Capítulo XLIII
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Acho que depois que a gente passa a noite inteira chorando até finalmente pegar no sono é de se esperar que se acorde com uma dor de cabeça chata, não é? Foi bem isso o que aconteceu comigo naquela terça-feira. Na noite anterior eu havia contado a minha decisão para Lou, Harry, Liam, %Abi% e até Niall, mas a reação de nenhum deles foi pior que a de Zayn. É claro que pelo telefone – como foi no caso do meu casal de amigos – não tinha muito o que eles pudessem fazer. Preciso dizer que %Abi% ficou arrasada? No começo teve um pouco de raiva de mim, mas logo compreendeu os meus motivos, mesmo não concordando com eles. Todos os outros foram igualmente compreensivos, ainda que tivessem reclamado do quanto sentiriam a minha falta e coisas do tipo. A verdade era que eu também sentiria falta de cada um deles, mas nada me faria mudar de ideia.
Como eu pretendia sair da Academy por pelo menos um ano, não vi importância em pegar a minha aula daquele dia. Por essa razão me dei ao luxo de dormir até um pouco mais tarde e só levantei da cama realmente após as dez e meia da manhã. A casa estava em completo silêncio e o motivo era mais do que óbvio. Não aguentei ficar lá por muito tempo, portanto troquei os pijamas confortáveis por uma roupa e peguei o carro para ir resolver o mais rápido possível a minha questão acadêmica.
Quase dei viagem perdida ao chegar na London Royal Academy e descobrir que a diretora estava de folga por questões de saúde e não estaria de volta até o dia seguinte. O diretor Gavin estava por lá, mas não era com ele que eu precisava falar. Como Agnes foi quem me auxiliou desde o começo do semestre, era a ela que eu devia explicações. Tinha certeza que a pior pare da nossa conversa seria eu ter que falar sobre a minha desistência do papel principal na peça. Eles teriam que encontrar outra Julieta, mas isso não seria uma tarefa tão difícil. O que doía mais não era o trabalho que eu estaria dando para a LRA em mudar o seu espetáculo e sim ver todo o meu esforço ir por água abaixo. Era como se eu tivesse nadado pra morrer na praia.
O translado de elevador até o terceiro andar demorou mais do que o de costume; ou pelo menos foi o que pareceu pra mim. A sala de música dos meninos ficava naquele andar e eu torcia para que eles estivessem em aula. Meu plano original não era atrapalhar nenhum dos dois, então eu só queria ficar escondida atrás da porta e observá-los fazer as suas coisas. Se eu tivesse coragem suficiente, depois da aula acabar iria entrar finalmente falar com eles. Zayn não deu noticias depois da nossa conversa no meu quarto e eu também não fui atrás. Não por orgulho, mas sim por não saber exatamente o que falar caso ele atendesse a minha ligação. O que acontece é que eu ficava nervosa só de pensar em olhar pra ele ou ouvir o que teria pra me falar.
Mesmo demorando muito, consegui chegar ao meu destino e atravessar o corredor. Não me impedi de olhar em volta e espiar uma sala ou outra. Eu sentiria falta daquelas paredes brancas, dos quadros que as enfeitavam... Dos alunos que costumavam acenar na minha direção mesmo sem nunca ter tido uma conversa comigo e, claro, dos meus amigos. Seria difícil mudar a rotina que eu já estava acostumada a ter, mas às vezes o certo a se fazer não é o mais fácil. Passei pela sala de Nick, mas ela estava vazia. Eu ainda não tinha falado com ele sobre a minha mudança porque também devia uma explicação pessoalmente ao meu parceiro.
Seguindo em frente, olhei para a última sala no fim do corredor... Mesmo de longe era possível ver um movimento dentro dela, mas chegando perto eu consegui conferir que apenas Niall, %Abi% e Ed estavam lá dentro. Ou seja: Nenhum sinal do meu namorado ou ex-namorado... Nenhum sinal de Zayn, pra simplificar. Além dele não estar lá dentro, Ed não parecia estar dando aula, já que %Abi% estava no colo do namorado e os três conversavam. Esse motivo foi o que me levou a entrar na sala sem nem pedir permissão.
- %Star%! – %Abi% gritou, me assustando por eu ter sido notada tão rapidamente.
- Ei, ruivinha. – Sorri tentando o meu máximo não parecer deprimida e ela se jogou nos meus braços.
- Eu morri de saudade nesses últimos dias... – Prendeu o meu pescoço e não quis mais soltar. – Como vou sobreviver depois que você for embora?
- Eu não vou morrer, %Abi%... E nós vamos nos falar todos os dias.
- Promete? – Fez um biquinho enorme e choramingou.
- É claro que eu prometo! Não vou esquecer de nenhum de vocês. – Olhei para Ed e Niall atrás dela. – Nialler, tira a sua namorada de mim, por favor?
- %Abi%, eu também quero abraçar a %Tah%! – Foi Ed quem se aproximou e fez cócegas na ruiva para que ela me largasse.
- OK, OK, JÁ SAÍ! – A pequena não resistiu e terminou desfazendo o abraço. Por um momento imaginei que ela pudesse me prender em seus braços pra sempre, só pra me impedir de voltar para Paris.
- Obrigada, Ed. – Fiquei na ponta dos pés para abraçar o professor. Mesmo que ele não fizesse muito o tipo que demonstra afeto publicamente, me abraçou de volta com certo carinho.
- Fico triste em saber que você está nos deixando, Julieta. – Bagunçou os meus cabelos. – Eu estava ansioso em trabalhar com você.
- Eu não estou deixando ninguém! Por que vocês continuam falando isso? – Rolei os olhos, mas não estava chateada. Me afastei de Ed e andei até Ni, que permanecera quieto o tempo todo. – Não vai me dar um abraço?
- Só se você prometer que não vai ser o último. – Era a primeira vez que eu via Niall triste e não gostava nada disso.
- Mesmo que eu estivesse indo embora amanhã não seria o último! – Sorri e o puxei. – Parem de pensar assim!
- Então você não vai embora amanhã? – Me abraçou pela cintura.
- Acho que só vou no final da semana... – Expliquei. – Eu acabei de voltar do escritório da Agnes, mas ela não estava lá. Então vou ter que esperar ela ficar boa da tal gripe pra poder resolver toda a burocracia e...
- Então você ainda não esta oficialmente desmatriculada?! – %Abi% gritou mais uma vez. Alguém deu café pra essa menina?
- Essa nem é uma palavra, %Abi%. – Ri e me soltei de Niall depois de dar um beijo em sua bochecha. – Mas é verdade, eu ainda não estou... Desmatriculada.
- Yay! Então você ainda tem chances de ficar. – Comemorou.
- Eu já tomei a minha decisão... Não tem chance de eu ficar... – Coloquei as mãos no bolso do meu casaco e olhei para os meus próprios pés. – Mas podemos mudar de assunto, por favor?
- Ela está certa, gente, vamos mudar de assunto. – Ed estava do meu lado novamente e eu gostava disso. – Quer escutar a música que a gente está trabalhando?
- É claro que sim! – Sorri e deixei a minha bolsa em cima da mesa pra ficar mais confortável. – Ahn... E o Zayn... Ele não devia estar aqui também?
- Ele não veio hoje, %Tah%... – Niall respondeu como se estivesse pisando em ovos; se é que entende o que eu quero dizer.
- Ah, sim. – Meu sorriso desapareceu. Ele sabia que eu estaria na Academy aquele dia e preferiu faltar a me ver. - Ele não está te evitando... – %Abi% segurou a minha mão e caminhamos até perto do piano onde Ed se preparava pra começar a tocar.
- Eu não o culpo. – Dei de ombros por mais que meu estômago estivesse se revirando. – Então, Eddy, qual é a música que você vai me mostrar?
- O nome é The A Team... Mas ainda não está terminada, então não reclame, ok? – Ele sorriu e me ajudou a mudar de assunto de novo.
- Eu nunca vou reclamar! – Me inclinei sobre o piano e apoiei um braço nele. – Tenho certeza que é linda.
- White lips, pale face. (Lábios brancos, rosto pálido) Breathing in snowflakes. (Respirando flocos de neve) Burnt lungs, sour taste… (Pulmões queimados, gosto azedo)
Ed começou a dedilhar a melodia no piano e a cantar ao mesmo tempo. Sua voz aveludada não foi o suficiente pra prender a minha atenção, por mais improvável que isso possa parecer. Minha cabeça estava em outro lugar, em outra pessoa... Eu queria saber o Zayn estava fazendo, se ele sentia a minha falta como eu sentia a dele... Eu precisava saber se nós havíamos chegado ao fim ou se ele gostava de mim o suficiente pra aguentar a distância. Quando decidi voltar para o meu país, não passou por mim a ideia de terminar com ele. Além de não ser o que eu queria, seria puro egoísmo. Como eu seria capaz de fazer isso depois de todo o apoio que ele me deu? Depois de tudo que fez por mim? Zayn ficou ao meu lado nos bons e maus momentos e eu só queria que ele também estivesse ali naquele.
%Abi% me cutucou de leve, chamando a minha atenção. Ela devia ter percebido o quanto eu estava distante e me conhecia o suficiente pra saber o que se passava na minha cabeça. Levantei a cabeça pra olhar pra ela e só encontrei apoio na sua expressão. Ela já não me questionava mais sobre as minhas escolhas, só mostrava que queria o melhor pra mim. Antes de qualquer pessoa, a ruiva sabia bem o quanto eu gostava de Zayn e o quanto eu precisava dele, por isso devia entender o que eu estava sentindo com tudo isso. Era óbvio que a minha partida não estava sendo difícil só para aqueles que ficavam, como estava sendo pra mim também. Eu podia não estar em Londres há tanto tempo assim, mas sentia como se tivesse passo a minha vida inteira ali. A ideia de não ver os meus melhores amigos todos os dias era aterrorizante.
- It's too cold outside for angels to fly... (Está muito frio lá fora para anjos voarem) – A música chegou ao fim e eu bati palmas como se tivesse prestado atenção a apresentação inteira.
- Ótima música! – Sorri tentando parecer verdadeira. – Como todas, Ed. Por que você não tem um contrato com uma gravadora mesmo?
- Ninguém gosta muito do meu estilo. – Deu de ombros.
- Eu não acredito nisso. – Balancei a cabeça. – Você toca, canta... E as suas letras? Por favor, né?! Você vai ser grande!
- A %Tah% tem mania de achar isso. – Uma voz surgiu atrás de mim e minha consciência me fez com gelar com a possibilidade que pudesse ser Zayn.
- Ah, oi, Nick. – Me virei na direção do moreno um tanto quanto decepcionada.
- Wow, pode ficar mais triste em me ver, isso não me magoou nada! – Ironizou e me fez rir do seu drama.
- Não é isso! Desculpa. – Balancei a cabeça e fui até ele. – Eu só... Achei que fosse outra pessoa.
- É, eu não sou o seu namorado perfeito. – Fez uma careta, ignorando completamente a presença dos amigos de Zayn ali. – Mas não tem nem um tempinho pra um amigo?
- Sempre, Nick. – Sorri com um suspiro. – Eu tenho mesmo que falar com você...
- É algo sério? – Se preocupou.
- HAHA. – Niall riu de propósito. – Boa sorte!
- Eu não tenho mais certeza se quero falar com você... – Nick fez uma careta engraçada ao ficar com medo do comentário de Niall.
- Para de besteira! – Repreendi o irlandês com o olhar e puxei Nicholas pela mão. – Já volto, mates.
Nick relutou um pouco, mas eu o arrastei pra fora da sala de música do mesmo jeito. Ele era o meu único amigo que ainda não sabia da “novidade da semana” e eu precisava contar o mais rápido possível. Sim eu já o considerava como um amigo. As semanas que passamos juntos ensaiando para o Snow Ball serviu para que passássemos de: “Possíveis ficantes” para “Amigos nada coloridos” e eu gostava daquilo. Infelizmente não teríamos a oportunidade de dançar juntos novamente, mas eu iria me lembrar para sempre de cada passo que criamos; até mesmo das nossas quedas desastrosas. Fui até uma janela aberta que era virada para o jardim da Academy e Nick me seguiu.
- %Tah%, você está começando a me preocupar.
- É só que eu não aguento mais falar isso. – Suspirei sem conseguir olhá-lo. – Eu estou indo embora, Nick. Eu estou voltando pra Paris.
- Hm. – Foi só o que respondeu.
- Você poderia falar algo mais que isso? – Ri sem realmente achar graça naquilo e o encarei.
- Eu não sei o que falar... – Comprimiu os lábios. – É só que eu nunca imaginei que fosse escutar algo assim de você. Nunca pensei que fosse desistir do seu futuro como bailarina. Quero dizer, eu soube do que aconteceu com o seu avô e sinto muito por isso, de verdade. Mas daí jogar fora tudo que você construiu até aqui?
- Até que pra alguém que não sabe o que falar, você falou muita coisa. – Voltei a contemplar o jardim lá de baixo. – E eu não estou jogando nada fora... Só darei uma pausa. Naquele manual de regras estava escrito que em certos casos é possível trancar o curso por até um ano.
- É sim... Mas a maioria não volta depois de um ano. E se volta, não consegue mais acompanhar. Perdem o jeito, sabe?
- Eu não vou perder o jeito! Vou treinar todos os dias, assim como eu fazia antes de vir pra cá.
- Já vi que não tem como tirar essa ideia da sua cabeça. – Foi ele quem suspirou dessa vez e me abraçou de lado. – Então acho que só me resta aceitar a perda de uma parceira maravilhosa.
- Eu tenho certeza que você vai encontrar uma melhor ainda, ok? – Me virei para abraçá-lo propriamente. – E eu vou sempre vir visitar... E não perderei a peça de fim de semestre por nada nesse mundo.
- Mas ainda seria melhor se você estivesse participando dela! – Imitou %Abi% ao fazer bico e me soltou.
- Ai, chega de despedidas! – Sequei meus olhos que começavam a ficar molhados e vi que %Abi% já saía da sala de música e trazia a minha bolsa consigo. – Hey, %Abi%!
- Eu vou indo, ok? Ainda tenho aula. – Rolou os olhos. – Mas me avise se for ter alguma festa de despedida. Até mais, %Tah%. Tchau, %Abi%!
- Tchau! – Sorriu pra ele pela primeira vez e passou o braço pelo meu. – Até que não é uma má idéia, sabe? Essa festa de despedida.
- Você só quer uma desculpa pra ficar bêbada! – Ri e começamos a andar. – Cadê o Nialler?
- Ele está no telefone com o... Pai dele.
- Está no telefone com o Zayn? Pode falar, %Abi%. – Toda a minha risada foi embora. – Ele é que está bravo, não eu.
- Ele não está bravo com você, %Tah%. – Tentou me convencer, mas falhou. Eu apenas revirei os olhos e continuei andando mesmo sem saber pra onde. – De qualquer forma, eu só pedi pro Ni ligar pra ele e avisar que você está aqui...
- Você pediu pra ele ligar, %Abigail%? – Pelo meu tom de voz, ela percebeu que fez algo errado. – Zayn sabia que eu viria hoje e foi justamente por isso que ele faltou. Ele não quer me ver!
- Argh, eu só estava querendo ajudar, ok? – Bufou. – Odeio ver vocês dois assim.
- Também odeio... – Concordei um pouco mais calma. Ela só queria ajudar e por isso não podia culpá-la. Até porque, se fosse ao contrário eu teria feito exatamente a mesma coisa. – Vai ver ele só precisa de um tempo, né?
- Isso mesmo! – Sorriu. – Dê um tempo pra ele assimilar tudo.
- Pra onde estamos indo, aliás? – Perguntei assim que paramos em frente ao elevador.
- Para as escadas, é claro! – Riu e apertou o botão para chamar o elevador. – Essa pode ser a última vez que nos sentamos lá.
- Awn, eu vou sentir falta disso! – Sorri já começando a sentir nostalgia. – Mas não se preocupe, porque eu sempre vou me lembrar de você quando estiver nas escadarias do Palais Garnier com a minha nova amiga.
- Que história é essa, %Star%? – Me olhou com cara feia eu tratei de entrar no elevador. – Já entendi tudo! Você viu seus antigos amigos quando esteve lá esse fim de semana e é por isso que vai voltar!
- Claro que não, idiota! – Ri e a puxei pra dentro também. – Na verdade, eu encontrei o meu ex... Anttonie. Mas ele não seria um motivo pra eu voltar, e sim pra me mudar pra China!
- Você não me contou dessa parte! – Seu queixo caiu. – Na verdade, não me contou nada dessa viagem!
- O que eu poderia contar, %Abi%? Que foram os três dias mais tristes da minha vida? – O elevador começou a descer.
- Você tem que estragar tudo mesmo, né? – Cruzou os braços. – Pode começar me contando sobre esse encontro com o seu ex.
- Não foi nada de mais... Eu e o Zayn estávamos em um parque... – Suspirei ao me lembrar daquele dia que foi tão bom por um lado e tão ruim por outro. – E aí Anttonie estava lá também.
- E o Z. viu o boy? – %Abi% estava super curiosa, então resolvi brincar um pouco.
- Viu sim! E os dois até brigaram por minha causa! Teve soco, sangue, chutes! – Gesticulei bastante enquanto explicava, só pra apimentar a história. – Você devia ter assistido!
- Sério?! – Bateu palmas animada, me puxando pra fora do elevador quando chegamos no primeiro andar.
- Claro que não, %Abi%! – Gargalhei. – Anttonie foi falar comigo quando Zayn estava comprando algodão doce e foi embora antes que ele voltasse.
- Você é muito sem graça! Sabia disso?
- E você reclama de tudo! Reclama quando a história é exagerada e reclama quando não é!
- Sei disso! – Estirou a língua.
Não demoramos muito pra chegar à nossa escadaria que estava vazia como de costume. Tudo bem que aquele lugar não era exatamente nosso, até porque era uma propriedade pública, mas como ninguém costumava ficar lá tanto quanto nós, era bem fácil no sentirmos “os donos do pedaço”. Mesmo %Abigail% sendo menor que todos nós, ela sempre se sentava em um degrau abaixo do meu. Niall costumava sentar ao lado dela Zayn atrás de mim. Mas acho que nunca mais sentaríamos naquela posição novamente...
- Espero que você saiba que eu vou te dar uma lista de compras com coisas que você deve mandar pra mim, ok?
- Que interesseira! – Fiz-me de ofendida. – Mas não se esqueça que você pode sempre me visitar. E vai ter um quarto só pra você.
- Um quarto só pra mim? – Me olhou como uma criança olha para um doce. – Estou quase largando tudo aqui e me mudando com você!
- Como o Louis vai continuar aqui, o quarto dele de lá vai estar vazio. – Expliquei e comecei a brincar com os cabelos da menina. – E não acho que o Ni iria gostar dessa ideia.
- Eu não iria gostar de qual ideia? – O dito cujo apareceu finalmente e se sentou ao meu lado.
- Da ideia de eu levar a sua cerejinha pra França comigo. – Abracei a menina pelo pescoço e quase a sufoquei, fazendo-a ofegar e rir.
- Se ela for, eu terei que ir junto. – Deu de ombros.
- Awn, que coisa mais linda. – Apertei as bochechas rosadas de Niall.
- Meu namorado não é perfeito? – %Abi% o puxou para um beijo assim que soltei os dois.
- É sim! – Sorri. E realmente era... Não, eu não desejava que Zayn quisesse largar tudo e vir pra Paris comigo, mas ficaria feliz de saber que ele ao menos pensou nisso. Nem que de brincadeira! – Bem, vou deixar os pombinhos a sós agora.
- Pra onde você vai? – %Abi% perguntou ao me ver levantar.
- Vou pra casa! Ainda tenho muita coisa pra arrumar.
- Te vemos amanhã?
- Acho que sim... Mas eu aviso, ok? – Mandei um beijo para os dois.
Os preguiçosos nem se importaram em levantar para me abraçar. Se era assim quando eu estava indo embora, imagine se fosse ficar! Amigos ingratos, muito ingratos! Mas que eu amava mais que tudo nesse mundo. Desci as escadas devagar, quase como se não quisesse chegar ao seu fim.
+++ Depois de dirigir pra casa com a capota do carro abaixada e uma música animada no último volume (já que eu estava me obrigando a melhorar meu humor) era normal que o meu cabelo estivesse totalmente bagunçado. Já sabendo que isso seria motivo de gozação entre os meus amigos, parei na frente da janela da sala pra me olhar pelo reflexo do vidro e arrumar minhas madeixas castanhas. É, eu sei que teria sido mais fácil me olhar no retrovisor do carro, mas quando me lembrei desse pequeno detalhe já era tarde demais. A cortina daquela janela estava meio fechada, como sempre, apenas deixando uma aresta descoberta. Por mais que eu quisesse colocar o meu cabelo no lugar, o que vi do lado de dentro da casa foi mais interessante. Meus três colegas de casa estavam na sala e não tinham ideia de que estavam sendo vigiados. Acho que era exatamente isso o que tornava aquele momento tão único, pois eu podia vê-los sendo eles mesmos... Pra melhorar ainda mais, eles estavam jogando twister. Sim, aquele jogo onde os participantes tem que fazer várias posições loucas em cima de um tapete colorido. Haz e Lou estavam praticamente enroscados um ao outro enquanto Liam servia de juiz e girava a “roleta”. O que esse último não sabia era que eu podia claramente ver que ele estava roubado. Como meu irmão e o curly-boy estavam ocupados demais tentando não cair, não podiam ver que Li fingia rolar a roleta (redundância mandou lembranças) e fazia a seta parar exatamente onde ele queria. Ou seja, trapaceava e dava as posições mais complicadas para que os pobres jogadores as realizassem.
- Pé direito... Vermelho! – Liam dissimulou. – Louis, é você.
- Como você espera que eu faça isso, Payne? – Meu irmão reclamou. – Só se eu me dobrar ao meio.
- Vai logo, Lou! Não é tão difícil. – Harry gargalhou e quase caiu no chão.
- É fácil pra você que tem dois metros de perna! – Sassy Louis sempre foi o meu Louis preferido. A não ser pelo “drunk Louis”, porque esse não tinha preço.
A posição dos dois era muito engraçada, porque Harry estava praticamente sentado em cima de Lou e nenhum dos dois parecia muito firme. Coloquei a mão sobre os lábios pra não rir muito alto e ser descoberta ali, já que pretendia ficar assistindo até não poder mais. Louis pelo menos chegou a tentar colocar o pé direito na bolinha vermelha, mas como já era de se esperar, não deu muito certo. Ele acabou caindo em cima de Harry e os dois foram ao chão de vez. A cara de espanto de todos e a risada de Liam acabaram me causando risos também. É, devia ser uma hora boa pra entrar em casa e dar os parabéns para o vencedor do jogo. Balancei a cabeça enquanto ainda ria daqueles três idiotas e abri a porta da frente para anunciar a minha chegada.
- Louis, você não ganhou coisa nenhuma! – Escutei Harry reclamar.
- Ganhei sim! Você tocou o chão primeiro! – Lou rebateu superior. – As regras são claras!
- Que bagunça é essa? – Apareci na sala e os dois correram na minha direção. Li continuava rindo no sofá.
- %Tah%, o Louis está falando que ganhou o jogo...
- E ganhei mesmo, porque ele caiu no chão e não eu...
- EI, EI. – Interrompi os dois que me enchiam de informações atropeladas. – Eu estava assistindo essa partida de vocês, escondida ali na janela...
- Então você pode dizer quem venceu! – Harry sorriu e piscou pra mim. Estaria tentando me seduzir?
- Claro que pode, irmãzinha. – Lou me abraçou de lado, também querendo um pouco da minha simpatia.
- Bem, de acordo com o que eu vi... O vencedor é o Liam. – Cruzei os braços e olhei para o próprio, que parecia suspeito. – Porque ele trapaceou o jogo inteiro e vocês nem notaram.
- Eu sabia que tinha algo errado! – Harry se fez de decepcionado e começou a guardar o jogo.
- Liam, você nunca mais vai ter a minha confiança! – Meu irmão exagerou.
- Poxa, %Star%! Você tinha que me dedurar? – Li fez careta na minha direção.
- Eu não consigo ficar calada quando vejo uma injustiça! – Deixei a minha bolsa e casaco no braço do sofá e me sentei ao lado do garoto que ainda estava ali. – Mas você sabe que eu te amo, Leeyum.
- Então, %Tah%... – Lou chamou a minha atenção. – Você falou com a diretora?
- Ela não foi à Academy hoje. – Aquele assunto estava de volta na minha vida rápido demais. – Amanhã eu vou lá de novo pra tentar resolver isso logo.
- Não precisa de pressa... – Dos moradores daquela casa, Liam era o mais chateado. Meu irmão era o meu irmão, por isso seria impossível deixarmos de nos ver e Harry me teve morando em outro lugar a vida inteira, por isso os dois deviam estar mais acostumados com aquela ideia do que Li. – Paris não vai sair de lá... Porque não vai com calma e quem sabe... Mês que vem você se muda?
- É, acho que mês que vem é uma boa. – Haz começou a andar em direção à saída da sala e começo da sala de jantar.
- Boa tentativa. – Ri e rolei os olhos. Por um lado eu estava com pressa de fazer a minha mudança, pois sentia que prolongar essa “despedida” só pioraria tudo, mas por lado eu não queria ter me despedir. É, minha consciência estava bem bagunçada, mas eu ainda sabia o que era o certo a se fazer. – Eu estou com fome! O que vamos almoçar?
- Uau, há quanto tempo eu não escuto você falar que está com fome? – Liam me olhou espantado e eu o empurrei de leve pelo ombro.
- Cala a boca, Liam! – Levantei do sofá.
- Ora diz que me ama... Ora me manda calar a boca. – Veio atrás de mim quando eu fiz o mesmo caminho que Harry.
- Nós temos uma história de amor e ódio, Li. Ainda não se acostumou?
É claro que eu estava brincando, porque era humanamente impossível alguém odiar Liam. Ele me seguiu até a cozinha, onde Harry vasculhava os armários e geladeira, provavelmente pensando o mesmo que eu: “O que vamos comer?” Aparentemente em uma casa onde quatro adolescentes/jovens adultos moram sozinhos, ninguém se preocupa ou lembra de fazer compras. Fiquei inclinada sobre a bancada americana e Liam se juntou à procura do Elo perdido, pois era bem isso o que estava parecendo.
- Vocês não vão encontrar nada por aí. – Lou estava com o telefone fixo na mão e um folheto na outra, parado perto da mesa da sala de jantar. – Vou pedir comida chinesa, alguém aceita?
- EU! – Levantei as duas mãos para o alto e corri atrás dele que, por reflexo, também correu. – LOUIS, VOLTA AQUI.
- Alou? Só um instante, tem uma esfomeada correndo atrás de mim. – Respondeu a alguém no telefone e atravessou a sala. – Eu ligo depois. %Star%, dá pra ter calma?
- Você sabe há quanto tempo eu não como comida chinesa? – Cruzei os braços ao parar de correr e também chegar à sala mais uma vez. – Posso olhar o cardápio?
- Isso não é muito um cardápio, mas da pro gasto... – Esticou o pedaço de papel na minha direção.
- Sou o segundo a olhar! – Harry se juntou a nós e Liam o seguia.
- Sempre sou o último em tudo. – Li fez um bico enorme.
Depois de rir um pouco do drama que Liam estava fazendo, eu me joguei no sofá para poder ler o panfleto do restaurante chinês com um pouco mais de tranquilidade. Lou estava certo ao falar que aquilo não era um cardápio, pois se tratava apenas de metade de um papel dobrado ao meio com nomes e preços de pratos que eu não fazia ideia do que pudessem ser. Viver perigosamente nunca foi muito a minha praia, mas eu daria uma chance àquele “Machuria Garden”. Liam e Harry se inclinaram na minha direção para também dar uma espiada e tentar descobrir o que iriam comer.
- Acho que eu vou pedir esse Sze... Chuan? – Tente mandar uma francesa que adotou o idioma inglês falar uma palavra dessas e vai ver como é difícil. – Szechuan! Deve ser isso. E um rolinho primavera, se não for pedir muito. AH, e não esqueça os biscoitinhos da sorte.
- Que faminta. – Meu irmão rolou os olhos e anotou o que eu iria querer no bloco de notas do seu próprio celular. Como ele era quem iria fazer os pedidos mesmo, era melhor anotar e não correr o risco de esquecer.
- Pode pedir o Yakisoba vegan pra mim. – Harry e a sua escolha saudável me fizeram sorrir.
- É errado eu não saber o que pedir? – Liam parecia confuso. – Tudo parece bom e ruim ao mesmo tempo...
- Pede o mesmo que eu? Também não sei o que é, mas se for ruim nós sofremos juntos! – Fiz um biquinho.
- Por mais tentadora que essa sua proposta seja... Acho que fico com esse ai que tem camarão. – Apontou para o papel. – “Zhān miànbāo xiè de camarão”.
- Você só quer esse porque leu camarão no meio! Pelo que sabemos, pode muito bem significar “vísceras de camarão”. – Fiz cara de nojo, mas seria impossível convencê-lo a arriscar comigo.
- Veremos quando chegar. – Piscou desafiador. – Ah, eu também quero biscoitinhos da sorte.
- Eu também! – Haz fez uma carinha fofa e infantil.
- Enquanto vocês pedem, eu vou deixar essas coisas no meu quarto, tá? – Peguei meu casaco e a minha bolsa.
Me demorei mais que o necessário para sair do sofá, mas que culpa eu teria se ele era simplesmente muito confortável? Não era surpresa nenhuma alguém acabar adormecendo por ali e acordar só no dia seguinte se sentindo super relaxado. Ninguém me seguiu quando eu fui até as escadas e os deixei para trás, ainda discutindo alguma coisa sobre o nosso almoço. Passei pelo corredor e todos os quartos estavam com suas portas abertas, o que tornou meio impossível não dar uma pequena espiada em seus interiores. Se houvesse uma competição, o quarto de Lou ganharia o prêmio de mais bagunçado, Liam ficaria em segundo... E eu nem tenho tanta certeza se Harry entraria na disputa. Ele podia ser o mais novo de todos, mas tinha uma organização impecável. Tia Anne o criou muito bem.
Voltando a prestar atenção no que me dizia respeito, entrei no meu próprio quarto. Ele não era tão bagunçado assim, mas também não era impecável. Prova disso foi o fato de eu ter largado o casaco que estava em minhas mãos em cima da escrivaninha e não ter me importado quando ele foi ao chão no mesmo instante. A preguiça era maior e a cama estava parecendo aconchegante demais pra que eu passasse mais um minuto fora dela. Tirei os sapatos e as meias e me joguei naquele projeto de nuvem cheio de travesseiros. Tá aí... Aquele era um móvel que eu adoraria levar pra Paris comigo, mas infelizmente ele não caberia no meu quarto.
O incrível é que por mais que eu tentasse não pensar nesse assunto, ele sempre acabava voltando do nada. Mesmo que eu quisesse aproveitar meus últimos dias em Londres, ainda tinha muito o que decidir sobre a minha vida em Paris. O que eu iria fazer ao chegar lá? Deveria arrumar um emprego? Entrar em alguma companhia de dança temporária? Será que eu ficaria fora da Academy só durante um ano, ou pensar assim era só me enganar? Encarei o teto e desejei ter Zayn ao meu lado naquele momento. Por mais que ele não pudesse me ajudar, apenas a sua presença já seria tranquilizadora. Eu possivelmente não o veria nem tão cedo, então tinha que me acostumar com a falta que ele fazia. Na ausência de um namorado, a melhor amiga era a melhor pedida, e foi com esse pensamento que eu revirei aminha bolsa à procura do meu celular.
“Abi, preciso de ajuda pra começar a arrumar as minhas coisas... Topa? ps: Chocolate quente está incluído. xx – %Tah%. ” Foi a mensagem que digitei pra ela. Sim, eu sabia que ela iria me atrapalhar mais do que ajudar e aquela só era uma desculpa para chamá-la até a minha casa. Eu queria aproveitar cada hora que pudesse passar com aquela ruiva elétrica e também tentaria arrancar uma informação sobre o dono dos meus pensamentos. Como já era de se esperar, não demorei muito a receber uma resposta.
“Chamou a pessoa certa! Tenho que dar banho no Félix, mas chego aí antes de anoitecer. Chocolate quente, é? Hmmmm. xx”
“Estarei esperando! Traga o chocolate, ok? Love ‘ya.”
“Abusada!” Dar banho em um gato? Não era surpresa nenhuma Félix não gostar dela! Tudo estava explicado agora. Comecei a rir imaginando o bichinho tentando fugir da dona e acabar arranhando-a toda. Pobre %Abigail%.
+++ Depois do almoço – que nem foi tão ruim assim, diga-se de passagem – eu subi até o meu quarto pra começar a arrumar as minhas coisas para a mudança. Imagine o meu choque ao descobrir que eu tinha mais coisas do que quando chegara em Londres meses atrás. Isso com certeza me daria mais trabalho, pois eu não deixaria nada pra trás. Foi revirando as minhas roupas que percebi o quanto o meu estilo havia mudado essencialmente. Agora eu usava combinações um pouco mais ousadas do que o velho conjunto “camiseta + calça jeans + tênis” e em cores diversas. Eu tinha roupas pretas na mesma quantidade que tinha brancas e o intervalo entre elas era bem preenchido por todos os tons de cores. Sem falar da mudança em meu cabelo e até as minhas próprias atitudes. Eu era acostumada a ficar no canto e quase não ter “voz”, mas atualmente eu tinha uma atitude bem mais forte e estava acostumada a ter a minha parcela de atenção dos outros. Poderia não ser a aluna mais popular da Academy, mas com certeza não estava no fundo da pirâmide.
Bem, como eu teria que começar por algum lugar, resolvi antes de mais nada pegar uma caixa de papelão (sim, uma das que sobreviveram da minha última mudança) e deixá-la aberta em cima da minha cama. Antes a minha tática para iniciar era: “Empacotar as coisas mais importantes”, mas como eu ainda demoraria um pouco para voltar à Paris, não podia guardar todas as minhas roupas e ficar uma semana com as mesmas peças. Então acho que seria melhor começar por aquilo que não iria precisar nem tão cedo e eu sabia bem o que era: Minhas coisas de ballet. Era ruim pensar que aquilo que me levou à Londres era também a primeira coisa que eu estaria encaixotando para ir embora. Como eu possuía bem umas trinta sapatilhas em todos os formatos, tamanhos e funcionalidades e ainda por cima cuidava delas melhor do que de mim mesma, levei-as delicadamente até a caixa marrom. As arrumei da forma mais adequada que consegui, de forma que elas não ficassem amassadas e nem que ocupassem tanto espaço assim. Algumas meias mais velhas e polainas também foram parar ali dentro só pra economizar.
Mais uma caixa se foi, duas, três. Logo o canto do meu quarto estava parecendo mais um depósito que qualquer coisa. Quer saber o pior? Eu não estava nem na metade da metade do trabalho, pois só o que eu havia guardado era: As benditas roupas de ballet, biquínis e roupas de banho, vestidos de festa e essas coisas mais arrumadas e alguns casacos pesados que eu só usava durante o período de neve. É, eu realmente tinha muito mais coisa do que antes. “Culpa da %Abigail%, que sempre me arrasta pra gastar por aí!”, sim, eu a culpava! Quem diz que Londres não é um lugar de compras está muito enganado, pois uma das minhas atuais marcas preferidas era dali. Ahh, como eu sentiria falta das lojas da TOPSHOP. “Aliás, onde está aquela criatura ruiva?” Fazia algumas horas que eu a havia chamado para me ajudar, mas até aquele momento nem sombra dela.
Já que eu tinha trabalhado muito enchendo as minhas quatro caixas, merecia um descanso. Eu sei que sou preguiçosa, ok? Não precisa passar na minha cara. O caso é que eu estava farta de ficar sozinha. Isso é que dá viver rodeada de amigos o inteiro, você acaba esquecendo de como se virar sem eles. Talvez esse fosse ser um problema mais tarde, mas tudo ao seu tempo, certo? Saindo do meu quarto, parei no meio do corredor para decidir onde deveria ir. Tecnicamente eu tinha duas opções: Número 1 – Ir até o quarto de Liam e passar um tempo conversando sobre tudo sem dizer nada. 2 – Ir até a sala onde meu irmão e Harry estavam e atrapalhar um possível momento de amor entre os dois. Adivinha qual opção eu escolhi? Pois é, a primeira.
- Li? – Falei ao bater duas vezes na porta do quarto dele.
- Pode entrar, %Tah%. – Deu permissão e eu não pensei duas vezes.
- Não estou atrapalhando nada? – Abri a porta devagar e espiei o que ele estava fazendo.
- Nunca atrapalha. – Sorriu um pouco e me chamou para sentar ao seu lado na cama. – Eu só estava afinando o violão.
- Então porque o violão está tão longe de você? – Apontei para o instrumento encostado na parede oposta. – Virou telepata?
- Virei! – Riu. – Eu sei exatamente o que você está pensando.
- Ah, é? – Levantei uma sobrancelha e me finalmente me sentei. Fiquei encarando-o com os braços cruzados.
- Sim! Você está pensando que eu não consigo te enganar e a minha desculpa de estar afinando o violão foi terrível.
- Pelas barbas de Merlin, você acertou! – Bati palmas e ri. – Vai me falar o que estava fazendo?
- Eu não estava fazendo nada, juro. – Balançou a cabeça e sentou de frente pra mim. – Só estava pensando.
- Ihh, isso e pior do que o que eu imaginava! No que pensava? – Eu podia até estar sendo intrometida, mas se ele estava com algum problema, eu gostaria de ajudar.
- Em você. – Respondeu mais rápido do que eu esperava. – E em mim.
- Mas no que exatamente? – Eu também perguntei rápido demais e provavelmente nem pensava direito aonde aquela conversa poderia terminar.
- No nosso beijo de sexta... – Era nesse assunto que eu não queria que a história terminasse, mas fiz algo pra impedir? Claro que não! Também é que eu estivesse evitando aquela conversa, pois mais cedo ou mais tarde acabaríamos falando disso, mas tanta coisa aconteceu desde aquele dia que eu vinha preferindo fingir que o beijo nunca aconteceu. – É por causa disso que você está indo embora?
- É claro que não, Leeyum! – Acima de tudo eu não gostaria que ele pensasse isso. – Eu nunca iria embora por culpa sua...
- Ainda bem, porque eu não gostaria de te perder. – Olhou para baixo e suas bochechas obtiveram um tom mais avermelhado.
- Ninguém vai me perder! – Me aproximei um pouco mais e o abracei. – Não pense besteira, certo?
- Certo. – Retribuiu o abraço e eu pude sentir que ele cheirou os meus cabelos.
- Aliás, por falar em violão, tem algo que eu quero te dar. – Desfiz o abraço e o olhei com um sorriso sapeca?
- O que é? – Também sorriu.
- Não é nada muito grande, então não se anime! Mas é uma palheta que eu tenho há alguns anos... Não me pergunte o porquê, eu só tenho. – Dei de ombros. – E quero que fique com ela pra poder lembrar de mim sempre que for tocar!
- Então eu aceito! Mas agora estou me sentindo mal, porque também quero te dar algo...
- Não precisa me dar nada. Mas se insiste tanto, eu não iria negar aquela sua camiseta que eu amo!
- Eu sabia que você iria acabar roubando ela mais cedo ou mais tarde. – Balançou a cabeça em negação. – E nem ao menos cabe em você!
- Eu sei que quase sumo dentro dela, mas vai dizer que eu não ficaria sexy? – Pisquei e joguei os cabelos para o lado.
- Ficaria... – Respondeu baixo com tanta sinceridade que me fez corar.
- Então você pega a camisa e eu vou procurar a sua palheta, tá bem? – Levantei da cama e fez “positivo” com a mão.
Eu sabia que teria muito trabalho em encontrar a tal palheta, pois mal conseguia me lembrar onde ela estava. Nunca toquei musica nenhuma e todas as vezes que tentei segurar um violão, acabava usando os dedos pra brincar com as cordas, por isso realmente não sabia o motivo de ter aquela palheta. De um forma ou de outra, ainda me lembrava que ela era roxa (a cor preferida de Liam) e tinha o meu nome desenhado com aquelas canetas permanentes. Seria um bom presente de despedida, certo? Aliás, porque eu não havia pensado nisso antes? Eu poderia deixar algo meu com cada um dos meus amigos, como algo que eles pudessem olhar ao ter saudades ou simplesmente pra lembrar-se de mim. Não sabia exatamente o que dar, mas ainda tinha um tempo pra pensar nisso.
Atravessei o corredor mais uma vez ao sair do quarto e Liam e entrei no meu próprio. Seria como procurar uma agulha no palheiro, mas eu iria encontrar aquela palheta de um jeito ou de outro. Primeiro fui até a minha escrivaninha e revirei os potes de lápis e caixinhas de enfeite que haviam por ali; nem sinal dela. Ainda por ali, abri as duas gavetas e também procurei incessantemente, mas não achei nada além de papéis sem sentido, desenhos inacabados, moedas, tampas de caneta e esse tipo de tralha. Maldita desorganização! Eu já desejei ser uma cientista pra inventar um mecanismo que encontra tudo aquilo que a gente perde. Quase como um “beeper”, que aciona o objeto que se quer e ele começa a apitar, indicando onde está. Mas com certeza eu acabaria perdendo ele também.
“Já sei!” Menti para mim mesma e entrei no closet, já abrindo uma gaveta onde eu guardava algumas das minhas joias e coisas assim. Afastei algumas caixas de colares daqui, umas pulseiras dali, finalmente captando alguma coisa roxa com o olhar. Sorri na esperança de ser o que eu estava procurando, só que imagine a minha decepção ao ver que não era. Além de não ser nem ao menos roxo de verdade, o broxe em formato de flor também não era meu. “Ih, tenho que lembrar de devolver à %Abi%, ou ela me mata.” Tá aí, esse broxe podia ser o que eu ia pedir pra ela de “presente de despedida”, porque se eu ia dar algo, nada mais justo do que ganhar também, não é? Obrigada por concordar. Assim que fui devolver o broxe a gaveta temporariamente, ele acabou escorregando da minha mão e caindo no chão por acidente. Eu não podia ser mais desastrada, tenho certeza.
Acabei me sentando no chão para procurar o broxe que havia sumido da minha vista e comecei a tatear o carpete, até mesmo colocando a mão em baixo de um vão não tão pequeno assim entre a madeira do “guarda roupa” do closet e o próprio chão. Meus dedos acabaram esbarrando em algo maior que o broxe e eu me assustei por um instante, mas resolvi pegá-lo de qualquer forma. Consegui tirar o objeto de lá e meu sangue esquentou assim que vi o que era. Uma caixa um tanto pequena e empoeirada com embalagem de presente e um laço no topo. “O que isso está fazendo aqui?” era o que eu pensava, mas a pergunta melhor seria: “Como eu pude esquecer disso?” Um flashback passou pela minha mente, me levando até a ultima vez que eu vi meu avô com vida, na estação de trem de Paris. Nós nos despedimos e ele me deu um presente, falando que eu só deveria abrir assim que o meu trem partisse. O problema é que quando o trem partiu, eu acabei pegando no sono e esquecendo completamente daquilo. A cena onde eu derrubava a minha bolsa e virava o seu conteúdo bem naquele lugar do closet também estava naquele flashback e me deixou arrepiada.
Sem mais conseguir esperar, puxei a ponta do laço de fita de qualquer jeito e abri a caixa, louca pra ver o que estava no seu interior. Mesmo se eu tivesse tentado adivinhar o que havia ali dentro, teria falhado, pois encontrar aquela caixinha de música foi uma surpresa. Era um objeto arredondado em cores pastel que iam do azul bebê até o rosa claro, algumas flores delicadas e com linhas sinuosas enfeitavam toda a sua lateral e o desenho de uma bailarina sentada com as pernas dobradas estampava a tampa. Na parte de trás havia uma “chave giratória” que dava corda. Era algo tão pequeno e frágil que eu tive que abrir a tampinha com muito cuidado. A caixinha de música que cabia na palma da minha mão começou a tocar uma melodia calma que me fez sorrir. Não me demorei muito naquele detalhe, pois um pedaço de papel branco dobrado ao meio chamou a minha atenção. Deixei a caixinha de música de lado por um instante e me concentrei em abrir o bilhete, logo achando a letra do meu avô. “La vie est une aventure... Vá viver a sua.” Aquela frase era bem o estilo do meu avô, bem o que ele falaria pra mim, se é que não havia falado e eu só não me lembrava. Meus olhos ficaram embaçados com lágrimas, mas eu ainda sorria. Ver a letra de papá e ainda por cima sem ter procurado ou sem esperar... Foi mais do que eu podia pedir.
Voltei a dobrar o papel cuidadosamente e o coloquei no mesmo lugar em que estava, pegando a caixinha de música para estudá-la com mais cuidado. As notas musicais já haviam parado de tocar, mas eu não a fiz repetir. No interior da tampa havia um pequeno espelho e uma frase em dourado gravada nele: “Home is where the heart is.” Aquelas simples palavras me atingiram como um raio. Além de serem de uma música do McFly – e meu avô devia saber disso – foi como se toda a minha perspectiva estivesse mudando, como se eu estivesse errada esse tempo tudo e finalmente conseguisse ver a luz. “O que eu estou fazendo?” Balancei a cabeça com as milhões de novas ideias e interpretações daquela música que começou a se repetir na minha cabeça. “Casa é onde o coração está”, mas onde estava o meu coração? Em Paris, onde só o que eu tinha eram algumas memórias de uma infância e adolescência não tão boa? Ou em Londres, onde eu era verdadeiramente feliz e tinha um futuro? “Eu não posso ir embora...”, falava pra mim mesma ao pensar em todos os planos que eu teria que deixar para trás se continuasse com essa mudança, todas as promessas que eu estaria quebrando. Eu não podia simplesmente desistir de todas as oportunidades que me esperavam, não podia... Não podia desistir da minha aventura.
Não é que de repente eu não me importasse mais com a nana e fosse deixá-la sozinha em casa, mas o que eu acreditava ser o certo era na verdade o errado pra mim. Não era a minha hora de voltar, de deixar tudo que eu havia construído até ali se dar por perdido. Não seria o que o meu avô gostaria que eu fizesse. Me peguei encarando-me no pequeno espelho por tempo demais enquanto as poucas lagrimas escorriam pelo meu rosto. “Eu vou ficar. Eu vou ter a minha aventura.” Considerei aquilo praticamente como um ultimo pedido do meu avô e eu o atenderia custe o que custar. A campainha tocando me fez despertar dos meus devaneios e imaginar que era %Abi% finalmente chegando e acabei sorrindo com a felicidade que ela sentiria ao me ouvir falar que eu ia ficar. Ouvi algumas vozes no andar de baixo, porém não dei muita atenção.
Levantei do chão trazendo comigo a minha caixinha de música e a caixa de presente aonde ela viera. Deixei tudo em cima da minha cama e passei as costas da mão por baixo de meus olhos, disfarçando o meu choro. Também respirei fundo para recuperar o fôlego e acalmar os meus batimentos cardíacos. Não seria nada legal ter um ataque do coração naquela altura da coisa. O que antes eram apenas murmúrios se tornaram uma discussão mais séria e eu pude entender o que estava acontecendo.
- SAI DA MINHA FRENTE. – Um Zayn revoltado gritou e eu senti o estômago congelar.
- Zayn, não faz isso! – Lou devia estar impedindo-o de subir, com medo do que ele pretendia fazer.
- NÃO, LOUIS, ELA VAI ME OUVIR. – Gritou mais uma vez. – EU NÃO VOU DEIXAR ELA IR.
Aquilo era o suficiente pra mim, eu tinha que descer logo. Temendo que alguma briga pudesse começar, saí do meu quarto e corri até as escadas. Queria ver Zayn e abraçá-lo, falar que eu não ia mais embora e pedir desculpas por sequer ter pensado nisso. Toda a saudade que eu sentia dele pareceu triplicar naquele momento e eu não estava com nem um pouco de medo por ele estar tão bravo. Continuei correndo até a metade da escada, onde eu parei petrificada. Todos que estavam no hall de entrada também pareceram ter a mesma reação a me ver e notei que Zayn parou de respirar. Era como se estivéssemos nos vendo pela primeira vez depois de muitos anos separados e ninguém mais sabia o que falar. Ele estava com a aparência cansada, com algumas olheiras embaixo de seus olhos e eu sabia que a causadora de tudo isso era eu. Sem mais conseguir esperar, corri o resto do caminho para descer as escadas e não parei até estar nos braços dele. Louis e Liam, que estava ali também, abriram espaço para mim e só ficaram observando com curiosidade. Zayn não me negou aquele abraço como poderia ter feito, mas me apertou contra si com uma força que eu nunca havia visto antes. Era como se ele não fosse me soltar nunca mais e eu não me importaria nada com isso. Escondi o rosto em seu pescoço e respirei aquele perfume que me fazia mais falta do que eu esperava e fechei os olhos.
- Eu te amo, Zayn... – Falei só pra ele ouvir. Aquela declaração era diferente da que eu fazia para os meus amigos... Era maior. Eu amava-os, claro, mas de uma outra forma. Pela primeira vez na vida eu me senti completamente certa e segura ao falar aquelas três palavras que tem um peso tão grande. – E eu não vou embora.
- Eu amo você, %Star%. De todas as formas que eu posso. – Eu não falei que o amava na esperança de ouvir de volta, mas confesso que me senti muito bem quando ele disse aquilo. – É sério que você não vai embora?
- É sim. – O olhei sem partir o abraço. Seus olhos estavam brilhando e eu tive que sorrir com a sua perfeição. – Todo esse tempo eu estava achando que a minha casa ficava em Paris só porque e onde eu cresci... Mas eu não podia estar mais errada. A minha casa é aqui. Onde você está.