Capítulo XLII
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- Bom diaaaa... Meu Deus, que quarto frio é esse?! Quem abriu essa janela?!
Eu não precisei abrir os olhos pra saber que havia amanhecido e Sam vinha me acordar. Os passos dela denunciaram quando correu até a janela que eu acidentalmente havia esquecido aberta na noite anterior e a fechou com dificuldade. O quarto realmente estava frio, pois eu estava toda enrolada no cobertor de lã e parecia uma bolinha. Foi muito difícil encontrar uma posição confortável que não fizesse muita pressão na lateral machucada do meu corpo, por isso eu demorei muito pra conseguir dormir e ainda não estava pronta pra acordar. Sam voltou para a lateral da minha cama e eu me fingi de morta. “Não se mexa. Não respire. Ela pode pensar que você está em coma e ir embora.” Senti um carinho nos meus cabelos e acabei suspirando.
- Está na hora de acordar, %Star%... – Me balançou de leve. – Daqui a pouco o médico chega pra te examinar! Ou você prefere ficar aqui mais um dia?
- Não quero! Estou acordada! Já acordei! – Mesmo sonolenta, dei um pulo na cama e me sentei, recebendo uma pontada nas costelas e ficando com a visão turva. – Outch.
- Calma, calma! – Riu baixo e apertou o meu braço de leve, ajudando-me a sentar direito. – Você tirou o soro de novo, né? Eu sabia!
- Eu tive que ir ao banheiro, Sam... Não tenho culpa. – Menti e fiz cara de inocente.
- Claro que teve. – É, ela não acreditou naquela minha desculpa e inclinou a cama novamente para que eu pudesse ficar sentada e confortável. – Mas tudo bem. Eu trouxe o seu café da manhã!
- Não estou com fome, Sam. – Fiz um bico e acariciei o curativo no meu pulso. Dormir em cima dele não foi nada bom.
- Mas vai ter que comer mesmo assim! – Tirou a bandeja do carrinho e a colocou no meu colo. – Como ontem você comeu o pudim de tapioca, hoje eu trouxe o e baunilha.
- Espero que seja bom, pelo menos.
Todos sabemos que eu nunca fui a pessoa mais feliz durante a manhã, imagine em um hospital e ainda tendo que comer aquela comida horrível... Pff! Pelo menos o pudim de baunilha estava com uma cara melhor do que o de tapioca e o resto da comida também estava um pouco mais apresentável. O prato principal era uma porção de ovos mexidos, duas torradas de pão e um potinho de geleia de goiaba. Ao lado também havia um pratinho com salada de frutas e outro com uma gororoba alaranjada que eu não comeria de jeito nenhum! Para beber, um copo de leite quente. Poderia ser pior, né?
- Hoje nós não podemos ficar conversando, porque o hospital está um pouco cheio... Então trate de comer tudo, certo? – Riu da careta que eu fiz ao provar a primeira garfada dos ovos e puxou o carrinho para levar embora. – Quando eu voltar, trarei as suas roupas e o médico. Bon apetit!
- Tudo bem, Sam... Obrigada.
- Você nunca para de agradecer, menina?
A enfermeira sorriu daquele jeito que eu já conhecia, realmente feliz em ajudar e não porque era a sua obrigação. Ela saiu do quarto e me deixou sozinha ali dentro com a bandeja de comida que poderia sair andando sozinha a qualquer momento. Pensei em ligar a televisão, mas provavelmente não teria nada de bom passando ali. Respirei fundo e engoli mais uma garfada do meu café da manhã, desejando estar em casa. A minha avó com certeza teria feito algo bem mais gostoso do que aquilo, como panquecas e cauda de chocolate, ou croissants de queijo gorgonzola. Eu senti uma pontada no peito e não foi de dor, e sim de saudade. Saudade dela, de Louis... Saudades de Zayn. De seus olhos com cor de avelã que podiam enxergar a minha própria alma e também de seus lábios avermelhados que se encaixavam tão perfeitamente aos meus.
Não gostava de ficar tanto tempo longe dele, principalmente por estar tão vulnerável quanto eu estava naquele momento, mas acho que teria que me acostumar. Certas coisas vinham nublando os meus pensamentos e eu precisaria tomar novas decisões rápido, mesmo que bem no fundo já soubesse o que iria terminar acontecendo. Suspirei e tentei deixar essas coisas guardadas no fundo da minha consciência, pois ainda não era a hora de fazer nada. Só o que eu precisava fazer era terminar de comer e torcer para que o médico chegasse logo e pudesse me dar alta. Eu teria que dar alguma desculpa para o meu sumiço e já sabia bem o que iria falar. Nada tornaria o que eu fiz aceitável, principalmente por estar sumida por mais de vinte e quatro horas, mas era o melhor que eu podia fazer.
Um pedaço de morango, um pedaço de manga e um pedaço de kiwi foram as únicas coisas que eu consegui comer da salada de frutas e acabei deixando a bandeja de lado. Dei alguns goles no copo de leite só pra ajudara descer e também o deixei pra lá. Sam iria brigar por eu não ter comido quase nada, mas quem poderia me culpar? Eu sentia falta de comida com sal! Passei as mãos pelos cabelos em uma tentativa de colocá-los no lugar, pois pela primeira vez pensei no quanto eles deveriam estar bagunçados.
- Olha quem voltou! – A minha enfermeira preferida voltou para o quarto e não estava sozinha assim como prometeu. – %Star%, esse e o Dr. Pierre! Ele te atendeu ontem, mas você estava desmaiada, então provavelmente não se lembra.
- Não me lembro mesmo. – Ri daquela obviedade e balancei a cabeça. – Muito prazer, doutor.
- O prazer é meu! – O médico era um tanto jovem para o meu gosto, mas quem era eu pra julgar? Ele veio até o meu lado e apertou a minha mão em cumprimento. – Fico feliz em ver que você está acordada! Como se sente?
- Estou com um pouco de dor na costela... E por aqui. – Apontei para a área onde ficava o meu machucado do quadril e depois mostrei o meu pulso. – Aqui também.
- Dr. Pierre, a %Star% foi a paciente que mais me deu trabalho! – Sam me denunciou. – Ficou tirando o soro o tempo inteiro e ainda não comeu quase nada!
- Ei! – Fiz careta para a mulher que deveria ser a minha cúmplice e não quem iria me entregar assim.
- Mas quem pode culpá-la, Sam? Essa comida é muito ruim. – O médico piscou pra mim e eu ri.
- Exatamente! – Concordei e a mulher nos olhou incrédula.
- Vou levar isso aqui para a copa e já volto com as suas roupas, querida. – Sam se despediu e saiu do quarto.
- Posso te examinar? – Pierre pediu e eu afirmei que sim com a cabeça. – Você disse que está com dores na costela, certo?
- Sim... – Toquei na região abaixo do meu busto, na lateral, sentindo bem de onde a dor estava vindo. – Por aqui.
- Ontem fizemos um raio-x e você não está com nada quebrado aí dentro, então é só a dor da pancada mesmo, ok? – Tocou devagar sobre o local e eu mordi o lábio me impedindo de reclamar de dor. – A senhorita teve muita sorte.
- Sorte? Claro! – Ri sem humor. – Eu estou com uma mancha enorme no corpo!
- Essa mancha que você está falando é um hematoma. – Afastou um pouco o cobertor e pediu minha permissão para levantar a camisola. É claro que eu permiti, mesmo ficando um pouco envergonhada. - Um hematoma é causado quando os minúsculos vasos sanguíneos são danificados ou quebrados como resultado de um golpe na pele. A área escura é o vazamento de sangue desses vasos para dentro dos tecidos...
- O senhor está tentando me tranquilizar ou me deixar mais apavorada ainda? – Meus olhos estavam arregalados na medida em que ele ia explicando tudo. – Quanto tempo esse hematoma vai ficar em mim?
- Bem, como nós aplicamos gelo assim que você chegou aqui... Acho que em três semanas já vai começar a clarear. – Explicou e pegou dois frascos de dentro do seu jaleco branco. – Eu trouxe essa pomada e um remédio que vai te ajudar a aliviar a dor. Tome uma a cada doze horas, ok?
- Obrigada... – Peguei o remédio tarja preta e a pomada que tinha um cheiro bem ruim. Eu não queria passar três semanas com aquela coisa horrível no meu corpo, por isso cuidaria muito bem do meu hematoma.
- Agora me deixe ver isso aqui no seu pulso. – Pegou o meu braço e retirou o curativo. – Nada mal... Mas vou fazer um novo, porque não quero que você vá pra casa com isso aberto. Pode pegar uma infecção e piorar.
- Então eu já vou poder ir pra casa? – Sorri um pouco mais animada.
- Vai sim!
O médico também sorriu e pegou o kit de primeiros socorros que Sam havia deixado por ali na noite anterior. Ele molhou a gaze com um líquido alaranjado e em seguida colocou-a sobre o corte no meu pulso e usou o esparadrapo para prender ali. Diferentemente do que a enfermeira fizera, Pierre não usou nenhum spray que faria o meu machucado arder e fiquei aliviada com isso. Outra coisa que também me dava muito alivio era ninguém ter me perguntado o que aconteceu para que eu tivesse sido atropelada ao sair de um cemitério. Parando pra pensar agora... Seria um tanto irônico se eu tivesse realmente morrido. É, meu humor estava bem negro naquela manhã.
- Bem, acho que não tenho mais nenhuma recomendação pra você, %Star%. Só me prometa que vai se cuidar, sim? E se alimente direito, porque sua taxa de glicose está baixa e é por isso que você tem estado tão fraca. – Me olhou sério enquanto examinava uns papéis dentro de uma pasta marrom. – Estamos entendidos?
- Sim, senhor. – Bati continência e ele riu.
- Melhor assim. – Me entregou um cartão de papel com o seu número e telefone. – Me ligue se precisar de alguma coisa.
Afirmei que sim com a cabeça, mas mal sabia ele que meu pai também era um médico e seria pra ele que eu correria se tivesse algum problema. Só torcia pra que nada de mal voltasse a acontecer comigo, até porque já basta de desgraça, né? Dr. Pierre saiu do quarto e Sam não deveria estar muito longe de voltar com as minhas roupas. Eu finalmente poderia ir pra casa e ao mesmo tempo em que estava ansiosa para isso, tinha medo da reação que minha família teria.
Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura, não é? Comprovei esse ditado popular ao descer da cama de hospital sem sentir uma dor mais forte do que a esperada e não cambaleei pela primeira vez. Foi bom esticar as pernas e os braços, pois parecia que eu tinha passado horas na mesma posição. Caminhei até o banheiro do quarto para fazer a minha higiene pessoal completa, até mesmo escovei os dentes com uma escova e pasta que Sam conseguira me arrumar. A água da torneira estava gelada, por isso quase me arrependi de ter lavado o rosto.
- %Star%?! Ai, meu Deus, ela sumiu! Alguém me ajuda aqui? – Uma Sam desesperada estava no quarto e eu tive que correr de volta pra lá, com a toalha na mão e o rosto pingando.
- Ei, eu só estava no banheiro! – Acenei para a mulher, mostrando que eu ainda estava por ali.
- Que susto, menina! – Respirou aliviada ao me encontrar e colocou a mão sobre o coração. – Eu trouxe as suas roupas.
- Yay! – Celebrei ao olhar meu vestido e sobretudo em cima da cama.
- Precisa de ajuda?
- Acho que consigo me vestir sozinha, Sam, mas obrigada. – Sorri.
- Tudo bem... Seus sapatos estão aí também, oh. – Suspirou. – Quando estiver pronta, pode ir até a recepção e dar o seu nome, porque eu já deixei o seu transporte de volta pra casa reservado.
- Você é um amor, Sam... Eu não sei o que teria feito sem a sua ajuda. – Posso ter me precipitado, mas fui até a mulher e abracei-a.
- Eu só fiz o meu trabalho, querida. – Me abraçou de volta e mexeu nos meus cabelos. – Se cuide, certo? De verdade.
- Eu vou me cuidar sim. – Prometi e nos separamos.
Sam não falou mais nada e limpou uma lágrima do canto dos olhos. Ela não tinha se apegado tanto assim a mim, mas devia estar novamente se lembrando da própria filha; de quem eu a lembrava. Nos despedimos com um último sorriso e aquela seria a última vez que eu a veria na vida. Logo fui deixada em paz naquele quarto frio e sem decoração alguma para poder trocar de roupa. Tive sorte por ter um vestido e não uma calça ou algo mais apertado para vestir, já que isso provavelmente machucaria o meu hematoma mais ainda. Se eu tinha entendido alguma coisa do que o médico falara, era que eu não deveria forçar muito a minha pele ferida.
+++ - Pode parar aqui, por favor? – Pedi para o motorista que diria a ambulância que me levaria de volta pra casa.
O homem bem simpático disse que sim e parou o carro em uma esquina. Ali não era bem a casa da minha avó e eu ainda teria que caminhar um quarteirão inteiro, mas seria melhor do que chegar naquele veículo nada discreto. Eu não queria preocupar ninguém e por isso não poderia sair de uma ambulância e caminhar como se nada tivesse acontecido. Também não pretendia contar que passei o último dia em um hospital depois de ter sido atropelada. Sim, ainda estava com o curativo no meu pulso direito, mas ele era escondido pela manga comprida do casaco e ninguém iria examinar o meu corpo a procura de machucados, o que tornaria mais fácil esconder o hematoma.
Pude descer do carro e me despedir do homem que era o marido de Sam e ele acenou na medida em que eu me afastei do carro. Passei as mãos pelos meus cabelos, mais uma vez tentando colocá-los no lugar e desejei ter uma escova escondida no meu bolso, mas ele estava vazio. Quero dizer... Vazio além da pomada e comprimidos que Dr. Pierre havia me receitado. Ao menos não estava chovendo e não pioraria a gripe que eu possivelmente começaria a ter em breve.
Meus passos eram apressados e eu não podia esperar pra ver a minha avó e falar que eu estava bem e que nada de ruim havia acontecido. Também me preparava para escutar reclamações, mas isso seria o de menos. Eu precisava ir pra casa. Virei a esquina e a primeira coisa que vi foram luzes vermelhas e azuis piscando na calçada em frente a residência da minha família. “O que esta acontecendo?” Me desesperei com a viatura policial e o guarda que conversava com Dan. A partir dali, percorri o resto do caminho em uma correria angustiante, com medo de imaginar o que pudesse estar ocorrendo.
- %Star%! – Dan gritou ao ver a minha chegada e logo várias pessoas apareceram atrás dele.
- O que houve? Porque a policia está aqui?! – Perguntei confusa e finalmente cheguei até a casa.
- Eles estavam procurando por você!
O policial me olhou com certa raiva, supostamente achando que eu era mais uma menina mimada que sumia sempre que queria e deixava a família preocupada. Seu olhar falava: “Eu não acredito que perdi um dia de trabalho pra nada.” Eu logo comecei a entender o que estava acontecendo ali. Como havia “sumido” há mais de vinte e quatro horas, já podia ser considerada uma pessoa desaparecida e ninguém hesitou em colocar a polícia atrás de mim. Jolene foi a primeira a vir de encontro a mim e me abraçar.
- Nós estávamos tão preocupados, minha querida! Onde você estava? – Ela não estava brava como eu esperava, apenas feliz em me ver.
- Eu encontrei com uma amiga e passei a noite na casa dela... – Menti. – A Pâmela, lembra?
- E custava alguma coisa avisar, %Star%? – Meu irmão estava assustado e bravo ao mesmo tempo.
- Eu perdi o meu celular... – O olhei cheia de culpa e minha avó se soltou de mim. – Desculpa...
- Não adianta pedir desculpas! Você sabe o que nos fez passar?! Todas as coisas que nós achamos que poderia ter acontecido?
- Louis, já chega. – Zayn surgiu ali pela primeira vez e impediu meu irmão de continuar com aquele discurso que logo me faria começar a chorar. – O que importa agora é que ela está bem.
Lou bufou e me deu as costas, entrando em casa. Ele estava muito chateado comigo e era compreensível. Me senti pior do que já estava quando Dan foi ligar para a minha mãe e avisar que eu apareci. Pelo visto ela estava dirigindo pelas ruas a minha procura desde o nascer do Sol. Nana foi conversar com o policial e agradecer por toda ajuda, deixando eu e Zayn frente a frente. O seu olhar não era de raiva, apenas de preocupação. Antes de mais nada, o menino me envolveu em seu abraço e eu pude relaxar o corpo no dele. Me senti segura como se nada de ruim pudesse me acontecer agora; finalmente eu estava em paz.
- Você está gelada, %Tah%... Vamos entrar? – Me perguntou ao beijar a minha bochecha e eu inspirei o seu perfume.
- Vamos...
Afirmei e não nos separamos. Zayn me guiou para dentro de casa e eu não arrisquei olhar para o meu irmão que estava sentado no sofá. Ele permaneceria com raiva de mim por mais um tempo e eu já estava preparada pra aguentar suas reclamações, principalmente por saber que ele estava com a razão. Fomos direto para as escadas e ao chegar no segundo andar, fui direto para o meu quarto. A minha cama estava arrumada e o colchão de Zayn não estava mais no chão, era quase como se ninguém tivesse dormido ali dentro. Algo que me pegou de surpresa foi ver o meu celular em cima do meu travesseiro.
- Eu achei que tinha perdido! - Corri até o objeto e praticamente o abracei.
- O Louis o encontrou na grama quando nós estávamos te procurando... – Zayn se sentou na ponta da cama e me olhou como se quisesse perguntar algo. – Quem é Jane Doe?
- Quando não sabem o nome de alguém, geralmente o chamam de John Doe... Jane Doe é o feminino. Mas por que? – Não entendi o que aquela pergunta tinha a ver com qualquer coisa, mas respondi do mesmo jeito.
- Isso aqui caiu do seu casaco quando você chegou. – Esticou uma etiqueta na minha direção e parecia preocupado, quase decepcionado.
- O que... – Peguei a etiqueta onde se lia: “Jane Doe, Hospital de Paris”. Não precisei ler mais nada pra saber que tinha sido pega na mentira.
- Que aconteceu com você, %Tah%? – Perguntou com paciência, me dando a confiança que eu precisava pra contar.
Respirei fundo e andei até a porta, fechando-a. Se eu ia contar a história verdadeira, não queria que mais ninguém ouvisse. Zayn me observou preocupado e não perguntou mais nada. Eu voltei ate o meio do quarto, parando de frente para o outro. Com isso, tirei o meu sobretudo e deixei de lado, mostrando o curativo no meu pulso.
- Meu Deus, %Star%! Você fez isso? – Puxou a minha mão delicadamente para olhar o meu machucado de perto.
- Não, não fui eu... – Neguei, querendo evitar que ele pensasse que eu tinha tentado me matar ao cortar o pulso. – Eu fui atropelada, Zayn. E me levaram até o hospital...
- Quem? Quem te levou? Porque você não avisou a ninguém?
- Eu não sei quem me levou, porque desmaiei com a pancada... – Limpei uma lágrima que teimou em cair dos meus olhos. – E eu não queria preocupar ninguém falando que estava no hospital, mas acho que não adiantou muito, né?
- Eu queria ter cuidado de você. – Me soltou e olhou para o meu rosto. – Deve ter sido assustador ficar sozinha em uma hora dessas.
- Um pouco... Mas a enfermeira que cuidou de mim foi um amor. – Dei um meio sorriso e segurei a barra do meu vestido. Ainda faltava a pior parte daquilo tudo. – Tem mais...
Zayn observou eu levantar o vestido e virar de lado, mostrando o hematoma na minha pele. Ele não levou aquilo pelo duplo sentido e nem prestou atenção no meu corpo mais do que deveria. E eu também não me senti envergonhada por praticamente estar “me despindo”. O queixo dele caiu ao ver o roxo na minha pele e o tocou com a ponta dos dedos. Eu recuei um pouco por causa da dor que aquilo causaria e ele se interrompeu.
- Eu não quebrei nada... Só estou um pouco dolorida. Mas o médico me deu uma pomada e alguns remédios pra dor, então acho que eu vou ficar bem. – Forcei um sorriso e abaixei o vestido.
- Ainda bem. – Também sorriu e me puxou devagar para o seu colo. – Eu devia ter te seguido ontem... Quando você saiu correndo. Eu não podia ter te deixado.
- Shh, não pensa assim. – O envolvi pelo pescoço e encostei nossos rotos. – Eu precisava de um tempo sozinha, sabe? Pra pensar...
- Só espero que já tenha pensado o bastante, porque eu não vou mais te deixar sozinha. – Me olhou com seriedade.
- É isso mesmo o que eu quero. – Sorri e juntei os nossos lábios em um selinho.
O que deveria ser um beijo rápido se tornou algo mais profundo rapidamente. Não sei se era só eu, mas simplesmente não consegui me separar dele. Era como se eu precisasse daquilo, como se os lábios de Zayn fossem um remédio para todas as minhas dores e preocupações. Ele me envolveu pela cintura com todo cuidado do mundo, evitando tocar no local do meu machucado, e ainda assim me manteve o mais perto possível. Nosso beijo não foi “quente”, mas foi carinhoso. Apenas ficamos curtindo um ao outro, matando todas as saudades e podendo relaxar por estarmos juntos.
- Nós vamos voltar pra Londres hoje a tarde... – Falou ao beijar a minha bochecha.
- Já? – Fiz um biquinho.
- Já sim, mocinha. Não estamos de férias. – Me olhou com uma cara engraçada e eu acabei rindo. – Ou você esqueceu que tem um roteiro enorme pra memorizar?
- Não esqueci... – Me senti um pouco desconfortável e levantei do colo de Zayn. – Acho que preciso tomar um banho. Tirar esse cheiro de hospital, sabe?
- Tem razão. – Também se levantou. – Depois me chame pra passar a pomada no seu machucado.
- Você vai passar? – Levantei uma sobrancelha.
- Claro que sim! Eu vou cuidar de você, babe.
+++ Depois que eu tomei o meu banho bem quentinho e super relaxante, Zayn cumpriu o que prometeu e passou a pomada no meu hematoma. Ele foi tão gentil e carinhoso que eu quase não senti dor alguma. Também não me importei nada em ter que ficar deitada com a roupa um pouco levantada para dar espaço de passar o remédio por toda a área arroxeada. Acho que a parte mais tensa foi quando a minha mãe tentou entrar no quarto, mas a porta fechada de chave. Por mais que eu tivesse explicado que nada de mais estava acontecendo entre meu namorado e eu naquele momento, ela não me deu ouvidos e quis saber se estávamos usando “proteção”. Que tipo de mãe pergunta isso para uma filha de 19 anos que recentemente estava trancada em um quarto com o namorado? Todas? Ah, sim.
Pelo menos não demoramos tanto assim pra descer e encontrar a família reunida na mesa da cozinha. Era a hora do almoço e o cheiro estava delicioso, como sempre, mas eu não estava com fome alguma. Apenas me sentei com os outros por educação e os observei comer. Zayn virou um fã de carteirinha das receitas da minha avó e até pedia algumas dicas, mesmo que eu soubesse que ele nunca iria testar nenhuma delas, era muito fofo vê-los interagindo. Louis e Dan conversavam sobre trabalho enquanto se deliciavam com as enchiladas.
- Querida, você não vai comer nada? – Minha mãe perguntou com um olhar de preocupação. – Está tão magrinha...
- Eu já comi no... Na casa da Pam! – Quase falei “no hospital” e Zayn me olhou alarmado. – Então não estou com fome...
- Mas coma alguma coisa... Nem que seja só a sobremesa. – Vovó entrou na conversa e se levantou para ir ate o fogão e pegar a tal sobremesa. – É a sua preferida!
- Torta de maçã com canela! – Sorri ao ver a torta e mesmo que eu estivesse empanturrada iria comer ao menos um pedaço.
- Eu também quero! – Zayn esticou o pescoço.
- Só depois que você terminar o almoço, querido. – Vovó o olhou séria, mas sorriu em seguida.
- Aw, nanaaaaaa. – Ele fez um bico enorme e ficou emburrado.
- “Nana”? – Ergui uma sobrancelha. – Os dois já estão nessa intimidade?
- Ihh, você perdeu muita coisa, %Tah%. Nós somos bons amigos agora, não é, Jolene?
- Exatamente. – A senhora partiu um pedaço bem generoso da torta e o colocou em um prato pra mim. – Vocês dois tem que vir me visitar logo, tá bem?
- Pode deixar que a %Tah% vai me trazer aqui mais vezes. – Meu namorado piscou para ela.
- Claro... – Suspirei e preferi me concentrar no pedacinho de céu que eu parti e levei até a boca. – Nhomnhom.
- Está gostosa? – Lou sorriu pra mim pela primeira vez desde que eu voltara pra casa.
- Está sim... – Sorri de volta, mesmo que um pouco insegura. – Você não está mais com raiva de mim?
- Eu não estava com raiva, pequena... Era só preocupação. Você sabe bem como eu fico. – Abaixou o olhar. – Me desculpa?
- Claro que sim, Tommo.
Trocamos mais um sorriso e ele terminou o almoço em seu prato. Nana também o serviu da torta e eu resmunguei algo do tipo: “Esse pedaço tá muito grande!” Mesmo que eu não fosse comer tudo, tinha um ciúme muito grande da minha comida preferida. Sim, eu estava sendo egoísta, mas ninguém me deu importância, então acho que não tem problema. Zayn foi o último a terminar, portanto o último a começar a comer da sobremesa. O coitado estava tão emburrado que Dan até mesmo fez uma brincadeira que piorou tudo. Falou que teríamos que sair logo e não daria tempo de terminar a refeição.
- Baby, é só uma brincadeira! Você vai acabar engasgando assim! – Soltei uma risada baixa ao ver Zayn se apressando para comer.
- Nós não temos que ir agora? – Perguntou com a boca cheia.
- Vocês ainda tem algumas horas pra aproveitar. – Dan também riu.
- Obrigada por levar a gente até a estação, Dan.
- É um prazer, %Tah%. Eu vou adorar passar mais um tempo conhecendo vocês. – Sorriu adoravelmente. O noivo de minha mãe estava saindo melhor que a encomenda. – Sentirá saudades do seu país?
- Vou sim. – Respondi rapidamente e peguei o meu prato vazio para levá-lo até a pia. – Quem me ajuda a lavar os pratos?
- Eu ajudo, babe. – Zayn já tinha terminado de comer mesmo, então se levantou para me acompanhar.
- Não mesmo! Deixem que eu lavo tudo. – Jay me surpreendeu muito e pegou a louça da minha mão, impedindo-me de começar o trabalho. – Sua avó tem algo que gostaria de conversar com você, %Tah%.
- Tem? – Olhei para Jolene e ela já me esperava na porta da saída.
- Pode vir aqui por um segundo, querida?
Olhei de Zayn para Lou e os dois pareciam saber do que aquilo se tratava, mas nenhum me falou coisa alguma. Não sabia se deveria me preocupar e fui de qualquer jeito, torcendo para que fosse algo simples. Temia que fosse algum tipo de despedida por eu estar voltando à Londres em poucas horas e meu coração não iria aguentar isso. Não depois da despedida mais difícil que eu tivera no dia anterior. Nana sorria acolhedora e isso me tranquilizou. Passamos direto pela sala lado a lado e aparentemente nosso destino seria o segundo andar, pois também subimos a escada e só paramos ao estar na frente da porta do quarto dela.
- %Tah%... Eu te chamei aqui porque tenho um assunto meio delicado pra tratar com você. – Começou. – As coisas do seu avô... Bem... Eu e a sua mãe andamos conversando e achamos melhor doar pra caridade.
- Eu já imaginava isso, nana... – Respirei fundo. Por mais que não gostasse da ideia de outra pessoa ter os bens do meu papá, sabia que era a coisa certa a se fazer. – É o que ele ia querer.
- Isso mesmo... Meu Charles sempre gostou de ajudar os outros e essa teria sido a sua última vontade. – Tocou meus cabelos e sorriu. – Mas também não achamos justo doar tudo e não deixar nenhuma lembrança dele pra você e o seu irmão.
- Como assim?
- Em cima da cama tem uma caixa de memórias... Como aquelas que você fazia quando era pequena pra guardar as suas coisas. Lembra? – Perguntou e eu afirmei que sim com a cabeça. – Ela esta vazia... Então eu quero que você a preencha com todas as coisas que possam te lembrar do seu avô.
- Obrigada, nana... – Sorri e a abracei. – O Lou não se importa que eu faça isso primeiro?
- Ele é que pediu isso! Disse que você dá mais valor às pequenas coisas do que ele.
- Tudo bem... Eu prometo que não vou pegar muito.
- Fique a vontade, %Estrelinha%.
Nana sorriu e abriu a porta para que eu pudesse entrar no quarto. Ela não me seguiu como eu esperava e apenas fechou a porta atrás de mim para que eu realmente ficasse a vontade. Era a segunda vez que eu entrava naquele quarto desde que voltara de Londres e a primeira vez que eu realmente prestava atenção em tudo. O lado da cama que costumava ser do meu avô estava bem feito e o seu travesseiro perfeitamente arrumado, quase como se ninguém nunca tivesse se deitado ali. As coisas dele, por outro lado, deviam estar do mesmo jeito que deixara. Foi difícil pra mim não começar a ficar toda emocional, mas eu havia prometido para papá na noite anterior (durante a nossa conversa secreta) que eu não ficaria chorando pelos cantos. Por esse exato motivo, eu respirei fundo e me concentrei naquela tarefa dura que eu tinha pela frente.
Assim como Jolene me falou, havia mesmo uma caixa vazia em cima da cama, onde eu poderia guardar os meus pequenos tesouros. O objeto em si já lembrava um tesouro, diga-se de passagem, pois era de madeira e tinha formato de um baú. Não era muito grande e facilmente poderia ser carregado para qualquer lugar. Fui até ele e o abri, examinando o seu interior revestido por um veludo vermelho e brilhante. Bem, eu teria que começar em algum lugar, não é? Então por que não começar pela mesinha de cabeceira de Charles? Sentei-me de joelhos no chão e parei de frente para aquele criado mudo que ironicamente deveria ter várias histórias pra contar. Sobre ele estavam algumas folhas de jornal, um abajur e o objeto que eu acho que era o mais usado por meu avô: Seu óculos de meia Lua. Era raro não ver aquelas lentes penduradas no pescoço ou no rosto angular de seu dono. Com um sorriso nostálgico no rosto, o peguei e coloquei sobre a cama; com certeza iria para o baú.
Segui passeio ainda me demorando na mesinha, dessa vez passando para a gaveta que ela escondia. Ali dentro era um verdadeiro guarda tralhas e eu poderia encontrar qualquer coisa desde botões dispareados até um esmalte que eu perdi tempos atrás. Revirei algumas coisas aqui e ali, porém o que mais me chamou atenção foi um caderninho de capa de couro com folhas um pouco amareladas pelo tempo. Eu sabia bem o que era aquilo mesmo sem abri-lo. Meu avô tinha várias manias e uma delas era ler muito, só que não parava por aí. Cada vez que encontrava alguma frase ou mensagem bonita em um de seus livros, ele escrevia naquela espécie de diário para que não se esquecesse ou para o caso de querer refletir. Mais um item que eu iria levar comigo!
A próxima peça que eu queria encontrar não seria uma surpresa, pois eu sabia exatamente o que era, apenas não sabia muito bem onde estaria guardada. Resolvi começar olhando no guarda roupa e a primeira coisa que fiz ao abrir as portas de madeira foi respirar fundo. O cheiro de poutpori caseiro que usávamos para impedir o mofo de chegar até as nossas roupas seria impossível de não reconhecer. Passei alguns cabides para um lado, outros para o outro... Sempre me demorando bastante em estudar todas as camisas que eu já havia visto papá usar, umas que até foram presente meu. Quem quer que fosse receber aquelas roupas como doação teria muita sorte, pois o primeiro dono delas tinha um bom gosto tremendo. Puxou a mim, com certeza. Ou seria o contrário? Isso não é hora para sermos literais, então deixe-me continuar a história. Tive que abrir a terceira gaveta e “cavar” até o fundo dela pra achar o que estava procurando: O suéter vermelho de lã que eu passara um verão inteiro ajudando a minha avó a costurar só pra dar de presente para ele no natal. Foi também na época em que eu estava mais viciada em Harry Potter (livros e filmes), por isso fiz questão que tivesse um “T” amarelo bem grande no centro. Quase como o dos Weasley, mas nesse caso era o da família “Tomlinson”. Por mais egoísta que isso soe, aquele suéter era muito especial e eu não queria que ninguém mais o tivesse. Check!
Deixando os três objetos próximos do baú, atravessei o quarto em direção ao banheiro da suíte. Lá dentro pude notar que ainda tinham duas toalhas penduradas, com as palavras “Il” e “Elle” em uma caligrafia bem delicada. “Ele” e “Ela” respectivamente. Ainda iria demorar para a minha avó se acostumar com a vida sozinha, por isso eu acreditava que ela ainda teria certos hábitos que seriam difíceis de perder. Contanto que ela não se apegasse a ideia de que aquilo mudaria o presente e começasse a viver uma mentira, eu não me importava. Não me leve a mal, eu não sou uma completa bipolar que um dia não quer aceitar uma coisa e no outro dia está julgando quem faz a mesma coisa. É só que eu compreendo que essa atitude não é a mais saudável e me preocupo muito com a minha nana. Outra razão pra isso é que eu estava seguindo o pedido que meu avô me fez na última vez em que nos falamos pelo telefone; eu estava sendo forte. Pedidos a parte, me concentrei na bancada do banheiro e nos vários produtos de higiene que estavam ali espalhados. Meu olhar caiu diretamente sob um frasco de perfume quase no final, com apenas um dedo de liquido, e foi exatamente esse que eu peguei. Retirei a tampinha para cheirar e ver se era o certo, me deliciando com o cheiro adocicado que costumava perfumar Charles em qualquer ocasião.
Quando meu trabalho no banheiro acabou, eu voltei até a cama e deixei o perfume junto com as outras coisas. Não pretendia pegar muitas outras coisas, já que ainda devia deixar um tesouro para o Lou, mas tinha um último lugar que eu queria olhar. Meu avô era aposentado há muitos anos, mas ainda guardava uma pasta social, daquele estilo maleta mesmo, e lá guardava algumas coisas que eram especiais pra ele. Por sorte eu sabia onde ele a escondia e também sabia a sua senha para abri-la; “0422”, a data do seu casamento com a minha avó. Assim que tirei a pasta preta de debaixo da cama e usei o código para destravá-la, pude ver todas as coisinhas guardadas ali: Várias cartas amarradas juntas por um laço vermelho, alguns cartões postais, uma chave antiga que eu não fazia ideia do que abria/fechava, algumas fotografias em preto e branco e outras coisinhas mais. Minha avó com certeza gostaria de ficar com aquelas lembranças para ela mesma, portanto eu não me atrevi em pegar quase nada. Não resisti e recolhi para mim uma foto do meu avô de quando ele era pequeno e um estojo preto que continha uma caneta daquelas mais antigas, onde ainda se usava recarga de tinta. Pensei em guardar a maleta novamente, mas algo chamou a minha atenção: Um relógio de bolso. O objeto era prateado e com alguns detalhes em ouro. Podia não marcar mais o tempo, mas ainda era muito elegante. Nas suas laterais estavam gravadas as iniciais “C.T” e pelo que eu me lembrava vagamente, fora um presente do próprio avô do meu avô. Na época deles devia estar na moda aquele tipo de relógio e foi a última coisa que eu levaria como lembrança do meu avô.
Deixei a mala onde a achei, como se nada tivesse passado por ali. Me sentei na ponta da cama e dei uma boa olhada em todas as coisas que eu havia coletado. “É, nada mal.” Puxei o baú delicadamente para perto de mim e comecei a arrumação. Primeiro coloquei o suéter vermelho bem dobrado e as outras coisas menores por cima. Recapitulando: Óculos de meia Lua, diário de quotes, perfume quase no final, relógio de bolso e caneta. Para outra pessoa aqueles objetos colocados juntos não teriam valor ou sentido algum, mas para mim poderiam significar o mundo. Assim que todos estavam bem arrumados e seguros, fechei a tampa do baú e o carreguei para fora do quarto.
Pelo que pude ver, ninguém estava pelo segundo andar e o meu quarto já estava vazio novamente, pois nem a minha mala e nem a de Zayn estavam por ali. Já devia estar na hora de partir, mas meu coração estava tranquilo, pois eu sabia que voltaria logo. Não cometeria o mesmo erro duas vezes e não perderia todas as oportunidades possíveis que eu pudesse ter ao lado da minha avó. Minha visão estava um pouco limitada por conta do objeto de madeira em minhas mãos, mas isso não me impediu de descer as escadas sem cair, logo me levando de encontro com um Louis afobado que cruzou o meu caminho.
- Achei que não fosse sair de lá nunca! – Reclamou e subiu as escadas.
- Desculpa! – Gritei, mas não tenho certeza se fui ouvida.
- Meu bem, pegou tudo que queria? – Nana veio ao meu encontro com uma vasilha transparente em mãos.
- Peguei sim! – Mostrei o baú que eu carregava e dei uma boa olhada no que ela trazia. – O que isso?
- É um pequeno lanchinho para a viagem de vocês. Não achou que eu fosse te deixar ir embora sem levar a sua torta, achou?
- Não precisava, nana! Eu vou voltar logo, você vai ver. – Sorri e a segui para fora de casa, sussurrando minhas últimas palavras: - Antes do que você imagina...
- Minha filha, eu vou sentir tanto a sua falta! – Jay estava conversando com Zayn e Dan perto do carro do seu noivo, mas assim que me viu mudou o que estava fazendo e veio me abraçar.
Primeiro pegou o meu baú e o entregou para Zayn, pedindo-o para guardar na minha mala. Em seguida ela me puxou para si e me enterrou em seu abraço. Se eu devo tirar algo bom dessa história toda é que eu vi o quanto a minha mãe estava mudada. Não parecia mais aquela mulher inconsequente que podia ser mais infantil do que eu e agora estava se comportando como uma mulher. Ou melhor, como uma mãe. Tinha certeza que Dan era o culpado por essa nova fase na vida dela e me senti genuinamente feliz pelos dois, já que pareciam se completar de uma maneira maravilhosa e equilibrada. Olhando para o passado naquele momento, eu começava a reparar que a minha ida para Londres estava sendo bem mais pacifica do que na primeira vez. Antes era como se eu estivesse fugindo dos meus fantasmas e naquela tarde eu não tinha do que fugir. Bem... Talvez fugir da dor da perda e da saudade, mas como se foge de algo que está dentro de você?
- Eu também vou, mum... – Dizem que não há nada melhor que o amor materno e era como se eu estivesse sentindo isso pela primeira vez depois de séculos, por isso demorei bastante para soltá-la. – Mas vamos nos falar logo...
- Sei disso, princesa. – Sorriu e mexeu nos meus cabelos. – Vou precisar da sua ajuda pra escolher o meu vestido de noiva, viu?
- É claro que vai! – Sorri de volta e olhei para Dan. – Eu também quero conhecer as minhas novas irmãs!
- Vocês vão se dar muito bem, %Star%, eu tenho certeza. – O homem parecia gostar daquela de ideia de nos juntar todos em uma família grande e feliz, portanto o deixei sonhar.
- Depois eu quero ver uma foto delas, tá bem? – Pedi e fui ao encontro do meu namorado, já abraçando-o pela cintura e o fazendo encostar na porta do carro de Dan.
- Pronta pra ir? – Ele me perguntou ao me envolver protetoramente pelos ombros.
- Eu acho... – Respirei fundo e escondi o rosto entre seu ombro e pescoço, do mesmo jeito que fazia quando estava preocupada ou pensativa.
- Cuide bem da minha pequena, Zayn. – Johanna pediu e eu o apertei ainda mais com meu enlace.
- Não precisa pedir duas vezes, Jay.
+++ Nossa viagem de trem foi bem agradável, como sempre, e passou mais rápido do que eu esperava. Talvez por eu ter adormecido no colo de Zayn enquanto ele me fazia cafuné, mas isso não vem ao caso agora. Como não sabíamos se o nosso transporte atrasaria para chegar até a Kings Cross, preferimos não pedir para nenhum dos meninos virem nos buscar e apenas pegarmos um taxi de lá para casa. Não foi uma decisão tão sábia, por conta do trânsito e o do preço que pagamos por um translado tão demorado, mas ainda assim foi o que nos restou. Zayn preferiu me acompanhar até em casa antes de ir para a própria e eu tinha certeza que o motivo disso era me obrigar a passar a pomada de cheiro ruim mais uma vez. Sim, eu adorava ser cuidada e paparicada, mas não queria que ele demorasse tanto pra chegar na própria casa. A viagem inteira tinha sido cansativa e ele mais do que ninguém precisava descansar. Zayn havia sido um namorado de ouro e não havia palavras no mundo que eu pudesse usar para agradecê-lo o suficiente.
- Aposta quanto que a casa está um verdadeiro caos? – Lou perguntou ao girar a chave na fechadura da porta de entrada.
- Prefiro não apostar. – Balancei a cabeça em negação.
Era bom estar de volta e eu realmente sentia falta de Liam e Harry, mesmo só tendo ficado longe por três dias e meio. Também não via a hora de matar as saudades da minha ruiva preferida e do meu irlandês lindo. “Se você está certa do que vai fazer, terá que se acostumar com essa saudade.” A minha consciência chata voltou a me perturbar e eu a mandei calar a boca, pois ainda não era a hora de tratar daquele assunto. Resolvi prestar atenção na correria e gritos que ouvi dentro da casa quando Lou anunciou a nossa chegada. Meu irmão deu espaço para que eu e Zayn entrássemos atrás dele e foi bem a tempo de ver um Liam ofegante chegar até o hall.
- Finalmente vocês chegaram! – Abriu os braços sorridentes e eu fui a primeira a ir abraçá-lo.
- Leeyum! – Sorri e passei os braços em volta do pescoço dele, ficando na pontinha dos pés. Ele me apertou pelas costelas com certa força e eu reclamei de dor. – Uhhhh.
- O que foi? Eu te machuquei? – Ameaçou me soltar, mas eu não deixei. Por mais que estivesse doendo, foi bom senti-lo.
- Não foi nada, Li, eu to bem.
- E eu? Não ganho abraço? – Harry já tinha cumprimentado Lou e Zayn, só faltando eu.
- Claro que vai, Hazza! – Finalmente deixei Liam ir e parti para o de cabelos encaracolados. – Senti tanta falta do meu cupcake!
- Também senti a sua, %Estrelinha%. – Também me envolveu pelas costelas e me levantou do chão. Em outra ocasião eu teria adorado esse movimento, mas estava com dor demais para segurar outro gemido de dor. – O que há de errado?
- Cólica. – Menti e tentei parecer o mais verdadeira possível.
- Bem, agora que a minha garota está entregue, eu acho que vou indo. – Zayn colocou as mãos dentro do bolso e eu senti um frio ruim na barriga.
- Zayn... – Respirei fundo. – Antes de você ir... Podemos conversar?
- Estou encrencado? – Perguntou com uma risada, mas ficou sério assim que viu que eu não o imitei.
- Vamos para o meu quarto...
Segurei na mão do moreno e o tirei de perto dos outros três. Senti que ele estava suando e sua pele estava gelada, provavelmente por conta do nervosismo que estava sentindo sem saber do que se tratava aquela conversa. A verdade era que eu também estava muito nervosa e temia começar a chorar e não conseguir falar o que queria. Nós dois subimos as escadas e ele se demorou mais do que eu para entrar no meu quarto. As coisas lá dentro estavam do jeito que eu me lembrava de ter deixado e até as roupas que eu usaria na nossa noite de karaokê estavam no canto mais afastado da cama. No meio dos meus travesseiros estava o ursinho que Zayn me dera e ao lado dele o pinguim de Liam. Tanta coisa havia acontecido em tão pouco tempo que a minha cabeça começou a doer com a volta de todas as lembranças, planos não executados e acontecimentos loucos. Zayn me olhou com preocupação, franzindo a testa e sem tirar os olhos de mim. Vendo que não conseguiria passar por aquilo de pé, sentei-me no colchão e pedi para que ele fizesse o mesmo.
- %Star%, você está me preocupando...
- Eu vou direto ao assunto, tá bem? – O olhei e me arrependi eternamente disso. Seus olhos estavam brilhantes e molhados, como se ele estivesse esperando o pior. Sim, consciência, agora é a hora de falar sobre aquilo. – Eu vou voltar pra Paris...
- Por que? Esqueceu alguma coisa lá? Tenho certeza que a sua avó pode mandar pelo correio, ou...
- Não, Zayn. – O interrompi. – Eu vou voltar de vez. Estive pensando muito nesses últimos dias, principalmente sozinha lá no hospital... E eu não quero que aconteça com a minha avó a mesma coisa que aconteceu com papá.
- Então era por isso que você estava agindo estranho o dia inteiro? Você não pode ir embora, %Star%. – Sua expressão se tornou indecifrável. – Não pode largar tudo aqui como se nada tivesse acontecido.
- Eu não vou fazer isso... – Puxei o ar, mas ele não veio. – Amanhã eu vou na Academy, conversar com a Agnes e ver se podem segurar a minha vaga por pelo menos um ano e...
- Um ano? – Foi a vez dele de me interromper, com a voz fraca. – E quanto a nós dois?
- Eu... – Perdi a frase completamente e encarei as minhas mãos sem saber o que falar. – Paris não é tão longe assim... Nós ainda podemos nos ver...
- Não vai ser o mesmo que te ver todos os dias.
E com essa simples frase ele saiu do meu quarto tão rapidamente que eu quase perdi a lágrima que escorreu em seu rosto. Já não sabia mais se aquilo era o fim de nós dois, ou se iríamos tentar continuar juntos com toda a distância e também não podia ir atrás dele. Ao menos não naquele momento. Minha decisão de voltar para Paris já estava tomada e nada me faria mudar de ideia. Talvez não fosse ser uma coisa permanente e talvez depois de um ano eu pudesse voltar... Mas era isso o que eu tinha que fazer. Era meu dever acompanhar a minha avó durante esse primeiro período, pois agora ela ficaria sozinha. Era meu dever... Mesmo que isso significasse perder a pessoa mais incrível que eu já conheci.