Ballet Shoes


Escrita porElla Souza
Editada por Isabelle Castro


Capítulo XL

Tempo estimado de leitura: 59 minutos

  Meu corpo estava completamente dolorido, como se eu tivesse batido em um lugar muito duro ou como se um carro tivesse passado em cima de mim. Eu senti que estava acordando de um sono profundo, mas não me sentia descansada. Me mexi e abri os olhos apenas o suficiente para ver que estava na sala e deitada no sofá. Não fazia ideia do que havia acontecido e não me lembrava de nada das últimas horas, provavelmente por ter acabado de acordar e ainda estar meio grogue. Olhei em volta e encontrei Liam de costas pra mim, olhando para fora da janela e Harry estava sentado na escada, com a cabeça encostada aos joelhos. Louis era o que estava mais perto de mim, mas também tinha a cabeça abaixada. O silêncio que tomava conta do cômodo era triste.
  Devo ter feito algum barulho ao me sentar sobre o sofá, pois todos se viraram na minha direção. Um parecia mais preocupado que o outro e foi só quando vi as lágrimas nos olhos avermelhados do meu irmão que tudo começou a voltar aos poucos para a minha memória. A ligação... Aquela ligação que eu teimei em atender achando que seria alguma coisa boa, mas que não tinha nada disso.
  - Como você está se sentindo, %Tah%? – Liam se sentou ao meu lado e tocou o meu ombro com cuidado.
  - Eu não sei... – Minha própria voz saiu arrastada, quase falha. Toquei a minha testa ao sentir uma pontada terrível e olhei para Louis. – Me diz que não é verdade...
  - Eu gostaria tanto de poder dizer isso... – Sussurrou e veio até o meu lado. Eu senti que se ele falasse mais alguma coisa acabaria chorando.
  - Mas eu não entendo... Eu falei com ele na segunda feira... Como isso pode ter acontecido? – Mais uma vez as milhões de perguntas sem resposta invadiram a minha mente. Eu precisava de uma explicação!
  - %Tah%... O nosso avô... Ele estava doente... – As palavras de Louis soaram como facas perfurando o meu peito, mas eu não me atrevi a interrompê-lo. – Há mais ou menos dois meses nós descobrimos que ele estava com um problema no coração e alguma hora isso iria acontecer...
  - Dois meses? Então aquelas ligações misteriosas que você recebia... Por que ninguém me falou nada?
  - Sim, aquelas ligações eram da vovó dando noticias... Ninguém sabia que seria tão rápido assim, %Tah%... Ele mesmo não queria que você ficasse sabendo, porque acreditava que ainda suportaria por alguns anos e... – Naquele ponto em diante Louis não conseguiu falar mais nada. Sua voz sumiu completamente e lágrimas molharam o seu rosto.
  Eu não pediria mais nenhuma explicação, porque tão pouco gostaria de ouvi-las. Minha primeira reação foi abraçar o meu irmão com força, querendo apoiá-lo. De certa forma parecia que e a ficha ainda não tinha caído pra mim e eu tinha esperanças que logo estaria acordando e descobrindo que nada passava de um mero pesadelo. Enquanto as lágrimas de Lou caiam sobre o meu pijama, meus olhos continuaram secos. Não por eu não sentir vontade de chorar, muito pelo contrário. O pior sentimento do mundo é quando você sente uma dor tão grande que ela fica entalada em sua garganta. Você não consegue gritar, não consegue chorar... Nem ao menos falar se torna possível. Essa dor toma conta de cada pedaço de você e é mais forte que tudo. Por um momento você não quer que a dor vá embora, porque isso já se tornou impossível de tal maneira que você só deseja o alivio. Só deseja conseguir colocar pra fora tudo que está te matando por dentro. Mas o alivio não vem... Só mais sofrimento.
  - Eu quero ver a nana... – Pedi baixinho.
  - Eu sei disso... – Louis fungou e eu sequei suas lágrimas quando ele me olhou. – Nós vamos voltar a Paris hoje mesmo, pela manhã.
  - Que horas são? – Eu estava tão perdida que nem havia notado que começava a amanhecer.
  - Cinco e meia... Você desmaiou e apagou por muito tempo, %Tah%. – Liam tocou o meu cabelo e eu sabia que nos ver naquele estado o corroía por dentro. – Eu te ajudo a arrumar uma mala pra levar...
  - Não precisa. – Forcei um sorriso e me levantei. – Eu... Eu me viro.
  Eu não estava sendo mal agradecida, apenas precisava de um tempo sozinha. Talvez assim conseguisse organizar os meus pensamentos e compreender a guinada que a minha vida estava tomando. Ninguém me impediu de ir até a escada e subir para o meu quarto. Me tranquei lá dentro e já fui pegando a minha mala embaixo da cama. Meus atos estavam sendo totalmente automáticos e eu não prestava muita atenção em nada. Nunca pensei que a próxima vez que eu estaria indo para a minha cidade natal seria pra dar adeus à pessoa mais importante na minha vida. Mas talvez ele estivesse lá me esperando... Talvez tudo fosse um mal entendido... E se o “Ele se foi” que a minha avó falou quisesse dizer que ele foi até a vendinha da esquina pra tomar um café como fazia todas as manhãs de domingo? E se...
  Mas não era. Mesmo sem querer acreditar e sem nunca aceitar, eu não veria o meu avô novamente. Coloquei a minha mala em cima da cama sem me importar em amassar as roupas que estavam por ali. Me dirigi até o closet e fui puxando as primeiras peças de roupa que encontrei, sem prestar muita atenção se elas combinavam e simplesmente as joguei dentro da mala. Não tinha certeza de quanto tempo passaríamos lá, mas deviam ser o suficiente. Também aproveitei para separa o que usaria durante a viagem e meu passaporte e outros documentos. Por mais que eu tentasse respirar fundo, não tinha sucesso algum e acabava só suspirando pesadamente. Também não tive forças para puxar a mala para o chão depois que a fechei, causando um barulho um tanto alto quando ela caiu no chão com tudo.
  - Tá tudo bem aí dentro, %Tah%? – A voz de Harry veio do lado de fora do quarto e eu abri a porta pra ele.
  - Uhum. – Mantive uma pose forte. – Só tive um probleminha com a mala...
  - Já fez a mala? Eu posso levar ela lá pra baixo pra você... – Entrou no quarto e pegou a minha mala do chão. – Lou pediu pra avisar que vocês vão sair o mais cedo possível, então troque de roupa, tá bem?
  - Obrigada, Haz...
  Antes de sair do quarto, Harry me abraçou com força e eu deitei a cabeça em seu peito. Tentei respirar fundo novamente, mas foi em vão. Se continuasse assim, eu logo começaria a ter dificuldade para respirar. O menino beijou o topo da minha cabeça e passou as mãos pelo meu rosto. Tive que olhar em seus olhos verdes e percebi que ele também estivera chorando. “Eu sempre vou estar do seu lado, viu?” Foi sua frase antes de me deixar ir trocar de roupa e sair do meu quarto. Ainda era muito surreal tudo aquilo que estava acontecendo e eu resolvi simplesmente não pensar. Me concentrei com todas as minhas forças para me trancar dentro de uma bolha e fingir durante todo tempo possível que nada estava acontecendo.

+++

  Quando o Sol terminou de nascer e o relógio bateu exatamente sete horas da manhã Liam e Harry nos deixaram na porta do aeroporto. Não havia a necessidade de eles ficarem com a gente porque não demoraríamos muito tempo para embarcar. Eu sempre preferi viajar de trem, mas não seria capaz de aproveitar aquele trajeto de maneira alguma, por esse motivo resolvemos ir de avião mesmo. Dessa forma chegaríamos em pouco mais de vinte minutos, já que Paris ficava ali do lado. Meu irmão e eu não precisamos pegar um carrinho nem nada disso, graças a nossa pouca bagagem. Louis logo foi para a fila do checkin e eu preferi ficar sentada em uma poltrona enquanto o esperava. Fiquei observando as minhas mãos ainda sem querer pensar no motivo que me levava a estar ali.
  - %Star%! – Escutei alguém chamar o meu nome, mas assim que levantei o rosto para olhar na direção de Louis, notei que não havia sido ele. – Aqui...
  - Oi? – Minha voz mal saiu e eu olhei de um lado para o outro. – Zayn?
  Finalmente enxerguei quem estava falando comigo e vi que era realmente o meu namorado que caminhava na minha direção arrastando uma mala preta. Não entendi o que era aquilo, mas pouco me importava. Levantei de onde estava e comecei a correr até o encontro dele. Assim que cheguei perto o bastante de Zayn para abraçá-lo, larguei a minha bolsa no chão e passei os braços em volta do pescoço dele, que me envolveu com força e também deixou suas coisas pra lá. Eu escondi o rosto no pescoço dele e deixei os meus suspiros escaparem silenciosamente. Zayn me confortou com um carinho nos meus cabelos e eu sabia que ele não poderia fazer o tempo voltar atrás, mas pude me sentir um pouco melhor só por ele estar ali.
  - Eu to aqui, %Tah%... – Falou baixo na minha orelha.
  - O que você está fazendo aqui? – Perguntei com a voz fraca assim que o olhei.
  - Louis me ligou ontem pra avisar o que tinha acontecido... – Passou os polegares na minha bochecha como uma caricia. – Eu não podia deixar você passar por isso sozinha.
  - Obrigada... – Continuei abraçada a ele e deixei um pequeno beijo em seus lábios.
  Zayn não me fez aquela pergunta que tantos outros fariam em seu lugar: “Como você está?” ou “Você está bem?” e eu agradeci por isso. Colocar o que eu estava sentindo em palavras só tornaria tudo pior, pois eu não sabia como definir. Ele também não falou os clichês de que tudo ficaria bem, ou que meu avô foi para um lugar melhor. Apenas ficou ao meu lado, me dando todo o apoio que eu precisasse. Poderia não saber o que dizer vez ou outra, mas me daria colo e um ombro aonde chorar (mesmo que tudo que eu menos quisesse naquele momento fosse chorar). Peguei a minha bolsa do chão e ele a sua mala, nos preparando para ir atrás de Louis, mas assim que nos viramos, ele mesmo nos encontrou.
  - Zayn? – Também pareceu confuso ao vê-lo por ali.
  - Ele vai com a gente, Lou. – Segurei na mão do meu namorado e entrelaçamos os dedos.
  - Se não tiver problema...
  - Problema nenhum! Você precisa despachar a mala? – Meu irmão forçou um sorriso, mas seus olhos estavam fundos.
  - Não, não... Eu já peguei a minha passagem pela internet e essa mala vai na mão mesmo.
  O chamado para o nosso voo interrompeu aquela conversa e demos sorte de estar bem perto do portão de embarque, pois não demoramos muito pra achar o caminho que deveríamos seguir. Nós três fomos lado a lado e ninguém falou coisa alguma. Zayn se mostrou bem cuidadoso comigo, pois sempre procurava me olhar e checar se eu não desabaria. De vez em quando Lou também me abraçava e forçava um sorriso na minha direção, mas estava bem claro que ele poderia começar a chorar a qualquer momento.
  Passamos pela área de segurança e não havia fila nenhuma, por isso nossas coisas passaram bem rápido por aquela máquina de raio X e pelo detector de metal. Eu fui a encarregada de mostrar as nossas passagens para um funcionário. Os meninos vieram bem atrás e conversavam algo que eu não deveria ouvir. Diferentemente do que eles queriam, eu fiquei atenta à conversa e entendi muito bem quando Zayn perguntou quando seria o... Enterro. Ouvir aquela palavra pela primeira vez me espantou, pois durante aquelas poucas horas desde que recebera a notícia, não tinha passado pela minha mente que esse era o real motivo pelo qual estávamos viajando tão apressadamente: Para enterrar o meu avô. Gelei ao escutar a resposta de Lou: “Assim que o hospital liberar o corpo, faremos o funeral... O enterro deve ser amanhã cedo.” O corpo? Isso não estava certo. Nada ali estava certo. “Seja forte, %Star%, seja forte!” Eu repetia várias vezes a mesma coisa e não me permitiria desmoronar. Não quando outras pessoas precisavam que eu fosse forte.
  - Já podemos embarcar... – Os interrompi de propósito, pois não queria mais saber daquele assunto.
  - O portão da British Airways é por aqui. – Lou indicou e eu o deixei ir na frente.

+++

  - Eu não queria que a sua primeira vez em Paris fosse desse jeito... – Falei para Zayn enquanto deitava a cabeça em seu ombro no banco de trás do táxi que estava nos levando até a casa da minha avó.
  - Não pensa nisso, %Tah%. Eu só estou feliz por estar aqui com você.
  Durante o caminho inteiro eu não olhei para fora da janela uma única vez. Sim, eu estava “feliz” por estar de volta ao meu lar, mas tudo estava em preto e branco. As paisagens que eu tanto amava perderam o brilho e nada mais me agradava. Ao oposto de mim, Lou não tirava os olhos da rua. Ele devia estar tentando se distrair e matar a saudade da nossa terra.
  Parei pra pensar em quantas oportunidades eu havia perdido e me arrependi amargamente disso. E se eu tivesse tirado alguns finais de semana para visitá-lo? A passagem de avião nem era tão cara assim e em vinte minutos eu já estaria de volta. E se eu não tivesse me mudado para Londres? Teria passado aqueles quase dois meses e meio ao lado do meu avô e acompanharia a sua doença. E se eu pudesse ter cuidado dele durante aquele tempo? E se eu tivesse percebido que algo estava errado há tempos atrás? E se? E se?!
  - Pode parar na frente daquela casinha ali. – Lou indicou para o motorista.
  - Já chegamos? – Consegui olhar pela janela e encontrar o lugar que fora o meu lar por mais da metade da minha vida.
  - Já sim, %Tah%.
  O carro foi parando aos poucos e eu suspirei ao abrir a porta e sair. Era bom esticar as pernas depois de tanto tempo sentada em um táxi francês tão apertado. Acho que eu estava mal acostumada demais com os táxis londrinos e até tinha me esquecido de como algumas coisas funcionavam por ali. Louis pagou o trajeto e foi ajudar o motorista a tirar as malas da parte de trás do carro. Zayn me seguiu até a calçada e me abraçou por trás, também olhando para a casinha a nossa frente. Eu guardava tantas memórias ali dentro que fiquei arrepiada ao sentir o cheiro da grama recém cortada.
  - Uh, %Tah%... Eu não preciso saber falar francês, certo?
  - Claro que não, baby. – Soltei uma pequena risada quase inaudível. – Aqui todo mundo fala inglês.
  - Ainda bem! – Beijou a minha bochecha. – Mas você pode ser a minha tradutora se eu precisar.
  - Exatamente! – O olhei de lado e lhe dei um selinho. – Vamos entrar?
  - Pode ir na frente... Eu vou ajudar o Lou com as malas.
  - Não demorem. – Pedi.
  O menino assentiu com a cabeça e me soltou de seu abraço. Eu respirei fundo e tive sucesso dessa vez. Arrumei a minha bolsa sobre o meu ombro e caminhei exatos dez passos até chegar à porta de entrada. Como a nossa chegada já estava sendo esperada, não precisei bater na porta e fui prontamente entrando. Também não me sentiria nada bem tocando na campainha da minha própria casa. Desigualmente do que eu estava acostumada, o interior estava silencioso. O ranger da porta anunciou a minha entrada e um pequeno sorriso escapou em nostalgia.
  - %Star%! – Minha avó apareceu com suas roupas claras como sempre e outro sorriso apareceu no meu rosto só por estar a vendo.
  - Nana! – Me precipitei até o seu encontro e a abracei com certa força. - Tu me manques...
  - Eu também senti sua falta, minha querida. – Me abraçou de volta e sorriu. – Seu irmão está lá fora?
  - Oui, nana... E o meu namorado veio também. – Demorei um pouco mais para soltar o abraço, pois estava perdida naquele cheiro de roupa limpa que ela sempre teve.
  - Quero muito conhecer esse jovem... Seu avô sempre me falava dele. – Ao falar de meu avô o seu sorriso desapareceu por completo.
  - Tenho certeza que você vai gostar dele... Como estão as coisas aqui na casa? Parece que nada mudou. – Tentei abordar um assunto mais indireto, pois não queria vê-la chorar.
  - Seu quarto continua do mesmo jeitinho, querida. Depois pode ir lá olhar!
  - Ótimo! – Dei um beijo na bochecha de minha avó e nos viramos ao escutar a porta ranger mais uma vez.
  - Nana? – Louis apareceu e Zayn vinha logo atrás, um pouco acanhado.
  - Aí está você, Boo bear. – A senhora se afastou de mim e foi abraçá-lo.
  Eu conseguia imaginar como a minha vó devia estar se sentindo, já que acabara de perder o grande amor de sua vida. Louis a acolheu e já começou a chorar novamente. Acho que as pessoas tem formas diferentes de lidar com a dor da perda... Enquanto meu irmão quase não conseguia parar de chorar, eu me sentia... Vazia. Não sentia felicidade e nem tristeza. O choque da noticia havia passado e levado consigo qualquer sentimento que eu pudesse ter. Minha cabeça girava com milhões de acusações e duvidas, mas a única coisa que me restava era a dor física; a pontada na minha cabeça, os calafrios sob a minha pele, o desconforto na boca do estômago.
  - E você deve ser o Zayn. – Minha avó havia virado de frente para ele e Lou já levava as malas para dentro da casa.
  - Sou sim, senhora. – Beijou a mão da minha avó e sorriu com pesar. – Eu sinto muito pela sua perda...
  - Obrigada pelo sentimento, querido.
  - Nana, eu vou ver o meu quarto, tá bem? – Segurei a mão de Zayn para que ele viesse comigo e ambos pegamos as nossas malas.
  Algo estava me chamando até aquele quarto e eu não sabia o que era. Talvez fosse a saudade arrumando uma forma de aparecer, ou apenas a esperança de sentir alguma coisa, nem que fosse nostalgia. Zayn me acompanhou escada acima e me ajudou com a bagagem, pois eu estava mais fraca do que imaginava. O cheiro amadeirado de pinheiros encheu os meus pulmões e eu sorri sem muita vontade. O corredor do segundo andar pareceu menor do que eu me lembrava e logo cheguei até o meu quarto. Deixei a mala de lado e abri a porta para o meu antigo refúgio. Minha cama, meu guarda roupa, minha pequena janela, minha mesinha de cabeceira... As coisas realmente estavam do mesmo jeito que havia deixado e aquilo me fez sorrir mais uma vez.
  - Bem vindo ao meu quarto! – Abri os olhos e suspirei, dando espaço para Zayn entrar também.
  - É tão diferente do seu quarto de Londres... – Passou a ponta dos dedos sob a minha cama de solteiro e se sentou, encarando as paredes e o guarda roupa. – Isso é um pôster do N’sync?
  - Ei, não me olhe assim! – Cruzei os braços. – Eles eram famosos quando eu era nova, ok?
  - Ainda bem que você falou “famosos” e não “bons”. – Gargalhou e eu fiz uma careta.
  - Se você vai falar mal dos meus garotos, pode sair daqui! – Apontei para a porta e bati o pé no chão.
  - Desculpa, desculpa! – Levantou as mãos para o alto. – Por favor, me deixa ficar no quarto da pequena Tomlinson!
  - Deixo... Mas se comporte! – Fiz cara de brava e me juntei a ele na cama.
  - Mas eu não vou ser obrigado a escutar Bye Bye Bye a tarde inteira, certo? – Continuou tirando com a minha cara e joguei um travesseiro em seu rosto.
  - Cala a boca, Malik!
  - Ai, %Tah%! Isso machuca, sua violenta. – Fez um bico e deixou o travesseiro de lado.
  - Bem feito! – Dei de ombros e não podia me importar menos. – Não permito que você fale mal da minha boyband.
  - Você tem uma queda por boybands, né?
  - Pode-se dizer que sim!
  Eu não demorei nada para tirar os sapatos e me deitar na cama. Zayn continuou sentado e eu coloquei as pernas sob as dele. Conversamos como se nada de ruim estivesse acontecendo e eu adorei aquilo. Quanto mais eu pudesse fugir da realidade, melhor. Falei sobre a minha escola antiga, meus colegas, coisas que gostava de fazer quando ainda morava por ali... Também mostrei algo na madeira da cama que eu tinha gravado com o estilete anos atrás; apenas o meu nome, mas era algo bem radical pra mim. Pegamos alguns brinquedos meus que ainda estavam por ali e montamos um teatrinho. Eu era uma boneca com vestido de princesa e ele era um dinossauro.
  - Socorro, socorro! – Fiz uma voz em fina e mexi os braços da bonequinha.
  - Raaaawr, rawr! Rawr? Rawrrrr, rawr? – Zayn imitou o barulho de um dinossauro e foi tão engraçado que eu acabei rindo.
  - O que você está fazendo? – Gargalhei.
  - Sou um dinossauro, %Star%, o que você queria? – Rolou os olhos.
  - E como você sabe que esse é o barulho que eles faziam?
  - Como mais poderia ser? – Limpou a garganta e se preparou para fazer outra imitação. – IHHHHH. IIIIIIIIIIIIIIIIIH. Assim?
  - Ai, que idiota! – Ri mais uma vez e joguei a minha boneca no chão, também tirando o dinossauro da mão dele e jogando para o lado.
  - Não joga a nossa filha no chão! – Tentou pegar a boneca e fez uma careta dramática assim que ela caiu. – Que mãe desnaturada!
  - Essa boneca feia não é a minha filha! – Cruzei os braços e sentei na cama.
  - É claro que é! Ela tem os seus olhos. Tá vendo como são azuis e vesgos?
  - Vesgos? Malik, meus olhos não são vesgos! – Dei um tapa em seu ombro e ele só riu.
  - Não os dois... Só o da direita, oh. – Apontou para o meu olho direito e aproximou o dedo do meu rosto. Acabei ficando vesga naquele momento por ter acompanhado o trajeto. – Viu só?
  - Para com isso! – Dei um tapa na mão dele, mas gargalhei mais uma vez. – Só você mesmo pra me fazer rir!
  - Estou treinando pra bobo da corte. Caso a música não dê certo, eu preciso de uma segunda opção, né? – Segurou as minhas mãos e me puxou para o seu colo.
  - Isso é verdade. – Deixei uma perna de cada lado do corpo de Zayn e comecei a brincar com a gola da camisa do mesmo. – Minha segunda opção é virar stripper.
  - Não mesmo! Você é minha. – Me abraçou pela cintura e me prendeu ali, como se eu fosse fugir pra alguma boate de strip a qualquer momento.
  - Mas eu preciso ganhar a vida! – Acariciei seus cabelos e fiz um biquinho.
  - Eu te sustento. – Sorriu e encostou a testa na minha, passando o nariz pelo meu. – Não é você que sempre diz que eu vou ser grande?
  - E vai! – Roubei um selinho. – Mas eu não sou mulher pra ser sustentada por homem nenhum!
  - Quem vai fazer o meu jantar quando eu chegar em casa? – Levantou uma sobrancelha. – Preciso de uma mulher pra cuidar de mim!
  - Você tem a sua mãe! Eu não vou ficar esquentando a barriga atrás de um fogão pra alimentar um marmanjo!
  - “Star, me faz um sanduíche enquanto eu tomo banho! Tive um dia muito cansativo hoje.” – Engrossou a voz.
  - “Faz um você mesmo, seu folgado!” – Afinei a minha e ri baixo.
  - Que esposa terrível que você vai ser! – Me olhou decepcionado.
  - É só não casar comigo, ué. Simples assim! – Mordi a bochecha do outro e ele reclamou.
  - Queridos? – Minha avó bateu na porta. – O almoço está pronto!

+++

  Admito que não consegui comer quase nada e também mal pude sentir o gosto da comida. O clima durante o almoço foi bem pesado, mesmo eu e Zayn tentando puxar alguns assuntos para aliviar a tensão. Lou mal tocou na comida, assim como eu, e a minha avó não se sentou a mesa conosco, pois preferiu ir para o quarto e descansar um pouco. O único que aproveitou mesmo a comida toda foi o meu namorado. Depois que ele estava bem cheio, nós fomos todos para a sala e nos apertamos no único sofá que havia ali.
  - Agora eu entendo por que você falava que a sua avó é a melhor cozinheira do mundo. – Zayn comentou enquanto brincava com os meus dedos.
  - Você tem que provar as sobremesas dela. – Dei um meio sorriso e beijei a bochecha dele.
  - Vocês dois não se desgrudam mesmo, né? – Lou rolou os olhos, pois estava de vela ali.
  - Da próxima vez traremos a Olivia e aí você não reclama!
  - Quem é Olivia? – Zayn me olhou curioso.
  - É a namorada lésbica do Lou. – Expliquei casualmente.
  - Como é?! – Quase engasgou com o nada e olhou para o meu irmão.
  - Não vou ter essa conversa de novo!
  O mais velho se levantou do sofá com tédio. Eu sabia que aquela história não era verdadeira e só estava tentando amenizar os humores. Não queria irritá-lo nem nada parecido, mas ele não parecia estar chateado comigo. O coitado devia estar com tanta coisa na cabeça e tão abalado que não tinha nem vontade de me xingar, o que já era estranho por si só. Eu continuava tentando me manter centrada e escondida na minha bolha de vidro protetora. Antes que Lou pudesse chegar até as escadas, alguém tocou na campainha e o fez dar meia volta.
  - Já vai... – Avisou e caminhou até a porta.
  - Estão esperando alguém? – Zayn perguntou ao meu lado e eu apenas neguei com a cabeça.
  - Louis... – Escutei uma voz feminina ao longe, provavelmente da pessoa que acabara de chegar. – Meu filho, quanta saudade!
  - Hey, mum...
  Com aquela resposta de Louis eu confirmei todas as minhas desconfianças. Era a minha mãe que estava ali, mas o que eu estava esperando? O pai dela havia partido, então é claro que ela gostaria de ficar perto da mãe. E provavelmente sabia que seus filhos também acabariam aparecendo eventualmente e não perderia a oportunidade de vê-los. Nós não nos falávamos há um bom tempo e a nossa despedida não foi lá essas coisas, mas ainda era a minha mãe, certo? A mulher de estatura média e cabelos castanhos logo apareceu na sala e olhou de mim para Zayn. Um homem que eu não conhecia também surgiu enquanto conversava com o meu irmão.
  - %Star%... Você está tão linda... – Caminhou na minha direção.
  - Obrigada... – Levantei do sofá e ela me puxou para um abraço.
  - Adorei o seu novo estilo, querida. – Enquanto me abraçava, mexeu nas pontas claras do meu cabelo. – Londres fez bem pra você.
  - Eu também acho, mum. E como você está? – Forcei um sorriso assim que nos separamos e apontei para o garoto no sofá. – Esse é o Zayn... Meu namorado.
  - Muito prazer, senhora. – Se levantou e cumprimentou a minha mãe.
  - Me chame de Jay, por favor. – Sorriu e apertou a mão dele. – Eu também gostaria de apresentar alguém especial pra vocês... Dan, querido?
  - Sim, darling? – Aquele homem de aparência simpática abraçou a minha mãe pelos ombros e olhou para mim. – Você deve ser a %Star%, correto?
  - Isso mesmo... Dan, certo? – Tentei sorrir o mais sincera possível. – Vocês dois estão juntos?
  - Estamos noivos! – Jay respondeu com certa animação e me mostrou o anel de noivado em sua mão esquerda.
  - Parabéns para os dois! – Sorri, realmente me esforçando para ficar feliz com aquela noticia, mas mais uma vez não senti nada. – E pra quando é o casamento?
  - Estamos pensando no ano que vem... Talvez no verão. – Suspirou e olhou apaixonada para o homem.
  Ver a minha mãe com outra pessoa era um tanto estranho. Desde que meu pai a deixara, ela não se envolvera com mais ninguém e eu sempre achei que nunca seria capaz de esquecê-lo, mas aparentemente eu estava errada. Tenho estado errada sobre muitas coisas ultimamente, mas isso não vem ao caso agora. Ao menos Johanna parecia feliz ao lado dele... Ao lado do noivo. Como um casal pode ficar noivo em tão pouco tempo? Minha mãe sempre foi impulsiva, então até que fazia sentido. Dan também parecia bem legal e eu tenho certeza que gostaria dele em um futuro próximo. Só desejava não ter sido apresentada a ele em um momento tão conturbado, mas quem somos nós pra controlar?
  As quatro pessoas que estavam na sala decidiram ir até a sala de jantar, pois lá teria espaço para que todos se sentassem e pudessem conversar. Eu os segui, é claro, e sentei entre meu irmão e Zayn. Dan fez um pequeno resumo da sua vida: Trabalhava em um hospital, era quatro anos mais velho que a minha mãe e absolutamente amava cachorros! Ganhou pontos comigo, com certeza. Além disso, tinha duas filhas de um outro casamento: Phoebe e Daisy, gêmeas. Bem... A nossa família estava crescendo. Louis + eu + Lux e agora Phoebe e Daisy estariam se juntando à nossa “irmandade”. Coitado de Lou, pois ele teria que aguentar quatro irmãs mais novas... Ugh. Tudo bem que aquelas duas não seriam nossas irmãs de sangue, mas o pai delas estaria se casando com a nossa mãe... Que confusão!
  Aproximadamente uma hora se passou e foi o tempo que levamos para contar um pouco sobre nós mesmos também. Lou contou sobre a carreira de fotógrafo e como isso não havia dado certo como ele esperava, Zayn explicou o que fazia na Academy e encantou a minha mãe com a sua simpatia. Minha vez chegou e nisso eu tive que falar do curso de dança, das festas, das aulas, da minha apresentação com Nick e da peça de fim de semestre, sem falar que pediram um relatório completo sobre como eu e Zayn nos conhecemos.
  - Mas chega de falar da gente! – Interrompi aquele assunto quando já estava com a boca seca de tanto falar. – E vocês dois? Como aconteceu essa coisa louca?
  - Bem... – Dan olhou para a minha mãe como se pedisse permissão para contar aquela história. – Eu nunca fui muito fã de arte, mas foi o destino que me levou até a exposição nacional desse ano. Sua mãe estava lá, sabia? E foi a melhor artista!
  - Então foi lá que vocês se conheceram? – Zayn perguntou.
  - Foi... Mas não foi bem assim que nos encontramos, não é, querido? – Minha mãe riu. – Dan acabou tropeçando e caiu em cima de uma das minhas esculturas!
  - Uau! – Forcei um riso educado.
  - Imagine como a sua mãe ficou uma fera, %Star%! – Dan balançou a cabeça. – E eu ainda tive que convencê-la a me deixar levá-la para jantar.
  - Parece coisa de filme. – Lou brincava com um grão de arroz que encontrou por ali. – Mas eu também estou muito feliz por vocês dois.
  - Oh, mon Dieu! Olhe só a hora! – Minha mãe se alarmou ao olhar no relógio de pulso. – Temos que ir, meninos...
  - Ir pra onde? – Perguntei confusa, mas também levantei da mesa quando os outros o fizeram.
  - Babe... O funeral do seu avô... – Zayn segurou a minha mão, como se quisesse estar me segurando ao me dar aquela informação.
  - Ahh, é verdade... Já está tudo pronto? – Suspirei e evitei olhar para o meu irmão. Com certeza seus olhos já começariam a ficar marejados mais uma vez.
  - Está sim, meu bem. – Minha mãe deu um sorriso triste e olhou em volta. – Onde está a sua avó?
  - Jolene está no quarto... Ela foi descansar um pouco após o almoço. – Zayn colocou uma mecha do meu cabelo para trás da minha orelha e informou à minha mãe.
  - Eu vou lá chamar ela, ok? – Respirei fundo e deixei um beijo nos lábios do meu namorado.
  Minha mãe devia estar fazendo o mesmo que eu; sendo forte e não querendo deixar ninguém vê-la se abalar. Dessa forma, ela sempre sorria e escondia todos os seus sentimentos bem dentro de si. Eu só agradecia por ela ter um cara tão legal quanto Dan ao seu lado, pois dessa forma ela não estaria sozinha em um momento tão sensível. Ninguém evitou a minha saída e eu pude seguir para o segundo andar. A porta do quarto dos meus avós estava entreaberta, por isso caminhei até lá com cuidado.
  Dei uma primeira espiada no interior do quarto com pouca luz e encontrei a minha avó sentada no lado da cama que costumava ser do meu avô e tinha uma peça de roupa nas mãos. Eu não precisaria chegar mais perto pra saber que era uma camisa do grande amor da vida dela, mas resolvi me aproximar do mesmo jeito. Assim que entrei no quarto, a senhora levantou o olhar na minha direção e indicou o espaço ao seu lado para que eu me sentasse. Não demorei nada pra atender aquele pedido silencioso e me acomodei.
  - Essa era a camisa que eu mais gostava que ele usasse... – Falou baixinho enquanto olhava para aquele tecido azulado.
  - Eu também sempre gostei quando ele usava azul. – Sorri fraco. – Destacava os olhos dele.
  - Aqueles lindos olhos cor do mar... – Suspirou apaixonada. – Foi a sua mãe que chegou?
  - Foi sim, nana... E o Dan veio com ela.
  - Você o conheceu? Ele é um cavalheiro, %Star%. E as filhinhas dele também são uns amores.
  - Assim eu vou ficar com ciúmes, hein? – Emiti uma pequena risada e a senhora também sorriu.
  - Você sempre vai ser a minha %Estrelinha%. – Beijou a minha bochecha e se levantou. – Tem algo que eu gostaria que ficasse pra você.
  - O que, nana? – Observei curiosa enquanto ela foi até a sua caixinha de joias sob a penteadeira e tirou alguma coisa de lá.
  - É o anel que o seu avô usou pra me pedir em noivado... Não é de brilhantes, porque naquela época ele não tinha condições, mas eu não consigo imaginar uma joia mais bonita que essa. – Voltou a se sentar ao meu lado e colocou o anel delicado na palma da minha mão. – E agora ele é seu.
  - É realmente lindo... – Estudei aquele anel e li que o nome do meu avô estava gravado na parte de dentro. – Mas eu não posso aceitar.
  - É claro que pode, %Tah%. Ele nem cabe mais em mim mesmo! – Pegou o anel e a minha mão, escolhendo o dedo em que iria colocá-lo. – Assim você sempre vai ter algo que te lembre o seu avô.
  - Obrigada. De verdade. – Dei mais uma olhada no meu anelar antes de abraçar a senhora. Não seria legal continuar insistindo que não iria aceitar, até porque eu gostei muito daquele presente. – Ahn... Está na hora de ir, nana...
  - Eu sei, minha querida, eu sei...

+++

  A pequena capela aonde aconteceria o velório do meu avô estava super decorada com rosas brancas e coroas de flores que tentavam alegrar o ambiente, mas é óbvio que falhavam terrivelmente. Eu não havia entrado ainda, mas se do lado de fora já estava assim... Por dentro pareceria um verdadeiro jardim. O lugar estava cheio e isso não me espantava em nada. Charles era um senhor muito querido por todos os familiares e amigos, então era óbvio que muitos iriam comparecer para prestar aquela última homenagem. Louis estava amparando a minha avó e os dois foram os primeiros a entrar, seguidos por Dan e minha mãe. Todos estavam vestidos de preto e com aquele chapéu que tem um tipo de véu para cobrir o rosto, muito sofisticados. Eu ainda não havia trocado de roupa desde que saíra de Londres, mas por ironia do destino também vestia cores escuras. Zayn, que se manteve sempre perto de mim, me olhou de lado enquanto eu tentava tomar coragem pra entrar naquela recinto.
  - %Tah%? Por que você parou? – Tocou o meu ombro enquanto eu me mantive firme no mesmo lugar.
  - Eu não sei que quero entrar aí... – Olhei todos aqueles arranjos de longe e as pessoas que iam entrando. – Não quero que me olhem com pena, não quero ser abraçada por estranhos e ter que escutar que tudo vai ficar bem, ou que perguntem como eu estou. Mas acima de tudo... Eu não quero que a última imagem que eu vou ter do meu papá seja dentro de uma caixa de madeira.
  - Então nós não precisamos entrar. – Ficou na minha frente para que eu não visse mais nada. – Quer que eu vá avisar a sua mãe?
  - Não precisa... Quando acabar a gente volta pra cá. – O olhei com um sorriso forçado e entrelacei nossos dedos. – Anda comigo?
  - É claro que sim! – Respondeu com um sorriso mais sincero que o meu. – Aonde vamos?
  - Vamos ver se eu ainda sei andar por Paris! – Mudei a nossa direção e dei as costas para a capela.
  - Vou ganhar um tour pela cidade das luzes? – Me acompanhou pela calçada de pedra e começamos a descer a rua.
  - Com uma guia particular! – Me senti a própria expert, mas mal sabia ele que eu nunca fui muito boa em me localizar.
  Nossos passos não eram nem tão lentos e nem rápidos demais. Afinal, nenhum de nós estava com pressa mesmo. Nos preocupamos apenas em curtir a paisagem que aquela ruela nos mostrava. Não era outono, mas algumas folhas caíam sob as nossas cabeça na medida que o vento balançava os galhos. Ao notar que estava com um pouco de frio, Zayn me abraçou pelos ombros e eu o abracei pela cintura, colocando a mão no bolso do seu casaco. Se eu não estivesse enganada, logo encontraria o que estava procurando e nosso “tour por Paris” realmente começaria. Além do idioma, havia muitas diferenças entre a minha terra natal e Londres, sendo uma delas a correria do dia-a-dia. Enquanto Londres era agitada e cheia de pessoas nas ruas o tempo inteiro, Paris era calma e tranquila. Foi exatamente isso o que estávamos presenciando durante aquela nossa caminhada que levou mais ou menos vinte minutos até chegarmos ao ponto de táxi mais próximo. Usualmente eu teria usado o metrô, mas naquela hora de um sábado, ele estaria bem cheio como em qualquer outra cidade.
  - Bonjour. – Um taxista bigodudo nos abordou educadamente. - Comment puis-je vous aider?
  - Bonjour, monsieur. – O cumprimentei da mesma forma e Zayn nos olhou sem entender nada, como sempre. – O senhor está livre?
  - Oui, mademoisele. – Afirmou que sim que e abriu a porta para o banco de trás do seu carro.
  Eu fui a primeira a entrar e Zayn veio em seguida. Eu tinha quase certeza que aquele motorista falava inglês, mas preferi manter o nosso idioma original durante aquela conversa. Se eu começasse a falar em outra língua, ele poderia achar que eu era uma turista e me cobraria mais pelo trajeto do que o preço real e isso não seria nada bom, principalmente quando andar de taxi já era caro o suficiente. Dei as coordenadas de onde queria ir e o carro logo entrou em movimento, saindo daquela rua estreita e desembocando em uma avenida um pouco mais larga.
  - Você sente falta daqui, %Tah%? – Zayn tinha o olhar perdido pela janela, conhecendo tudo aquilo que era novo pra ele.
  - Às vezes... – Segui a linha de visão dele e quase fiquei tonta com as árvores que passavam rápido demais ao nosso lado. – Mas eu tenho um namorado que sempre vai achar algum restaurante que me lembre de casa!
  - Você sempre está se referindo a esse lugar como “casa”... – Voltou sua atenção para mim, na espera da resposta.
  - Mas aqui é a minha casa, não é? O meu lar... O lugar onde eu cresci, onde sempre vou ter alguém esperando por mim? Não é isso o que “casa” significa?
  - Eu acho... E você gosta de Londres?
  - Eu adoro Londres. – Contraí as sobrancelhas. – A cidade, as pessoas, o clima louco, a neblina... Principalmente certo garoto que eu conheci quando me mudei pra lá. Mas não me peça pra escolher entre as duas cidades, porque seria impossível!
  - Não vou pedir isso se você me falar quem é esse tal garoto. – Sorriu convencido já sabendo qual seria a minha resposta.
  - O Niall, é claro! – Rolei os olhos em ironia e ele riu. – É claro que é você. Quem poderia ser?
  - Você tem o Liam, o Harry e até aquele tal de Nicholas lá. Podia ser qualquer um.
  - Mas é você, idiota. – O puxei pelo queixo e colei os nossos Lábios.
  - Ohh, l’amour de jeunesse... – O motorista nos observava pelo retrovisor e eu senti as bochechas queimarem.
  - O que ele disse, %Tah%? – Zayn sussurrou pra mim, mas eu não me atreveria a traduzir.
  - Ele disse que já estamos chegando. – Menti.
  - Eu posso não saber falar francês, mas sei que não foi isso o que ele falou!
  - Foi sim. Shhhh. – Pedi aos céus que ele não continuasse com aquele assunto e dei sorte de realmente estarmos chegando ao nosso destino.
  O motorista estacionou o automóvel na frente do Bois de Vincennes, um de meus parques preferidos na cidade inteira. É claro que perto do Hyde Park não era nada, mas eu preferia assim... Pequeno. Comecei a pegar a minha carteira dentro da bolsa pra poder pagar o nosso translado, mas o senhor foi tão legal conosco que disse que não precisaríamos pagar nada. Segundo ele, o “l’amour de jeunesse” o inspirava e por isso queria nos dar aquele presente. Foi aí que Zayn não entendeu absolutamente mais nada e tampouco eu expliquei.
  Tudo a nossa volta era verde, verde e mais verde. Dentro do parque não havia calçada ou asfalto, o que obrigava todos a pisarem na grama, mas ainda assim era tudo muito bem cuidado. Zayn me seguiu quando eu comecei a entrar no parque e caminhar até uma árvore alta perto do lago. A grama úmida deveria estar gelada, só que eu não me importava. Considerando tudo que estava acontecendo, aquela seria a última das minhas preocupações.
  - Gostei daqui. – Zayn sorriu e se sentou na grama antes de mim. – Já estou me sentindo em contato com a natureza.
  - Cuidado pra não acabar virando um hippie, ok? – Brinquei e também me sentei. Passei a mão direita pelos cabelos e Zayn a olhou.
  - Ei, você não estava usando isso antes... – Segurou a minha mão e tocou o anel prateado.
  - Ahh, é! Minha avó me deu quando estávamos conversando no quarto dela... – Mexi na joia com o polegar, observando-a refletir a luz do sol. – Foi com esse anel que meu avô a pediu em casamento.
  - É lindo, %Tah%.
  - Eu também acho. – Sorri e antes que eu pudesse falar qualquer coisa o meu celular começou a tocar dentro da minha bolsa.
  - Será que é o Lou? – Perguntou ao me ver retirar o aparelho do bolso em que eu o deixava guardado.
  - Não... É a %Abi%. – Atendi a ligação e levei o aparelho até a minha orelha. – Oi, ruivinha.
  - %Tah%? Oi, minha amiga... Como você está? – Soou preocupada.
  - Como você acha que ela está, %Abigail%? Por favor, né? – A voz de Niall apareceu ao fundo e me arrancou uma risada baixa.
  - Eu estou com saudade de vocês dois. – Fiz um bico e olhei Zayn se levantar e sussurrar um: “Eu volto já.”
  - Nós também estamos com muita saudade, %Tah%! E como está o tempo por aí?
  - Sério, %Abi%? É assim que você quer puxar assunto?
  - Eu só quero saber se está chovendo, ué... – Eu sabia que aquilo era mentira, mas dei de ombros.
  - Está com algumas nuvens no céu, mas eu acho que só chove amanhã... – Olhei para cima enquanto falava. – E aí?
  - Chovendo como sempre! – Bufou como se a chuva estivesse atrapalhando todos os planos dela. – Escuta, %Tah%... Eu tenho que te falar uma coisa...
  - Mais coisa ruim? – Pela voz dela a noticia não podia ser boa. – Fala logo!
  - O Zayn... Ele sumiu! Não atende o celular, ninguém sabe onde ele foi parar... E a casa dele está vazia. Nós estamos desesperados e...
  - %Abi%, ei! Calma! – Ri. – Eu sei onde o Zayn está.
  - Sabe? Onde?!
  - Ele está aqui, sua besta. Veio comigo pra Paris.
  - E ele parte sem avisar? Como é que ele pode fazer isso?
  - %Star%? – Alguém apareceu ao meu lado e não era Zayn.
  - %Abi%, eu tenho que ir. – Não tirei os olhos daquela figura masculina e nem esperei a minha amiga se despedir para desligar. – Anttonie...
  - É você mesma! Eu sabia disso. – A última pessoa que eu gostaria de ver estava parada na minha frente e agia como se fossemos bons amigos. – Eu estava falando para a Penélope que era você, mas ela não acreditava!
  - É, sou eu. – Respondi com indiferença, sem nem ao menos olhar para onde apontou ao falar da Penélope.
  - Você está tão diferente da última vez que eu te vi! – O loiro me media com os olhos e não notava o quanto eu estava sendo fria ao encará-lo de volta. – O que está fazendo por aqui? A última noticia que eu tive de você é que estava se mudando...
  - Yep, me mudei. Mas o meu avô morreu, então eu vim enterrá-lo. – Esperava que a minha indiferença o deixasse desconfortável e assim ele pudesse se afastar logo.
  - Eu sinto muito, %Tah%. – Não, não sentia.
  - Claro. – Sorri irônica.
  - Bem, eu tenho que ir... – Já vai tarde. – Mas eu gostaria de te ver de novo... Ainda sabe onde eu moro? Vamos fazer uma festinha lá em casa hoje. Daquelas, lembra? Aparece por lá.
  - Claro! Eu não perderia por nada nesse mundo, pode me esperar. – Fui tão irônica que Anttonie devia ser muito burro ou muito cheio de si pra achar que eu estava falando sério.
  - Ótimo! Quem sabe assim nós não relembramos os velhos tempos?
  Não precisei responder àquela atrocidade, pois ele logo se afastou. Sim, Anttonie estava mais bonito do que eu me lembrava, mas só o que eu consegui sentir ao olhar pra ele foi repulsa. Cada pedacinho de mim pedia distância e foi complicado manter a classe e não mandá-lo ir à merda. O segui com os olhos e encontrei Penélope mais ao longe; a menina que havia chegado mais perto de ser a minha amiga durante o colegial. Um sorrisinho malvado apareceu em meus lábios assim que eu percebi o quanto ela tinha engordado e só o que eu pensava era: “Bem feito!”
  - Quem era aquele? – Zayn logo voltou e trazia na mão um algodão doce gigante.
  - Ninguém importante. – Dei de ombros e quase babei pelo doce. – Isso é pra mim?
  - É sim! – Sorriu e me entregou a nuvem cor de rosa. – Eu vi que você não comeu quase nada o dia inteiro... Eu tinha que te alimentar de qualquer jeito e sabia que não iria resistir a isso.
  - Você me conhece tão bem. – Sorri e peguei um pedacinho do algodão doce para levá-lo até a boca. Mais uma vez eu não senti gosto de nada, mas continuaria a comer; por Zayn.
  - Aquele garoto era um velho amigo? – Voltou a falar de Anttonie e eu engoli a seco. – Eu gostaria de conhecer seus amigos daqui.
  - Zayn... – O interrompi. – Aquele garoto é o Anttonie. O meu ex.
  - O que fez aquilo com você? – Seu rosto que antes estivera límpido, se tornou vermelho de raiva. – O que aquele filho da puta queria com você? Eu vou lá meter um soco na cara dele e já volto.
  - Ei, espera! Não vale a pena. – O segurei, impedindo de se levantar. – Ele teve a capacidade de me chamar pra uma festa e relembrar dos velhos tempos. Argh!
  - Ok, agora ele vai ver só. – Tentou levantar mais uma vez.
  - Não vai não! – O puxei de novo. – Baby, só vai ser pior. Vamos ignorar, ok? Não quero ter que olhar pra ele de novo e nem causar confusão aqui.
  - Tudo bem... – Estava relutante, mas aceitou. – Mas se ele voltar, vai se arrepender do dia que nasceu.
  - Deixa isso pra lá e me ajuda a comer aqui, vai. – Ofereci o algodão doce.
  - Não mesmo, %Star%. É todo seu e você vai comer.
  - Poooxa. – Resmunguei baixinho com um bico. – A propósito! Você não avisou aos meninos que estava vindo? %Abi% estava preocupada.
  - Eu sabia que estava esquecendo alguma coisa! – Bateu na própria testa. – Mas tudo foi muito rápido, então não tive tempo de avisar a ninguém.
  - Mas Trisha sabe, né? – Levantei uma sobrancelha enquanto mastigava. – Não quero que a sua mãe pense que você fugiu comigo!
  - Sabe sim, pode ficar tranquila. – Riu. – Mas mesmo que ela achasse isso... Ficaria tranquila por eu estar com você.
  - Uhh, estou com tanta moral assim? – Pisquei brincalhona e aproveitei para dar uma mordida no doce cor de rosa.
  - Mais do que você pensa. – Jogou a cabeça para trás ao rir e recostou-se à árvore próxima de nós.
  Algumas pessoas passeavam de canoa no lago a nossa frente e sorriam, brincavam e se divertiam como nada de errado estivesse acontecendo. Bem, para elas nada de errado estava acontecendo... Senti uma pontada de inveja de uma criança em especial que estava pescando com um senhor mais velho; possivelmente o próprio avô. Parte de mim só quis ir até ela e falar: “Aproveite tudo que puder.”

+++

  Uma coisa que eu sempre odiei foi ter que vestir uma roupa dentro do banheiro depois de tomar um banho quente. Não sei, mas tenho a impressão de que não consigo me secar direito. Provavelmente é culpa do vapor que toma conta de toda a atmosfera, mas não me peça pra explicar esse fenômeno físico, porque eu não conseguiria. Ou seria químico? O que importa é que foi exatamente isso o que eu tive que fazer. Como meu quarto estava sendo ocupado por Zayn no momento, eu não poderia me trocar lá. Com muita dificuldade vesti um pijama bem quentinho que achei na minha mala e enrolei os meus cabelos molhados com a toalha, me encarando no espelho por longos minutos. Minha aparência estava terrível e eu parecia um zumbi. A noite não tardou a cair e com isso o frio piorou. Zayn e eu voltamos para casa assim que minha mãe ligou e avisou que o velório havia acabado, mas ela já não estava mais lá quando chegamos. Segundo minha avó, Jay teve que acompanhar Dan em alguma coisa das filhas dele e eu preferi não ficar sabendo de detalhes. Estava aceitando numa boa a “nova família” que ela estava começando a construir, desde que não esfregassem na minha cara que as filhas de outra teriam a mãe dedicada que eu mesma nunca tive. Passei a mão pelo espelho na minha frente e limpei um pouco do vapor, como se isso fosse fazer aqueles últimos pensamentos irem embora.
  Deixei o banheiro do corredor para trás e quase esbarrei em Louis, já que ele deveria estar me esperando sair de lá para tomar o próprio banho. Pedi desculpas por ter demorado tanto, mas ele nem reclamou como normalmente faria. Já disse que odiava ver o meu irmão assim? Pois é, odiava mesmo. Minha próxima parada foi o meu antigo quarto, onde achei um garoto também de pijamas deitado em um colchão no chão ao lado da minha cama. O que me surpreendeu é que ele estava com o meu celular na mão e parecia estar mexendo em tudo.
  - O que o senhor está fazendo? – Coloquei as mãos na cintura e o encarei com os olhos estreitos.
  - Você recebeu uma mensagem da Lux! – Se sentou no colchão ao notar a minha presença e esticou o telefone na minha direção.
  - Quanto tempo eu passei no banho? Não sabia que tinha demorado tanto assim que a minha irmã de um ano e meio aprendeu a digitar. – Peguei o iPhone mesmo assim e me sentei na beira da minha cama.
  - Ok, a Rachel mandou uma mensagem da Lux! – Rolou os olhos e se aproximou das minhas pernas, apoiando o queixo no meu joelho. – Melhor assim?
  - Muito melhor. – Sorri.
  Enquanto eu procurava a tal mensagem, fazia cafuné na cabeça de Zayn. Seus cabelos ainda estavam molhados e sem penteado algum, ou seja, sem aquele topete característico e bem bagunçados. Notei também que ele havia mudado praticamente todas as configurações do meu celular, como o pano de fundo, localização dos aplicativos e não duvidava nada que meu toque também tivesse sido alterado, mas isso só descobriria depois. Fui até as mensagens e vi que tinha recebido duas imagens de Rachel. Onde a primeira era uma foto de Lux e dizia: “Sinto falta da minha big sis.” E na segunda ela estava com Heidi e Bem: “Só faltou você.” Rach devia saber o que tinha acontecido e sabia que aquelas fotos iriam me alegrar pelo menos um pouco. Sorri com saudades da minha baby girl e me preparei para responder, mas Zayn também já havia feito isso.
  - “Weyhey, que bebês mais lindos! Sinto saudade de todos.” – Li em voz alta e o olhei com uma sobrancelha levantada. – Wheyhey? Zayn, desde quando eu falo “weyhey”?
  - Não fala? – Fez uma careta de confusão.
  - Claro que não! Quem fala isso é o Niall! – Balancei a cabeça negativamente. – Belo jeito de conhecer a namorada, hein?
  - Desculpa, Carmem Miranda. – Riu enquanto me encarava e eu não entendi nada.
  - Quem?
  - Carmem Miranda... E uma mulher que usava frutas na cabeça. – Apontou para a toalha que eu tinha enrolado nos cabelos. – Eu acho que ela era brasileira, mas não tenho certeza.
  - Zayn Malik, um poço de cultura! – Ri baixo e soltei o cabelo. – Quem diria?!
  - Nhá, eu só vi em um desenho. – Deu de ombros.
  - Ahá! Eu sabia que você não poderia ter aprendido isso em um livro.
  - O que você quer dizer com isso? – Me olhou incrédulo.
  - Ahh, você sabe... – Foi a minha vez de dar de ombros.
  - Me chamou de burro!
  Antes que eu pudesse perceber o que estava acontecendo, Zayn agarrou os meus pulsos e me puxou para o colchão dele. Eu soltei um pequeno grito de susto e o olhei espantada quando o menino subiu em cima de mim. Ele se sentou sobre o meu quadril e prendeu as minhas mãos ao lado do meu rosto, me deixando sem movimentação alguma.
  - Fale que eu sou inteligente!
  - Ou então o que? – O desafiei.
  - Ou então você sentirá a minha fúria.
  - Acho que já estou sentindo... – Mordi o meu lábio inferior e falei sem pensar. – Quero dizer, você é inteligente, Zayn, sem duvidas! Só não faz muito o estilo culto, sabe?
  - É? Então talvez você devesse ir lá com aquele Anttonie! – Foi ele que falou sem pensar dessa vez e se arrependeu no mesmo instante.
  - Sai de cima de mim. – Falei seca, mas ele não se mexeu. Talvez estivesse averiguando se eu falava sério ou não. – Já pedi pra sair.
  - %Tah%... Eu não quis dizer isso...
  Zayn relutou no começo, mas acabou soltando os meus pulsos e saindo de cima de mim. Eu levantei do colchão, ainda séria, e fui em direção à saída do quarto. Ele poderia ter falado qualquer coisa, menos tocado no nome do garoto que mais me machucou em toda a minha vida, tanto é que eu ficara “traumatizada” por causa dele. Antes que eu pudesse chegar até a porta, senti mãos me puxando pela cintura e me girando até que eu estivesse encostada na parede. Zayn prendeu o meu corpo com o dele e deixou as mãos ao lado da minha cintura.
  - %Star%, me desculpa. – Procurou meus olhos e manteve os rostos bem próximos. – Eu não pensei no que falei... Foi estúpido.
  - Sei disso... – Falei baixo ao encarar aquelas orbes amendoadas. Minha força de vontade de me afastar dele se foi por água abaixo.
  - Eu nunca te deixaria ir, de qualquer jeito. – Sorriu de canto ao ver que eu já me derretia. – Com ninguém.
  Acabei sorrindo também e tomei a primeira atitude de colar os lábios aos dele. Zayn não se afastou e nem me negou, até mesmo gostando bastante da minha iniciativa. Suas mãos subiram pelos meus braços e uma delas parou na minha nuca enquanto a outra colocava uma mecha dos meus cabelos despenteados atrás da orelha. Já eu, passeei as mãos e unhas pelo abdômen dele, arrancando pequenas reações físicas que me mostravam o poder que meus atos exerciam. Nossos rostos tombaram para lados opostos na medida em que aprofundamos o beijo e encontramos a língua um do outro. Acho que nós dois precisávamos daquele momento mais íntimo que dividimos, mesmo com toda a confusão que girava em torno de nós. Ainda não tendo durado muito, foi o suficiente para nos relaxar um bocado.
  - Acho que é hora de dormir. – Acabei com a animação de Zayn ao sussurrar contra os seus lábios, tendo certeza que ele queria mais. No fundo eu também queria, mas não estava com cabeça pra isso. – Amanhã será um dia longo...
  - Estraga prazeres. – Murmurou com um sorriso sapeca, mas se afastou. – Eu tenho mesmo que dormir no chão?
  - Claro que sim! Como vou ter certeza que você não me atacar no meio da noite se eu te deixar dormir comigo? Principalmente depois dessa fúria toda. – Pisquei.

+++

  Devia passar das quatro horas da manhã quando eu acordei naquela madrugada sem conseguir respirar. Meus olhos ardiam e eu não sabia o que estava acontecendo, mas o meu rosto e travesseiro estavam bem molhados. Foi então que eu percebi que estava chorando... Não conseguia lembrar se estivera tendo um sonho ou se comecei a chorar do nada, mas eu não parecia mais ser capaz de segurar aquilo que tentei ignorar durante o dia inteiro. Olhei para baixo e meus olhos estavam acostumados com a escuridão o suficiente para que eu pudesse ver Zayn dormindo tranquilamente. Eu não queria que ele me escutasse e não poderia acordá-lo. Enquanto ainda tinha forças, me pus para fora do colchão e coloquei a mão sobre os lábios, tentando me segurar. “Mais um pouco, só mais um pouco...” Eu implorava pra mim mesma e quase caí no meio do caminho entre a minha cama e a porta do quarto.
  O resto da casa também estava escuro, por isso cambaleei até o andar de baixo sem saber muito bem o que fazer. Àquela altura as lágrimas escorriam do meu rosto e eu quase não conseguia ver nada na minha frente. O pior tipo de choro é aquele silencioso. Aquele de quando todos estão dormindo. Aquele onde você sente na sua garganta e seus olhos se tornam embaçados por causa das lágrimas e você só quer gritar. É o choro em que você tem que prender a sua respiração e segurar seu estômago pra continuar quieta. É chegar ao ponto que você não consegue mais respirar. É aquele choro de quando você percebe que a pessoa que a pessoa mais importante pra você se foi e nunca mais vai voltar.
  Não consegui chegar até o sofá e acabei caindo de joelhos em frente a ele. Calafrios percorriam a minha pele e aquele entorpecimento havia finalmente me deixado e eu pude começar a sentir. Mas eu não senti o alivio como eu gostaria, pelo contrário. Tudo que eu senti foi dor e mais dor. Não era mais a dor do choque, como quando eu fiquei sabendo do que aconteceu e sim a dor de finalmente entender que aquela era a minha nova realidade. Meu avô estava morto. Tudo que ele era, tudo que eu conhecia... Agora não passariam mais de uma memória, de um passado feliz. Eu nunca mais o veria na minha frente, nunca mais escutaria a sua risada e nunca mais me sentaria em seu colo pra escutar uma história. Meu herói havia me deixado e nós não tivemos nem ao menos a chance de nos despedir. Havia tantas coisas que eu gostaria de poder ter dito, coisas que ele deveria saber, mas outras que talvez nem fizesse ideia... Enquanto uma de minhas mãos tapou a minha boca novamente evitando um soluço alto de escapar, a outra pressionou o meu peito. Eu podia sentir, literalmente, uma parte de mim morrendo. Eu estava tremendo, literalmente. Ainda tinha dificuldade de respirar e era como se o cômodo em minha volta estivesse se fechando contra mim.
  Meu coração estava partido e aquela nostalgia que me atingiu em seguida só piorou tudo. As recordações de um momento que não voltariam e que eu gostaria de ter aproveitado mais. Da mesma forma que eu pensei em avisar a menina no parque mais cedo, eu gostaria que alguém tivesse me avisado. Um dos piores sentimentos é você desejar ter feito mais, ter aproveitado mais... Sei que todos os momentos que eu tive com o meu avô foram especiais e que eu nunca iria me esquecer de nada disso. O que mais perfurava o meu peito era achar que eu poderia ter feito mais. Durante os dois últimos meses de vida do meu avô eu estive ausente, longe. Sorrindo, cantando, dançando... Como se nada de ruim estivesse acontecendo a pouca distância de mim. Louis sabia de tudo e estava bem embaixo do meu nariz. Eu poderia ter perguntado mais vezes o que eram aquelas ligações que o deixavam triste, ou porque Liam o viu chorando quando ele pensava que estava sozinho. Eu deveria ter feito alguma coisa. Não adiantaria ficar com raiva de ninguém por não terem me contado, pois isso não traria o meu avô de volta. Nada o traria pra mim novamente.
  Eu precisava de alguma coisa pra me segurar naquele momento, algo palpável que me fizesse sentir ao menos um pouco melhor. Me coloquei de pé com uma força que nem sabia que tinha e corri para a lavanderia. Os meus soluços começavam a escapar e eu não era capaz de diminuir o volume, mas cheguei a um ponto onde eu nem me importava mais. O cesto de roupas sujas estava no lugar de costume e parecia intocado há um bom tempo. Fui até o objeto e o revirei, mesmo sem conseguir enxergar muito bem foi fácil encontrar uma camisa social masculina que pertencia a papá. Não demorei nada pra vesti-la por cima das minhas próprias roupas e me abraçar. O cheiro dele estava ali, impregnado no tecido da peça. Para evitar uma nova queda, me apoiei sob o tanque de mármore e abaixei a cabeça encarando o nada.
  - Je suis désolée... – Murmurei tão baixo que eu mesma quase não me escutei. – Me perdoa, papá... Me perdoa... Por favor... Eu nunca devia ter te deixado...
  Meus pedidos de desculpa foram em vão, pois eu não recebi resposta alguma e tampouco poderia ser diferente. Comecei a me mexer novamente e a me arrastar para outro cômodo. Não sabia muito bem a minha nova direção, mas passei pela cozinha e fui terminar na porta da casa. Sabe aquela vontade de sair por aí sem se importar com nada? Eu só queria sumir... Sumir de mim mesma, de toda a dor. Queria sumir da realidade e até pensei que seria bom se um carro passasse por cima de mim e me fizesse perder a memória. Assim eu não conseguiria me lembrar de nada e no momento era só o que eu almejava.
  - %Star%? – A voz de Zayn descendo as escadas me alarmou. – É você que está aí?
  - Eu já vou subir... – Tentei manter a minha voz firme, mas praticamente gaguejei. Não me virei para encará-lo por vergonha. – Pode me esperar lá.
  - Não faz isso, %Tah%... Não me afasta.
  Diferente do que eu havia pedido, Zayn não me esperou no quarto e em nenhum outro lugar. Ele veio até o meu encontro e me abraçou com força por trás, encostando o rosto no meu pescoço. Seus braços me envolveram com tanta força e cuidado que eu não aguentei. Os soluços que estavam lutando contra mim finalmente venceram e eu desabei. Meus joelhos fraquejaram em com isso eu comecei a voltar ao chão. O menino não me deixou cair, apenas me apoiou até que eu estivesse sentada na madeira. Ele também se sentou e me puxou para dentro do seu abraço, praticamente colocando-me sob o seu colo. Me senti uma menininha indefesa e meus prantos saiam cada vez mais altos. Zayn colocou o meu rosto entre seu ombro e pescoço e alisou os meus cabelos enquanto tentava me reconfortar.
  - Eu não queria chorar, não queria! – Solucei com a voz chorosa e agarrei a camisa do pijama que ele vestia.
  - Você não precisa fingir que é forte o tempo inteiro... – A voz dele também estava fraca, como se estivesse se segurando pra não começar a chorar também. – Não precisa fazer de conta que está tudo bem e não deve se preocupar com o que os outros vão pensar. Chore se você precisar... Faz bem.
  - Baby... – Tentei formular uma frase, mas não consegui.
  Zayn me abraçou mais ainda e eu já não me sentia mais sozinha. Estava com ele ali e tive certeza de que poderia contar com um porto seguro em qualquer situação, por pior que fosse. Ele não traria o meu avô de volta e não poderia fazer tudo passar de uma vez, mas me acolheria e cuidaria de mim quando eu precisasse. Me sentia aparada e os meus soluços voltaram a se tornar silenciosos. Eu não precisava sair de casa pra sumir da realidade... Precisava estar nos braços dele.

Capítulo XL
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