Capítulo LXXI
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- %Patch%, para de beber essa água! – Sacudi os pés no meio da bacia tentando fazê-lo parar de beber daquela água! – Liam, pode fazer algo, por favor?
Liam estava esparramado ao meu lado no sofá. Não é que eu estivesse sendo uma preguiçosa e pedindo que ele fizesse tudo pra mim, porém, enquanto eu estava deixando os meus lindos pés de molho como preparação para a peça daquela noite, Li apenas mudava os canais da televisão sem se interessar por nenhum. %Patch%, por outro lado, parecia determinado em beber a água morna onde meus pés estavam enfiados. Por mais que o afastasse, ele logo tratava de voltar correndo como se fosse uma brincadeira. Li resmungou algo com tanta preguiça que me fez rir. Na noite anterior ele havia saído com Dani para outra festa da equipe de dança do X Factor e por isso quase chorou ao ter que acordar na hora do almoço. Eu tinha pena dele, porque sabia o quanto estava cansado, mas também não podia pedir ajuda a Harry ou ao meu irmão.
Desde a declaração musical de Haz, os dois se tornaram mais inseparáveis do que antes, se é que isso é possível. Não digo que já estavam namorando, mas usavam todo o tempo que tinham juntos (vinte e quatro horas por dia) trocando carinhos, beijos, olhares profundos e etc. Teria sentido inveja se não estivesse tão feliz por eles finalmente deixarem de perder tempo e admitirem logo tudo que sentiam um pelo outro. Mas, enfim, naquele exato momento os dois estavam na sala de jantar. Pelo que eu podia enxergar de onde estava, Lou sentava sobre a mesa e Haz permanecia entre as suas pernas. Ocasionalmente Liam e eu escutávamos risadas escandalosas vindo daquele cômodo e apenas nos entreolhávamos com sorrisos cúmplices. O novo casal da casa era simplesmente adorável.
- Tudo eu, tudo eeeeeu! – Li reclamou. – Se hoje não fosse um dia tão importante pra você, eu mandaria você cuidar do seu filho!
- Leeyuuuuuuuum! – Comecei a fazer manhã, com um pequeno bico nos lábios. – Não fale assim do seu afilhado...
- Ugh, chantagem emocional é um golpe muito baixo, %Tah%. – Acabou sorrindo contra a sua vontade e levantou do sofá. – Vem, %Patch%... Vamos pegar um brinquedo.
- Vai com o tio, neném, vai! – Afinei a voz e %Patch% balançou o rabo, correndo atrás de Liam assim que este partiu em disparada para a escada. Em seguida, virei o pescoço para a sala de jantar. – Hey, love birds! Algum de vocês pode me fazer uma xícara de chá, por favor?
- Você e o seu chá... – Lou reclamou por causa do meu novo vício. – Era tão mais fácil quando você só tomava chá gelado.
- Olha só quem fala! – Peguei a toalha que estava em cima do braço do sofá e comecei a secar o meu pé direito. – Por favor, Lou...
- Eu faço, %Tah%. – Haz aceitou meu pedido e se separou do meu irmão.
- Eu te ajudo... – O mais baixo pulou da mesa e foi atrás do outro.
- Eu não vou ganhar meu chá, né? – Perguntei retoricamente depois de ter secado meus dois pés.
Cobri a bacia com a toalha na esperança de impedir filhotes curiosos de voltar a beber daquela água e me estiquei até a mesinha de centro pra pegar o tubinho de creme hidratante especial para pés. Abri a tampa de rosquinha e coloquei um pouco do líquido gelado na minha mão para então começar a espelhar. O bom daquele creme é que sua textura não era tão... Cremosa, digamos assim. Então ele logo era absorvido pela pele e minhas mãos não ficariam grudentas por meia hora. O cheiro de hortelã que ele exalava também não era de se jogar fora.
Liam logo apareceu novamente na escava, com um ursinho de pelúcia em uma das mãos e o meu iPad com capa cor de rosa na outra. O filhote o seguia sem tirar os olhos de seu brinquedo e tentava pular para conseguir pegá-lo, mas Li era mais alto e mais rápido, provocando o animal que logo começaria a latir. O menino voltou rapidamente para o meu lado e desligou a TV com o controle remoto antes de jogar o ursinho do outro lado da sala para que %Patch% fosse correndo atrás dele. Observei com uma risada enquanto o meu bebê escorregava pelo chão de madeira encerada, encontrando certa dificuldade de pegar o brinquedo. Em seguida, olhei para li, que me entregava o iPad.
- O que é isso? – Perguntei ao recebê-lo.
- Estava apitando. Pode ser importante. – Deu de ombros.
- Deve ser só o Twitter... – Desde que decidi me afastar de Zayn, acabei fazendo o mesmo com a banda. Sendo assim, troquei a conta do iPad pela minha pessoal. Não recebia tantas mentions como a conta dos meninos, mas de vez em quando alguma fã do One Direction falava comigo.
- Acho que você devia ver. – Pediu quase como se soubesse exatamente do que se tratava.
Tampei o hidratante e dobrei as pernas em cima do sofá antes de abrir a capa do tablet e digitar a senha para destravá-lo. Fui direto para o Twitter e o esperei carregar, bem certa de que não encontraria nada demais. Nesse meio termo, Louis saiu da cozinha e caminhou até onde estávamos, sentando ao meu lado; no braço do sofá. Harry gritou da cozinha que o chá estava quase pronto, mas que o leite havia acabado, então eu teria que tomar sem. Como ele já estava sendo um anjo em fazer aquele favor pra mim, não reclamei. Finalmente o Twitter carregou e dei uma olhada na minha timeline antes de ir para as mensagens. Nada além de alguns tweets das pessoas que eu seguia... Normal. Também passeei os olhos pelos Trending Topics locais e foi aí que eu quase engasguei com a minha própria saliva. A frase: “#QuebreAPernaStar” estava em quarto lugar.
- Porque estão desejando que você quebre a perna? – Lou perguntou horrorizado.
- Não estão... – Falei ainda um pouco confusa. – “Quebre a perna” é a mesma coisa que dizer “boa sorte” no teatro. Porque dizer “boa sorte” dá azar, então falamos ao contrário...
- Ah, então faz sentido... – Afirmou assim que eu cliquei no Trend.
- Não muito. Quero dizer... Eu já comentei sobre a peça de hoje no Twitter, mas nunca fiz propaganda e... – Me interrompi e olhei para Liam, que não conseguia disfarçar seu olhar culpado. – Algo a revelar, Payne?
- Eu? Algo a revelar? Pff, claro que não! O que eu teria a revelar? Porque eu saberia do que isso se trata? Não, não. – Nem mesmo uma mosca ficaria convencida daquilo. – Tudo bem! Nós achamos que seria uma boa fazer um pouco de propaganda e te dar esse incentivo...
- Nós quem, Liam? – Questionei, já tendo uma leve ideia de quem poderia ser.
- Eu e... Bem, a ideia foi do Zayn. Mas não entenda mal, %Tah%. Nós demos a ideia, mas não conseguiríamos fazer isso se as pessoas não concordassem com a gente. – Liam explicou, mas eu me encontrava um pouco indecisa em como me sentir sobre aquilo.
- Você devia ler, %Tah%... – Lou pediu, apontando para a tela do iPad.
- Ler o que? – Haz se juntou a nós.
Curly entregou xícaras de chá para todos nós e recebi a minha caneca dos Ghostbusters. Dei um pequeno gole após assoprar o líquido enquanto todos olhavam pra mim na espera de alguma reação quanto aos comentários no TT. Rolei os olhos por saber que não teria escapatória e apoiei o iPad na minha coxa para que pudesse deslizar a tela e ainda segurar a minha caneca enquanto lia tudo. Mesmo que tivesse medo que alguém pensasse que eu estava usando a banda para promover a peça (como se precisasse disso, porque né) e fazer propagandas sobre a minha carreira, não conseguiria ficar com raiva de Liam ou até mesmo de Zayn. Ambos sabiam o quanto eu ficava nervosa momentos antes da apresentação e só queriam que eu tivesse um apoio extra. Após três goles no meu chá verde, respirei fundo para começar a ler os comentários, um pouco preocupada com o que poderia estar escrito ali.
“#QuebreAPernaStar ! Espero que tenha um bom espetáculo essa noite!”
“Além de ser linda, ainda dança? #QuebreAPernaStar”
“#QuebreAPernaStar está nos TTs? Conseguimos, Directioners!”
“#QuebreAPernaStar Ela merece!!!”
“Minha mãe acabou de chegar em casa com meu ingresso! Vou assistir @%stargirl%, @NiallOfficial e @zaynmalik hoje a noite. Meu sonho virou realidade! #QuebreAPernaStar”
“#QuebreAPernaStar ? Espero que ela quebre a perna mesmo. Essa garota só quer a fama dos meninos!”
“Se quiser falar mal dela vai ter que passar por mim primeiro, sua invejosa! #QuebreAPernaStar”
“Conheci a @%stargirl% algumas semanas atrás e ela foi um amor! Merece tudo de bom hoje a noite! #QuebreAPernaStar”
“Vocês viram como o @zaynmalik falou da @%stargirl%? Achei muito fofo! Os dos combinam. I ship it! #QuebreAPernaStar”
“@%stargirl% foi sempre tão legal com a gente! É a nossa vez de retribuir. #QuebreAPernaStar” Li algumas mensagens que falavam mal de mim, me xingavam e etc, mas elas não eram nada comparadas à quantidade de pessoas me desejando “boa sorte”. Eu não fazia ideia de quantas pessoas gostavam de mim mesmo sem me conhecerem de verdade. Naquele momento eu comecei a me sentir mais do que apenas parte do “fandom” dos meninos. Eu estava sendo puxada para dentro da “bolha” que os envolvia, estava virando uma sub-sub-celebridade; se é que existe esse termo. Era aquela amiga da banda que todos – ou quase isso – gostavam. Diferentemente do que achava, comecei a me sentir muito bem. Mais confiante, mais ansiosa... Então algumas daquelas meninas estariam na plateia me assistindo? Isso seria incrível! Claro que elas iriam mais por causa de Zayn e Niall, mas eu estaria lá também. Tratei de responder, deixando a minha xícara de lado por uns instantes:
“Obrigada a todos que estão me mandando mensagens de apoio! Vocês não sabem o quanto isso significa pra mim. Não sei se mereço tudo isso, mas obrigada. xx”
- É claro que você merece isso, %Tah%! – Lou empurrou o meu ombro com o cotovelo.
- Sou o único que está ansioso por ela? – Harry riu e esfregou uma mão na outra, como se para se acalmar.
- Agora você sabe como eu me sinto antes de uma apresentação de vocês! – Sorri e fechei o iPad. Já era quase 15h30min e eu deveria chegar à Opera House às 16hrs. – Aliás, quem pode me dar uma carona?
- Eu te levo, %Tah%. – Li se ofereceu.
- Obrigada, Leeyum. – Levantei do sofá e com esse meu movimento, %Patch% também se colocou de pé. – Vou me arrumar...
- Então eu vou lavar os copos. – Harry pegou a xícara da minha mão e piscou. – Lou, me ajuda?
- Claro, Haz. – Meu irmão acompanhou-o para fora da sala.
- Eles não vão lavar os copos, né? – Cochichei para Li.
- Você realmente achou que iriam?
+++ Mesmo que todo o elenco da peça devesse chegar pontualmente às quatro horas da tarde, fui a terceira e ainda assim as pessoas estavam demorando demais pra chegar. Os diretores Gavin e Agnes estavam supervisionando tudo, mas era o diretor –da peça- Colin que estava quase ficando maluco. Ele comandava os técnicos de iluminação na mesma hora em que controlava a entrada e retirada de cenários do palco, com cuidado para que nenhum deles fosse comprometido. Dentre os dez alunos que estavam por ali, eu não era íntima de nenhum. Margot puxava duas araras de uma vez e, apesar da sua muita idade, fazia isso com bastante facilidade. Ela deixou uma no meio do caminho e na medida em que se aproximava, consegui ler a placa daquele conjunto de fantasias: “Star T.”
- %Star%, você não tem nenhuma tatuagem, certo? – A figurinista secou o suor em sua testa, parecendo cansada
- Tenho uma pequena... – Admiti, vendo-a fazer uma careta de dor. – Mas não se preocupe, ela fica escondida pelo collant, então ninguém vai ver.
- Oh, essa foi a melhor noticia que você podia me dar! – Suspirou aliviada e um pouco mais feliz. – O menino que está interpretando o Páris é coberto por tatuagens! Então ele não vai poder usar nenhum figurino sem mangas.
- Acho que já vi ele por ai. – Acenei com a cabeça, sabendo que ela falava sobre Zayn. – Horrível, não é? Tantas tatuagens assim?
- Terrível! – Concordou comigo mesmo que eu estivesse mentindo. – Venha por aqui, por favor. Vou lhe mostrar o seu camarim.
- Vou ter um camarim só pra mim? – Sorri. Só as bailarinas mais importantes costumavam ter seus camarins próprios, então acho que eu podia me sentir especial.
- É claro que sim!
Olhe só pra isso! Começávamos a nos dar bem! Margot voltou a puxar a minha arara e foi cortando caminho entre as pessoas que trabalhavam pelo backstage. Deixei os meus colegas de academia para trás quando a segui. Teria a ajudado com os figurinos, mas estava um tanto ocupada arrastando a minha própria mala de coisas que precisaria pra me preparar. Não demoramos nada pra chegar até um camarim com uma estrela na porta. Bem no centro dessa estrela, estava escrito o meu nome em letras douradas. Senti uma onda de felicidade invadindo o meu corpo. Eu sabia que os espetáculos da Academy eram uma grande coisa, mas aquilo já parecia ser demais. Margot me explicou que a estrela na porta acenderia junto com a luz interior do camarim. Ou seja, ela avisaria quando eu estivesse ali dentro para que ninguém fosse entrando sem bater e me pegasse no meio de uma troca de roupas.
Ela tirou um molho de chaves do bolso e destrancou a porta, passando antes de mim. Colocou a minha arara de roupas na parede vazia e começou a mexer em alguma coisa nelas enquanto eu observava o lugar. Não vou dizer que o camarim era grande, porque não era, mas seria mais que o bastante pra uma pessoa só. A sala era um quadrado perfeito. A parede do fundo era onde Margot arrumara os figurinos, ficando de frente para a porta. Se estivermos de costas para a porta, a parede da direita era onde ficava uma penteadeira de madeira branca, com um espelho embutido e aquelas luzes que ajudam na hora da maquiagem, e um espelho de corpo inteiro ao lado dessa penteadeira. Já do lado esquerdo, encontrei um sofá de dois lugares ao lado de uma portinha de correr que levava até um banheiro igualmente pequeno. Fora isso, uma cadeira confortável e uma mesa estreita estavam ali para a minha disposição.
- Bem, então é isso. Pode tirar o seu tempo para se acomodar... – Margot foi até a porta, parando para me dar alguns avisos. – Quando o resto do pessoal chegar, pedirei para que venham te chamar. Colin quer dar alguns avisos antes das seções de aquecimento.
- Obrigada, Margot. – Sorri em agradecimento e ela se foi, me deixando sozinha. – Oh, my God!
Ri sozinha com a minha animação, desistindo de segurar toda a emoção que eu estava sentindo por simplesmente estar ali. Parecia ser ontem quando eu estava entrando pela primeira vez na Academy, nervosa sem saber se seria boa o suficiente para o nível da escola. Todas as minhas inseguranças não haviam desaparecido como um passe de mágica, mas elas vinham diminuindo consideravelmente. É claro que eu ainda ficava nervosa ao pensar que em poucas horas estaria me apresentando na frente de mais de duas mil pessoas que não esperavam nada menos que a perfeição. Mas era isso o que eu queria, não? Esse era o meu sonho e eu estava prestes a começar a realizá-lo. Com um sorriso no rosto, investiguei cada cantinho daquele camarim que tinha o meu nome na porta. “Você está aqui, %Star%. Você conseguiu.” Repeti para mim mesma o que sabia que meu avô estaria falando se ele me visse ali.
Me concentrando no que tinha que fazer, peguei a minha mala e a coloquei em cima do sofá, abrindo o zíper para começar a arrumar as coisas que eu trouxera ali dentro. A primeira coisa que peguei foi a caixinha onde guardava as minhas quatro sapatilhas – duas de ponta e duas sem ponta; não que eu fosse usar as quatro, mas no caso de algo acontecer com uma, eu teria uma reserva. Deixei essa caixa na mesa estreita e também coloquei ali o collant rosa claro e a meia calça de mesma cor que usaria durante o espetáculo inteiro, apenas trocando os figurinos que iriam por cima. Minha caixa de maquiagens foi arrumada perfeitamente sobre a penteadeira. Nós bailarinas temos essa frescura; ninguém faz a nossa maquiagem além de nós mesmas. Pó, base, batom, sombras... Tudo foi espalhado em uma bagunça organizada. A minha nécessaire de produtos higiênicos foi para o banheiro e depois disso só a roupa que eu deveria usar no aquecimento permanecia dentro da mochila. Peguei a minha bolsa e procurei dentro dela o meu celular, já discando o número 2 na lista de discagem rápida.
- Quem é que está me ligando a essa hora? – %Abi% atendeu, super sonolenta.
- %Abigail%, me diga que você não estava dormindo... – Empurrei a minha mala para o lado e sentei no sofá, colocando as pernas pra cima da cadeira na minha frente.
- Ah, é você, %Tah%... – Bocejou antes de continuar. – Bem, é isso o que as pessoas fazem durante a manhã. Nós dormimos.
- Tirando a parte que não é mais manhã, você está certa. – Gargalhei. – %Abi%, são quatro e meia da tarde. Você está atrasada.
- Não pode ser quatro horas da tarde... AI MEU DEUS, ESTOU ATRASADA! Niall, sai de cima de mim! – Naquele instante ela já não falava mais comigo. – Que porra, Zayn, o que você está fazendo aí no chão? Acorda, temos que ir!
- Vejo que tiveram uma festa do pijama. – Ri mais ainda imaginando a cena de %Abi% atropelando o menino que estava no chão. – Só espero que não estejam de ressaca...
- Nós não bebemos, idiota. – %Abi% voltou a falar comigo e escutei a voz de dois garotos desesperados no fundo da ligação. – Niall, não dá tempo de almoçar!
- Vou deixar vocês se arrumarem pra vir... – Ri, tirando os tênis dos pés. – Mas não demore, ok? Você precisa ver o meu camarim!
- Seu camarim? – Repetiu animada. – Você viu o meu?
- Não vi... Mas não vi quase nada...
- É bom que eu tenha um camarim também! – Reclamou. – Vamos correr aqui, tá bem? Até daqui a pouco, bobona.
- Até, chata.
Ri sozinha e deixei meu celular em cima da penteadeira. Imagina se eu não tivesse ligado pra ela? Os três perderiam completamente a hora e isso não seria legal. Tentei não imaginar as coisas que %Abi% e Niall andaram fazendo durante a noite, mas para Zayn ter dormido no chão do mesmo quarto, não devia ter sido nada demais. A não ser que ele tenha entrado no meio, mas essa era uma cena que eu preferi não visualizar. Levantei do sofá e procurei as roupas que vestiria para o aquecimento, já cansada de ficar sozinha naquele camarim. Talvez eu conseguisse encontrar Nick ou Holly pra me fazerem companhia. Despi a calça jeans e camiseta que vestia por baixo do casaco e coloquei a meia calça, collant e outros acessórios que serviam como a minha segunda pele. Amarrei os cabelos em um rabo de cavalo e calcei minha sapatilha sem ponta.
- O que você quer que eu lhe diga, senhorita Jones? – Ouvi a diretora Agnes falando para Brigitte assim que abri a porta. – Não tenho nada a ver com a divisão de camarins.
- Isso não é justo! – A oxigenada saiu batendo os pés. Pelo visto ela não tinha um camarim particular.
- Atrapalhei alguma coisa? – Perguntei para a diretora assim que ela me olhou.
- Não. – Respondeu secamente. Eu me preparava para deixá-la pra trás quando voltou a falar: - Ah, %Star%? Poderia me procurar depois da peça? Tenho um assunto pra conversar com você.
- Tudo bem. – Assenti. Quis perguntar do que se tratava, mas duvidei que fosse ser respondida.
Para não me sentir frustradamente curiosa, torci para conseguir esquecer aquele assunto e me concentrar no que era mais urgente. Meus amigos obviamente não haviam chegado, mas ainda tive esperança de encontrar alguma face conhecida. Comecei a andar, lendo os nomes nos camarins e vendo as estrelas apagadas. Não éramos apenas dez pessoas, já que agora eu podia ver Jess caminhando com as suas amigas e Sean estava na outra ponta do backstage, entretido com alguma coisa qualquer. Foi ao ver uma figura alta e magra que fiquei aliviada por ter encontrado o meu Romeu. Ele estava de costas pra mim, conversando com a menina que dançara junto com ele na primeira vez que eu o vira dançar na aula da Academy. Fui devagar até onde ele estava e peguei impulso no chão antes de pegá-lo desprevenido ao pular em suas costas.
- BU. – Falei assim que me encontrei pendurada nas costas dele.
- Holy shit! %Star%! – Brigou comigo por quase ter se desequilibrado, mas segurou os meus joelhos assim que passei as pernas em volta de sua cintura. – Como eu estava te falando, Sophie, a minha parceira é bem madura para a idade dela.
- Ele estava dizendo isso mesmo? – Perguntei enquanto a observava por cima do ombro do meu parceiro.
- Na verdade, estava sim... – Riu. Provavelmente Sophie nunca mais acreditaria em nada que ele falasse. – Vou deixar vocês a sós.
- Não precisa! – Tentei chamá-la de volta, mas já era tarde. Em seguida olhei para Nick. – Acho que ela não foi com a minha cara.
- Você só é um pouco mais... Viva, do que ela esperava. – Riu e também me olhou, ainda me sustentando em suas costas. – O que você quer, %Star%?
- Como assim “o que eu quero?”? Uma pessoa não pode pular nas costas do amigo sem querer alguma coisa em troca? – Me fiz de ofendida, mas Nick me conhecia melhor que isso. – Eu só quero companhia pra me alongar...
- Eu sabia. – Gargalhou e deu uma volta em direção as coxias do palco. – Mas está na hora mesmo... Colin pediu pra corrermos em volta do palco.
- Então vamos!
Eu estava decidida a não sair das costas de Nick e ele parecia ter aceitado o desafio. Enquanto eu o abraçava pelos ombros pra não cair, o menino caminhou até o palco e já pudemos ver os alunos que faziam por ali o que o diretor pedira. Ainda nem sinal de %Abigail%, Niall ou Zayn. Não que eu ficasse procurando-os o tempo inteiro... Claro que não. Nick deu um jeito de entrar na roda e começou a correr em círculos. Ainda com um peso a mais, ele conseguia ser mais rápido que alguns dos meninos que estavam por ali. Colin apareceu e ficou no centro do palco, pronto para controlar os aquecimentos. Ele parecia estar bem mais calmo do que quando o vira pela primeira vez naquele dia, então tudo devia estar como deveria.
- %Star%, eu disse pra correr pelo palco, mas usando os seus próprios pés! – O diretor gritou pra mim, mas não estava brigando.
- Mas Romeu e Julieta são um só... – Tentei, mas já me preparava pra descer.
- Boa tentativa. – Riu e bateu palmas para chamar a atenção de todos. – Formem duplas, por favor.
- Quem será a minha dupla? – Perguntei retoricamente, me virado para Nick com olhar pidão.
- Você está muito grudenta hoje, %Star%, qual o seu problema? – Riu, mas me abraçou de lado, aceitando o meu convite.
- É só porque meus amigos não estão aqui, então tenho que me contentar com você. – Brinquei, levando um cascudo. – Hey!
- Eu já falei que vou sentir sua falta? – Nick riu, me deixando confusa.
- Não precisa! – Sorri como quem diz: “Ficarei no seu pé a vida toda.”
- Como não temos barras aqui, vamos revezar. – Colin continuou. – Enquanto um se alonga, o outro é a barra. Depois trocaremos.
Todo o elenco se espalhou pelo palco, formando as tais duplas. Talvez %Abi% estivesse com sorte por continuar atrasada, já que assim escaparia da parte que ela tanto odiava em nossas aulas de ballet. Nick se ofereceu para ser a minha barra primeiro, então se firmou no chão e esticou os braços para que eu pudesse começar. Segurei nos bíceps flexionados propositalmente por ele e comecei a minha série de pliés e releves. Eu estava tão concentrada na contagem em minha cabeça que só fui escutar as risadas de Nick depois de um tempo.
- Você fica linda quando está centrada assim. – Riu mais uma vez. Vindo de outra pessoa, aquele elogio poderia ser considerado uma cantada, mas vindo de Nick eu sabia que era apenas um elogio.
- Besta. – Balancei a cabeça e fiquei de lado para ele, trocando as posições dos pés e flexionando os joelhos.
- Tonta. – Poderíamos ficar horas trocando aqueles insultos.
- O que você quis dizer com “vou sentir a sua falta”? – Perguntei, mudando para um assunto mais urgente. – Mesmo quando você sair da Academy ainda vamos poder nos ver...
- Claro que sim. – Sorriu, mas um sorriso melancólico. – Você tem um casaco de pele ou sabe falar Russo?
- Não e sim. Sou trilíngue, não sabia? – Brinquei. – Falo francês, inglês e arraso no russo! Mas por que?
- Consegue guardar um segredo? – Ao fazer aquela pergunta, troquei de posição para que pudéssemos ficar frente a frente. – É claro que consegue, olha pra quem eu tô perguntando.
- Pode falar, Nick. – Afirmei.
- Eu fui convidado pra entrar na equipe de ballet do Bolshoi... – Falou devagar, como se não quisesse me dar a noticia de uma vez. – Então estou indo embora. Me mudo para a Rússia antes do fim do mês...
- Nick... – Fiquei sem palavras. Meu coração apertou por estar perdendo um amigo, mas ao mesmo estava muito feliz por ele. – Mas e quanto a você e Holly?
- %Tah%... – Sussurrou meu apelido e entendi o que ele queria dizer.
- Ela vai junto, não é? – Naquela altura eu já parara com todo e qualquer aquecimento.
- Meio que sim. – Sorriu fraco. Eu estava perdendo mais que um amigo e uma professora. – Nunca se perguntou como eu consegui os nossos ingressos para a apresentação do Bolshoi aqui?
- Achei que a sua mãe... – Parei a frase antes mesmo de terminá-la, triste. Não me importei em ser observada e puxei Nicholas para um abraço apertado. – Eu vou sentir tanta falta de vocês...
- Quem sabe você não vai pra lá depois que se formar também? – Sugeriu ao me abraçar de volta.
- Eu não posso deixar o... – Falei sem pensar e mais uma vez me interrompi. Não precisei terminar a minha frase pra Nick saber de quem eu falava.
- Você está certa.
+++ Faltava uma hora para o começo da peça e eu começava a ficar louca. Já tinha ensaiado alguns solos e falas em frente ao meu espelho, %Abi% e seus dois mosqueteiros chegaram sãos e salvos, as cortinas do palco haviam sido fechadas e o cenário da primeira cena do primeiro ato estava montado. Éramos obrigados a ficar em silêncio perto das coxias, o que indicava que as pessoas estavam começando a entrar. Lou e Liam me enviaram mensagens de “quebre a perna”, falando que já estavam na porta, esperando para seguirem aos seus lugares. Após os nossos afazeres, cada ator, dançarino, cantor e derivado foi para o seu camarim; fosse particular ou coletivo. Tomei um banho relaxante e lavei o cabelo, secando-o completamente em seguida, sendo obrigada a fazer quase uma escova. Segundo Margot, meu cabelo deveria estar liso. Ao menos as minhas pontas loiras não foram um problema tão grande quanto as tatuagens.
Eu estava vestindo a minha “roupa de baixo”, que se referia ao meu collant e meia calça. Nos pés, pantufas discretas. Não era um conjunto muito bonito, mas era confortável. Em volta do corpo, também usei um roupão preto que ganhara de Colin como um presente pelo tempo que trabalhamos juntos. Sentada na frente do espelho da penteadeira, limpava o meu rosto com produtos para a pele até que uma batida na porta me interrompeu. Levantei com cuidado e olhei a primeira roupa que eu deveria colocar, estendida cuidadosamente sobre o sofá. “Estamos com tudo sobre controle. Não se desespere.” Respirei fundo para me auto tranquilizar e abri a porta para receber quem quer que fosse.
- Entrega pra você, %Star%. – Uma garota do terceiro período me entregou um buquê de rosas vermelhas.
- Sabe de quem são? – As recebi com um sorriso.
- Só me pediram pra entregar... Mas tem um cartão.
- Ah, claro! – Ri sozinha. – Bem, obrigada.
- Imagine. – Se despediu com um aceno de cabeça.
Fechei a porta atrás de mim e sentei no braço do sofá para apoiar as rosas no meu colo e poder pegar o envelope preto. O abri com cuidado e quase chorei ao ver o que estava escrito: “Como nos velhos tempos. Ass: Papai.” Era uma frase curta e simples, mas o significado pra mim era enorme. Meu pai não costumava estar sempre presente nas minhas apresentações de ballet por causa do seu trabalho, porém, o meu avô estava. E em cada peça, concerto, apresentação ou o que quer que fosse, papá me dava um buquê de flores vermelhas. Eu sempre ficava louca, mostrando para as minhas colegas de turma e me sentindo uma bailarina profissional. Quando papá se foi, eu já não esperava mais receber flores assim, mas pelo visto estava errada. Meu pai as enviara porque sabia que me fariam falta. Ele também já deveria estar na plateia.
Agora que tinha as minhas flores, podia mostrar para as minhas colegas de classe! Mas por que não mostrar ao mundo? Com esse pensamento em mente, deixei as flores sobre a madeira do chão por ser o melhor lugar para pegar uma boa posição. Sou muito boba, eu sei, mas queria tirar uma foto e postar no Twitter. Talvez as meninas que me desejavam coisas boas ficariam felizes... Ou simplesmente por eu ser uma menina e gostar dessas coisas de tirar foto e mostrar pra todo mundo que quiser ver. Porque teriam criado o Twitter ou Instagram se não fosse para esse tipo de garotas? Terminei a minha discussão interna pra decidir se eu ia mesmo fazer aquilo e acabei seguindo com o plano. Bati a foto e já mandei direto para o Twitter, com a seguinte legenda:
“Algumas coisas nunca mudam. Obrigada, daddy. <3 ” Enviei com um sorriso bobo, mal podendo esperar vê-lo e agradecer pessoalmente por aquele presente tão lindo. Tirei as flores do chão e as cheirei, sentindo aquele aroma impossível de não reconhecer. Deixei-as delicadamente arrumadas em cima do sofá e voltei a me sentar na cadeira da penteadeira, abrindo as minhas mentions só por curiosidade. Algumas meninas davam chilique, falando que as flores eram lindas e também queriam ter um pai como o meu. Outras queriam ter o meu próprio pai como sogro, mas isso não vem ao caso agora. Principalmente porque meu irmão já tinha um pretendente... Mas enfim. Um comentário em especial chamou a minha atenção:
“@%stargirl% Já estou aqui, esperando o espetáculo começar! ” A Opera House estava começando a encher! E pensar que tantas pessoas assim estariam deixando seus afazeres só pra vir assistir a um espetáculo de dança e teatro... Isso era simplesmente incrível. Deixei o celular novamente em cima da madeira e me olhei no espelho, percebendo então o tamanho do sorriso em meu rosto. Me preparei para voltar aos meus afazeres de beleza quando uma nova batida na porta me interrompeu. Quem poderia ser agora? Mais flores? %Abi%? Só saberia se abrisse aporta. Levantei com quase um pulo e fui até lá, sem nem perguntar quem era. Girei a maçaneta redonda e não pude acreditar quando vi as duas mulheres diante de mim. Levei as mãos à boca pra evitar um grito e meus olhos se encheram de lágrima.
- Nana! – Abracei a minha avó primeiro, me afundando em seu perfume tão nostálgico.
- %Estrelinha%, você está tão linda! – Jolene parecia tão emocionada quanto eu, acariciando os meus cabelos.
- Mum! – Passei para a minha mãe e a abracei da mesma forma. – Que saudade de vocês duas.
- Também sentimos muito a sua falta, querida. – Minha mãe segurou o meu rosto com as duas mãos e olhou dentro dos meus olhos, como se quisesse ver que eu estava de verdade na frente dela.
- Porque não me falaram que estavam vindo?! – Perguntei, olhando as duas ainda sem acreditar.
- Nós não sabíamos até algumas horas atrás, pra falar a verdade... – Vovó começou a explicar.
- Mas Zayn fez questão de pagar as nossas passagens de última hora e aqui estamos! – Jay abriu os braços em uma espécie de “ta dah”.
- Zayn? Zayn pagou pra vocês? – Repeti. – Porque não me falaram? Meu pai não se importaria...
- Até parece que nós o incomodaríamos com isso, filha! – Me interrompeu. – Aliás, encontrei ele e Rachel. Os dois já estão lá fora esperando o show começar...
- Você encontrou com meu pai e a Rach? – Mais uma vez repeti. Eu estava virando um papagaio. – E... Não brigaram?
- É claro que não, princesa. Hoje é a sua noite. – Sorriu e tocou o meu rosto.
- É a minha noite e vocês duas estão maravilhosas! – Olhei para os vestidos que as duas usavam. Elas estavam extremamente lindas.
- Não poderíamos perder por nada, %Tah%. – Nana segurou a minha mão. – Seu avô daria tudo pra estar aqui conosco.
- Ele está, nana. – Sorri e acariciei a mão dela com o polegar.
- Mãe, temos que voltar para o salão... – Minha mãe se virou para a mãe dela. – Zayn conseguiu nos contrabandear pra cá, mas não podemos ficar muito.
- Eu vejo vocês depois, certo? – Me precipitei para abraçá-las mais uma vez.
- Assim que o espetáculo acabar! – Jay afirmou. – E, %Tah%... Merde!
- Obrigada! – Ri pela minha mãe ter xingado tão deliberadamente. – Boa peça pra vocês.
- Estaremos de olho em você. – Nana beijou a minha bochecha.
As duas se viraram pra ir embora e fiquei observando-as enquanto se afastavam. Eu não sabia se elas sabiam sobre o termino entre Zayn e eu, mas uma coisa tinha que admitir... O que ele fez por mim ao trazer aquelas mulheres para assistir a minha apresentação não tinha preço. Eu podia pensar qualquer coisa dele, mas seria eternamente grata. Olhei em volta, notando que a maioria do elenco já se encontrava ali fora, totalmente caracterizados. “Ih, estou atrasada!” Pensei e logo me tranquei no camarim novamente. Dessa vez eu teria que me apressar. Corri para a penteadeira e retoquei a base e o pó da minha maquiagem, igualando a pele. Podia não ser fã de maquiagem pesada, mas em apresentações como essa eu devia estar perfeita. Marquei os olhos com um lápis preto, usei uma sombra cor de pele/dourado claro com um pouco de brilho e apliquei cílios falsos. Os olhos estavam prontos: Check! Passei um blush rosa em contraste com a minha pele alva e terminei o look com um batom vermelho bem claro; semelhante à cor natural dos meus lábios.
- Dez minutos para a concentração! – Alguém bateu na minha porta e gritou, me apressando.
Não tinha mais tempo a perder e me desfiz do meu roupão preto, jogando-o no braço da cadeira. Meu primeiro vestido era quase simples se comparado aos outros. Não tinha mangas, era justo ao corpo na parte do busto – onde rendas delicadas foram bordadas – e caia solto até um pouco abaixo do meu joelho. Não era muito volumoso, mas girava graciosamente quando eu me mexia para os lados ou rodopiava. Sua cor era um amarelo bem claro. Já dentro dele, sentei no sofá para calçar as duas sapatilhas e amarrar a fita de seda em volta do meu tornozelo. Estava faltando alguma coisa... “MEU CABELO!” Exclamei internamente e acabei voltando para a penteadeira e pegando a escova. Meus fios estranhamente lisos deslizavam pelos dentes do objeto em minha mão e não foi difícil colocá-los de lado e fazer uma trança. Não podia deixar nenhum fio solto, por isso tive que repetir o processo mais duas vezes até que eu estivesse satisfeita com o resultado.
- %Tah%? – %Abi% bateu na porta e já foi abrindo, mesmo que devagar. – Está pelada?
- Já me vesti, pode entrar. – Ri, olhando-a pelo reflexo do espelho. – Você está... Uau.
- Estou enorme, eu sei! – Fez uma careta ao bater na anágua ampla de seu vestido volumoso. Sem falar que seus cabelos estavam escondidos por um pano que parecia aqueles que as freiras usam nos conventos. – Você, por outro lado! Está linda.
- Isso foi um elogio ou uma reclamação? – Levantei da cadeira e fui até a arara, já querendo deixar separada a minha próxima toca de roupas.
- Um pouco dos dois. – Deu de ombros. – Depois você faz isso, %Tah%... Colin está nos chamando pra dizer umas últimas palavras.
- Estou indo, estou indo! – Deixei as coisas como estavam e a ajudei a sair do camarim. Sim, ajudei, porque o vestido dela era tão grande que a fez entalar na porta.
- Você está amando isso, não é? – Resmungou em meio às minhas risadas.
- Um pouco. – Pisquei e fechei a porta do camarim depois que nós duas estávamos no lado de fora.
%Abi% segurou a minha mão e atravessamos um caminho tortuoso entre peças de cenários que estavam ali no backstage até chegarmos na grande roda que Colin organizara. Ele estava no meio e eu e a minha amiga ruiva tivemos que nos enfiar entre as pessoas para conseguirmos chegar até a frente. Ela afirmou que era pequena e precisava enxergar, mas só o que recebeu foram reclamações por quase atropelar e machucar um ou outro com o seu vestido enorme. Nick ficou ao meu lado direito, enquanto %Abi% e Niall ocuparam o esquerdo. Zayn estava bem na minha frente, o que dificultava a minha vontade de não olhar pra ele. O menino estava vestido com uma calça colada verde escura, a mesma cor da sua blusa de mangas compridas. Margot fez de tudo para esconder as tatuagens dele e fez um bom trabalho. Nick estava usando a cor quase oposta; um azul bem claro, mesmo que as suas roupas fossem quase iguais. Na verdade, as roupas masculinas eram quase todas iguais. Só o que mudava era um detalhe aqui ou ali. Brigitte usava um roxo berrante e seu vestido parecia o de uma dama vitoriana. Veja a ironia... Ela era a mãe de Nick. Ou a mãe de Romeu, no caso.
- Meus queridos pupilos... Eu os chamei aqui porque acho que esse momento pede umas palavras de encorajamento! Primeiramente eu gostaria de agradecer a vocês por terem tido paciência para aguentar meus ataques, reclamações, gritos... Mas quero que saibam que se exigi muito de vocês é porque sabia que poderiam ser melhores. – Colin começou a falar e todos nós ficamos calados, prestando atenção. – Vocês foram incríveis. Todos vocês, sem exceção alguma. E aqui estamos nós... Meses depois. Nos minutos finais antes daquilo que vínhamos trabalhando e nos dedicando todos os dias. O que tenho a dizer agora é: Aproveitem! É o momento de vocês. Subam nesse palco e deixem as lágrimas, o sangue, o suor o que mais for possível. Estou muito orgulhoso do espetáculo que montamos, então espero que todas essas duas mil e trezentas pessoas que estão aí fora também possam apreciar a nossa grandiosidade. Então, uma salva de palmas pra você!
- É isso aí! – Alguém gritou e tomos começamos a aplaudir. Eu já estava pra lá de arrepiada.
- Agora, algumas dicas! – Colin voltou a falar. – Fiquem tranquilos, ok? Se alguém errar as falas ou as marcações... Sigam com a peça. Improvisem, se for o caso. Imprevistos acontecem, então estejam preparados para qualquer coisa. Acima de tudo, ajudem uns aos outros. Lembrem-se que somos uma equipe. Bem, agora... Ah, sim. %Star%...
- Hm? – Olhei espantada para o diretor. Já fiz algo errado?
- Eu gostaria de lhe pedir desculpas... – O homem caminhou até parar na minha frente e eu já não entendi mais nada. – Quando te conheci pela primeira vez, não dei muita coisa por você. Duvidei que pudesse acompanhar o meu ritmo louco. E agora... Eu vejo que nunca estive mais errado sobre alguém. Você é uma menina dedicada, esforçada e... Por Dionizio o deus do teatro, como você dança! Teve algumas dificuldades com suas falas no começo, mas não desistiu até decorá-las e é isso o que um bom artista faz. Ele não nasce sabendo, ele sofre muito pra chegar lá. E você, minha Julieta, está lá.
- Obrigada... – Minha voz quase não saiu, tamanha a minha emoção. Eu nunca esperaria ouvir algo assim vindo dele.
- Não. Eu é que agradeço. – Pegou a minha mão direita e a beijou. Em seguida, andou até estar de frente para o menino ao meu lado. – Nicholas...
- Eu também te amo, Colin. – Nick brincou.
- Vou sentir falta das suas brincadeiras. – O diretor gargalhou. Aquela frase me deu um aperto no coração, então acabei entrelaçando os dedos nos de Nick, tentando impedir que ele fosse embora do meu alcance. – Eu também quero te agradecer. Você é um dos dançarinos mais talentosos que já conheci, porque eu podia lançar qualquer coisa na sua direção e você agarrava com unhas e dentes, me mostrando o quanto era bom. Eu entendo que essa é a sua última apresentação com o nome da Academy, por isso só tenho a dizer que espero que você aproveite. Deixe a sua marca; a marca de um começo, pois sei que você vai ter um futuro brilhante.
- Obrigado, Colin! – Nick sorriu e apertou a mão do diretor com a que não estava segurando a minha.
- Seu futuro vai ser brilhante mesmo. – Repeti baixinho para o meu amigo. – Ele sabe disso, eu sei disso e em breve o mundo inteiro vai saber. Foi uma honra dançar ao seu lado, Nicholas Hoult.
- Posso dizer o mesmo, %Star% Tomlinson. – Sorriu e beijou a minha mão. Logo os outros começaram a se dispersar a nossa volta e até mesmo %Abi% chegou a se afastar para nos deixar a sós. – Você foi mais que uma parceira de dança, foi uma amiga, uma confidente. Sabe que eu confio em você de olhos fechados. Quem diria que uma garota que conheci em uma festa se tornaria a única coisa de que realmente vou me sentir mal por estar deixando aqui?
- Eu te amo, Nicky! – Sorri mesmo querendo chorar e o abracei pelo pescoço.
- Eu amo você, pequena. – Envolveu a minha cintura e me levantou do chão. – Vamos parar antes que eu comece a chorar, ok?
- É melhor mesmo... – Ri baixo, me virando para a mulher que se aproximava assim que fui colocada novamente no chão. – Você! O que farei na Academy sem você?
- Vai continuar deixando todos de boca aberta. – Holly sorriu e abriu os braços.
- Cuide bem do meu parceiro, tá bem? – Pedi a ela assim que a abracei. – Porque tenho certeza que ele vai cuidar de você.
- Vou mesmo! – Nick concordou. – Acho melhor ir falar com o diretor... Vou entrar antes de você.
- Pode ir. – Acenei com a cabeça. – Quebre a perna!
- Você também! – A professora foi quem me desejou e acompanhou o namorado secreto.
- %Star%? – Uma voz aconchegante encheu os meus ouvidos.
- Oi, Zayn. – Me virei pra ele com um sorriso. – Eu queria mesmo falar com você.
- Mesmo? – Sorriu ainda mais.
- É claro! O que você fez, trazendo a minha mãe e a minha nana... – Me perdi em palavras, sem conseguir agradecer o suficiente. – Muito obrigada.
+++
“Duas casas, iguais em dignidade – na formosa Verona vos dirão – reativaram antiga inimizade, manchando mãos fraternas sangue irmão. Do fatal seio desses dois rivais um par nasceu de amantes desditosos, que em sua sepultura o ódio dos pais depuseram, na morte venturosos. Os lances desse amor fadado à morte e a obstinação dos pais sempre exaltados que teve fim naquela triste sorte em duas horas verei representados. Se emprestardes a tudo ouvido atento, supriremos as faltas a contento.” Um menino, jovem demais talvez, estava na frente do palco, fazendo o papel de narrador. Eu estava bem escondida em umas das coxias, observando tudo. O lugar estava realmente cheio. Tentei procurar rostos familiares na plateia, mas foi inútil. Tentei procurar Nick antes de ir parar ali onde estava, mas também foi inútil. Niall, %Abi% e Zayn também sumiram, então me encontrei sozinha. Todos deviam estar ocupados com os seus próprios problemas, já que todos entravam em cena antes de mim. Bem devagar, as luzes se apagaram quase completamente e as cortinas foram finalmente abertas. A plateia bateu palmas fervorosas com o começo da peça, onde podiam ver o primeiro cenário: A praça pública de Verona. Não eram apenas objetos de cena que enfeitavam o palco, mas também uma espécie de cortina no plano de fundo que ia do chão do palco até o teto. Com a ilusão de ótica e a pintura perfeita, aquela cortina dava a impressão de que o palco era mais extenso que o real e logo fomos absorvidos pela magia do teatro e transportados para Viena. Dois homens foram os primeiros a pisar no palco. Gregório e Sansão. Eu me lembrava de ter encenado parte daquele diálogo com Nick, quando ele foi na minha casa pela primeira vez.
- %Star%, saia daí! – Colin me chamou em um sussurro. – Essa parte é agitada, você pode atrapalhar.
- Desculpe! – Pedi e saí de fininho. Ele tinha razão. Aquela cena mostraria a primeira guerra entre Montecchios e Capuletos. – Eu só queria ver.
- Eu sei disso... – O diretor tocou o meu ombro para me levar para longe dali. – Ainda faltam uns quinze minutos pra você entrar e, se não me engano, Holly estava atrás de você.
- Vou procurá-la... Obrigada.
Ainda sem estar muito satisfeita com isso, saí de perto das coxias e não pude mais ver o palco. Romeu entraria logo logo, então eu perderia a entrada de Nick. Também perderia a entrada de Zayn, mas não que eu me importasse muito. Holly estava no ponto mais afastado possível e me chamou com a mão assim que me viu. Parecia muito importante, então corri o resto do caminho até onde ela estava.
- Ainda bem que eu te encontrei, %Tah%! – A professora sorriu aliviada. – Venha colocar o seu microfone!
+++ Vinte minutos haviam se passado desde que Colin me expulsara das coxias, por isso eu havia voltado para lá. Dessa vez apenas esperando a minha hora de entrar. O cenário mudara mais vezes do que eu pude ver e agora mostrava uma espécie de corredor. Meu coração estava acelerado e quase parou quando as luzes foram apagadas, pois quando voltassem a acender seria a minha deixa para entrar em cena. Os segundos de intervalo se tornaram horas na minha cabeça e a luz fraca começou a iluminar o palco até que tudo se acendesse de uma vez. Colin me avisou para ir e assim o fiz, respirando fundo e abrindo o meu melhor sorriso. Minhas mãos estavam suadas, então as passei no meu vestido antes de começar a correr.
Todo o meu nervosismo foi embora assim que pisei no palco e pude ser vista pelas milhares de pessoas. Pude ouvir algumas arfadas mais pesadas vindo da plateia, mas ninguém chegou a gritar. Após correr até a metade do palco, parei e olhei para os lados rindo. Um soltado qualquer também entrou no palco, vindo atrás de mim, o que me fez gargalhar mais uma fez e correr até a coxia do outro lado. Não demorei muito por ali, pois logo fui obrigada a correr mais uma vez, dessa vez podendo me demorar um pouco em saltos divertidos e giros.
- Onde está Julieta? Ama, vai chamá-la! – A voz da senhora Capuleto soou aos meus ouvidos, mesmo que não pudesse vê-la. Em cima do palco, parei o que estava fazendo e coloquei as mãos sobre os lábios; estava encrencada.
- Por minha virgindade quando eu tinha doze anos: Já a chamei! – %Abi% entrou no palco e eu me escondi atrás de uma pilastra do cenário, sem ter muita certeza do que fazer. Não podia ficar ali escondida, pois minha mãe me chamava. Mas também não podia ser descoberta correndo pela casa, pois isso não coisa que uma dama faça. %Abi% logo continuou em seu papel como a Ama: - Minha ovelhinha? Vem cá, meu coração! Deus me perdoe, mas onde está a menina? Oh, Julieta!
- Que é que houve? – Saí de trás da pilastra como se estivesse comportada o tempo inteiro. Era incrível como a minha voz era elevada pelo microfone preso em meu vestido. – Quem me chama?
- Vossa mãe! Venha! – %Abi% me chamou com mão para que eu a seguisse e logo corremos em direção à coxia novamente.
Uma troca rápida de cenário se fez presente e o corredor se transformou no quarto do senhor e da senhora Capuleto. A “minha mãe” estava sentada na cama perfeitamente arrumada e se levantou assim que entrei ali, voltando para o palco com a Ama ao meu encalço.
- Senhora, aqui estou eu. Que desejais? – Corri na ponta até onde a mais velha estava, segurando as laterais do meu vestido leve.
- Eis o assunto... Ama, deixa-nos sozinhas por algum tempo. Tenho de falar-lhe muito em particular. – A Sra. Capuleto fez um movimento para que a Ama saísse de lá, mas logo mudou de ideia, chamando-a de volta. – Não, Ama: Volta! Lembrei-me agora que é preciso que ouças nossa conversa, pois há muito tempo conheces minha filha.
- É certo, posso dizer que idade tem, hora por hora. – %Abi% correu de um jeito desengonçado e parou ao meu lado, segurando as minhas mãos. Com o dedo indicador, tocou a ponta do meu nariz, me causando uma risada infantil.
- Tem quatorze anos incompletos. – Capuleto falou.
- Jogo quatorze de meus dentes... – %Abi% me interrompeu antes que eu pudesse falar qualquer coisa. – ...em como ainda não fez ainda quatorze anos! Para um de agosto falta quanto ainda?
- Uma quinzena e pouco. – A outra mulher respondeu, também me interrompendo. Só o que restou fazer foi sentar na cama e encarar a barra de meu vestido.
- Foste a criança mais linda que criei. Se algum dia eu puder ver-te casada, é tudo o que desejo. – %Abi% se aproximou de mim enquanto a outra mulher começava a andar pelo palco/quarto. Sorri olhando para a minha ama; um sorriso inocente.
- Pois foi para falar em casamento que te chamei. – Aquela frase me assustou, fazendo-me saltar da cama e ficar de pé, olhando para a minha mãe. – Filha Julieta, dize-me: Em que disposição estás para isso?
- É uma honra com a qual jamais sonhei. – Respondi com certa melancolia.
+++ Mais algumas cenas se passaram e eu continuava sem conseguir assistir um pedaço que fosse da peça. Estava me sentindo confortável o bastante para entrar e sair de cena a qualquer momento que fosse. Ainda não tivera o meu momento de solo, mas vinha me saindo bem em minhas atuações e com as falas. %Abi% era quem mais entrava em cena comigo, o que me tranquilizava bastante. Minha segunda troca de roupa foi um pouco mais elaborada: Um vestido vermelho na mesma altura do primeiro, com a diferença de que ele tinha mangas transparentes que iam até o pulso. O busto era bem marcado e o tecido parecia veludo. Algumas pedrinhas brilhantes coram costuradas pela parte da saia; dando um toque charmoso e quase sensual. Aquele era um de meus preferidos. Meu penteado também mudou, pois a trança foi desfeita e deixei os fios soltos, com apenas um enfeite que parecia uma coroa, mas não era tão grande assim e estava bem presa para que não caísse durante a minha dança.
Um pequeno intervalo de no máximo três minutos foi feito para que o cenário pudesse ser trocado. No lugar de uma rua, o palco foi transformado no salão de baile dos Capuleto, onde uma festa tomaria seu lugar. Eu podia ver Nick do outro lado da coxia, com sua mascara de leão cobrindo mais da metade do seu rosto. Acenei, mas ele não respondeu. Devia estar ansioso. De qualquer forma, Colin deu sinal para que eu e %Abi% pudéssemos entrar em cena. Passei o braço pelo dela e sorrimos uma para a outra antes de entrarmos em nossos personagens.
O baile já tivera inicio e metade das pessoas que estava por ali usava marcaras de animais e vestidos de festa. Grupos de dançarinos faziam suas apresentações com a música que a orquestra tocava, enquanto figurantes apenas passeavam por aqui ou por ali. Pelo canto de olho vi que Romeu chegou à festa com os seus amigos, mas eu não podia olhar pra ele. Não ainda. Na medida em que %Abi% e eu caminhávamos, os convidados começavam a me notar, fazendo comentários uns com os outros, de como eu estava linda e esse tipo de coisas. De repente, meu pai, ou o Senhor Capuleto – também conhecido como Sean – tomou o centro do palco e todos pararam os seus afazeres para ver o que ele ia falar. A orquestra também diminuiu o volume da música.
- Cavalheiros, bem-vindos. As senhoras que não sofrerem no dedão de calos hão de dançar convosco. Olá, senhoras! Qual de vós há de agora recusar-se a dar uma voltinha? A que mimosa se mostrar por demais, faço uma aposta em como terá calos. Como! Agora ficamos juntos? Sede aqui, bem-vindos, meus senhores! Já vi também os dias em que punha uma máscara e sabia cochichar uma ou duas palavrinhas nuns ouvidos bonitos. E agradavam! Mas já lá vai o tempo... Tudo passa. Sois bem-vindos, senhores. Vinde, músicos! Tocai logo! Licença! Abri caminho... Com licença! Meninas, ligeireza! – Sean fez o seu discurso de boas vindas, andando de um lado para o outro do palco, onde as mulheres se reuniram no lado esquerdo e os homens no direito. Eu e %Abi% ainda permanecemos no meio, ao fundo do palco, juntamente com a senhora Capuleto que logo nos fez companhia. O dono da casa tentava atrair pessoas para o centro, pedindo-os para dançar. Em seguida, se juntou à um outro homem e começaram a conversar enquanto casais começavam a se formar devagar. - Mais luz, marotos! Arrastai as mesas e apagai esse fogo, que está muito quente aqui dentro. Ah! Essas brincadeiras inesperadas chegam sempre a tempo. Sim, sentai-vos, sentai-vos, caro primo Capuleto; nós dois já não estamos na idade de dançar. Há quanto tempo deixamos de pôr máscara?
- Trinta anos, pela virgem! Trinta anos! – O segundo homem comentou.
Já não prestei mais atenção no que acontecia a minha volta, pois um garoto qualquer se aproximou e fez uma reverência, me convidando para dançar. Aceitei o seu convite com outra reverência e posicionei a minha mão sobre a dele. O cavalheiro me guiou até o centro do salão e começamos a dançar suavemente. Nós não nos tocávamos em momento algum, apenas fazendo aqueles paços de estilo vitoriano, onde nossas palmas se aproximavam, mas não chegavam a se encostar. Ora ou outra trocávamos olhares, mas não era adequado uma moça jovem ficar encarando um garoto. Ele parecia gostar de quando eu fugia de sua contemplação e por isso se aproximava e me fazia dar um passo para trás, envergonhada. Muitos convidados à nossa volta nos observavam bailar.
- Que dama é aquela que enriquece o braço daquele cavalheiro? – Nick perguntou à um criado. Continuei a dança e todos fingíamos que não podíamos escutar os sussurros de Romeu.
- Desconheço-a, meu senhor. – O seu criado respondeu.
- Oh! Ela ensina a tocha a ser luzente. Dir-se-ia que da face está pendente da noite, tal qual joia mui preciosa da orelha de uma etíope mimosa. Bela demais para o uso, muito cara para a vida terrena. Como clara pomba ao lado de gralhas tagarelas, anda no meio das demais donzelas. – Romeu suspirou apaixonado, falando mais para si mesmo do que para o criado. Durante as falas de Nick, continuei dançando com o meu cavalheiro como se estivesse em outro mundo. - Vou procurá-la, ao terminar a dança porque a esta rude mão possa dar ansa de tocar nela e, assim, ficar bendita. Meu coração, até hoje, teve a dita de conhecer o amor? Oh! Que simpleza! Nunca soube até agora o que é beleza...
- Pela voz este aqui é algum Montecchio. Rapaz, vai buscar logo minha espada. – Niall apareceu no outro canto do palco, como Tebaldo Capuleto; meu primo. Ao escutá-lo, Romeu percebeu que seria pego e tratou de se misturar com os outros convidados. – Como! Esse escravo atreve-se a, com máscara grotesca, vir aqui, para de nossa festividade rir e fazer pouco? Pela honra do meu sangue e nobre estado, dar-lhe a morte não julgo ser pecado.
Antes que Niall pudesse se mexer para ir atrás de Nick, as luzes foram diminuindo lentamente, fazendo com que todos parassem o que estavam fazendo. O cavalheiro e eu nos separamos, pois o centro do palco foi tomado pelo mesmo menino que fizera a narração de começo da peça. Ele iria começar a cantar, então todos formamos um semicírculo em torno do jovem. As poucas luzes que ainda iluminavam o palco eram de um tom azulado, o que passava tranquilidade e certa magia ao cenário. A orquestra começou lentamente a tocar a música e o menino respirou fundo antes de começar a cantar:
What is a youth? Impetuous fire.
(O que é a juventude? Fogo impetuoso)
What is a maid? Ice and desire.
(O que é uma dama? Gelo e desejo)
The world wags on.
(O mundo segue em frente)
A rose will bloom it then will fade.
(Uma rosa vai florecer e então padecer)
So does a youth.v (Assim como a juventude)
So do-o-o-oes the fairest maid…
(Assim como a melhor dama) Todos ficaram extremamente encantados com aquele jovem, enchendo nossos ouvidos com sua voz de anjo. Ninguém se mexia ou falava coisa alguma. Eu também estava assistindo-o, até que algo chamou a atenção do meu olhar. Um garoto de vestes azuis e mascara de leão. Algo naquele menino me prendia, me puxava. Eu precisava conhecê-lo, mas não poderia simplesmente caminhar até ele no meio de todas aquelas pessoas!
Comes a time when one sweet smile
(Chega um tempo quando um sorriso doce)
Has its season for a while... Then love's in love with me.
(Tem a sua estação por um tempo… Então o amor está apaixonado por mim)
Some they think only to marry, others will tease and tarry.
(Alguns pensam apenas em casar, outros vão provocar e demorar)
Mine is the very best parry. Cupid he rules us all.
(A minha é a melhor defesa. O cupido controla a todos nós)
Caper the cape, but sing me the song.
(Amarre a capa, mas me cante a canção)
Death will come soon to hush us along.
(A morte chegará logo pra no scalar)
Sweeter than honey and bitter as gall…
(Mais doce que o mel e mais amarga que bílis)
Love is a task and it never will pall.
(Amor é uma tarefa e nunca vai enjoar)
Sweeter than honey and bitter as gall.
(Mais doce que o mel e mais amarga que bílis)
Cupid he rules us all…
(O cupido controla a todos nós) Dei um passo para a minha direita, sem tirar os olhos do menino mascarado. Ele fez o mesmo, me seguindo com a mesma curiosidade que eu sentia. Ok, talvez tivesse sido apenas uma coincidência... Tentei mais uma vez, com mais um passo. Acabei esbarrando em uma jovem, me sentindo bem destrambelhada e pedindo desculpas com um sorriso. Ela logo voltou a prestar atenção no menino que ainda cantava. Dei uma pequena olhada na direção do menino que despertou meu interesse, mas ele não estava mais por lá. Suspirei desapontada, mas não demorou muito para que eu o encontrasse a apenas alguns metros de mim, na porta que levaria até o jardim.
A rose will bloom.
(Uma rosa vai florecer)
It then will fade.
(Então vai perecer)
So does a youth.
(Assim como a juventude)
So does… The fairest maid.
(Assim... Como a melhor dama) O menino então, desapareceu pela porta. Olhei para os lados, averiguando se estava sendo observada ou não. Como ninguém parecia estar prestando atenção em qualquer coisa que não fosse o cantor, parti na ponta dos pés pelo mesmo caminho que o garoto misterioso se foi; entrando na coxia. Colin me recebeu lá e sorriu, falando que eu tinha sido ótima. As luzes do palco foram apagadas para que mais uma vez o cenário pudesse mudar. O salão de baile se transformou em um jardim belíssimo. O chão do palco foi coberto por uma névoa baixa criada por uma máquina de fumaça e uma fonte jorrava água calmamente no centro do tablado. Observei enquanto Nick entrava no jardim antes de mim, caminhando até a fonte e meio que se escondendo atrás dela.
- %Tah%, não pire, ok? – Uma voz inesperada surgiu atrás de mim.
- Nicholas! – Me virei pra ele, espantada. Colin não estava mais por ali pra me explicar o que estava acontecendo. – Como você tá aqui? Quem está no palco?
- Confie em mim, ok? – Ele estava usando roupas esverdeadas, diferente das de antes. – Agora vá! E faça o seu solo.
- Mas você não está lá!
Nossa discussão em sussurros não durou muito tempo, pois logo fui gentilmente obrigada a voltar para o palco. Se Nick não estava escondido atrás da fonte, quem poderia ser? E o mais importante: Que diabos estava acontecendo? Não tive muito tempo de pensar, pois logo estava na frente da plateia mais uma vez. Como o menino misterioso, literalmente, estava escondido, só eu podia ser vista. Era o meu momento de brilhar. A orquestra começou a tocar uma melodia bem calma e delicada, dando à atmosfera que eu precisava pra começar a dançar. A luz ainda era azulada e refletia sobre os brilhantes do meu vestido.
Me colocando sobre a ponta dos pés e abrindo o vestido, comecei a caminhar e girar com leveza, procurando o menino que se escondia de mim. Como não pude encontrá-lo, levei as mãos ao peito, me sentindo enganada ou esquecida. Ou ao menos era isso que Julieta deveria ter sentido. Corri até bem perto da borda do palco e parei na ponta do pé direito, deixando a perna esquerda estendida para trás. Olhei para um lado e para o outro da plateia, me impedindo de procurar qualquer rosto conhecido que fosse. Eu sabia que a minha família estava ali, mas vê-los poderia tirar a minha concentração. Em seguida, voltei correndo de costas para o centro do palco, próxima à fonte. Elevei e abaixei as mãos, girando na ponta de um dos pés e usando o outro para formar um “4”.
Se Nick estivesse ali, ele teria me segurado pela cintura para que pudéssemos começar a nossa dança em dupla, mas o menino escondido atrás da fonte não se mexeu. Pelo visto eu teria que continuar sozinha. Nada me impediria de fazer um bom trabalho, nem mesmo a loucura de Nicholas. Com um salto, pulei sobre a borda da fonte e me equilibrei novamente na ponta de apenas um dos pés, jogando o outro para trás em um ângulo de noventa graus; usando toda a minha força para girar graciosamente naquela posição. Com um movimento em falso, eu cairia dentro daquela fonte e o meu solo seria arruinado. Eu sabia desse porém, mas fiz o passo da mesma forma. Voltando a posição inicial e fechando as pernas, dei mais alguns giros comportados sobre a borda da fonte.
Para finalizar o pequeno solo, dei um pequeno rodopio e pulei para o chão em abertura completa até pousar suavemente. O menino finalmente se mexeu, mas fiz de conta que não o vira. Calmamente fui até a borda da fonte mais uma vez, sentando-me sobre e ela e olhando na direção oposta. Deixei a minha mão pousando no falso concreto e o menino entendeu a minha deixa, tocando com a sua e me fazendo olhar para ele, assustada. O Romeu que não era Nick não precisou tirar a mascara para que eu o reconhecesse seus olhos agora que os enxergava de perto, mas assim que o fez, fiquei paralisada. Não retirei a minha mão da dele, quase me esquecendo do que deveria fazer. Meu peito subia e descia com a minha respiração acelerada e nem com todas as aulas de teatro do mundo eu teria conseguido fingir uma surpresa maior do que aquela que eu realmente sentia.
- Se com minha mão indigna profanar este altar sagrado, que doce pecado. Os meus lábios, dois modestos peregrinos, estão prontos para suavizar esse toque indigno com um terno beijo... – Zayn recitou as falas com tamanha perfeição que me surpreendeu ainda mais. Demorei alguns segundos para me situar de que deveria dar continuidade na cena e retirei a mão da dele antes que pudesse encostar os lábios nela.
- Bom peregrino, sois injusto com a vossa mão, pois ela mostra uma devoção delicada. – Voltei a segurar a mão de Zayn, decidindo encenar primeiro e me preocupar depois. O fiz abrir a mão e encostei a palma da minha na dele, observando como as duas se encaixavam perfeitamente, mesmo que a dele fosse maior que a minha. – Porque as santas têm mãos que as mãos dos peregrinos tocam. E palmas que se tocam são o beijo dos peregrinos sagrados.
- As santas não têm lábios? – Perguntou em um tom travesso, ainda tocando a minha palma com a sua. – Nem esses peregrinos sagrados?
- Sim, peregrino, lábios que devem usar para orar. – Ri e retirei a mão da dele, me virando para o outro lado e dando as costas à Zayn.
- Então, querida santa, deixai os lábios fazer o que as mãos fazem. – Mudou de lugar e se sentou na minha frente, mais uma vez prendendo o meu olhar com o seu; dessa vez ainda mais próximo do que antes. Zayn elevou a mão aberta, que eu logo tratei de tocar com a minha esplanada, com um sorriso inocente. – Oram, concedei-me isso, para que a fé não se torne desespero.
- As santas não se movem, mesmo que atendam os rogos. – Retirei a mão e me virei, continuando com aquela brincadeira de fugir.
- Então não vos movais, enquanto recolho o fruto da minha prece. Assim, tocando meus lábios com os vossos, meu pecado fica expiado. – Quando Zayn chegou àquela fala e veio novamente para a minha frente, fiquei completamente imóvel por saber o que viria em seguida. Só o que me restou fazer foi fechar os olhos e deixar que ele levantasse o meu queixo com o dedo indicador e pressionasse os lábios aos meus, com tanta delicadeza que me deixou arrepiada. Durante os instantes que nosso beijo durou, senti o meu interior desmoronar.
- Então, os meus lábios têm o pecado que retiraram. – Sussurrei assim que nos separamos, o que não teria sido ouvido pela plateia se não fosse pelo microfone preso à minha roupa. Toquei minha boca com a ponta dos dedos e olhei para Zayn, que sorria.
- O pecado dos meus lábios? Doce invasão! Devolvei-me o meu pecado. – Se inclinou para me beijar mais uma vez, mas fomos interrompidos antes que o toque fosse realizado.
- Julieta! – A voz de %Abi% me chamava, fazendo-me levantar apressada e olhar em volta. – Vossa mãe quer falar-vos, senhorita!
Ao olhar para Romeu mais uma vez, Zayn já colocara a mascara de leão em seu rosto novamente. Não tínhamos tempo de nos despedir, pois a Ama me chamava. Apenas nos olhamos uma última vez e saí correndo na direção da voz; em direção às coxias. Chegando no backstage e já estando segura dos olhares da plateia, procurei Nick com um misto de raiva e confusão. Ele parecia saber que eu estaria louca atrás dele, por isso se escondia atrás de %Abi%. Colin tinha o rosto escondido nas mãos, provavelmente preocupado com o caminho que a sua peça estava tomando por causa da troca de papeis que Zayn e Nick fizeram.
- Você perdeu a cabeça?! – Esbravejei na direção de Nicholas, que ainda usava %Abigail% como escudo.
- %Tah%, calma... – %Abi% foi quem pediu.
- %Abigail%, não se meta nisso. – Apontei para o lado, como se mandasse ela sair de lá.
- Foi mal, Nick. – Com a minha ameaça, a ruiva correu.
- A ideia foi minha, %Tah%. – Zayn também voltara para atrás do palco e virei em direção à ele, quase chorando.
- Por que?! – Me segurei para não começar um escândalo ali mesmo. – Você está tentando estragar a minha noite? O meu sonho? Nós nunca ensaiamos juntos, Zayn, agora espera saber de tudo?
- Eu ensaiei com ele, %Tah%. Zayn sabe as falas e tudo que tem que fazer. – Nick veio para o meu lado, mas não me tranquilizou nada.
- Mas ele não dança! – Retruquei. – E os nossos passos?
- Você vai fazer os mesmo passos, mas sem mim. – Meu ex-parceiro falou como se fosse a melhor solução. – Eu sei que consegue fazer isso.
- É? E os levantamentos? Tenho que aprender a voar? – Cruzei os braços.
- Você sabe que eu não te deixo cair. – Zayn se pronunciou.
- Colin, você não tem nada a falar? – Tentei apelar para o diretor, na esperança que ele resolvesse aquilo.
- Estou tão preocupado quanto você, %Star%, mas acho que não tem muito o que possamos fazer. – Colin passava as mãos pelos cabelos, descontrolado. – A plateia já viu Zayn como Romeu, então não podemos mudar agora. É bom que vocês dois saibam o que estão fazendo.
- Sabemos. – Nick e Zayn falaram ao mesmo tempo.
- Por que você está fazendo isso, Zayn? – Perguntei chorosa, mas não me atreveria a borrar a maquiagem.
- Porque eu queria que você olhasse pra mim do mesmo que Julieta olha para Romeu. – Explicou, mas não entendi muito o sentido. – Nem que por uma última vez.
- Por que você não me deixa em paz? – Minha voz saiu como um sussurro. Sem conseguir mais olhar para Zayn, dei meia volta para ir até o meu camarim.
- É isso o que você realmente quer? Seja honesta. Olhe nos meus olhos e diga que quer que eu te deixe em paz. – A sua voz machucada me fez parar de caminhar, mas não me virei. – Me dê até o final da peça e pense nisso. Se você realmente quiser que eu saia da sua vida, então tudo bem. Eu vou respeitar a sua decisão.
Não respondi. Sabia que não conseguiria mandá-lo embora da minha vida assim. Não teria forças para olhar nos olhos dele e dizer que não queria mais vê-lo na minha frente quando todo o meu corpo pedia pelo dele. Não sei o que se passava na cabeça de Zayn, sinceramente. Ele achava que seria tão fácil assim para mim, esquecê-lo? Não querer estar com ele a cada momento? Eu estava desesperada para tê-lo de volta, mas ao mesmo tempo sabia que não podia. E era justamente por isso que eu tentava me afastar cada vez mais, ignorar e me manter fechada na minha muralha de proteção. Zayn devia saber que eu não aguentaria resistir a ele se fosse obrigada a ter o mesmo contato e tratamento que Romeu e Julieta tiveram; nem que fosse em uma peça de teatro.
+++ Finalmente chegamos ao segundo ato da peça. Tivemos um intervalo de vinte minutos para que a plateia pudesse ir ao banheiro ou comer alguma coisa e para os funcionários mudarem os cenários. Eu estava nervosa para a minha próxima cena, pois seria a cena da sacada, onde Romeu e Julieta trocam as suas primeiras juras de amor. O que mais me amedrontava é que eu sabia que as minhas palavras seriam mais verdadeiras dirigidas a Zayn do que seriam se Nick ainda estivesse fazendo o seu papel de origem. Eu não estava com raiva desse último, pois sabia que a sua intenção era boa. Ele sabia que eu sentia falta de Zayn e ainda se sentia culpado pelo nosso término, sendo capaz de fazer qualquer coisa para nos ver juntos novamente. Ah, é, Niall e %Abi% também sabiam desse plano maluco dos dois meninos.
Minha terceira troca de roupa foi bem rápida, pois apenas vesti uma camisola branca tão leve quanto os meus dois primeiros vestidos. Antes que as cortinas voltassem a abrir, subi com calma até a minha sacada e me sentei sobre o parapeito, com todo cuidado para não escorregar. Dobrei os joelhos próximos ao corpo e olhei para o cenário lá embaixo. Mais uma vez um jardim foi montado, com a diferença que não havia mais nenhuma fonte, apenas alguns arbustos e árvores falsas. Quando tudo já estava pronto, recebi um sinal de que a peça recomeçaria.
Olhei para cima, abaixando as pernas para que elas ficassem comportadas, mas ainda permaneci sentada sobre o parapeito. As cortinas foram abertas e uma nova onda de aplausos encheu o anfiteatro. Ora ou outra eu suspirava, porém, não por causa do roteiro. Zayn me pedira pra pensar e mesmo que eu não quisesse, acabava pensando. Pensei em todos os momentos bons que passamos juntos e em todas as coisas que dividimos. Todos os segredos, todas as juras de amor. Lembrei de todos os beijos e carinhos. Uma pergunta era repetida várias vezes na minha cabeça: “Será que estou fazendo a coisa certa?”
- Só ri das cicatrizes quem ferida nunca sofreu no corpo. – Zayn entrou no palco, resmungando. Assim que me olhou, se escondeu atrás de uma árvore, mas ainda era capaz de ser visto pela plateia. Continuei suspirando e olhando para qualquer lugar que não fosse o menino, mesmo que desejasse com todas as forças poder olhá-lo enquanto recitava doces palavras. – Mas silêncio! Que luz se escoa agora da janela? Será Julieta o sol daquele oriente? Surge, formoso sol, e mata a lua cheia de inveja, que se mostra pálida e doente de tristeza, por ter visto que, como serva, és mais formosa que ela. Deixa, pois, de servi-la; ela é invejosa. Somente os tolos usam sua túnica de vestal, verde e doente; joga-a fora. Eis minha dama. Oh, sim! É o meu amor. Se ela soubesse disso! Ela fala; contudo, não diz nada. Que importa? Com o olhar está falando. Vou responder-lhe. Não; sou muito ousado; não se dirige a mim: duas estrelas do céu, as mais formosas, tendo tido qualquer ocupação, aos olhos dela pediram que brilhassem nas esferas, até que elas voltassem. Que se dera se ficassem lá no alto os olhos dela, e na sua cabeça os dois luzeiros? Suas faces nitentes deixariam corridas ás estrelas, como o dia faz com a luz das candeias, e seus olhos tamanha luz no céu espalhariam, que os pássaros, despertos,
cantariam. Vede como ela apoia o rosto à mão. Ah! se eu fosse uma luva dessa mão, para poder tocar naquela face!
- Ai, de mim! – Suspirei mais alto, descendo do parapeito.
- Oh, falou! Fala de novo, Anjo. – Aquele último apelido me deixou mais arrepiada do que eu esperava, pois tinha certeza que ele não estava no roteiro. Apesar de estar falando comigo, não o olhei ainda e continuei olhando para cima. – Porque és tão glorioso para esta noite, sobre a minha fronte, como o emissário alado das alturas ser poderia para os olhos brancos e revirados dos mortais atônitos, que, para vê-lo, se reviram, quando montado passa nas ociosas nuvens e veleja no seio do ar sereno.
- Romeu, Romeu! Ah! por que és tu Romeu? – Falei para as estrelas, andando até o outro lado da sacada e colocando uma mão na testa. - Renega o pai, despoja-te do nome; ou então, se não quiseres, jura ao menos que amor me tens, porque uma Capuleto deixarei de ser logo...
- Continuo ouvindo-a mais um pouco, ou lhe respondo? – Zayn perguntou retoricamente.
- Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuarias sendo o que és se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. – Falei sozinha, ainda andando pelo espaço de varanda que tinha a minha disposição. - Sê de outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira!
- Sim, aceito tua palavra. Dá-me o nome apenas de amor, que ficarei rebatizado. De agora em diante não serei Romeu. – Finalmente falando comigo, Zayn saiu de trás da árvore, fazendo-me fingir um susto.
- Quem és tu que, encoberto pela noite, invade meu segredo? – Perguntei assustada, cobrindo o busto com as mãos.
- Por um nome não sei como dizer-te quem eu seja. Meu nome, cara santa, me é odioso, por ser teu inimigo; se o tivesse diante de mim, escrito, o rasgaria. – Se aproximou.
- Minhas orelhas ainda não beberam cem palavras sequer de tua boca, mas reconheço o tom. Não és Romeu, um dos Montecchios? – Perguntei, me debruçando sobre o parapeito para vê-lo.
- Não, bela menina; nem um nem outro, se isso te desgosta.
- Dize-me como entraste e porque vieste. Muito alto é o muro do jardim, difícil de escalar, sendo o ponto a própria morte - se quem és atendermos - caso fosses encontrado por um dos meus parentes!
- Do amor as lestes asas me fizeram transvoar o muro, pois barreira alguma conseguirá deter do amor o curso, tentando o amor tudo o que o amor realiza. – Algo me dizia que Zayn interpretava aquelas falas em um nível pessoal. – Teus parentes, assim, não poderiam desviar-me do propósito.
- No caso de seres visto, poderão matar-te...
- Ai! Em teus olhos há maior perigo do que em vinte punhais de teus parentes. Olha-me com doçura, e é quanto basta para deixar-me à prova do ódio deles...
- Por nada deste mundo desejara que fosses visto aqui...
- Com o amor, que a inquirir me deu coragem; deu-me conselhos e eu lhe emprestei olhos. Não sou piloto; mas se te encontrasses tão longe quanto a praia mais extensa que o mar longínquo banha, aventurara-me para obter tão preciosa mercancia. – Não pude deixar de sorrir ao escutar aquelas palavras; um sorriso verdadeiro.
- Sabê-lo bem: a máscara da noite me cobre agora o rosto; do contrário, um rubor virginal me pintaria, de pronto, as faces, pelo que me ouviste dizer neste momento. Desejara - oh! minto! - retratar-me do que disse. Mas fora! Fora com as formalidades! Amais-me? Sei que direis “Sim” e acreditarei na vossa palavra. Mas, se jurásseis, talvez traísses vossa jura. Júpiter ri-se dos perjúrios dos amantes, dizem. Gentil Romeu, se amais, dizei-me com lealdade. Se achais que fui conquista fácil, farei cara feia, serei má e direi “não”, para me cortejares. Se não, não o farei. Em boa verdade, belo Montecchio, estou apaixonada. Portanto, talvez me julgueis leviana. Mas acreditai, senhor. Mostrar-me-ei mais fiel do que aquelas que sabem ser reservadas. – Aquela era de longe a minha maior fala e uma das que mais me deu trabalho para decorar. Mas ali, na frente de Zayn... As palavras fluíam facilmente. Era como se eu estivesse perguntando de %Star% para Zayn se o amor que ele sentia por mim ainda era verdadeiro. – Teria sido mais reservada, confesso, se não tivésseis ouvido, sem eu saber, a confissão do meu amor. Portanto, perdoai-me, e não atribuais esta entrega a um amor leviano, que a escura noite vos revelou.
- Senhora, juro pela sagrada Lua... – Zayn então, correu até a trepadeira e escalou mais rapidamente do que Nick o fizera nos ensaios. Com medo que ele pudesse cair, acabei correndo ao seu encontro.
- Não jureis pela Lua, a inconstante Lua que muda mensalmente, na sua órbita, a menos que vosso amor se mostre tão inconstante. – Segurei uma mão com a outra e olhei para os meus dedos. Dei um passo para me virar de costas, mas fui impedida pelo toque tão macio de Zayn em meu braço. Ele estava praticamente pendurado no parapeito da sacada.
- Então, juro pelo quê? – Perguntou com o sorriso torto.
- Não jureis por nada. – Falei ao também sorrir e me aproximei ainda mais dele. – Ou, se quiseres, jurai pela vossa graciosa pessoa, o deus da minha idolatria, e eu aceitarei.
- Se o doce amor do meu coração... Juro! – Com esse juramento, o segurei pelas laterais do rosto e o beijei. Na verdade, o enchi de beijos. Usei a desculpa para mim mesma de que apenas estava seguindo com o roteiro, mas a verdade é que eu sentia muita falta daqueles lábios. – Boa noite... Que a doce paz e o sossego que sinto vos envolva o coração.
- Abençoada noite! Receio que, por ser noite, tudo isto não passe de um sonho, demasiado doce para ser substancial. – Falou com um sorriso enorme e começou a descer a trepadeira enquanto eu andava de volta para o fundo da sacada.
- Três palavras, querido Romeu, e depois boa noite. – Parei no meio do caminho e corri até ele mais uma vez, que também subiu novamente. – Se vossa intenção é honesta e desejais casar, avisai-me amanhã do lugar e da hora da cerimônia.
+++ Mais da metade da peça se passara e chegávamos as últimas cenas. Em mais um curto intervalo, as cortinas foram fechadas para que o último cenário pudesse ser montado. Preciso dizer que estava em nervosa para encerrar a peça, mas não pelos motivos que você pode estar pensando. O que me preocupava não eram falas difíceis e nem passos de dança complicados, porque tudo isso já passara. Também não estava me importando tanto com o final de todo aquele semestre de preparação ou com a reação que o publico teria ao final do espetáculo. O que me preocupava era que o prazo de Zayn estava acabando. Eu teria que dar a minha resposta e final e seria uma espécie de “é agora ou nunca”, pois, dependendo da minha decisão, o menino iria sair da minha vida, seguir em frente.
- Pode se deitar, %Star%... – Colin pediu, assim que a longa pedra de mármore fora colocada no centro do palco.
- Estou nervosa. – Confessei, arrumando o meu vestido azul enquanto me deitava. – Não sei se vou conseguir cantar!
- É claro que vai. – O diretor riu, arrumando os meus cabelos sobre a pedra. – Sheeran me disse que você canta melhor do que se dá crédito.
- Espero que ele esteja certo. – Ri baixo, afastando o nervosismo.
- Você aí! – Chamou Zayn, que passava por nós. – Não invente mais nenhuma surpresinha, ok?
- Só mais uma... – Não me atrevi a levantar a cabeça, mas sabia que ele estava sorrindo.
- Ugh, não quero nem saber. – Colin bufou e bateu palmas silenciosas. – Vamos pessoal, o show tem que continuar!
Por mais que estivesse temendo o que mais Zayn poderia estar aprontando, torcia para que ele estivesse apenas brincando. O palco começou a se esvaziar e fechei os olhos para me concentrar e relaxar. Tecnicamente, eu deveria estar morta, então não podia simplesmente respirar profundamente a cena inteira. Acho que todo mundo sabe o que acontece no final de Romeu & Julieta, certo? Ela finge estar morta e o cara que deveria avisar Romeu chega lá atrasado, então o menino acredita que o amor de sua vida morreu de verdade. Então ele não aguenta viver sem a menina e se mata. A bela adormecida finalmente acorda e vê o seu amor morto, então resolve também tirar a sua própria vida para que eles possam estar juntos lá do outro lado.
As cortinas se abriram quando todos estavam posicionados nos lugares certos e apenas um foco de luz foi mantido fielmente em mim. Por sorte ele não era tão forte assim, caso contrário eu começaria a lacrimejar; mesmo de olhos fechados. O som de passos no canto do palco indicava que Zayn estava entrando, então apenas aproveitei que estava deitada para curtir as palavras daquele garoto que eu amava tanto, mas era orgulhosa demais pra dar o braço a torcer. O ouvi caminhando ao meu redor, mesmo sem poder vê-lo. Quando o menino se ajoelhou ao meu lado e tocou minha bochecha com o polegar, senti a pele queimar. Aquela mesma sensação que sempre me trouxe tanta segurança agora me fazia ter medo. Medo de não voltar a sentir aquilo depois daquela noite.
- Meu amor... Minha estrela... A morte, que vos roubou a doçura do sopro, ainda não teve efeito sobre a vossa beleza. Não fostes conquistada. O estandarte da beleza é ainda rubro nos vossos lábios e nas vossas faces. A pálida bandeira da morte não se instalou. – Falava ao meu lado, com calma. Eu podia sentir o seu olhar em cima de mim, junto com o toque de seus lábios que percorria o meu rosto gentilmente. Pude sentir sua voz chorosa, mas ele não estava apenas interpretando. Suas próximas palavras me provocaram um aperto no peio que parecia querer me sufocar: – Querido Anjo... Como me pedes agora que te veja distante? Como pedes que não possa mais ter o seu toque macio nos meus cabelos ou o sabor de teus lábios me desejando um bom dia? Antes de te conhecer, eu não sabia o que era o amor, mas tão facilmente aprendi a amar ao teu lado. Fostes o meu primeiro amor e como devo agora esquecer? Se me deixares agora culpa é apenas minha para carregar e aceitarei o meu destino com pesar. Mas diz-me mais uma vez que me ama.
“Levanta deste leito de morte e jurai mais uma vez, vossa santa, que és inteiramente minha. E as promessas que vos fiz embaixo das estrelas serão cumpridas. Dou-lhe minha palavra de homem que serei inteiramente teu e confiarei em vossa palavra. Por que ainda és tão linda? Eu não consigo me cansar de olhar pra você. E não quero ter que parar de te olhar. Eu te amo. Tenho tanta sorte de te amar. Por favor, não me faça parar de te amar agora, não quando todas essas coisas boas estão acontecendo na minha vida, mas não terão graça alguma se eu não puder dividi-las com você. E eu sinto muito... Oh! Eu sinto tanto pelo que eu te fiz passar, me tornando teu inimigo... Te fiz temer, quando só o que desejava era te proteger de todos os meus medos. Você tem que acreditar que existem riscos que valem a pena ser corridos.
“Mas se não fizeres isto, ainda irei lhe amar da mesma forma que eu puder; em silêncio. E espero que um dia você compre todos os vestidos bonitos que sempre quis. Espero que os use e dance descalça pela grama em um dia de verão e que ria muito. Eu espero que você sorria com as pequenas coisas, como flores no seu cabelo, ou o vôo das borboletas. Espero que consiga tudo o que você sempre sonhou, talvez até viver em um barquinho. Espero que nunca pare de cantar, mesmo quando o seu irmão falar que você não pode. Na verdade... Especialmente aí. Aí é quando eu espero que você cante o mais alto que puder. Espero que você compre uma pulseira em cada canto que vá, até que o seu braço esteja coberto por elas. Eu espero que você pare de se preocupar com coisas que te deixam fora do controle e que consiga ver o quanto você é especial. Acima de tudo isso... Eu espero que você seja feliz.”
Zayn fugira completamente do texto que deveria falar, mas ninguém pareceu se importar. A orquestra parou de tocar, simplesmente por não saber como acompanhá-lo, e isso tornou o momento ainda mais único. Só a voz de Zayn era escutada dentro daquele anfiteatro inteiro; se deixarmos de lado as fungadas e choros baixos que vinham na direção da plateia. Eu senti muita vontade de levantar dali e abraçá-lo, mandando o espetáculo para os ares, mas não podia. Não ainda. Mesmo estando “morta” algumas lágrimas escorreram pelo meu rosto e Zayn as traçou e secou com os lábios, mas acabou molhando o meu rosto ainda mais, pois ele também chorava. Eu acreditava em tudo que acabara de ouvir. O menino tinha um amor tão puro que seria impossível não acreditar. Só ali percebi o quanto eu também era sortuda por amá-lo. Que outro garoto lutaria tanto assim pela menina que amava? Talvez apenas o verdadeiro Romeu.
- Olhos meus, olhai pela última vez! Braços meus, abraçai-a pela última vez! E, lábios, vós que sois as portas do sopro da vida, selai com um beijo o pacto infindável como uma morte absorvente. – Voltando para o texto da peça, Zayn ainda chorava. Ele me abraçou, por fim colando os lábios aos meus pela última vez; e uma despedida dolorosa. Senti o menino se afastando e um grito ficou preso na minha garganta. Não queria que ele se afastasse. Escutei seus passos quando ele foi para a ponta do palco, tirando o “veneno” de suas vestes. – Ao meu amor!
O que escutei em seguida fez o meu coração acelerar. Zayn gemia de dor, fingindo que era o veneno a fazer efeito. Eu tentava me concentrar, repetindo para mim mesma que era apenas uma encenação e que nada daquilo estava acontecendo de verdade. Eu não suportaria assisti-lo passar por tamanha dor, mas sentia como se aqueles barulhos mostrassem bem o que se passava no interior daquele menino que sempre se mantivera forte e inabalável. Contei até vinte bem devagar em minha cabeça e a orquestra voltou a tocar uma música calma e melancólica. Vagarosamente comecei a me mexer na pedra e a levantar até estar sentada sobre ela. Cocei os olhos sonolenta, mas na verdade usei esse ato para limpar as minhas lágrimas. Só esperava que a minha voz não quebrasse quando eu tivesse que falar.
- Lembro-me bem de onde devia estar e aqui estou... – Falei devagar, olhando as minhas mãos e tocando o meu próprio corpo, sentindo os efeitos do sonífero se arrastando para fora de mim. – Mas onde está o meu senhor? Onde está o meu Romeu?
Falei sozinha, esperando que as paredes pudessem me responder. Arrastei os pés para fora daquela pedra e levantei o rosto; dando de cara com um Romeu caído no chão. Zayn mantinha os seus olhos fechados e o corpo um tanto torto, virado mais em direção à plateia. Meu coração apertou ainda mais e a minha respiração se tornou pesada e descompassada ao ver o homem que eu tanto amava ali na minha frente, sem vida. Como não podia correr até ele, andei em passos curtos, quase como se não conseguisse acreditar; como se não quisesse acreditar. Ao chegar perto o suficiente, despenquei de joelhos atrás dele, tocando levemente o seu corpo ainda quente.
- O que é isto? Fora o veneno que o levara prematuramente? – Segurei a sua mão e retirei de lá o frasco do boticário, revelando o veneno que o “matara”. Em seguida, o virei sobre meus próprios lábios, mas fora inútil. – Bebeste tudo e não deixaras nada para me ajudar?
Àquela altura, lágrimas já rolavam sobre o meu rosto, não por causa da cena em si, mas pelo discurso apaixonado de Zayn. Toquei o seu peito por cima daquelas roupas e pude sentir o seu coração batendo acelerado, o que me tranquilizou em parte. Com um pouco de dificuldade, puxei seu tronco para cima do meu colo e apoiei seu rosto em minhas mãos, puxando para um beijo terno. O deixei descansar sobre a minha perna, desistindo de fazer o meu último solo de ballet. O que devia ser feito, eu faria; mas não me distanciaria de Zayn nem por um minuto.
What is a youth? Impetuous fire.
What is a maid? Ice and desire.
The world wags on.
A rose will bloom it then will fade.
So does a youth.
So do-o-o-oes the fairest maid… Apenas um piano acompanhou enquanto eu cantava. Não me senti amedrontada ou nervosa por estar usando a minha voz nada profissional na frente de milhares de pessoas. Acariciei os cabelos de Zayn entre os meus dedos, olhando pra ele enquanto a canção que escutamos na primeira vez que nos vimos em cima daquele palco deixava os meus lábios. Dessa vez, porém, não restava alegria na música, apenas dor. A desventura de dois amantes que se perderam. Mas eu não deixaria isso acontecer comigo e com Zayn; não mesmo. Me sentia muito idiota por ter perdido tanto tempo longe dele, por causa de uma coisa que era tão pequena se comparada ao amor que nós dois dividíamos. Eu não o mandaria embora da minha vida, nunca seria capaz de fazer isso. Toquei os lábios do menino com o meu indicador, dedilhando-o.
Comes a time when one sweet smile.
Has its season for a while... Then love's in love with me. Parei de cantar naquela frase, puxando o menino em meu colo para um novo beijo. Vozes confusas vinham de trás da coxia, que deveriam ser os soldados se aproximando para descobrir os corpos de Romeu e Julieta. Eu tinha que andar rápido, pois perdemos tempo demais. Sussurrando um pequeno “Eu te amo, e nunca vou te deixar ir”, peguei a adaga de brinquedo presa ao cinto da fantasia de Zayn e respirei fundo, olhando para a arma que tiraria a minha vida.
- Tua bainha é aqui. Repousa aí bem quieta e deixa-me morrer...
The End.