minha mão livre sobre a dele e acariciei com o polegar.
Ficamos ali conversando e rindo até terminarmos o nosso chá. Eu me ofereci para lavar tudo, mas ele me impediu. Disse que eu deveria dormir logo após tomar o chá, ou então perderia o efeito e eu começaria a falar durante a noite, reclamando que não tinha feito o ritual direito. O problema era que eu realmente costumava falar enquanto dormia e aquele comentário de Liam me fez pensar que ele já tinha escutado algo. O garoto ficou ali comigo até eu sair do banheiro, já de pijamas e pronta pra dormir.
Me deitei na cama e ele me cobriu com o edredom grosso. Beijou a minha testa, sussurrou “Boa noite”, apagou a luz e saiu. Fiquei ali no escuro tentando não pensar em nada. Fechei os olhos e torci pra dormir logo. Se eu não adormecesse, acabaria pensando na vida. Pensando em como Liam era fofo e sabia cuidar de mim, ou no fato de não ter visto Zayn durante a manhã na Academy. Poderia pensar também no porque de não ter recebido uma resposta sobre o callback. E até mesmo pensar em como meus avós estavam longe e aquilo doía mais do que eu podia explicar. Tarde demais, só consegui dormir depois de rever cada segundo da minha vida.
+++ - Como assim o Ed não te ligou? – %Abi% parecia decepcionada.
Estávamos sentadas na escada mais uma vez e aquele começava a se tornar o nosso point. Eu estava em um degrau acima do dela e contava que não tinha sido convocada para o segundo teste, ou seja: Estava fora da peça, ou em um papel sem importância. Estava arrasada e não sabia o que fazer. Bem, não tinha exatamente o que ser feito a não ser aceitar o meu destino. O nível da LRA devia ser bem acima do meu, realmente. A Academy estava praticamente vazia, já que também não teria aula naquele dia e só os alunos convocados apareceram. Na verdade, os alunos convocados e eu. Até mesmo Brigitte e as suas seguidoras estavam por ali.
- Simples assim, %Abi%. – Dei de ombros e passei a mão pelos cabelos.
- Aqui estão as minhas garotas preferidas! – Niall apareceu e Zayn estava atrás dele.
- Vocês dois fizeram o segundo teste? – Sim, eu estava chocada. Não sabia nem que Zayn participara do primeiro, imagine ser chamado para o segundo.
- Sim, acabamos de fazer. – Niall se sentou ao lado da namorada e os dois começaram a trocar demonstrações de afeto. – Você não?
- Não. – Respondi ranzinza. – Acho que não passei. Ou talvez vá ser uma árvore.
- Não liga pra isso, %Star%. Essas peças nem são tão boas assim. – Malik se sentou ao meu lado e devia estar tentando me consolar. Não de uma forma muito boa, diga-se de passagem. – Eu acho que são uma frescura!
- Então por que você está participando? – Perguntei ríspida.
- Porque as garotas adoram. – Piscou pra mim, admitindo que a única razão que o levou a entrar na peça foi uma razão idiota. Incrível como alguém assim conseguia um papel e eu, que estaria disposta a dar o meu sangue pela peça, não teria nem uma segunda chance.
- Eu não acredito que você é tão raso assim, Malik. – Estava irritada e já fui me levantando. %Abi% e Niall tinham parado de se agarrar para me olhar. – Eu achava que tinha mais alguma coisa aí dentro, mas vejo que estava errada. Você é só mais um garotinho sem conteúdo e que pensa com a cabeça de baixo.
Eu realmente explodi. Nunca fui de ter ataques de raiva, mas aquilo já era demais. Eu estava cansada da pose de badboy de Malik e desistira de procurar aquele Zayn que conheci quando cantamos juntos, ou quando estávamos no banheiro da minha casa e ele parecia indefeso. Minha amiga não sabia o que fazer e impediu Niall de vir atrás de mim. Ela deveria entender os meus motivos e preferiu não se intrometer. Zayn ficou ali na escada, do mesmo jeito que eu o deixei. Não parei pra olhar pra trás quando comecei a ir embora, mas tenho certeza que ele ficou com o olhar vazio e sem saber o que me responder. Eu devia ser a primeira pessoa a falar com ele daquele jeito.
Caminhei até encontrar um taxista livre e entrei no veículo. Estava irritada demais pra andar três quadras e ainda ter que esperar um ônibus aparecer. Disse o endereço para o motorista e tentei ser o mais simpática possível, afinal, ele não tinha culpa nenhuma do que estava acontecendo. Meu celular começou a tocar dentro da minha bolsa e eu pensei que seria %Abi%, mas tive uma surpresa quando li o nome “Zayn Malik” na telinha. Ignorei sua chamada quatro vezes até que recebi a mensagem:
“Vou continuar ligando até você atender.” Bufei. Além de vazio, ele ainda era chato? Pelo menos não era mentiroso, porque continuou ligando infinitamente até que eu resolvi atender.
- O que você quer, Malik? – Perguntei seca.
- Um dia. – Respondeu.
- O quê?
- Sim. Um dia. Quero que saia comigo amanhã; só nós dois. E aí vou te mostrar que não sou o que você pensa de mim.
- Duvido muito, Malik. – Rolei os olhos. Que história era aquela?
- Só um dia, %Star%. Por favor. Passo às duas horas da tarde pra te buscar, nós saímos, eu te deixo em casa e aí você decide se nunca mais quer me ver na sua frente de novo.
- Hum. – Suspirei. Não sabia se era a coisa certa a fazer, mas resolvi aceitar. – Um dia, Malik.
Desliguei o celular e o guardei na bolsa novamente. “Onde eu estou com a cabeça?” Realmente não sabia. Minha loucura estava aumentando diariamente e eu devia começar a ter cuidado com aquilo.
- Problema com um garoto? – O motorista me perguntou, encarando-me pelo retrovisor e eu sorri.
- O pior deles.