Ballet Shoes


Escrita porElla Souza
Editada por Isabelle Castro


Capítulo XLVII

Tempo estimado de leitura: 44 minutos

  O que eu chamo de aproveitamento do dia é quando você só tem uma aula durante a manhã e usa o resto dela pra ensaiar outras coisas ou adiantar um trabalho. Tendo dito isto, vamos parar pra analisar o “professor” Collin, que ficou me esperando do lado de fora da sala até que a minha aula particular se encerrou: O diretor da peça me perseguia em todos os intervalos pra dar dicas ou fazer comentários relacionados ao roteiro que eu já devia ter decorado e eu fingia estar com tudo sobre controle, mesmo que ainda não estivesse nem na metade de onde eu deveria estar. Naquela terça feira, infelizmente, eu não consegui fugir e muito menos me esconder, pois Colin ficou na porta do banheiro quando eu tentei usar a desculpa de que precisava trocar o collant de ballet pelas minhas roupas normais. Claro que demorei mais que o necessário, na esperança que ele fosse embora. Sei o que você deve estar pensando: “Nossa, essa garota sofreu tanto pra conseguir o papel principal e agora não dá valor?” Eu dou valor sim, ok? Acontece que o dia da minha reunião com o homem era só na quarta feira e eu ainda tinha sanidade mental suficiente pra saber que ainda faltavam pelo menos 24hrs até a chegada daquele dia. Ou quase isso...
  Por outro lado, trabalhar com Nick estava se tornando cada vez mais fácil e ele não me olhava como mais que amiga de forma alguma; até porque parecia ter se afirmado com Holly. Os dois formavam um casal extremamente fofo, principalmente quando a professora ficava desconcertada ao lado dele e acabava exagerando ao tentar disfarçar, o que acabava deixando mais na cara ainda. Perdi a conta de quantas vezes salvei a pele dos dois, inventando desculpas ou falando que o garoto estava comigo quando, na verdade, estava com a docente. Desenvolvemos uma amizade verdadeira da forma mais improvável possível, mas acabou acontecendo e eu ficava feliz com isso. Claro que eu não podia comparar com a amizade que eu tinha com os outros meninos, mas ainda assim era boa. Nós dois nos apoiávamos durante os ensaios e Nick sempre conseguia me fazer relaxar quando eu parecia estar cobrando muito de mim mesma. Ele era tão perfeccionista quanto eu e estava naquele ramo há bem mais tempo, por isso parecia sempre ter um bom conselho pra me dar.
  Nós dois estávamos em cima do palco do auditório, encenando o momento em que Julieta vê Romeu pela primeira vez. Ou pelo menos tentando... Porque se eu não sabia o roteiro inteiro ainda, imagine o meu parceiro. Por sorte, além de nós dois, apenas o diretor estava por ali. Aliás, quando dizem que as aparências enganam, você deve acreditar. Antes eu costumava achar que Collin era do tipo malvado e que não escutava ninguém, mas isso logo se provou ser mentira. Ele aceitava sim os nossos palpites e não exigia nada além do que nós poderíamos dar. O problema é que aquela manhã eu não era a única sem vontade de ensaiar, então não estávamos rendendo nada.
  - Onde está a profissionalidade? – Colin estava em algum dos bancos do auditório, mas eu não conseguia enxergá-lo devido a pouca luminosidade.
  - Desculpa, diretor! Mas eu não posso trabalhar assim! – Tentar segurar o riso enquanto Nicholas faz palhaçadas era praticamente impossível, por isso tive que me encostar à cadeira que havia sido colocada sobre o palco.
  - Não me olhe assim, %Star%, foi você quem não seguiu a deixa! – Nick tentou se defender.
  - E desde quando dar uma pirueta e falar “OLÉ” é uma deixa? – Lembrar daquela cena não foi nada legal, porque eu desatei a rir novamente. – Eu devia ter começado uma dança espanhola? Da próxima vez vou trazer castanholas então!
  - Mi arrendo, huh! – O diretor se levantou abruptamente, seguindo para a porta de saída sem falar mais coisa alguma.
  - Desde quando ele fala espanhol? – Nick se aproximou de mim e cochichou.
  - Isso é italiano. – Dei um tapa de leve em sua testa, com a maior cara de “para de ser lerdo”. – Podemos ir embora, ou ele vai voltar?
  - Acho que ele não vai voltar... Mas devemos sair daqui logo. – Correu até a ponta do palco e saltou para o chão, me esperando segui-lo. – Só por precaução...
  - Tem razão! – Fiz o mesmo caminho que Nick e também pulei, negando qualquer ajuda da parte do mesmo.
  Alcancei a minha bolsa em uma das primeiras cadeiras do auditório e saímos correndo como dois fugitivos. O medo de ter que passar mais uma hora ali dentro era grande demais. Já devia passar do meio dia e o meu estômago implorava por comida, mas essa era a menor das minhas preocupações. O pobre do meu namorado devia estar me esperando na escadaria, porque era isso o que tínhamos combinado antes de eu ser raptada pelo diretor Collin, e estar com Nick quando deveria estar com ele não ajudaria o meu caso. Como eu não tinha culpa, esperava que tudo ficasse bem. Meu amigo me seguia quando passei de fugitiva para espiã secreta, averiguando se havia algum sinal de “perigo” quando passamos pelas portas de madeira do auditório. O corredor estava completamente vazio, então pudemos relaxar e parar de correr.
  - Hey, %Tah%... – Nick diminuiu o passo, coisa que fazia quando queria me falar alguma coisa. – Você viu que companhia vai estar se apresentando aqui no fim do ano?
  - Companhia? De ballet? – Me virei de frente pra ele, parando de andar completamente. Ao se tratar desses assuntos eu ficava um pouco desesperada.
  - Bolshoi... – Aquela palavra foi o suficiente pra me fazer arregalar os olhos e segurá-lo pelos ombros.
  - TÁ BRINCANDO COMIGO? – O balancei. – E quando os ingressos vão começar a ser vendidos?!
  - Essa é a parte ruim... Não vão. – Minha animação foi pelo ralo quando Nick cortou o meu barato. – É uma apresentação especial, só pra convidados... Então os convites não vão ser comercializados.
  - Que droga! – O soltei e cruzei os braços. A companhia de ballet do Bolshoi era simplesmente uma das maiores do mundo e seus espetáculos conhecidos até por quem não era do ramo. Eu sabia que eles estariam passando pela Inglaterra em alguma data próxima, mas o que Nick falou tirou todas as minhas esperanças de assisti-los. – Vai ser tão perfeito...
  - Não se preocupe... Eu te conto como foi, ok? – Voltou a andar, me deixando pra trás e super confusa.
  - VOCÊ VAI?! – Quase gritei e a minha voz ecoou pelo ambiente, seguida pelo barulho dos meus passos apressados para acompanhá-lo.
  - Eu consegui dois convites, porque minha mãe está ajudando uma das organizadoras. – Se divertia com o meu sofrimento. – Mas nem me olhe assim, porque eu já chamei a Holly pra ir comigo.
  - Que amigo mais legal que você é! – Fiz um bico enorme, mas não teria jeito. É claro que ele levaria a namorada ao invés de mim, por mais que meu lado egoísta discordasse.
  - Dizem que até a rainha vai estar lá... – Apimentou a minha raiva e eu tive que redobrar as minhas táticas de controle psicológico.
  - A rainha? – Choraminguei. Nick afirmou que sim com a cabeça e finalmente chegamos ao lado de fora da Academy. – Eu te odeio, Nicholas.
  - Eu também te amo, %Tah%. – Falou alto demais pro meu gosto, me deixando sem entender o uso de seu tom de voz.
  Digo... Sem entender até eu ver quem estava parado ali perto: Zayn. Algo me dizia que um não ia com a cara do outro e Nick provavelmente falou sua última frase só como provocação. Eu senti vontade de bater nele ou pelo menos empurrar escada a baixo, mas me resumi a ignorá-lo e andar até o meu namorado. Zayn aparentava não ter escutado as palavras do meu possível-futuro-ex-amigo, pois sorriu e também fez um caminho até onde eu estava.
  - Por que demorou tanto? – Me puxou para um abraço e não me deixou responder até tascar um beijo nos meus lábios. – Você está tão linda hoje, sabia? É a namorada mais linda! A minha namorada mais linda.
  - Calma, baby. – Ri daquela marcação de território mais que óbvia e balancei a cabeça. – Eu demorei porque estava com Nick e Collin. O diretor continua em cima de mim.
  - Nick? Oh, é, eu nem te vi aí... – Acenou para o menino que estava atrás de nós, mas não deu muita importância.
  - Tudo bem, eu já estou indo embora mesmo... – Nicholas também não fazia questão de conversar com ele e eu só queria que aquele momento constrangedor acabasse. – Tchau, %Tah%... Chegue cedo amanhã, ok? E não esqueça das castanholas.
  - Ah, pode deixar! – Me virei do jeito que pude, porque Zayn não me soltou e muito menos me deixou despedir-me direito do outro garoto. – Até amanhã, Nick.
  - Até amanhã, Nick. – Zayn afinou a voz e me imitou, fazendo-me rir daquele ciúme. – Não gosto desse cara.
  - Baby, pode parar. – O reprovei com o olhar, torcendo para que Nicholas já tivesse ido embora e não pudesse escutar. – Eu sei que você não vai com a cara dele, mas...
  - Vai defender esse garoto? – Soltou o meu corpo e cruzou os braços, sério.
  - Não vou defender ninguém! Só estava falando que ele é meu amigo, então eu gostaria que um pudesse ficar na presença do outro por mais de cinco minutos. – O envolvi pelo pescoço procurando o seu olhar, mas ele virou o rosto na direção oposta. - Sabe no que eu estava pensando durante o ensaio inteiro?
  - Em como Nicholas é um bom ator? Em como ele é o seu par perfeito?
  - Não! – Rolei os olhos tentando não rir. O segurei delicadamente pelas laterais do rosto, obrigando-o a olhar pra mim. – Eu só conseguia pensar em como queria que aquilo acabasse logo, porque tudo o que eu queria era estar aqui fora, com você. Na verdade, não importa onde eu esteja porque só o que eu realmente quero fazer é estar com você.
  - O tempo todo? – Falou baixinho, meio que sem querer se dar por vencido.
  - O tempo todo! – Sorri e rocei os lábios nos dele, com cuidado. – Por falar nisso...
  - Hm? – Meus carinhos o fizeram desmanchar a cara amarrada e até mesmo fechar os olhos.
  - Você tem mesmo que ficar aqui hoje à tarde? – Trocamos alguns selinhos calmos, como se eu estivesse tentando fazê-lo mudar a resposta que eu já sabia que iria receber.
  - Tenho... – Bufou baixinho. – Ed pediu ajuda com umas coisas... Mas se você pedir com carinho, sabe que eu esqueço tudo que ele pediu...
  - Sei... E é por isso mesmo que eu não vou pedir! – O beijei na ponta do nariz e nos afastei alguns centímetros. – Não quero que Ed me fique com raiva de mim, porque depois quem vai acabar sofrendo com ele sou eu!
  - Besteira. – Riu e começou a brincar com os fios da minha beanie. – Você vai mesmo sair com os meninos?
  - Só com o Hazza e o Li. – Mordi o lábio inferior ao mesmo tempo em que dei um sorriso. – Vamos comprar a nossa árvore de natal!
  - Você sabe que ainda estamos no começo de dezembro, né? – Rio da minha animação e bateu na minha testa com a bolinha felpuda que brincava.
  - Sei, duuh. – Afastei as mãos dele do meu rosto e entrelacei nossos braços, andando até o começo da escada. – Mas se demorarmos muito, todas as árvores boas vão acabar. E sim, eu sei que é algo bobo, mas montar a árvore de natal sempre foi algo importante pra mim...
  - Nada que vem de você é bobo... – Começou a rir no mesmo instante em que terminou de falar e eu só fiz careta.
  - Idiota! – Bufei. – Pelo menos você vai almoçar com a gente, né?

+++

  Depois de ser levada pra almoçar por Zayn, Liam e Harry, eu e os dois últimos partimos em nossa missão de procura à árvore perfeita! Como não fui de carro até a Academy, meu namorado foi a minha carona até o restaurante e em seguida o resto de nós pegou o Range Rover que costumava ser de Louis, mas acabou se tornando “o carro da família”, porque todos os meninos o usavam. Tudo teria sido bem simples se Harry ou Liam quisessem dirigir e eu tivesse ido no banco de trás como sempre, entretanto, os meninos acharam que estava na hora de eu começar a aprender a dirigir um carro inglês. Pense no meu desespero, porque a única vez que eu dirigi um carro com o volante do lado direito foi quando tive que levar o carro de Zayn até a minha casa. Se já foi complicado com as ruas vazias por ser madrugada, imagine agora que era o horário que as pessoas voltavam para o trabalho depois de sua hora de almoço.
  - Você vai entrar na primeira direita após o semáforo, ok? – Harry apontou o caminho, já que ele era quem conhecia o lugar para onde estávamos indo e estava no banco ao meu lado.
  - Se esse trânsito resolver andar... – Afirmei com a cabeça e buzinei, colocando a cabeça pra fora da janela em seguida e gritando: - ANDA LOGO!
  - Meu Deus, %Star%! Eu já pedi pra você parar de gritar com as outras pessoas. – Liam reclamou, se abaixando no banco de trás. – Alguém ainda vai sair do carro e vir aqui tirar satisfações com você.
  - Podem vir! É COM VOCÊ MESMO QUE EU ESTOU FALANDO! – Gritei mais uma vez para o carro vermelho na minha frente, já que o motorista colocou o braço pra fora e me mostrou o dedo do meio. – Vocês dois é que me mandaram dirigir esse carro, então aguentem!
  - De quem foi essa ideia mesmo? – Harry se divertia com os meus ataques e eu também. Ele encarou Liam pelo retrovisor, o culpando por ter tido essa ideia maravilhosa de me deixar dirigir.
  - Eu admito que posso não ter pensado direito nisso...
  - FINALMENTE! – Exclamei alto uma última vez quando os carros voltaram a andar. Eu estava sendo “chata” de propósito, é claro, apenas pra me vingar daquilo que estava sendo obrigada a fazer. Harry era o único que sabia disso, portanto era o único rindo dentro do carro, deixando um Liam confuso e tenso.
  Assim que dei partida novamente parei de buzinar e gritar, me tornando a motorista pacífica que sempre fui. Dobrei à direita como fui aconselhada e depois fui em frente, por uma rua estreita, mas vazia. Liam já conseguiu sentar-se direito sem se esconder de possíveis motoristas que quisessem vir “tirar satisfações” por causa do meu mau comportamento e até começou a cantarolar uma música natalina, nos fazendo entrar no clima. Vez ou outra eu o espiava pelo espelho do retrovisor, sem nunca deixar que ele me notasse fazendo isso, apenas para admirá-lo se divertir e ser ele mesmo. Esses eram um dos momentos que eu me perguntava o que tinha de errado comigo e me convencia de que era um comportamento completamente normal entre dois amigos.
  - Chegamos! – Hazza me fez voltar meus olhares para a rua e apontou para uma floricultura ou coisa assim, cheia de placas com desenhos de árvores e propagandas natalinas. – Tem uma vaga ali na frente... Ei, onde você está indo?
  - Só nos seus sonhos você acha que eu vou conseguir estacionar ali! Já viu o tamanho desse carro? – Um motorista mais experiente até que estacionaria com destreza e técnica, mas eu? Só em sonhos! Meu carro era bem menor que o Range e ainda assim eu teria um pouco de dificuldade. – Vamos procurar um pouco mais...
  - Você não vai encontrar outra vaga por aqui, %Tah%. Não sei nem como encontramos aquela...
  - Mas, Haz...
  - Pode dar ré, não tem nenhum carro vindo...
  - Eu não consigo...
  - Consegue sim, é só andar logo...
  - Tive uma ideia melhor! – Pisei no freio de uma vez. Toda essa pressão estava me deixando louca, então eu tinha que fazer alguma coisa. – Você estaciona lá e eu espero os dois na floricultura, ok?
  - Você não pode parar o carro no meio da rua! – Liam chamou por mim, mas foi inútil.
  Eu “estacionei” o veículo no meio da rua mesmo e nem me importei. Não estava brava nem irritada, só não aguentava mais ninguém me dando ordens ou me pressionando pra fazer coisas que eu não queria! Pareço mimada, sei disso, mas que seja! Tirei o cinto de segurança e abri a porta do carro, correndo para a calçada antes que algum dos meninos resolvesse me impedir. Só quando eu estava em uma distância segura, pude olhar pra trás e ver que Harry pulou para o meu lugar e já dava meia volta pra estacionar na tal vaga em frente à loja. Ele era o melhor motorista entre nós, mesmo sendo o mais jovem. Em menos de cinco minutos, o Range estava perfeitamente encaixado na vaga pequena demais e os garotos se juntavam a mim.
  - Você é doida, %Tah%. – Liam foi o primeiro a chegar e passou o braço pelos meus ombros, fazendo-me dar as costas a Harry e seguir para dentro da loja. – Mas eu gosto.
  - Que mentira, Leeyum! Não sou doida... – Fiz bico, mas o abracei pela cintura.
  - Vocês dois aí... – Hazza gritou e nós demos meia volta para olhá-lo. – É por aqui.
  - Ah, eu sabia disso! – Separei o abraço, mas puxei Liam ela mão, indo na direção contrária. – Só foi um teste.
  - Aham... – Liam riu atrás de mim, me seguindo para uma porta de onde se lia: “Árvores de Natal”.
  Harry ganhou uma cara de “Claro que foi só um teste” e passou primeiro pela porta, fazendo eu e Liam segui-lo sem falar mais nada. Continuamos de mãos dadas até chegarmos no interior de uma estufa que era, no mínimo, gigante. Ali dentro havia fileiras e mais fileiras de pinheiros de todos os tamanhos, cores e tipos. Eu nem sabia que existiam tantas espécies assim... O chão era todo coberto por folhas e galhos, nos dando a impressão de estar dentro de uma floresta de verdade. O teto era coberto por um vidro fosco que quase não nos deixava ver o lado de fora e as paredes eram altas e coloridas. Meu queixo caiu um pouco, porque eu fiquei encantada com aquele lugar. Comecei a andar entre uma árvore ou outra, sem me afastar muito, e meus olhos já procuravam aquilo que eu pretendia encontrar.
  - Em que posso ajudá-la? – Um senhor baixinho surgiu de trás de uma árvore próxima a mim e eu me assustei um pouco. – Perdoe-me, senhorita. Não pretendi assustá-la.
  - Não problema... Eu só não estava esperando... Não tem problema. – Me senti envergonhada e só queria puxar a minha touca até o queixo e me esconder.
  - Walter, certo? – Harry e Liam se aproximaram, ficando de cada lado. – Eu vim com a minha mãe aqui no ano passado e nós compramos uma árvore com você.
  - Oh, sim, eu me lembro! Você comprou a minha Astória. – Tocou o queixo pensativo e depois sorriu.
  - Astória? – Liam perguntou com a sobrancelha arqueada.
  - O pinheiro se chamava Astória. – Harry explicou.
  - Você dá nome pra todas as árvores? – Dar nomes tudo bem, mas depois se lembrar de cada um? – Isso é incrível!
  - Isso é loucura. – Liam sussurrou na minha orelha pra que o senhor não escutasse e eu o repreendi com o olhar.
  - Suponho que vieram procurar um pinheiro, certo? – Walter se virou e começou a andar, nos fazendo ir atrás. – Tenho certeza que vão encontrar o que procuram... Os maiores ficam por ali e os menores do outro lado. Fiquem a vontade!
  - Tenha cuidado, %Tah%... Ele pode conversar por horas. – Hazza fez uma cara engraçada, mas eu percebi que ele falava sério.
  - Tá bem... – Afirmei com uma risada discreta.
  - Quase me esqueci! Aceitam bengala de açúcar? – O homem virou de uma vez e nos estendeu o doce vermelho e branco. Mamãe ensinou a nunca aceitar doce de estranhos, mas naquela altura nós já nos conhecíamos muito bem, certo?
  - Obrigada! – Minha primeira comida natalina do ano! Ahh, como eu sempre amei esses docinhos! Peguei uma das bengalas de açúcar e já a virei de cabeça pra baixo, mordendo a ponta.
  - Eu também aceito... – Liam se serviu e entregou a última a Harry.
  - Por falar nisso, vocês sabem como esses docinhos surgiram? – O homem voltou a andar e eu logo entendi o aviso de Harry. – Há muitos e muitos anos atrás, em um vilarejo não muito longe daqui...
  Não acredito que vou ter que ficar escutando essas histórias! Assim vamos passar o dia inteiro aqui...” Era só o que me faltava! Olhei para os lados procurando alguma forma de escapar. Pelo jeito que Harry diminuiu a velocidade dos seus passos, ele pensava na mesma coisa que eu. Nos entreolhamos e ele apontou a sua esquerda com a cabeça. Tentei chamar Liam, mas ele muito próximo de Walter; era arriscado demais. Tive pena de deixá-lo pra trás, mas não tinha outra escolha. Antes que eu pudesse perceber, Harry agarrou o meu braço e me puxou para onde tinha apontado. Nos escondemos atrás de uma árvore alta até ter certeza que a barra estava limpa e que ninguém nos procurava.
  - Pobre Liam... – O olhei uma última vez antes de me virar para o outro garoto. – Perdemos um grande amigo.
  - Foi por uma boa causa. – Tocou o meu ombro em consolação. – Vamos ao que interessa?
  - Você acha que existe alguma árvore com o meu nome? – Entrelacei o braço ao dele e já comecei a olhar para os lados.
  - %Star% não é nome de árvore...
  - Então qual é um bom nome pra uma árvore? – Atravessei alguns corredores, tentando procurar árvores não tão gigantes quanto àquelas perto de mim.
  - Não sei... Folhuda?
  - Folhuda? Quantos anos você tem, Haz? – Ri daquela resposta que uma criancinha de cinco anos teria dado.
  - Senhora Folhuda. Porque não? – Também riu.
  Para andar mais rápido, nós dois resolvemos nos soltar e realmente prestar atenção nos pinheiros a nossa volta. Ele foi para um lado e eu para o outro, mas ainda conseguíamos nos olhar e conversar sobre qualquer coisa que passasse pela nossa cabeça. Ele me contou sobre o trabalho na padaria e de todas as receitas que tinha aprendido, prometendo que testaria algumas em casa. Eu fiquei morrendo de vontade de comer o muffin de blueberry, só pra constar.
  Respirei fundo várias vezes, só pra sentir o cheiro de natureza me invadir, trazendo consigo ainda mais do espírito natalino. O natal em si sempre foi a minha comemoração preferida, porque é a mais cheia de tradições e costumes. Decorar a árvore de natal era a primeira tradição e com certeza a mais divertida, porque todo ano ela acaba sendo diferente e cada vez mais linda e cheia de coisas. Sem falar dos presentes que guardamos embaixo... Ahh, os presentes! Isso me lembrava que eu ainda não tinha comprado os presentes de ninguém e tinha que fazer isso antes que as lojas ficassem cheias. Mais uma vez a diferença entre o meu país de origem e aquele meu lar atual era muito grande, mas graças aos finais de ano que passei na casa do meu pai eu já era bem familiarizada com o natal inglês e até tinha algumas ideias pra juntar as duas culturas. Me perdi em pensamentos enquanto tocava algumas folhas com as pontas dos dedos, totalmente distraída.
  - Last Christmas I gave you my heart, but the very next day you gave it away. (No natal passado, eu te dei meu coração, mas no dia seguinte você se livrou dele.) – A voz de Harry me trouxe de volta para o presente. Ele estava cantando baixinho, mas eu ainda conseguia escutá-lo. – This year to keep from tears, I’ll give it to someone special. (Esse ano, pra me impedir de chorar, eu o darei para alguém especial)
  - “Once bitten and twice shy”, (“Gato escaldado tem medo de água fria”) I keep my distance but you still catch my eyes… (Eu mantenho distância, mas você ainda chama a minha atenção)
- O peguei de surpresa começando a cantar também. Eu podia não ter uma voz como a dele, mas ainda gostava de arriscar. Haz riu assim que viu o que eu estava fazendo e andou ao meu lado, com as árvores baixas entre nós. – Tell me, baby. Do you recognize me? Well, it’s been a year. It doesn’t surprise me. (Me diga, baby. Você me reconhece? Bem, já faz um ano. Isso não me surpreende.)
  - I wrapped it up and sent it, with the note saying “I love you”. I meant it. (Eu embrulhei e enviei, com um bilhete dizendo “Eu te amo”. Era verdade.)
– Continuou a música, dessa vez um pouco mais alto. A sua voz rouca ecoava pelo espaço e eu acabei sorrindo demais. – Now I know what a fool I’ve been, but if you kissed me now I know you’d fool me again. (Agora eu sei como fui bobo, mas se voê me beijasse agora, eu sei que me enganaria de novo)
  - Crowded room, friends with tight eyes. (Quarto cheio, amigos com olhos cansados.) Hiding from you and your soul of ice. (Me escondendo de você e dessa sua alma de gelo) My God, I thought you were someone to rely on… (Meu Deus, eu achei que você fosse alguém que eu podia confiar)
- Naquele ponto eu já estava me divertindo e imaginando que tudo era a gravação de um clipe, por isso exagerei na interpretação e só faltava começar a dançar. – Me? I guess I was a sholder to cry on... (Eu? Acho que eu fui um ombro pra chorar)
  - Last Christmas I gave you my heart, but the very next day you gave it away! (No natal passado eu te dei o meu coração, mas no dia seguinte você o jogou fora)
– Curly entrou na onda e também dramatizou, levando uma mão ao peito como se seu coração estivesse partido.
  - Então é aqui que vocês estão?! – Liam imitou Walter e apareceu do nada, quase me fazendo esbarrar nele. – E estão cantando?
  - Oops. Fomos flagrados, Hazza. – Gargalhei e tentei me esconder atrás de um pinheiro.
  - Foi essa sua voz desafinada que o atraiu! – Tirou uma com a minha cara, ganhando um tapa na testa em troca. – Ai!
  - Bem feito! – Liam devia estar do meu lado. – Acharam alguma coisa?
  - Todas são lindas, Li. Não sei como me decidir...
  - Ótimo, porque eu achei a perfeita... – Me pegou pela mão e indicou o caminho. – Enquanto eu aprendia como surgiu a primeira árvore de natal, encontrei um pinheiro que vocês vão gostar...
  - Pelo menos foi um passeio instrutivo, não? – Harry tentou amenizar a nossa culpa por tê-lo abandonado, mas o olhar que Liam lhe deu não foi nada amigável.
  - Foi mal por isso... – Eu devia ser a única que me sentia genuinamente mal por tê-lo abandonado, já que Haz só fazia rir.

+++

  - Até que enfim vocês chegaram! Eu já estava preocupado. – Lou abriu a porta de casa depois de escutar a buzinada que eu fiz questão de dar só pra anunciar nossa chegada. – Não tinha uma árvore maior?
  - Por mais que eu aprecie a sua ironia, Boo Bear, essa árvore foi a que nós gostamos mais. – Desci do carro e joguei as chaves pra Liam. – E o nome dela é Berenice.
  - Berenice? – Fez uma cara bem estranha se aproximando no veículo pra ver melhor o pinheiro que estava amarrado ao capô do carro.
  - Não pergunte. – Harry balançou a cabeça em negativa e segurou uma ponta da corda, já que ele estava ajudando o outro menino a libertar a árvore.
  - Tirem a Berê daí e eu já volto, ok? – Mandei beijos no ar e saí correndo antes que alguém me parasse.
  - Onde você...
  Sei que Louis gritou por mim, mas não fiquei lá pra saber o que ele queria. Aproveitei para saltar os degraus até a varanda de e entrada e me esquivei porta à dentro. Na hora de colocar o pinheiro em cima do Range eu quase quebrei um braço, então não queria passar pela mesma situação duas vezes. Ok, eu posso ter exagerado um pouco, pois no máximo quebraria uma unha, mas isso não vem ao caso agora. Continuei em frente até chegar no corredor do segundo andar, dessa vez sem correr, e entrar no meu quarto. Tirei os sapatos para ficar confortável, permanecendo de meias, e sentei na cama. “Celular, celular, cadê você?” Revirei a minha bolsa a procura desse objeto que sempre dava um jeito de ir parar nas profundezas mais obscuras, mesmo que eu o deixasse apenas em um lugar exato. “AHÁ!” Consegui agarrar o iPhone e deslizar o dedo pra destravar a telinha. Toda essa minha correria pra dentro de casa tinha um propósito (além da minha falta de vontade em ajudar com o pinheiro). Selecionei um número conhecido e digitei a seguinte mensagem:

“Acabei de chegar em casa... Achamos a árvore perfeita, você tem que ver! Como está tudo por aí? Ed está exigindo muito de você? Espero que sim. Estou com saudades, baby. xxxx”
“Hey, love! Eu estava falando de você agora mesmo. Ed está sendo legal como sempre e te mandou oi. Tenho certeza que você escolheu uma árvore bem legal, me manda uma foto depois?”
“Preferia que você mesmo viesse ver a árvore, mas se prefere uma foto...”
“Quando eu for aí, a última coisa que vou querer ver é essa árvore.”
“Nesse caso eu mando quantas fotos quiser! Haha. Mas o que falava de mim?”
“Nada de mais... Só que eu já sei a música que você vai ter que cantar na peça.”
“WAIT, WHAT? Sério? Qual?”
“Não posso te falar... Amanhã o Ed vai te mostrar. Ele se ofereceu pra acompanhar o seu ensaio.”
“Ele se ofereceu ou você pediu pra ele ficar de olho em Nick?”
“Tem alguma diferença entre as duas coisas?”

  - %Tah%, Lou mandou avisar que vamos começar a decorar sem você... – Liam apareceu na porta do quarto com um sorriso enorme, mas ao mesmo tempo parecendo exausto.
  - Podem tratar de me esperar! Ninguém começa sem mim. – Exclamei balançando um braço pra que ele fosse avisar aos outros pra me esperar. – Já estou indo, ok?
  - Vou dar um jeito nos dois. – Piscou como se tivesse tudo sob controle e foi embora.

“Acho que não tem muita diferença. Tsc. Baby, tenho que ir. Liam veio me chamar porque vão começar sem mim!”
“Ed também está me chamando, ele quer que eu afine os violões. Argh. Posso te ligar quando chegar em casa?”
“Ficarei esperando... Boa sorte aí. Je t’aime, mon amour.”
“Love you too, beautiful.”

  Com o sorriso bobo que todos já esperávamos, guardei o celular no bolso da calça e tirei a touca do meu cabelo. Por sorte ele não estava muito bagunçado, por isso só o prendi em um coque alto. Agora sim eu estava super confortável e pronta para as horas de arrumação que me aguardavam. Diferentemente do que eu achava, Liam não desceu para falar com os outros meninos, pois ele acabava de sair do quarto de meu irmão carregando uma caixa. Pelo que pude ler na lateral, era uma entrega do correio e o remetente vinha de Paris. Meu sorriso se tornou ainda maior quando eu me toquei do que era aquilo: As antigas decorações que estavam guardadas na casa de vovó. Nana tinha decidido que não iria montar uma árvore de natal esse ano, por motivos um pouco óbvios, e como passaria o feriado na casa de Dan e sua família junto com a minha mãe, fez questão de mandar todos os apetrechos que nós quatro poderíamos precisar para a nossa própria festa.
  Liam desceu as escadas primeiro e eu o segui. Ele não devia estar vendo nada pela frente, por causa da caixa que tapava a sua visão. Como a boa amiga que sou, depositei minhas mãos em seus ombros pra dar-lhe um pouco de direção; ou pelo menos foi essa a desculpa que eu usei para tocá-lo. Li também não se importou nada quando eu o apertei de leve em uma massagem discreta. Harry e Louis nos olharam quando entramos na sala e eu pude sorrir satisfeita com o pinheiro que havíamos comprado. A árvore estava no canto da sala, perto da parede e entre o sofá e a estante da televisão. Sua folhagem era bem verde e seus galhos fortes e um pouco compridos; sua altura era maior que a minha, então eu não seria a pessoa ideal pra decorar o topo. Harry pegou a caixa de Liam e colocou ao lado de outra que ele mesmo trouxera da casa de sua mãe, onde eu li a palavra “pisca-pisca”.
  - O que é isso, Hazza? – Fui até as duas caixas e abri primeiro a dele, encontrando um emaranhado de fios.
  - São luzes natalinas! – Sorriu orgulhoso. – Tem coloridas e de uma cor só...
  - Elas são lindas. – Com cuidado as tirei da caixa na esperança de desembaraçá-las, mas foi inútil. – Você as separa, ok?
  - Mas... – Antes que ele se negasse, lhe entreguei a bola de fios e parti para a segunda caixa. – Ta bem...
  - Alguém tem uma tesoura? – Me sentei no sofá e coloquei a encomenda na mesinha de vidro a minha frente.
  - Usa isso, %Tah%. – Lou voltou da cozinha com uma faca na mão e me entregou.
  - Cuidado pra não se machucar... – Liam advertiu, preocupado como sempre.
  - Vou tentar... – Sorri e passei a lâmina da faca pelas laterais da caixa, rasgando o que a mantinha fechada. Fiz isso com bastante delicadeza e precisão. – Prontinho!
  - Retiro o que eu disse... A caixa é que devia ter cuidado com você.
  - Isso mesmo, Liam. Eu daria uma ótima assassina... – Tentei fazer uma expressão misteriosa com os olhos e toquei a ponta da faca com o indicador. – Melhor aprender a dormir de olhos abertos.
  - Ela pensa que assusta alguém. – Harry cochichou para Louis na tentativa de não me deixar escutar.
  - Eu ouvi essa, Styles! – Apontei a faca na sua direção e mantive o olhar duro, mesmo sabendo que não o assustaria.
  - Não aponte isso para o meu Hazza. – Louis defendeu o marido e tirou a faca da minha mão.
  - Podemos começar? – Fiz bico por perder a minha arma mortal, mas resolvi me concentrar no que realmente importava ali. – Harry, como andam as luzes?
  - Ahn... Muito bem...
  O mentiroso nem havia começado a fazer a sua tarefa, mas foi para um canto e se sentou no chão com a maçaroca em seu colo. Eu ri baixo do trabalho que ele iria ter, sabendo que eu acabaria indo ajudá-lo. Lou se ajoelhou ao meu lado e abriu a caixa para que pudéssemos ver o que nossa avó mandara. Foi como se estivéssemos de frente para a penseira do Dumbledore, onde muitas de nossas memórias podiam ser vistas: Bolas brilhantes em vermelho, azul e verde, pequenos pingentes de anjos coloridos, ursinhos, bonecos e flocos de neve em miniatura... Até mesmo algumas meias que nós dois a “ajudamos” a bordar. Daquelas que se coloca no pé da cama na véspera de Natal pra que o papai Noel coloque doces ou carvão, dependendo do seu comportamento. Tá vendo só? Como não amar o natal?! Liam também veio espiar, fazendo Harry ficar super curioso, mas sempre que ele perguntava o que tinha dentro da caixa, alguém o mandava prestar atenção na própria tarefa.
  Sem querer perder mais tempo, eu peguei uma pinha de plástico e levantei do sofá indo até a árvore. Os outros dois meninos fizeram o mesmo que eu e todos colocamos as primeiras decorações na árvore. Se tirássemos tudo da caixa acabaríamos perdendo ou bagunçando tudo, portanto resolvemos deixar ali dentro mesmo e iríamos pegando as coisinhas devagar. Eu tentava espalhar os ornamentos e rodeava a Berenice tantas vezes que quase fiquei tonta, mas os meninos ocuparam um pedaço cada e encheram de bugigangas. É, não podemos deixar garotos fazerem o trabalho de uma garota.
  - Qual cor vamos usar? – Liam perguntou enquanto eu pendurava uma pequena árvore na árvore (haha).
  - Cor de que? – Minha pergunta foi respondida assim que eu o olhei. Li estava com uma bola de plástico pendurada em cada orelha como se fossem brincos enormes e eu comecei a rir na mesma hora.
  - O que? Eles não ficam bem em mim? – Fez uma pose de modelo e eu gargalhei mais ainda.
  - Para com isso, Liam! – Ainda rindo, fui até ele e retirei as bolinhas com cuidado. – E respondendo a sua pergunta... Vamos usar vermelho. Sempre vermelho!
  - Por que vermelho? – Louis continuava perto da árvore e eu já sabia o que vinha por aí. – Você sempre escolhe vermelho! Eu gosto de azul.
  - Eu também gosto de azul, Lou, mas natal é vermelho e verde! – Guardei a bolinha azul na caixa e fui pendurar a vermelha. – Viu? Vermelho e verde!
  - Mas eu quero colocar as azuis... – Cruzou os braços e bateu o pé direito no chão. Tem certeza que ele é o mais velho?
  - Tudo bem, Lou, não precisa fazer birra... Vamos fazer uma votação. Eu voto em vermelho... – Fiquei na ponta dos pés pra tentar espiar Harry do outro lado do quarto. – Hazza, vermelho ou azul?
  - Vermelho! – Gritou sem nem prestar muita atenção no nosso assunto, pois estava literalmente enrolado no meio das luzes.
  - Harry, eu confiava em você. – Louis reclamou, mas ele não entendeu nada. – Então pendura as vermelhas mesmo.
  - Mas o Liam ainda não votou! – Qual o objetivo de uma democracia se todos os envolvidos não tiverem o seu voto?
  - É claro que ele vai votar no que você escolher, %Star%. – Rolou os olhos e se jogou no sofá.
  - Ele tem razão. – Li deu de ombros, nem se importando em ser tão óbvio.
  - Ok, então está decidido! – Fiz uma dancinha em comemoração e fui procurar outras bolinhas vermelhas. – Tommo, levanta a bunda daí e faz alguma coisa.
  - Tommo, levanta a bunda daí e faz alguma coisa. – Tentou me imitar fazendo caretas e acabou levantando de qualquer jeito. – Precisa de ajuda aí, Harry?
  - Você acha? – Haz estava quase chorando de desespero, porque acabou ficando preso entre os fios.
  Passar a tarde com aqueles garotos era sinônimo de risadas, então imagine como era morar com eles. Tínhamos nossos momentos baixos também, como toda família, mas os pontos altos eram bem maiores. Brigas eram quase nulas e as poucas que tínhamos acabavam em brincadeiras que nos aproximavam ainda mais. Se existe uma vida perfeita, essa com certeza é a minha. Com várias bolas vermelhas na minha mão, fiquei na ponta dos pés pra espalhá-las pela parte de cima. Liam estava me ajudando e vez ou outra alcançava um ponto mais alto que eu; fazendo-me sentir super nanica.
  - Essa árvore vai ficar linda! – Comentei com um sorriso infantil.
  - Como você.

+++

  Assim que a nossa árvore de natal ficou pronta, nós decoramos a parte de fora da casa com uma guirlanda e as luzes que não foram colocadas no pinheiro foram parar no telhado e janelas. Ainda faltavam alguns detalhes, mas isso seria resolvido com o tempo. Eu estava cansada e meus braços doíam, pelo menos valia à pena. Também tomei um banho rápido e vesti o pijama mais quentinho que encontrei no closet, me trancando no quarto após o jantar. O dia seguinte seria cheio e eu queria que chegasse logo, pois a curiosidade de finalmente descobrir qual seria a música que eu teria que cantar me consumia. Horas atrás eu falara com Zayn e foi divertido como sempre, mas a saudade que eu estava sentindo do seu toque só fez aumentar. Aproveitei pra mandar várias fotos das nossas decorações natalinas e até mesmo minhas fazendo palhaçada próxima a elas. Minha garrafinha de chá estava vazia na minha mesa de cabeceira e o edredom cobria boa parte do meu corpo.
  Eu devia estar dormindo um sono tranquilo embalado pelos anjos, mas algo me impedia de pregar os olhos. O pior? Eu não fazia ideia do que era. A minha cama não estava quente e nem fria, meu travesseiro continuava fofo como sempre e o quarto estava totalmente escuro, então minha insônia não podia estar sendo causada por nenhum desconforto. Também não tinha nada de ruim me preocupando... “É, eu tenho muito azar mesmo.” Só podia ser azar! Que outra explicação eu poderia usar? Nenhuma. Como sempre, o meu celular estava ao meu lado e foi ele que eu peguei pra poder ver as horas: 04h30min da manhã. Se continuasse assim, seria mais fácil ficar acordada até o dia seguinte. Bufei com irritação e cruzei os braços. “O que eu faço agora?” Sou uma pessoa paciente, mas aquilo já era demais. Meu corpo queria dormir, até a minha alma queria dormir, mas a minha cabeça não deixava! Era só deitar a cabeça no travesseiro e fechar os olhos que as minhas epifanias tinham início, tais como: “Mas qual é o significado da vida?” ou “Quais são as cores do céu?”
  - É isso. Não vou dormir! – Falei comigo mesma e me sentei na cama, tomando uma decisão. – Vou descer pra tomar café e ficar assistindo algo na televisão.
  Se alguém pudesse me escutar naquele momento, juraria que eu perdi o juízo. Tirei o cobertor de cima de mim jogando-o para o lado como se o coitado tivesse culpa de algo. Com meu pijama de mangas compridas, não precisei vestir nenhum casaco, pois já estava suficientemente agasalhada. Abri a porta do quarto com cuidado, na intenção de não fazer barulho algum. Todas as portas estavam fechadas e o corredor escuro; pelo menos os meninos estavam tendo uma noite melhor que a minha. Argh. Na ponta dos pés, atravessei o caminho até as escadas, mas algo me fez parar antes mesmo de começar a descer. Minha mão estava no corrimão, mas meus ouvidos captaram algo diferente do silêncio. Uma música, pra ser mais exata, vindo do quarto de Liam. “Ele não está dormindo?” Como se eu precisasse de uma desculpa para ir atrás dele, dei meia volta deixando a minha curiosidade me guiar.
  Encostei o ouvido na madeira da porta daquele quarto só pra me certificar de que não estava louca ou coisa parecida, e realmente não estava. A melodia só ficou mais alta quando eu girei a maçaneta e abri uma pequena brecha para que eu pudesse espiar. Sem saber se seria bem vinda ou não, apenas procurei Liam com os olhos e o encontrei sentado no parapeito da janela, de costas pra mim. O resto do quarto estava escuro, mas ele era iluminado pela luz do poste elétrico da rua. Seria bem mais romântico dizer que ele era banhado pela Lua, mas eu duvidava muito que o céu de Londres não estivesse completamente escuro e nublado. Eu esperava que ele estivesse com o seu violão nas mãos, porém estava enganada. O garoto tinha uma gaita nos lábios e mexia as mãos devagar. Ta aí... Eu não sabia que ele tocava esse instrumento, o que me fez imaginar todas as outras coisas que eu também não sabia sobre ele.
  A melodia que saia de seus assopros era calma e delicada com um toque muito grande de melancolia, chegando a ser triste. Algo me dizia que eu a conhecia, mas não conseguia recordar naquele momento. Um calafrio tomou conta de mim e eu não duvidava que meus olhos fossem ficar marejados a qualquer momento. Será que ele estava triste? Será que essa música mostrava como ele se sentia por dentro? Estava com saudades de casa, da sua família? Sentia-se sozinho? Todas essas dúvidas e questionamentos me deixaram mal. Eu gostava demais daquele garoto pra suportar vê-lo sofrer. O pior de tudo? Eu sabia que pelo menos parte daquela culpa era minha e de mais ninguém. Queria correr até ele e abraçá-lo, queria protegê-lo do que quer que fosse... Queria deixá-lo bem, o que claramente não estava.
  The winner takes it all. The loser's standing small… (O vencedor leva tudo. O perdedor fica menor...) Como não percebi antes que música era essa? É claro que eu a conhecia! Recordar a letra da música só me fez ficar pior ainda e me sentir bem mais culpada. Não culpada apenas por saber que eu era a causadora daquele mal que Liam sentia e expressava através da música, mas também por me sentir confusa. Confusa quanto aos meus sentimentos, sem saber se adiantava continuar ignorando o que quer que fosse aquilo que eu sentia por Liam. Sim, eu estava namorando Zayn e o amava muito, é claro! Nunca seria capaz de magoá-lo de forma alguma... E por outro lado, queria dar a Liam o que seu olhar me pedia todos os dias... Ótima hora pra não conseguir dormir, né? Não sei se era algum delírio da minha mente cansada ou se meu coração me fazia revelações e admitia para si mesmo o que estava acontecendo. The winner takes it all. (O vencedor leva tudo.) The loser has to fall. (O perdedor tem que cair) It's simple and it's plain… Why should I complain? (É simples e é claro… Porque eu deveria reclamar?)
  Eu não podia mais ficar ali, escutando o que acabaria com o resto da minha sanidade. Da mesma forma que a abri, fechei a porta cuidadosamente. Para a minha sorte Liam não me escutou, pois a música não cessou quando eu me afastei. Toquei a testa com a mão e senti a minha temperatura cair. Estava gelada e o clima não era o responsável por isso, e sim a situação onde eu me encontrava. Precisava falar com alguém, alguém que pudesse me entender ou ao menos me escutar. Desejei com todas as forças ainda ter o meu avô ali, porque ele com certeza saberia o que falar e suas palavras me tranquilizariam. A segunda pessoa que costumava sempre estar certa me veio na cabeça e era com ela mesmo que eu tentaria falar. Não me importava se estava tarde demais pra ligar pra alguém, pois não conseguiria ficar sozinha com esses pensamentos perturbadores; não naquela noite.
  Entrei no quarto correndo, com meus olhos totalmente acostumados ao escuro. Fechei a porta, mas ainda não era o suficiente, pois qualquer um me escutaria. Agarrei o celular onde o deixara e fui para o banheiro, sem me importar em acender a lâmpada. Parecer uma louca já não era grande coisa naquele momento, então fui na onda e também entrei no Box do chuveiro. Na minha cabeça, o vidro seria mais um obstáculo para o som da minha voz atravessar e, de certa maneira, tinha esperanças de que meu segredo ficasse guardado naquele cubículo. Encostei-me a parede e, enquanto meus dedos trabalhavam pra digitar o número da minha confidente, deslizei lentamente até estar sentada no chão e com os joelhos próximos ao meu peito.
  - Atende, atende... Por favor... – As chamadas se tornavam cada vez mais longas e eu segurava o aparelho bem próximo à minha orelha. – %Abi%?
  - %Star%? Que horas são? – A voz sonolenta da minha amiga atendeu a ligação e eu me senti mal por tê-la acordado. – Estou atrasada para a aula?
  - Ainda é madrugada... Eu só preciso conversar. – Suspirei e encostei a testa nos meus joelhos.
  - Pela sua voz você não parece nada bem... O que houve, %Tah%? – %Abi% não gritou ou reclamou por eu estar perturbando-a tão tarde da noite e tenho certeza que ela me abraçaria mesmo sem saber o que aconteceu.
  - O pior é que eu não sei nem como explicar. – Ri baixo sem humor nenhum. – É possível... Gostar de duas pessoas ao mesmo tempo?
  - %Tah%... Eu sabia que você acabaria percebendo isso. – Ela também suspirou, tentando espantar o sono. – É o Liam, não é?
  - Uhum... – Admiti baixinho.
  - Eu vejo o jeito que ele olha pra você, mas também sei como você olha pra ele. – Eu não sabia o que falar, por isso preferi apenas escutá-la. – É normal se sentir assim... Dividida. Porque Liam é um cara bem legal e está sempre perto de você, mais até que o Zayn já que vocês moram sob o mesmo teto. Mas isso não significa que você o ame menos...
  - Eu amo o Zayn, %Abi%... Muito... – Segurei o choro que ameaçava sair. – Mas também sinto algo pelo Liam...
  - Você se lembra como estava próxima do Liam pouco antes de começar a ficar com o Zayn?
  - Lembro... – Levantei a cabeça e passei a mão pelos cabelos, nervosa. – Estávamos muito próximos.
  - Exatamente. Vocês tem um assunto inacabado. – Aquilo fazia muito sentido, até mesmo pra mim que estava meio confusa das ideias. – Quando você está com Liam, você é quem gostaria de ser. Mas com o Zayn... Você é quem você deve ser.
  - Então eu não sou uma má pessoa?
  - É claro que não, sua boba... – Ela riu baixinho, o que me tranquilizou. – É normal, ok? Você pode sentir algo pelo Liam... Mas no final sempre vai ser o Zayn.

Capítulo XLVII
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