Ballet Shoes


Escrita porElla Souza
Editada por Isabelle Castro


Capítulo XLIX

Tempo estimado de leitura: 58 minutos

  Se a minha ficha tinha demorado dois dias pra cair, imagine a dos meninos, que não faziam ideia do que estava acontecendo. Diferente do que era de se esperar, ou não, os cinco garotos ficaram mais do que felizes ao saber dessa oportunidade de competir pelo prêmio final do concurso do X Factor; claro, depois que a fase de choque passou. Até mesmo Zayn, que era quem me preocupava mais, aceitou numa boa ter sido “obrigado” a se juntar aos outros quatro. O caso é que valia a pena tentar. Se eles ganhassem e chegassem à final, poderiam se mostrar para o mundo e tentar seguir em frente com a carreira (seja levando a banda pra frente ou se dividindo em artistas solo), ou se perdessem a segunda etapa, voltariam pra as suas vidas normais como se nada disso tivesse acontecido. Não haveria lados negativos nessa história. Pelo menos era o que eu repetia para mim mesma todas as vezes que uma certa insegurança resolvia atacar.
  Eu, Zayn, Niall e %Abi%, nessa respectiva ordem, estávamos sentados no meio de algumas dezenas de alunos no auditório. Era a primeira reunião oficial de Romeu & Julieta, mas nenhum de nós quatro conseguia concentrar o foco nos professores ou no diretor que agora tomava o microfone para passar algumas informações. Minha sorte era que Nicholas estava ao meu lado direito e escutava tudo com atenção. Qualquer aviso mais importante seria captado por ele e mais tarde eu ficaria sabendo. Dei uma leve olhada para a minha esquerda e notei que Zayn e Ni se inclinavam sobre um pedaço de papel e rabiscavam palavras quase furiosamente. A mesma cena se repetira na tarde anterior, por isso eu já sabia do que se tratava.
  Em função de vencer o concurso, todos nós teríamos que nos esforçar para conseguir votos. A votação online e aberta para o público só seria liberada no sábado, mas era bom que tivéssemos algumas cartas na manga para, digamos... Vender o peixe. Todos os nossos familiares/amigos/colegas/conhecidos/etc iriam votar no grupo dos meninos, mas ainda não seria o suficiente. Para expandir o nosso público (sim, nosso, pois eu me sentia parte da banda), tive a brilhante ideia de usar os meios sociais para interagir com possíveis “eleitores”, se por assim dizer, e conseguir votos. Fosse criando uma página no Facebook, Twitter oficial, Tumblr e até um possível canal no Youtube onde postaríamos mais vídeos dos meninos.
  Infelizmente nada disso seria possível sem algo que havia passado despercebido antes, mas era um tanto essencial: O nome da banda. O que os meninos ao meu lado estavam tentando fazer tão enfurecidamente era exatamente isso, brincando com palavras na tentativa de encontrar alguma luz e inspiração para criar um nome original para a mais nova boy band da Inglaterra – e em breve do mundo.
  - Porque não tentamos juntar as letras do nome de cada um e formar uma palavra? – %Abi% estava mais elétrica que o normal desde a noite de quarta-feira e cochichou para chamar a nossa atenção.
  - Z, N, L, L, H... – Niall rabiscou o papel e todos nos entreolhamos. Nada de bom sairia daquelas quatro letras. – Por que não temos nomes mais fáceis de juntar? Como N’sync, por exemplo.
  - Hu... Ni, eu não acho que N’sync é a junção dos nomes deles... – Também mantive a minha voz razoavelmente baixa.
  - Eu desisto. – Zayn deixou sua caneta de lado e bufou baixo. – Podemos nos chamar The Potato Chips e eu não me importo.
  - Eu tenho quase certeza que essa banda já existe... – A garota ruiva coçou o queixo, caçando no fundo da sua memória onde poderia ter escutado um nome assim antes.
  - The potato... Ships. Como a nave, %Abi%, não batatinha… - Ajudei a minha amiga a se lembrar e Zayn me olhou com aquela cara de “você está mesmo mais preocupada com isso?” e eu deitei a cabeça em seu ombro, afim de melhorar a situação para o meu lado. – Não fica assim, baby. Tenho certeza que vocês vão pensar em alguma coisa...
  - Vão mesmo! – %Abi% me acompanhou. – Acho que os cinco devem se reunir e passar um bom tempo juntos. Sem distrações.
  - É uma ótima ideia, cerejinha. Precisamos nos conhecer como uma banda. – Niall era, de longe, o mais animado com essa história toda de banda. Mesmo que Harry chegasse bem perto.
  - Pode ser... – Zayn deu de ombros, mais preocupado em beijar a minha testa do que permanecer naquele assunto que já o estressava.
  - Psiu, %Tah%? – Antes que eu pudesse falar algo ou roubar beijos e suspiros do meu namorado, Nick me cutucou com cuidado.
  - Sim? – Me separei de Zayn com relutância e fitei quem me chamava.
  - Estão chamando a gente ali... – Apontou para o canto do palco, onde Holly e uma senhora já de idade nos encaravam. Só ali é que eu percebi que o diretor já tinha parado de perambular com o microfone e alguns alunos formavam grupos ali ou aqui.
  - Só a gente? – O aceno positivo de Nick indicava que eu teria que deixar os meus amigos cedo demais. Me virei para os três e já não me preocupei tanto com o tom da minha voz. – Eu tenho que ir, tá? A professora está chamando...
  - Sempre com esse daí. – %Abi%, com sua doçura de sempre, entortou o nariz para Nick, mas por sorte ele já não estava perto pra escutar.
  - Não vou continuar discutindo sobre isso, %Abigail%. Nick e eu temos obrigações. Somos... – Me segurei para não terminar a frase com as palavras “um par”, pois isso faria Zayn apoiar a minha amiga e eu não queria mais uma cena de ciúmes que envolvesse os três. - ...Companheiros de peça.
  - Nos encontramos logo, certo? – Zayn não parecia tão feliz assim em me ver ir embora com seu arqui-inimigo, mas compreendia que a culpa não era minha.
  - Mais rápido do que você pensa. – Eu já havia me levantado da cadeira, mas me curvei para deixar um beijo em seus lábios antes de partir. – Juízo vocês três.
  - Já estou com saudades! – Niall gritou e fingiu chorar descontroladamente.
  Sim, meus amigos são todos idiotas. Mas essa era a melhor coisa neles. Nick me esperava no meio da rampa do corredor, estendendo o braço para que pudéssemos ir juntos até a suposta namorada dele e a outra mulher que eu não fazia ideia de quem fosse. Me apoiei na curva de seu braço e tive a leve impressão de escutar reclamações atrás de mim, preferindo não me virar pra olhar o que era. A Srta. Holly tinha um sorriso bem amigável estampado no rosto quando nos aproximamos e apontou para a outra mulher.
  - Senhor Hoult, você deve se lembrar da nossa figurinista, certo? – Chamar Nick pelo sobrenome era uma forma de disfarçar o relacionamento secreto entre os dois e eu não contive um sorrisinho cúmplice. Ainda gostava de ser a única pessoa a saber que estavam juntos. – %Star%, gostaria que conhecesse Margot Clearwater. Ela é a responsável por todos os figurinos do espetáculo.
  - Muito prazer... – Tentei sorrir simpática, mas algo nela me dava arrepios. Talvez fosse a verruga preta em seu queixo, ou quem sabe o olhar negro que pairava sobre mim cheio de julgamento. – A senhora vai fazer todos os figurinos?
  - Não pense que sou velha demais para o trabalho só por causa da minha aparência. – Levantou uma sobrancelha, mais ríspida do que eu gostaria.
  - Eu não... – Tentei me justificar, mas naquele caso era melhor permanecer calada. Holly me lançou um olhar que dizia: “ela é assim mesmo, não se preocupe”, o que me aliviou um pouco.
  - É um prazer revê-la, Margot. – Nick fez uma reverência e a senhora sorriu. É, pelo visto era só de mim que ela não gostava.
  - Digo o mesmo, meu jovem. – Tocou-lhe o rosto como as tias distantes fazem ao ver o sobrinho crescido depois de muitos anos.
  - Bem, vamos ao que interessa? – A professora interrompeu as apresentações e apontou para a porta branca ao lado do palco, que eu já sabia levar até as coxias. – Vocês serão os primeiros a tirar as medidas porque Colin ainda quer conversar com o dois antes de serem liberados.
  Ótimo. Mais conversa com o meu diretor preferido! Posso ter sido um pouco cínica nessa última frase, mas meus sentimentos pelo diretor da peça eram bons. Eu gostava das nossas seções juntos e admirava sua dedicação, o único problema era que eu tinha medo de não exceder suas expectativas; já que ele esperava ver em mim a Julieta reencarnada. Eu tentava elevar o meu nível a cada novo encontro, mas tinha certa dificuldade durante os diálogos no idioma vitoriano. Margot se mexeu quase como uma tartaruga e andou ao lado de Holly até a porta. Nick e ficamos um pouco para trás e nossos olhares queriam dizer a mesma coisa.
  - Ela parece uma bruxa de uma daquelas histórias infantis, né? – Sussurrou ao meu pé do ouvido. – Aposto dez pratas que ela mora em uma casa de doces pra atrair criancinhas, assim como em João e Maria.
  - Gosto mais da versão atual de João e Maria... Aquela em que eles caçam as bruxas. – Falei no mesmo tom e fingi segurar um arco e flecha invisível e disparar contra a senhora, causando risos em nós dois.
  Por sorte minha, ninguém mais nos ouviu e logo estávamos em um dos camarins do backstage do auditório. Dentro dessa sala bem iluminada havia algumas araras com roupas variadas de outras apresentações, um espelho enorme que ia do chão até o teto, uma cadeira com rodinhas e uma mesa com papeis e lápis. Margot sentou-se sobre essa cadeira e deslizou até a lateral do espelho. Se antes ela já parecia uma bruxa, agora era uma bruxa fora de moda, pois tirou do pescoço um par de óculos com aros de oncinha e os colocou sobre a ponte do nariz. Nos olhando por cima das lentes, querendo saber quem tomaria uma atitude primeiro, mexeu o queixo como se arrumasse a dentadura dentro da boca.
  - E então? – Sua voz se tornava ainda mais desagradável agora que os ruídos do auditório haviam sido eliminados.
  - Primeiro as damas. – Nick praticamente me empurrou na jaula do leão e quando fui ver já estava na frente do espelho. O lancei um olhar feroz pelo reflexo, mas só ganhei um sorriso desleixado em troca.
  - Deixe-me ajudá-la.
  Holly não estava nada satisfeita com a traição que eu recebera e se juntou a mim, pegando a minha mochila de ombro e o meu casaco. Por sorte estava com uma calça leggin colada e uma blusa que também ficava rente ao corpo, então não teria que me despir para ter as minhas medidas anotadas. Tirei as sapatilhas dos pés e as chutei para a minha frente; ato que não agradou nada Margot. O que é? Ela estava esperando mais delicadeza ou etiqueta?! Só podia ser. Depois de um suspiro, a mais velha deslizou com as rodinhas pelo chão novamente até ficar atrás de mim. Esticou uma fita métrica em torno do meu quadril e depois olhou para Nick.
  - Rapaz, poderia anotar as medidas que eu for falando? – Acho que usou toda a sua simpatia com o meu companheiro, o que não deixava nada de resto pra mim.
  - É claro que sim! – O garoto se mexeu até a mesa e pegou o caderninho que a costureira indicava com a ponta do dedo.
  - Anote o nome da sua amiga no topo da página e vá anotando o que eu disser... – Informou. Ótimo, agora todos naquela sala ficariam sabendo das minhas medidas. – Contorno de quadril... 88. Cintura: 62. Manequim 36. Quase 37, mas vamos fazer um esforço.
  Na medida em que Margot deslizava a fita métrica pelo meu corpo sem nem pedir licença, ditava os números para Nick, que me olhava de esguelha e anotava tudo. Eu não me achava gorda demais e nem magra demais, mas depois daquela sessão de tortura com certeza sairia com a minha auto estima balançada. Tive meu busto, braço, pernas e até mesmo meu pulso medidos. Minha altura também foi tirada e descobri ter 1,72m, noticia que me alegrava muito, já que meu irmão tinha 1,71m, mas não acreditava quando eu afirmava ser mais alta que ele. Um centímetro podia ser pouco, mas ainda assim contava como diferença.
  - Você pensa em fazer algum regime? – A voz de Margot me tirou de meus devaneios e eu a encarei sem saber se aquilo era uma indireta ou não.
  - Eu não gosto de regimes... – Falei quase sem voz, sentindo-me desconfortável e invadida.
  - Hm. Pena. – Disse simplesmente, fazendo milhões de criticas passarem pela minha cabeça.
  - Eu estou gorda? – Me olhei no espelho com certo espanto. Já tinha sido mais reta no abdômen, mas não chegava a ter pneus pulando para fora da calça.
  - Próximo? – Me ignorou e olhou para Nicholas, que assumiu o meu lugar.
  - Você está ótima, %Tah%. – Holly me devolveu meus pertences e tentou me acalmar. Ela também era mulher e por isso sabia das inseguranças que rondavam o universo feminino. Como se estivesse lendo meus pensamentos, acrescentou: – Não fique sem comer e nem faça alguma loucura.

+++

  Depois daquela manhã 50% produtiva e 50% preocupante, não me espantei em não ter conseguido comer direito durante o almoço. Os meninos notaram que havia algo de errado nisso, mas tentei disfarçar como pude e disse que estava tudo bem. Também sei que eles não acreditaram em mim, mas quando o relógio de casa bateu as 15h30min eles pareciam ter esquecido e deixado a preocupação de lado. Agradeci mentalmente por isso, já que qualquer um deles falaria que eu estava me importando com besteira e que minha forma estava ótima. Eu concordaria até algumas horas atrás, mas depois do meu encontro com Margot, algo tinha mudado. Não era por pura vaidade que eu estava começando a reparar no meu peso, e sim pelos anos de experiência que ela devia ter nas costas. A Academy não contrataria qualquer uma para fazer seus figurinos, o que me fazia pensar que aquela senhora tão chata conhecera bailarinas e bailarinos com corpos esculturais durante seus trabalhos. E se ela não gostou da minha silhueta... Bem, era porque tinha motivos.
  Como Dorota não deu o ar da graça durante essa semana (por motivos pessoais), havia muito trabalho doméstico acumulado esperando a boa vontade de alguém se mexer e fazer alguma coisa. Em uma casa onde moram três homens e uma mulher, não era surpresa alguma quando eu fui a primeira a ter uma atitude. Além do mais, precisava me distrair e essa seria a saída perfeita. Com uma cesta de plástico na mão, revirei o meu quarto em busca de roupas sujas e que precisavam ser lavadas. Olhei embaixo na cama, no banheiro... E até mesmo entre as cortinas achei peças que pediam um banho. Logo meus braços começaram a fraquejar devido ao peso, mas levei aquilo como um exercício. Liam havia se disposto a me ajudar e acabava de passar por mim no corredor, quase derrubando tudo que tinha em mãos. Contendo o riso, fui até o quarto ao lado do meu, chutando a porta para esperar que Harry me atendesse.
  - A porta tá aberta... – Haz cantarolou lá de dentro.
  - Estou meio sem mãos aqui... Vem logo, Harry! – Não briguei, mas meu tom de voz passava urgência. Também pudera, cheia de coisa nas mãos anda ter que abrir a porta?
  - A que devo a sua visita? – O garoto abriu a porta e quase caiu pra trás ao me ver. – Demorei muito pra abrir a porta? %Tah%, você foi engolida por um monstro de roupas?
  - Eu invejo a sua imaginação, pequeno cupcake. – Ri com um balanço de cabeça. – Mas ainda estou viva. Só vim ver se você tem alguma roupa pra lavar...
  - Agora que você falou... – Harry levantou os braços para cheirar a camisa cinza que usava e a puxou por trás, deixando o seu torço branco e tatuado a mostra. – Aqui e...
  - Harry, calma! – Ri quando ele atirou a camisa em cima de mim e começou a tirar as próprias calças. – É, acho que podemos dizer que você não é tímido.
  Eu já havia visto Harry usando bem menos que aquela boxer branca que cobria as suas... “Partes preciosas”. Principalmente por ele ter uma mania incrível de andar pelado por aí, desde pequeno. Mas agora Harry estava crescendo e seu corpo tomando uma forma mais... Encorpada? É, essa é única palavra que eu consigo usar pra descrever. O moreno crescia mais bonito a cada dia e às vezes era difícil não olhar quando ele passava ao meu lado do jeito que veio ao mundo. Ainda assim... Ele era meu irmãozinho mais novo e eu não sentia qualquer tipo de atração física por ele. Aham. É. Balancei a cabeça involuntariamente, discutindo comigo mesma se eu havia esquecido de como se anda até que minhas pernas deram meia volta e eu comecei a descer as escadas.
  - Se eu encontrar dinheiro no bolso, ficarei com ele! – Avisei já perto do hall de entrada.
  - Falou comigo? – Liam parecia confuso ao me encontrar no meio do caminho.
  - Com o Harry. – Apontei para as escadas com um ombro e o menino pegou a cesta de roupas da minha mão. – Conseguiu lugar a máquina de lavar?
  - Mais ou menos... – Me deu as costas e eu o segui. – Porque uma máquina precisa de tantos botões assim? Pra mim só o de “liga” e “desliga” já estava de bom tamanho.
  - A arte de lavar roupas é algo complicado, Li. – Me senti a expert no assunto e atravessamos a sala de jantar até chegar na cozinha, onde Liam abriu com o pé uma porta de correr. – Precisamos saber o ciclo das roupas, a textura, os produtos que devemos usar...
  - Por isso é mais fácil mandar lavar roupa fora. – Resmungou. – Tem muita gente que faz isso, sabia?
  - Mas muita gente não tem lavadora em casa! O que não é o nosso caso.
  Atrás da cozinha existia uma espécie de quarto escondido. Eu quase nunca ia lá, porque Dorota considerava como o seu cantinho sagrado. Qualquer bagunça ali dentro era motivo de guerra! Mas em situações desesperadas, as medidas também são desesperadas. Minha montanha de roupas sujas estava grande demais para que eu passasse mais uma semana acumulando e acumulando. Não devia ser tão difícil assim, certo? Encarei as duas máquinas de tamanho semelhante a um fogão tradicional e parei para pensar. Uma era a máquina e a outra a secadora... Mas qual era qual? Liam estava ali dentro também e me olhava na espera de uma resposta.
  - E então? O que fazemos agora?
  - Agora colocamos as roupas dentro da maquia... – Levantei a tampa de Inox da sofisticada lavadora e torci pra que fosse a certa. – Mas só as coloridas... Vamos lavar as brancas separadas, ou vai manchar tudo.
  - Sim, senhora. – Bateu continência como se fosse um soldado. – Acho que esqueci uma camisa no banheiro... Já volto!
  Liam se apertou entre mim e a lavadora de roupa pra conseguir sair da lavanderia e sumiu do meu campo de visão. Despejei algumas das minhas roupas na máquina, junto com outras de Liam, Lou e a camiseta de Harry. Jeans também deveria ser lavado separadamente, por isso deixei a calça de lado por um instante. A caixa de sabão em pó estava na altura da minha cabeça, no armário, então puxei-a com cuidado e derramei um pouco do pó no compartimento apropriado. “Quem sabe mais um pouquinho...” Dei de ombros e derramei mais um pouco da farinha azul e dei de ombros. Que mal iria causar? No máximo as roupas ficariam mais cheirosas.
  - Cheguei! – Meu ajudante voltou com uma camiseta na mão e a jogou na máquina aberta.
  - Cesta! – Comemorei brincalhona, trocando de lugar com ele e passando para a cozinha. – Agora é só ligar e esperar a magia acontecer.
  - Só mais uma coisa... E, pronto!
  Escutei Liam falar mais alguma coisa, mas não sabia ao que ele se referia, já que me ocupei em pegar um copo de água na geladeira. Todos esses... Cinco minutos de trabalho duro haviam me deixado com uma sede horrível. Exageros a parte, é claro. Dora teria uma surpresa e tanto quando chegasse e descobrisse que lavamos as roupas... Talvez até ficasse orgulhosa! Sorri um pouco boba com esse pensamento e terminei de beber a água em meu copo, deixando-o na pia em seguida. “Ah! Quase me esqueci!” Voltei apressada para a lavanderia e passei mais uma vez por Liam, ficando no canto direito, onde deixara a calça de Harry. Fui observada com atenção, mas não me importei. Vasculhei bolso por bolso, encontrando uma nota de cinco libras na minha ultima tentativa. Comemorei e guardei no meu próprio bolso. Não era um valor tão grande, mas pagava um sorvete.
  - Que coisa feia... – Fui reprovada com um suspiro.
  - Uma garota tem que ganhar a vida, né? – Ri e bati sobre o bolso onde havia guardado a nota. – Se você não me dedurar, eu divido com você.
  - Temos um trato. – Liam também riu e fez menção de esticar a mão, mas um movimento mais brusco da máquina de lavar nos assustou. – O que foi isso?
  - Deve ser normal... – Olhávamos no mesmo ponto e eu torcia para estar certa.
  Foi então que começou o nosso pesadelo: A tampa se abriu um pouco, mais ou menos dois centímetros, mas ainda era o suficiente pra que uma espuma branca começasse a escapar. Liam e eu nos olhamos sem saber o que estava acontecendo e nossa primeira reação foi fechar a tampa com mais força. Em seguida fechei a porta da lavanderia, praticamente nos trancando ali dentro. O mesmo barulho de antes voltou a nos perturbar e a máquina quase saía do lugar, balançando de um lado para o outro.
  - O que fazemos agora? – Perguntei passando as mãos nos cabelos.
  - A conhecedora da arte de lavar roupas aqui é você! – Soltou a tampa da máquina na esperança de que o barulho parasse, porém, com isso a espuma voltou a sair.
  - Mas eu não conhecia essa parte da arte... – Me desesperei tentando jogar a espuma de volta para dentro da máquina de lavar. – Eu coloquei pouco sabão!
  - Você colocou sabão?! Eu coloquei sabão! – Então estava explicado o que havia acontecido! A cena seria cômica se eu não estivesse começado a ficar ensopada de espuma. – Já sei...
  - O que você... LIAM! – Ao me virar pra ver o que meu amigo faria pra resolver nosso problema, senti suas mãos agarrando as laterais do meu quadril e me levantando até que eu estivesse sentada em cima da tampa da máquina, quase batendo a cabeça no armário.
  - Ainda assim não adianta! – Ele gargalhou ao meu ver praticamente cavalgando aquele eletrodoméstico, já que os movimentos e barulhos não queriam parar de jeito nenhum.
  - Eu vou escorregar! – Acabei rindo também, tentando me segurar em qualquer lugar. Com os pulos que eu dava, a tampa abria e fechava, deixando montanhas de sabão voarem para o chão. Logo a nossa lavanderia estaria coberta por espuma.
  - Cuidado pra não... – Liam deu um passo na minha direção, provavelmente vindo me ajudar, mas pisou em falso e ele mesmo acabou caindo. – Cair.
  - Li-i? Você-ê est-tá bem?– Ri mais ainda olhando-o desaparecer no mar branco. Eu pulava tanto pra cima e pra baixo que parecia estar gaguejando. – Onde dês-desliga-a essa co-oisa?
  - Tenta apertar algum botão! – Gritou, mas eu ainda não conseguia enxergá-lo. Àquela altura a espuma chegava até a altitude do meu joelho e em breve seriamos sufocados pelo sabão. Fechar a porta não tinha sido a atitude mais sábia, pois o lugar apertado ficava menor ainda e as bolhas não tinham pra onde escapar.
  - ACHEI! – Dei meia volta tentando ler o visor digital da máquina de lavar apertei em “Cancelar”. No mesmo instante o touro mecânico que só devia deixar as roupas mais limpas morreu. Olhei de volta para onde havia visto Liam da última vez, mas ele não voltou a aparecer. – Conseguimos, Leeyum! Liam?
  - RWAAAAAAAAR. – O menino deu um pulo e saiu do meio da espuma, jogando um punhado em mim.
  - Muito engraçado! – Dessa vez não me assustei, mas escondi o rosto com as mãos pra não ser atingida nos olhos.
  - Foi engraçado sim, %Tah%... – Aproveitou que a minha guarda estava baixa pegou mais um bocado da espuma e começou a colocar sobre a minha cabeça. Eu já conseguia sentir meu couro cabeludo ficando molhado e resolvi tomar uma atitude.
  - Para com isso, Paaaaaayne. – Minha ultima palavra saiu mais arrastada do que deveria, pois saltei da maquia e perdi o equilíbrio ao pisar no chão. A madeira estava mais escorregadia do que eu imaginava, pois teria ido ao chão se Liam não tivesse me segurado. – Essa foi por pouco! Quase que eu caí como uma jaca mole, assim como você.
  - Ah, é? – Levantou uma sobrancelha, não gostando nada da minha brincadeira. A próxima coisa que senti foi seu pé se arrastando atrás do meu e me tirando o equilíbrio mais uma vez.
  - LIAM! – Gritei ao ser derrubada, mas não deixei barato e o puxei pela gola da camisa. Eu podia ter caído, mas pelo menos o levei junto.
  - Você é maluca, %Star%? – Reclamou ao ficar sentado, mas eu comecei a rir tanto que não pensei nem na possibilidade de tê-lo machucado.
  - Você é que começou a guerra! – Fiquei de joelhos o mais rápido que pude e enchi a mão de espuma, jogando no meu adversário da melhor forma que consegui.
  Em dez segundos nós dois já parecíamos duas crianças do jardim de infância, engatinhando um atrás do outro e vendo quem se sujava mais. Ambos estávamos parecendo dois pintos no lixo, mas meu cabelo grande e emaranhado me deixava com a aparência pior que a dele. O espaço estreito da lavanderia me fazia esbarrar nas quinas e objetos grandes, mas a dor era o menos me importava naquele momento. Eu ria tão descontroladamente que mal escutava os xingamentos de Li quando a espuma entrou em sua boca.
  - O que é que está acontecendo aqui?! – Louis abriu a porta de uma vez, nos fazendo parar com a nossa guerra como se tivéssemos sido pegos em flagrante.
  - Ops... – Dissemos em conjunto.

+++

  - %Tah%, tem certeza que não quer vir com a gente? – Lou apareceu na porta do meu quarto com uma toalha amarrada à cintura e outra à cabeça.
  - Tenho sim, Boo... – Fiz um pequeno bico enquanto passava a escova de cabelo entre os meus fios molhados. – Mas aproveitem, ok?
  - Você é que sabe. – Deu um meio sorriso e se virou para entrar no próprio quarto.
  Depois de limpar toda a bagunça que eu e Liam fizemos na lavanderia de casa, conseguimos terminar de lavar todas as roupas e boa parte delas já estava seca e dobrada perfeitamente. Apenas as que precisavam ser passadas é que continuaram dentro de um cesto, esperando por Dorota. Tomei um longo banho na tentativa de relaxar depois da minha tarde de trabalho braçal e fiz uma hidratação rápida nos cabelos; daquela que não requer mais de quinze minutos. Enquanto trocava a toalha por roupas mais confortáveis, como um shot de algodão e uma camiseta, recebi vários convites para sair. Era uma noite de sexta feira e a cidade não iria dormir antes das três horas da manhã! Ou pelo menos esse foi o argumento que Harry usara para tentar me convencer. Eu não estava querendo ser chata, só tinha algumas coisas pra fazer em casa... Coisas muito importantes, diga-se de passagem. Pelo menos não precisei me sentir culpada em acabar com o barato dos meninos, porque eles decidiram ir mesmo sem mim. Desconfio que Niall, Zayn e %Abi% também foram incluídos no passeio de Lou, Haz e Li, mas nada me faria mudar de ideia.
  - Toc toc. – Liam usou uma onomatopeia para chamar a minha atenção e me virei na direção da porta, parando no meio do caminho que eu fazia até o banheiro. – Porque você não vai com a gente?
  - Não é por mal, Leeyum! É só que o Nick vai passar aqui amanhã de manhã... E não seria legal eu acordar com ressaca ou cansada demais. – Tentei me explicar e, surpreendentemente, a expressão facial que tomou conta do menino foi a mesma que Zayn fizera ao receber a mesma noticia. – Ele vai me dar uma ajuda com as falas da peça.
  - Sei, sei... É mesmo uma pena. – Não parecia estar tão convencido assim das intenções da visita do meu colega, mas aceitou com um levanto de sobrancelha. – De qualquer forma... Poderia me dar uma ajuda?
  - Claro, sweety. Do que você precisa?
  - Eu não faço ideia do que usar... – Coçou a nunca meio sem jeito. – Poderia escolher uma roupa pra mim?
  - É claro que sim! – Me senti um tipo de babá, ou até mesmo mãe, se prontificando para escolher o que o filho iria usar na sua primeira noitada com amigos. – Já te encontro no seu quarto, ok?
  - Valeu, %Tah%! – Fez um aceno com a mão e também partiu.
  Balancei a cabeça, rindo comigo mesma. Mas é pra isso que servem as amigas, né? Dei a minha própria volta e entrei no banheiro, deixando a minha escova de cabelo cor de rosa sobre a bancada da pia e agarrando a de dentes de mesma cor. A pasta também era rosa e comecei a notar um padrão ali. “Uau, eu gosto muito de rosa...” Mais da metade das minhas coisas dentro daquele cômodo era dessa tonalidade, até mesmo as paredes que possuíam certo toque salmão. Dei de ombros sem querer me atentar muito àquele detalhe e me preocupei em continuar escovando meus dentes brancos. Não havia comido nada desde o almoço, mas me enganava alegando que não sentia fome. O caso é que mesmo depois de ter me distraído bastante e tirado algumas ideias ruins da minha cabeça, os olhares julgadores de Margot ao tirar as minhas medidas não me abandonaram.
  Cuspi a espuma e fiz gargarejo, também jogando a água gelada no meu rosto, talvez para acordar ou simplesmente pra me distrair com a sensação de frio e deixar os pensamentos inseguros guardados no fundo da minha memória. Apaguei a luz do banheiro ao sair, mas deixei a do quarto acesa. Ainda voltaria pra lá depois de separar o modelito para Liam. Usar esse termo “modelito” pode até ser gay, mas contanto que fosse escutado apenas dentro da minha cabeça, não haveria problema algum!
  O barulho de água correndo informava que Liam estava tomando banho, mas utilizei a minha utilidade para entrar no quarto sem ser convidada. A porta da suíte estava entreaberta e deixava uma fresta de luz e vapor invadir o cômodo maior. O cheiro de creme de barbear e sabão preencheu os meus pulmões e controlei a minha vontade de chegar mais perto do banheiro. Segui direto para o guarda roupa na tentativa de achar alguma roupa adequada para Liam usar. A primeira coisa que percebi foram as fotos grudadas no interior da porta de madeira. Recordava já ter ouvido falar que havia fotos minhas ali, mas esperava que outras pessoas também a enfeitassem; como de seus pais ou até mesmo de amigos de Wolverhampton. Nada. Apenas fotos de nós dois juntos, ou só minhas.
  Preferi dar de ombros e não pensar no que aquilo significava, até porque todos já sabemos bem o motivo que levava Liam a ter fotografias minhas pregadas em um lugar de fácil alcance. Mexi entre um cabide e outro, passeando os olhos pelas tonalidades das camisas penduradas, desejando que algum tipo de ordenação pudesse ser usado ali. Talvez, se eu ficasse bem entediada, voltaria ali para organizar as peças por cor e ocasião; como havia feito com as de meu irmão. Estava tão distraída naquele pedacinho do mundo de Liam Payne que nem percebi quando o chuveiro foi desligado e o dito cujo parou a poucos metros de mim.
  - Encontrou alguma coisa interessante aí? – A voz masculina me fez virar e desejei não tê-lo feito. Liam também usava uma toalha amarrada à cintura, mas diferentemente do meu irmão, ele estava extremamente sexy. O cabelo bagunçado e o corpo levemente molhado só aumentaram a minha imaginação.
  - Quase! – Tentei disfarçar o rubor em minhas bochechas e voltei a encarar as roupas. – Você tem MUITAS camisas de super heróis.
  - São um hobby. – Senti sua risada encher meus ouvidos e tive que me segurar pra não virar mais uma vez.
  - Pra onde vocês vão mesmo? – Levantei uma sobrancelha, concentrando-me em minha dura tarefa. Peguei uma calça jeans escura e a atirei na cama atrás de mim.
  - Acho que é um restaurante mexicano chamado Cucarachas. – Rio do nome do estabelecimento e vi de soslaio que ele apontava para uma das gavetas. – Pode me passar uma cueca, por favor?
  - Restaurante mexicano? Aceito Fajitas pra viagem! – Tentei descontrair o ambiente na tentativa de não deixar o meu nervosismo transparecer. Ele iria se trocar na minha frente? Ou, no caso... Nas minhas costas? De qualquer forma, abri a gaveta indicada e puxei a primeira peça íntima que encontrei. – Aqui, Li.
  - Obrigado! – Parecia casual demais, tranquilo demais, levando em consideração que eu acabara de ver a sua gaveta de roupas de baixo. – E pode deixar que não me esquecerei das suas Fajitas.
  - É bom mesmo! – Tirei dois cabides do guarda roupa: O primeiro com uma camisa branca e o segundo com uma outra camisa de botões, essa última sendo de um azul bem claro. Não estava frio e nem quente, mas só pra prevenir, também peguei uma jaqueta jeans acinzentada e coloquei tudo em cima da cama; onde a calça já não estava mais. – E pode usar aquele Sneaker branco? Acho que vai ficar bem legal.
  - O que eu faria sem você, %Tah%? – Abraçou-me assim que eu virei em sua direção. Ainda estava sem camisa, mas pelo a calça jeans já estava em seu lugar.
  - Absolutamente nada! Agora vou deixar você se trocar em paz. – Assim que nos separamos, fui até a porta, mas não sem antes dar uma espiada por cima do meu ombro. – Aliás... Eu gosto de boxers.
  “Eu gosto de boxers.” Repeti na minha cabeça e rolei os olhos da minha própria frase ridícula. “Sério, %Star%? Sério?” Eu sabia que falara besteira, mas o tom avermelhado que Liam ganhou nas bochechas foi o suficiente pra me deixar satisfeita. Eu não costumava sair por aí comentando sobre o tipo de cueca que eu gosto ou deixo de gostar, mas naquele momento simplesmente... Escapuliu. Voltei para o meu quarto antes de falar mais alguma coisa de que pudesse me arrepender e passei os dedos pelos cabelos que, por falar nisso, estavam mais sedosos do que nunca. Ao lado da minha cama, sob a minha mesinha de cabeceira, se encontrava o que seria a minha distração pelo resto da noite. Infelizmente não era um iPod, um DVD, um jogo de vídeo game e nem ao menos um livro... Era o roteiro de Romeu & Julieta que eu vinha falhando tão miseravelmente em decorar. As folhas estavam marcando onde eu havia terminado na ultima vez em que o pegara pra estudar, mas tinha uma leve impressão de que seria melhor começar tudo de novo.
  Peguei o grosso caderno de qualquer jeito e também o meu celular. Se eu ficasse pelo quarto, acabaria me distraindo com alguma coisa idiota ou até mesmo cairia no sono. Por isso aproveitaria o silêncio da casa pra poder ficar em paz e ler no sofá da sala. Desci as escadas e encontrei com meu irmão e Harry parados perto da porta, ambos bem arrumados e cheirosos. O mais alto usava uma camisa de manga comprida azul e repleta de corações e pontinhos brancos; a qual eu podia jurar ser da marca Burberry, e uma calça jeans skynny mais apertada que a minha. Lou não ficava pra trás e usava uma camisa social listrada, com um casaco mais desleixado pra dar a impressão de “high low”. Os dois estavam lindos, mas eu ainda queria ver Liam usando a minha criação.
  - Liam, vai demorar? – Louis bateu o pé no chão, impaciente.
  - Amei a camisa, Harry. – Sorri ao passar rapidamente para a sala e deixar meu roteiro em cima da mesinha de centro.
  - Foi presente da minha mãe! – Sorriu de volta e pareceu uma criancinha a fazê-lo.
  - Não cabia mais nela? – Louis fez uma piada e só ele estava rindo.
  - Pois eu achei muito linda. E muito máscula também... – Eu podia não ter tanta certeza da última parte, mas ninguém precisa saber desse detalhe.
  - Já cheguei, já cheguei! – Li desceu as escadas correndo e o seu perfume estava ainda mais forte que dos outros dois. – Como estou?
  - Lindo! – Comemorei com orgulho do meu look. – Mas falta alguma coisa...
  - O que? – Parou de frente pra mim e eu descobri o que era.
  - Fica melhor assim, oh... – Desci o olhar dos olhos para o pescoço de Liam e terminei nos primeiros botões da camisa, abrindo-a até a metade. – Pronto!
  - Obrigado. – Sorriu em agradecimento e deixou um beijo na minha testa.
  - Está de olho em alguma garota, Liam? – Louis brincou, provavelmente porque Li estava bonito de verdade.
  - Estou, mas ela resolveu ficar em casa hoje. – Respondeu na maior naturalidade e eu encarei o teto.
  - Ui. – Harry me cutucou disfarçadamente, como se eu não tivesse entendido a indireta pra mim.
  - Bom, meninos... Se divirtam, ok? – Passei entre os três e abri a porta.
  - Já está expulsando a gente! – Lou fez uma careta, mas passou por mim e deixou um beijo na minha bochecha. – Não espere acordada!
  - Até depois, %Tah%. – Harry foi o segundo a passar, beijando a minha outra bochecha.
  - Se mudar de ideia, já sabe onde estamos... – Com outro beijo em minha testa, Liam também se foi.
  Fiquei observando-os irem até o carro e se acomodarem. Ainda dei alguns acenos de despedida para então fechar a porta de casa e trancar com a chave. De repente tudo pareceu tão vazio que eu até mesmo me assustei. Era sempre uma confusão tão grande naquela casa que, quando os meninos não estavam, eu me sentia estranhamente solitária. O primeiro pensamento que se passou pela minha cabeça foi: “Ainda bem que a casa não fica vazia assim por mais que uma noite!” Mas será que isso continuaria sendo verdade? E se os meninos alavancassem em uma carreira musical e começassem a viajar por meses para divulgar o seu trabalho? Ou até mesmo uma situação um pouco menos extrema... E quando eles começassem a se casar e mudar para as suas próprias casas? Eu ficaria sozinha?
  “Ok, chega de drama!” Pedi a mim mesma e sacudi a cabeça. Ainda faltava muito tempo pra uma dessas coisas acontecerem... Não faltava? Rumei para a sala e me joguei no sofá, mantendo o controle da TV o mais longe possível de mim e o meu celular na mesa de centro. A voz da procrastinação tentou me convencer a checar o twitter, as mensagens... Até mesmo os meus e-mails! Mas fui mais forte e resisti a tentação. Uma vez com o celular na mão, seria difícil deixá-lo de lado e me concentrar no que era importante de verdade. Peguei o roteiro e o abri na primeira página, olhando de relance para o relógio na parede. Ainda eram 19h40min, o que me dava várias horas antes de ter que ir dormir.

+++

  Depois do que pareceu ser quatro horas de leitura, eu não saíra nem da página número vinte. As palavras e expressões travavam a minha língua e eu tentava culpar o meu sotaque. Se para uma pessoa inglesa aquelas frases rebuscadas já davam certo trabalho, imagine pra mim, que dominava melhor um idioma completamente diferente! Mas não era do meu feitio desistir; não depois de tudo pra conseguir e manter essa chance de interpretar a personagem principal. Seria tão mais fácil se eu pudesse só dançar... Pois seria bem mais simples se eu pudesse apenas interpretar com o meu corpo e meus movimentos, sem ter que usar a minha voz pra nada. Entretanto, como a vida não é um mar de rosas, eu teria que me contentar e “dar a cara a tapa”. Nunca agradeci tanto por Nick ter se disposto a me ajudar com qualquer coisa que eu precisasse. Seria a primeira vez que ele me visitaria em casa, sem falar que nós só nos vimos fora da Academy durante as festas de Halloween e de início de aulas, o que não contava muito. Eu estaria nervosa se não soubesse do relacionamento de Nicholas com a professora Holly, mas naquele momento estava bem tranquila. Nós só iríamos passar algumas falas e eu o obrigaria a me ensinar seus truques pra recitar tão perfeitamente.
  “Ela ensina a tocha a ser luzente. Dir-se-ia que da face está pendente da noite, tal qual joia mui preciosa da orelha de uma etíope mimosa. Bela demais para o uso, muito cara para a vida terrena. Como clara pomba ao lado de gralhas tagarelas, anda no meio das demais donzelas. Vou procurá-la, ao terminar a dança porque a esta rude mão possa dar a ansa de tocar nela e, assim, ficar bendita. Meu coração, até hoje, teve a dita de conhecer o amor? Oh! Que simpleza! Nunca soube até agora o que é beleza!” Li na minha cabeça e fui me lembrando como Nick a recitou aquele dia no ensaio, sem nem pestanejar. Eu tentava me ver como a Julieta, com aquela beleza tão genuína e inspiradora, que fizera dois homens caírem de amores aos seus pés.
  Enquanto tentava achar semelhanças entre nós duas e até mesmo ignorando a pontada de inveja que eu sentia dela, fui distraída quando a campainha de casa soou. Será que eu podia me fingir de morta? Ou fazer de conta que ninguém estava em casa? Devia ser apenas Marge, a vizinha... Ou talvez Olivia, uma menina que morava na rua de trás e que eu ainda não tivera a oportunidade de conhecer. Como não estava esperando ninguém e todos os meus amigos estavam, provavelmente, se empanturrando de nachos e enchendo a cara de margaritas; um verdadeiro banquete mexicano, fiquei encolhida no sofá, mas não foi o suficiente. A campainha voltou a tocar e eu bufei. Deixei o roteiro de lado e me espreguicei devagar. Ao menos, se fosse Marge mesmo, ela poderia estar querendo entregar um prato de biscoitos. Sim, eu estava tentando não comer, mas a fome já era tanta que eu começava a escutar alguns roncos vindo do meu estômago.
  Atravessei o corredor calmamente, pois se a pessoa tinha esperado até agora, esperaria mais um pouco até eu chegar na porta. Destranquei com a chave e abri um sorriso fraco, um tanto falso. Não pra ser antipática, apenas pra mostrar que não era educado aparecer na casa da pessoa depois do horário de recolher – se é que ainda existe algo assim, mas enfim. Assim que vi quem me esperava na varanda, toda a falsidade foi embora e uma emoção que eu já conhecia encheu o meu peito. Zayn segurava uma sacola de papel e tinha o sorriso mais lindo do mundo nos lábios mais lindos ainda. Antes de falar qualquer coisa, me joguei em seu pescoço como se não o visse há dias. Fui envolvida com a mesma urgência e ganhei um breve beijo nos lábios.
  - Zayn, o que você está fazendo aqui? – Minha voz não tinha tom de desapontamento algum. Olhei no relógio, imaginando que já era bem tarde, mas comprovei que as horas não voam quando a gente não se diverte. – Já passam das... Nove e meia?
  - Eu trouxe brownie e sorvete... – Apontou para a sacola. – E também queria te ver...
  - Você me ganhou em “brownies”. – Ri baixo, deixando a minha parte esfomeada falar mais alto. – Pode entrar!
  - Depois de você. – Fez uma espécie de reverência e me deixou passar pela porta.
  - Mercí. – Agradeci com outra reverência e passei, puxando-o comigo pela mão. – Achei que você sairia com os meninos hoje...
  - O Niall me chamou, mas ao saber que você não ia... – Me puxou pelo pulso antes que eu pudesse chegar à sala de jantar e juntou nossos corpos. – Eu preferi mudar os meus planos.
  - Estou feliz que tenha mudado... – Na distância que estávamos, não foi necessário mais que um sussurro. O segurei delicadamente pela lateral do rosto e selei os nossos lábios em um beijo um pouco mais prolongado que o primeiro.
  - Se eu soubesse que você ficaria tão feliz, eu teria vindo mais cedo. – Não me largou, mas começamos a andar para a cozinha.
  - Foi bom você só ter chegado agora. – Dei meia volta e Zayn me abraçou de lado para que andássemos mais rápido. – Eu estava estudando o roteiro da peça, mas não tive muito sucesso. Ao menos foi bom tentar!
  - Ainda com dificuldade? – Puxou um banco de madeira de baixo da bancada americana e sentou ali.
  - Esse é o mínimo que eu posso falar. – Balancei a cabeça com descrença de mim mesma e passei os dedos entre os fios escuros de Zayn. Dei uma pequena voltinha e fui até o armário para pegar os pratos e talheres. – Brownie com sorvete, é?
  - Brownie de chocolate e sorvete de baunilha! – Acrescentou e tirou os doces de dentro do saco.
  - Meus preferidos! – Celebrei com um sorriso infantil e meus olhos brilharam quando encarei aquele pecado gastronômico cobre a bancada. – Eu estou com tanta fome!
  - Viu como sou um bom namorado? – Pegou um dos pratos que eu coloquei perto de nós e começou a nos servir enquanto eu me acomodava ao seu lado.
  - Você é um namorado perfeito, Malik. – Antes mesmo que a colher de sorvete que Zayn ia colocar no meu prato, peguei um pedaço de brownie e dei uma mordida um tanto... Grande. – Hm, hm, hmmmm.
  - Alguém estava com fome. – Ele riu e eu nem me importei em manter a compostura. Já estava toda desarrumada e ainda por cima vestida com pijama... Que mal tinha em atacar o bolo?
  - Faz anos que eu não como! – Falei sem pensar após engolir. – Estava com fome mesmo.
  - Eu espero que o dicionário tenha mudado o significado de “anos” para “duas horas atrás”, porque se a senhorita não jantou... – Aí vinha uma reclamação, eu podia sentir.
  - É claro que eu jantei! – Menti. – Foi só modo de falar...
  - Mas coma mais, só por precaução. – Arqueou as sobrancelhas e colocou mais um pedaço de brownie no meu prato, seguido de mais sorvete.
  - Powde dewixwar. – Coloquei a mão na frente da boca, mas ainda assim falei enquanto mastigava uma nova mordida.
  - Quanta classe, Tomlinson. – Me fez rir, logo atacando o seu próprio doce.
  Depois da terceira mordida no brownie e na segunda colherada cheia de sorvete, comecei a pensar em todas as calorias que poderia estar ingerindo naquela brincadeira. As palavras de Holly acertaram em cheio a minha mente, me pedindo pra não deixar de comer e em seguida olhei para o sorriso que Zayn abria cada vez que me via comer daquela surpresa que ele se dispusera a fazer. Zayn viu como eu fiquei mexida depois do encontro com Margot e eu sabia que ele me conhecia o suficiente pra saber que aquilo ficaria na minha cabeça mais do que devia, então desconfiava que os brownies com sorvete tivessem um propósito maior que o aparente. O que ele falou em seguida confirmou as minhas teorias antes do que eu imaginava.
  - Você é linda, %Tah%... – Engoliu um pouco de sorvete e continuou me olhando. – Do jeito que você é.
  - Eu sei o que você está tentando fazer... – O olhei um pouco envergonhada, colocando metade do segundo bolinho no prato. – Você está preocupado. Mas não precisa!
  - Me pedir pra não me preocupar com você é como pedir para o Niall dividir o último pedaço de pizza. – Aquela comparação me fez rir, mesmo que eu não quisesse.
  - Pode tentar, mas é inútil! – Dei de ombros e também causei risadas no outro.
  - Exatamente. – Esticou o braço e pegou o brownie do meu prato, melando-o com sorvete. – Vou ter que fazer barulho de avião também?
  - Eu adoraria ver isso! – Minha risada baixa saiu pelo nariz, pois eu já abria a boca esperando-o aproximar o doce.
  - Boa menina. – Sorriu satisfeito quando eu mordi mais da metade e balancei a cabeça negativamente. Algo me dizia que ele ficaria vigiando minhas refeições de agora em diante. – Está suja aqui, babe...
  - Hm? – Franzi o cenho enquanto terminava de mastigar e Zayn passou a ponta do polegar no canto dos meus lábios, tirando um pouco de sorvete que estava por ali. – Obrigada.
  - E eu? Estou sujo? – Nem se deu ao trabalho de disfarçar enquanto pegava uma colher e sujava praticamente sua boca inteira com o sorvete de baunilha.
  - Ah, só um pouquinho... – Dei de ombros como se não soubesse o que ele queria e limpei as mãos em um guardanapo que encontrei ali perto.
  - É? Só um pouco? – Tocou na minha perna com o joelho, pedindo alguma reação mais eficaz da minha parte.
  - Quase nada... – Sorri marota e levantei do banco. – Mas acho que posso limpar.
  Zayn permitiu que eu me aproximasse, com aquele sorrisinho que queria dizer “achei que teria que ser mais óbvio”. Inclinei o rosto na direção do dele e no momento em que nossas respirações se misturaram, ele fechou os olhos. Comecei com alguns beijos que “batiam na trave” e ainda o olhava na esperança de receber uma reclamação. Meu desejo foi atendido como se tivesse lido a minha mente, pois Zayn segurou a minha cintura na intenção de pedir mais. Nada mais justo que também atendê-lo, certo? Cerrei as pálpebras e juntei nossas bocas delicadamente, arrastando a minha língua pelo espaço onde eu sabia ter sorvete. O gosto da baunilha logo me invadiu e eu desejei mais. Zayn subiu uma mão pelas minhas costas e me prendeu junto de si, o que agradou-me bastante. Minhas próprias mãos, que até então estavam repousando sobre seus ombros, subiram até a nuca e seguraram ali com força suficiente para que eu pudesse me mexer até estar sentada no colo do garoto.
  Cair do banco era a última de nossas preocupações no momento, pois só prestávamos atenção em como nossos lábios se chocavam com vontade e quase brigávamos pelo sabor leve do brownie, mas ainda assim bastante doce. A mão de Zayn que continuava em minha cintura deslizou até a minha perna e seu apoio me deu mais segurança. Sem que eu percebesse, ou não, meu quadril se mexeu lenta e quase imperceptivelmente em algumas direções, provocante. Nunca agradeci tanto por estar sozinha em casa. Era incrível como apenas um toque, uma conexão entre nossos corpos para que eu perdesse todas as minhas barreiras de proteção e até mesmo o sentido de meus pensamentos. A cozinha podia começar a pegar fogo a qualquer momento que eu só perceberia depois que tudo estivesse em cinzas. Mesmo equilibrados naquele lugar nenhum de nós tinha... Mobilidade suficiente.
  - Acho que devemos ir para a sala... – Zayn sussurrou em meus lábios e eu não me atrevi nem a abrir os olhos. – Lá é mais...
  - Confortável. – Completei a sua frase quando ele não parecia pensar direito nos argumentos que usaria e concordei de bom grado em ir para outro lugar.
  Fiz a menção de descer de seu colo, mas Zayn me interrompeu e levantou com tudo. Prendi minhas pernas em volta da cintura dele como um ato de reflexo e escorreguei os lábios pelo pescoço que me parecia macio demais e tentador demais para os meus dentes. Incrivelmente não batemos em nada no caminho para fora da cozinha, mas isso também era algo que pouco me importava. Qualquer dor que móveis pudessem causar em mim não eram absolutamente nada comparada ao desejo que emanava de todos os poros da minha pele. Deixei uma mordida um pouco mais forte em uma área estratégica do pescoço de Zayn, chupando o local para me assegurar de que ficaria uma marca ali; uma marca minha. O menino parecia saber meu plano diabólico de marcar território, por isso soltou uma risada gostosa perto da minha orelha. Perto demais.
  Só percebi que estava de volta à sala quando senti a gravidade me puxando para baixo e bati as costas nada delicadamente contra o sofá. Eu teria reclamado se Zayn não tivesse prontamente se deitado sobre mim e acabado com a distância entre nossas bocas. Mais um beijo de força inebriante teve início e minhas mãos se perderam pelas costas do homem, empurrando a jaqueta para fora de seus ombros e arranhando-o por cima da camisa. Era como se nada pudesse me parar e Zayn não ficava pra trás, apertando os nossos corpos na tentativa de provar errada a lei que afirma que “dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço”. Senti suas mãos tateando as minhas costas e contornando a linha que ia da minha nuca até a parte baixa das costas, mas não parou por ali. Arriscou um movimento mais ousado e apertou a minha bunda. Vendo que eu não tive nenhuma reação negativa, soltou o ar assim que separou nossos lábios e mordiscou o meu inferior.
  - Tá de brincadeira comigo? – Bufou irritado por alguma razão e eu ainda estava aérea demais pra entender o que estava acontecendo.
  - O que... – Mas então eu escutei: O toque do celular dele. – Você tem que atender?
  - Esse é o toque da minha mãe... – Calculou por uns dois segundos se deveria atender ou não e logo deu de ombros. – Vai pra caixa postal.
  - Baby... – Por mais que eu quisesse continuar, Trisha poderia estar no meio de uma emergência.
  - Eu conheço esse tom... – Soltou um muxoxo e saiu de cima de mim, sentando em uma parte livre do sofá e voltando a pegar a jaqueta que eu jogara no chão. – Mas não acabamos por aqui!
  - Claro que não. – Mordi o lábio inferior e também sentei, tentando me recompor. Meu cabelo estava perfeitamente arrumado antes de Zayn chegar, mas agora parecia um ninho de passarinho.
  - O que é, mum? – Atendeu a ligação de qualquer jeito.
  - Fala direito, Malik! – Cochichei para não atrapalhar e faltou pouco para que ele me mostrasse o dedo do meio.
  - Aham, aham... Eu sei, mum... – Rolou os olhos e eu acabei me divertindo com aquilo mais do que devia. – É, eu tô aqui na %Tah%... Sim, eu digo que você mandou oi... Ela adorou os brownies... Mum, eu tenho que ir, viu? Pode deixar... Eu também te amo...
  - Que filho mais adorável! – Comentei ao ver que ele já encerrara a chamada.
  - Sorte a sua que a sua mãe nunca te liga! – Deixou o aparelho ao lado do meu na mesinha de centro e encontrou as costas na almofada do sofá, respirando fundo.
  - Como assim, sorte? – Deixei uma gargalhada escapar. – Acha que é sorte que o noivo da sua mãe ligue e mande mensagem todos os dias pra tirar duvidas sobre assuntos de casamento?
  - Dan continua testando a sua paciência? – Já mais calmo, Zayn ergueu os cantos da boca em um sorriso.
  - Está pior que nunca! Acredita que ele está pensando e comprar borboletas congeladas pra soltar na hora do “eu aceito”? – Fiquei de joelhos no sofá e fiz gestos para representar o momento do voo das borboletas. – Mas eu falei que as asas delas podem demorar pra descongelar e que isso podia ser ruim.
  - Ao menos você o fez mudar de ideia. – Não sei se ele riu mais da minha mímica ou da ideia de Dan, mas o caso que é foi impossível ouvir sua risada e não rir junto. O jeito que os olhos dele se comprimem e seu nariz entorta de leve é simplesmente encantador demais. – Por falar em asas... Lembra que me pediu pra desenhar algo pra você tatuar?
  - É claro que sim! – Senti um frio na barriga por nervosismo adiantado, mas lembrava muito bem daquela conversa.
  - Eu fiz alguns rabiscos, mas espero que goste... – Levantou levemente pra tirar um papel branco do bolso. – É algo bem simples, como você pediu... E posso fazer de novo se não gostar.
  - Tenho certeza que vou amar! – Só faltei arrancar o papel da mão de Zayn quando este me entregou o papel dobrado. Logo tratei de abri-lo e só soube sorrir.
  - Gostou? – Estudava a minha expressão, tentando ler o meu veredicto.
  - É perfeita, Zayn... – Falei baixinho, ainda observando aquelas asas tão delicadas e que ainda pareciam fortes o bastante. – Essa frase...
  - Eu tentei escrever aquilo que você disse ser a última coisa que seu avô te disse. – Sorriu com cuidado por estar tocando naquele assunto. – É a minha letra, mas você pode trocar pela dele. É bem fácil, é só...
  - Não, Zayn. – O interrompi, puxando seu olhar do papel pra mim. – Está perfeita assim.
  - Tem certeza? – Sim, eu tinha certeza. Queria a sua letra gravada em mim, pois isso mostrava o quanto eu estava certa de meus sentimentos por ele. Sei que disse que tatuar nome de namorado/a na pele é besteira, mas aquilo era outra coisa.
  - Nunca estive tão certa. – Suspirei por saber que era verdade. – Pode marcar um encontro com o seu tatuador...
  - E nós iremos juntos. – Pegou a minha mão e beijou os nós de meus dedos.
  - Isso mesmo! – Me derreti ao seu toque e praticamente desmanchei.
  - Essa sala costumava ter um banheiro... – Comentou olhando para os lados.
  - Atrás da árvore de natal! – Ri e apontei para a porta bem escondida atrás do nosso pinheiro decorado.
  - Eu sabia!
  Levantou com um olhar de espião super secreto e segurou meu queixo para levantar meu rosto e deixar um leve beijo em meus lábios. Retribui no mesmo instante e o observei se afastar para ir até o banheiro. Meu olhar se perdeu na árvore de natal e me peguei olhando os enfeites. As bolas vermelhas e brilhantes, as luzes que piscavam... Ainda não tinha planos para o natal – já que não poderia ir à Paris, devido ao convite que minha avó recebeu para passar o natal com a família de Dan (o que não me incluía... ainda) -, mas sabia de uma coisa: Queria passar ao lado dos meus amigos. Quem sabe não fizéssemos a nossa própria ceia? É, iria conversar sobre isso com eles. Seria tão divertido!
  O barulho de algo vibrando sob o vidro da mesinha de centro chamou a minha atenção e meu olhar. Achando que era o meu próprio aparelho, me aproximei um pouco para averiguar, sentindo um calafrio na espinha ao perceber do que se tratava. Não era o meu celular, mas sim o de Zayn que alertava o recebimento de uma mensagem. Eu não faço o tipo bisbilhoteira e desconfiada, mas aquele caso algo prendeu meu interesse. “Brigitte” era o nome do remetente. O que ela poderia querer com ele? Tentava me acalmar e convencer a mim mesma de que não deveria ser nada demais, porém, a curiosidade foi maior. Peguei o aparelho e apertei para ler a tal mensagem, claramente disposta a encarar o que quer que estivesse escrito ali dentro.

“Hon, acho que esqueci o colar que estava usando na sua casa ontem. Pode procurar pra mim? Beijinhos”

  Senti uma náusea se apoderar do meu estômago e um turbilhão de perguntas invadirem a minha mente. Brigitte... Na casa de Zayn? Um lado da minha consciência tentava encontrar uma explicação plausível para aquilo, mas parecia cada vez mais impossível. Mesmo que ela tivesse feito uma visita inocente... Porque teria tirado o colar que estava usando? Quem tira o colar quando está na casa de outra pessoa? Que eu saiba, garotas costumam tirar o colar quando vão dormir, ou tomar banho... E eu não aceitava nenhuma dessas opções. Não podia aceitar. Pra começo de conversa, não queria aceitar nem que ela estivera com ele na noite anterior. Em sua casa.
  O barulho da porta do banheiro sendo destrancada me tirou de minhas especulações e eu simplesmente me levantei e larguei o aparelho celular em cima do sofá. Virei de costas antes que Zayn pudesse me olhar e deixei a sala. Não tinha coragem e nem vontade de olhá-lo. Não quando a minha raiva e frustração eram maiores que qualquer coisa. Vai ver eu sou o tipo desconfiada e ciumenta, mas só não percebera isso até aquele momento, até porque não tivera motivos.
  - Babe, onde você está indo? – Pela sua voz, eu sabia que ele sorria. Por enquanto.
  - Guardar o sorvete na geladeira. – O cinismo estampava a minha voz. – Ah, e a Brie mandou uma mensagem, Hon.
  - Ela... – Senti que sua voz se tornou pálida, se é que é possível algo assim. Não o olhei, mas sabia que ele tinha lido o mesmo que eu. – %Star%...
  - Não é o que eu estou pensando? – Ri sem humor algum, prevendo o que ele poderia falar. – Por favor, né?
  - Não é mesmo! – Me seguiu até a cozinha, com o celular em mãos. Pelo menos Zayn foi sensato o bastante para permanecer uns três metros longe de mim.
  - Claro que não é! A sua ex-namorada, que me ODEIA por sinal e já deixou claro que quer te tirar de mim, fez uma visitinha amigável. – Eu pegava os pratos
e talheres de qualquer jeito, jogando-os na pia e sempre de costas para o outro. – Que ótima explicação.   - Eu quero te explicar, mas você poderia olhar pra mim? – Sua voz era mais amena que a minha, mas ainda possuía resquícios de preocupação.
  - Então explique. – Terminei de soltar tudo que estava em minhas mãos e me virei de frente pra Zayn, colocando as mãos na cintura. Não iria baixar a guarda.
  - Brie... Brigitte foi sim à minha casa ontem. – Se corrigiu assim que viu bufar por causa do apelido que eu não suportava. – Mas não aconteceu nada. Ela só queria me devolver um livro que eu emprestei há alguns meses. Só isso...
  - E ela não podia esperar até a manhã pra devolver na Academy? Que eu saiba, infelizmente, ainda estudamos no mesmo lugar. – Cruzei os braços com impaciência. Algo ali não cheirava bem. Brigitte com um livro? Ela fazia mais o tipo de quem se distrai fazendo os outros de capacho ou lendo alguma revista de fofoca.
  - Eu concordo, %Tah%... Mas ela apareceu de surpresa, o que eu podia fazer? – Passou a mão pelos cabelos, com seus olhos amendoados que antes seriam capazes de me expor tudo, mas que naquele momento estavam trancados com um cadeado. – E não tenho ideia de que colar é esse, pois ela não ficou lá por mais de dez minutos.
  - Foram minutos suficiente pra que ela o perdesse. – Ri mais uma vez e desviei o olhar. – Esse não é o problema, Zayn. O que mais dói é que você não me contou sobre isso. Não quero saber do que você faz nas vinte e quatro horas do seu dia, mas acho que visitas da sua ex-namorada estão incluídas na lista do que deve ser compartilhado com a atual.
  - Eu não contei porque não teve importância alguma... – Ele se aproximou mais rápido do que eu consegui me afastar e ficamos próximos demais. – E não queria que reagisse assim.
  - Claro que eu não ia gostar de ficar sabendo disso, mas seria melhor do que acabar descobrindo dessa forma. – Minha voz vacilou. Eu ainda sentia a raiva dentro de mim, mas a presença de Zayn tão próxima assim me entorpecia. Quase quebrava as barreiras que eu lutava pra segurar. – Eu te contei que Nick vem aqui amanhã. E nós nunca tivemos nada.
  - Eu sei. – Ele se enrijeceu ao escutar o nome do meu amigo, mas sabia que não estava em condições de falar nada a respeito disso, por isso mudou de assunto. – %Tah%, olha pra mim.
  - Para, Zayn. – Tentei tirar a mão dele do meu queixo quando ele virou meu rosto delicadamente em sua direção, mas era como negar água depois de meses no deserto. – Eu estou chateada...
  - Sei que está... E por isso eu peço desculpas. – Foi só conectar o olhar ao dele mais uma vez que eu senti o peso sobre o meu peito se esvaindo. – Você confia em mim?
  - É claro que confio em você. – Por mais que não quisesse, cada uma de minhas células confiava cegamente nele. Não adiantava esconder. – Não confio é nela.
  - Esquece essa garota. – Passou o polegar pela minha bochecha e eu me perdi em seus carinhos. – Eu te amo, e prometo que nada assim vai voltar acontecer.
  - Eu acredito em você... – Suspirei com um sorrisinho fraco querendo se formar no canto da minha boca. – Só tenho medo de te perder.
  - Você não pode me perder, Anjo. – Me puxou para o seu peito e eu me enterrei ali, adorando o som do meu novo apelido. – Eu sou seu.

Capítulo XLIX
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