Ballet Shoes


Escrita porElla Souza
Editada por Isabelle Castro


Capítulo LXVI

Tempo estimado de leitura: 29 minutos

  E lá estava eu, na segunda-feira, dirigindo para a Academy enquanto escutava o CD que comprara na noite anterior. Dei muita sorte por ter escolhido uma banda boa, mesmo que aleatoriamente. O estilo era meio indie, o que fugia dos que eu regularmente escutava, mas aquele tal de Chris Drew e sua banda NeverShoutNever era realmente bom. As músicas não tinham letras muito complicadas e a maioria falava de paz, amor pelos outros e essas coisas assim. “Nota mental: Perguntar para Liv se ela já conhece essa banda, pois é a cara dela.” O nome da música que eu estava ouvindo no momento em que estacionei o carro na minha vaga de costume era ‘What is Love?’, uma pergunta que nem o próprio cantor conseguia responder.
  Mas eu sabia o que era o amor; sabia porque o sentia queimando dentro do meu peito, não de uma forma tão boa quanto gostaria. Fiquei ali dentro do carro com a desculpa de terminar de ouvir aquela música, mas na verdade estava com medo de entrar na academia porque sabia que o risco de cruzar com Zayn pelos corredores era grande demais e eu não sabia se estava preparada pra isso. Desde a noite em que brigamos, eu não o via, e isso me aterrorizava. Minha cabeça estava bem certa do que deveria fazer; ignorá-lo. Ele mesmo me pedira aquilo quando fez questão de não me querer novamente em sua casa, então eu iria atender o seu pedido. Zayn me pediu para ignorá-lo quando não confiou em mim e colocou uma mentira ridícula entre nós dois. O meu coração, por outro lado... Tentava achar desculpas e justificativas, defendendo Zayn e tentando me convencer a esquecer aquele plano de me manter forte por fora, já que por dentro eu estava bem acabada e não seria capaz de enganar a mim mesma quanto a isso.
  Desliguei o som e peguei a minha mochila no banco ao meu lado, pendurando a alça em meu ombro direito. Só de abrir a porta já senti o frio gostoso atravessar as minhas roupas e chegar na minha pele. Aquele inverno estava sendo rigoroso, mas ainda assim me agradava. Tranquei o conversível pelo controle remoto pendurado em meu chaveiro e o guardei em um bolso qualquer, me preocupando apenas em seguir pela calçada até a entrada da Academy. Eu podia estar um pouco longe, mas via claramente um amontoado de pessoas formando um círculo em volta de algo que não conseguia identificar. No começo, imaginei que fosse alguém tocando violão ou dançando – daquele jeito que vemos em filmes americanos sobre escolas de música -, mas ao ver uma ruiva segurando uma loiro enfurecido, comecei a me preocupar.
  Niall se debatia, querendo entrar na roda, mas %Abi% não deixava. Ela parecia cada vez mais preocupada na medida que eu começava a correr e me aproximar da confusão. Tive um mal pressentimento daquilo quando a minha amiga me olhou petrificada e sibilou um “Star, não chegue perto.” Não a obedeci e me enfiei dentro da rodinha que murmurava e gritava coisas de encorajamento para que a briga que acontecia ali no meio continuasse. Engoli em seco ao distinguir as duas figuras masculinas que rolavam no chão. Nick e Zayn, atracados um contra o outro. Não precisei perguntar a ninguém o que encadeara aquela briga, porque sabia muito bem que qualquer um dos dois poderia ter começado com provocações até que o outro perdesse a cabeça.
  Nicholas estava deitado no chão, tocando a área abaixo de seu nariz e constatando que estava sangrando. Antes que ele pudesse levantar e investir contra Zayn, as portas da Academy se abriram. Congelei imaginando que pudesse ser Agnes vindo ver o que estava acontecendo e com certeza preparada para expulsar os dois alunos. Não tinha tanta certeza se podia ficar calma na hora que vi Holly descer as escadas e parar a briga de uma vez. Ela olhou para Nick com preocupação, se segurando para não correr ao encontro do namorado. Já o olhar que dirigiu a Zayn foi irritado, quase fulminante.

  Zayn’s Pov:

  Violência nunca foi uma boa solução para problemas, disso eu sei. Mas quem disse que eu estava procurando uma solução? Não consegui olhar para a cara daquele Nicholas e me segurar, sabendo do que ele tinha feito. Ainda bem que %Abigail% segurou Niall, porque não sei o que teria sido capaz de fazer se alguém tentasse me segurar. Eu já havia brigado com meu melhor amigo na noite anterior – mesmo que não de forma tão física assim – e não queria ter mais motivos ainda para ser considerado uma pessoa explosiva. Em parte, culpo a bebida por ter me feito falar tudo que falei e depois ter que escutar o que não queria. Niall e todos os outros ficaram do lado de %Star%; o que incluía as minhas irmãs e até a minha própria mãe. Não me pergunte como elas ficaram sabendo, porque se dependesse de mim, isso não aconteceria tão cedo.
  - Zayn Malik, queira me acompanhar. – A voz de uma das professoras de dança me trouxe de volta para a realidade.
  - Que porra é essa, só eu? – Me exaltei. Que eu saiba uma pessoa não pode brigar sozinho. Então, se eu iria ser expulso, gostaria de levar aquele garoto junto.
  - Agora. – A mulher segurou a porta que dava para dentro da Academy, esperando que eu passasse.
  Lancei um olhar de “Isso ainda não acabou” para Nicholas, me sentindo muito orgulhoso de ter atingido o seu nariz de forma tão certeira. Queria ver o que achariam de um Romeu subindo ao palco com nariz quebrado. A multidão que nos cercava tinha várias reações diferentes. Umas pessoas comemoravam e batiam palmas, apreciando aquele espetáculo logo pela manhã. Outras estavam horrorizadas, desejando que Holly me entregasse à diretora e que eu recebesse o que merecia. %Abi% me olhava preocupada e Niall balançava a cabeça em negação. Me virei para seguir o caminho que a professora indicava, mas senti meu corpo paralisar, como se eu estivesse grudado no chão por cola permanente. Foi então que eu a vi. Seus cabelos castanhos um tanto bagunçados, modelando um rosto angelical, lábios levemente avermelhados e pele clara. Senti meus batimentos cardíacos triplicarem de velocidade quando nossos olhares se conectaram. %Star% não se permitiu me encarar por muito tempo e encarou o chão como se fosse a coisa mais importante de sua vida. Ela não estava bem e eu sabia disso. As manchas embaixo de seus olhos azuis cansados denunciavam noites mal dormidas que ela tentara esconder ao olhar para o chão.
  - Zayn. – A professora me chamou novamente, perdendo a paciência que eu duvidava que ela tivesse, pra começo de conversa.
  - Já ouvi. – Me virei desistindo de olhar para a garota que tivera o meu coração nas mãos e o esmagara tão deliberadamente.
  - Eu acompanho vocês. – Brigitte correu irritantemente devagar, com aquele salto agulha que sempre me tirou do sério batendo contra as pedras da escada. Será que nem quando estava frio ela usava outra coisa?
  - O assunto que tenho pra tratar não envolve você, Srt. Jones. – A professora Holly começou a andar e nós dois a seguimos.
  - Qualquer assunto que envolva o Zayn, me envolve. – A loira rebateu. Ela estava achando que só porque me ajudou a abrir os olhos eu voltaria pra ela? Estava bem enganada.
  - Não tem problema, Brie, eu te encontro mais tarde. – Me desfiz do seu toque em meu braço e indiquei com a cabeça para que ela fosse embora.
  - Vou estar na sala no fim do corredor. Não demore! – Mandou beijos no ar, gesto que %Star% também costumava fazer. A diferença entre as duas era que %Star% conseguia ser doce ao fazer aquilo e Brigitte... Ainda era Brigitte.
  A docente que me acompanhava entrou na primeira sala vazia que encontrou e me mandou fazer o mesmo. Achei bem estranho não termos ido direto para a sala da diretora, mas talvez fosse receber só uma advertência. É, teria que pensar em outra maneira de expulsar Nicholas da Academy.
  - Não estamos indo para a diretoria? – Perguntei só pra confirmar.
  - Sabe, Zayn, para um cara esperto, você é muito burro. – Fui pego de surpresa por aquela acusação.
  - Você é uma professora, não devia estar falando comigo assim. – Rebati. Não escutaria desaforos, não depois de tudo.
  - Depois que você ouvir o que eu tenho pra contar, provavelmente serei demitida de qualquer jeito. Então ao menos me deixe falar o que eu quiser. – Se apoiou na mesa de madeira que encontrou em um canto e respirou fundo. Puxei uma cadeira qualquer e a encarei sem emoção alguma.
  - Isso é sobre a %Star%, não é? – Eu devia ter desconfiado. As duas eram quase tão próximas quanto eu era próximo de Ed.
  - Sim. E sobre como você estragou tudo.
  - Ok, você vai me dizer que o jornal estava mentindo? É, eu cogitei essa possibilidade. – Levantei, me recusando a escutar mais besteiras que só iriam me machucar e irritar. – Mas falei com a própria diretora e ouvi da boca dela que...
  - %Star% não é a namorada do Nicholas, Zayn. Eu sou. – Aquela confissão me fez parar antes de chegar até a porta. – Estamos escondendo isso há alguns meses e ela era a única que sabia. Eu fui ao Bolshoi com eles, sabia? Mas Agnes apareceu lá do nada e quase fomos descobertos. Se não fosse pela %Star%, eu não estaria mais aqui. É proibido o relacionamento entre uma professora e um aluno, sem falar que meu currículo estaria marcado com isso para sempre. Então ela nos protegeu, falando que estava lá com ele. A %Star% nunca te traiu, Zayn. O que ela fez foi ser fiel e manter as suas promessas.
  - Eu... Eu não... – Tentei absorver aquilo tudo de uma vez e isso só serviu para que uma dor de cabeça surgisse.
  - E se você acha que eu poderia estar mentindo sobre isso, bem, fique a vontade. – Passou por mim e foi até a porta, parando um pouco antes de sair para falar mais alguma coisa: - Mas valeria à pena correr os riscos que estou correndo, agora que você sabe dessa história, por causa de uma mentira?
  Sem esperar a minha resposta, ela saiu da sala e me deixou lá sozinho com a minha culpa. Me senti sufocado, lembrando de todas as palavras duras que lancei para %Star% ao acusá-la de algo que agora eu sabia que ela não tinha culpa. Me arrastei até a cadeira em que estivera previamente e me sentei, apoiando as mãos nos joelhos e o rosto nas mãos. Meu pensamento foi para o olhar assustado da menina enquanto ela corria em disparada para fora da minha casa, sem proteção alguma contra o frio. Na hora não pensei em nada, mas agora me sentia um monstro por a ter deixado correr desse jeito. Tão pequena, tão frágil... %Star% se acha forte, durona e tem aquela mania de fingir sempre que está tudo bem. Mas eu a conhecia mais que isso e sabia que por dentro ela estava assustada.
  O que eu havia feito? Preferira acreditar em todas as mentiras de Brigitte. %Star% foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida e eu dei um jeito de foder com tudo e mandá-la embora. Não me espanta que todos ficaram do lado dela após ouvir o que aconteceu. “Muito bem Zayn, você passou de otário para idiota completo.” Passei as mãos pelos cabelos enquanto a ficha caía e me mostrava o quanto eu tinha errado com aquela menina que me entregou tudo; que foi minha por inteiro. Quando a conheci, ela me contou sobre o seu ex-namorado francês e eu jurei para mim mesmo que não seria como ele, que não a faria sofrer. Mas e agora? E agora que tinha feito algo ainda pior que ele? Não podia deixar isso assim. Teria que fazer alguma coisa para reparar o meu erro. Eu sabia que o que eu fizera não tinha perdão, mas não iria desistir sem lutar. Eu tinha que consegui-la de volta, tinha que concertar tudo.
  Deixei a sala como um furação, agradecendo por Brigitte não estar me esperando do lado de fora. Ela sim era a única culpada de todas as merdas que aconteciam na minha vida, mas eu não devia estar tão longe assim por ter creditado em tudo que me falou. Não sou de bater em mulheres – mesmo que elas forem tão desprezíveis quanto a minha ex-namorada -, mas não sei o que faria se aquela menina aparecesse na minha frente. Nunca entendi muito bem o que me levou a namorar com aquela “oxigenada” como meus amigos costumavam chamar. Quando estávamos juntos, não chegávamos a ter conversas produtivas, ela não sabia nada sobre mim e eu também não me importava em saber nada sobre ela. Antes da %Star% entrar na minha vida, eu não dava muito valor à sentimentos e essas coisas, encarando Brigitte como sexo fácil. Ela queria o status que receberia por ser a minha namorada, e em troca eu ganhava o que quisesse na cama.
  Terrível, eu sei. Mas na época me parecia uma boa troca. No primeiro dia em que vi %Star% no auditório, fiquei encantado com a sua beleza. Não só por causa de seus olhos azuis brilhantes, ou sua boca carnuda, mas por ela ser diferente das outras garotas com quem havia me envolvido no passado. Ela tinha um toque de inocência, de querer se proteger. A partir dali eu sabia que precisava tê-la. Qualquer uma teria se derretido com o meu charme, mas assim que ela rolou os olhos da minha piscada, soube que seria um desafio. E eu gostava de desafios. Depois dali foi muito fácil me apaixonar por ela e não desejar mais nada nesse mundo que não fosse estar com ela, fazendo-a feliz.
  - Niall? – Perguntei com o telefone grudado à orelha, só percebendo que estava ligando para ele depois que fui atendido. – Preciso saber...
  - Não foi expulso? Que sorte! – Niall riu, sem prestar atenção no que eu falava. – Estava apostando com Ed e...
  - NIALL. – Gritei, chamando a atenção de alunos que passavam por mim no corredor. – Dá pra calar a boca e me escutar?
  - Desculpa, estressadinho. O que houve?
  - Eu fui um idiota. Preciso encontrar a %Star%.
  - Finalmente percebeu isso, mate. Já estava achando que as poucas células de Brigitte passaram pra você. O que te fez perceber isso?
  - Não importa agora, a %Abi% ainda está com você? – Por mais que eu não gostasse de Nicholas, respeitava Holly e manteria o segredo dos dois.
  - Não, ela já foi pra aula. %Star% estava com ela, se isso ajuda...
  - Ajuda sim. Sabe qual é a sala?
  - Segundo elas é a última sala do primeiro andar... É uma bem grande, então não deve ter como perder.
  - Obrigado.
  Desliguei a chamada sem esperar Niall se despedir e enfiei o celular no bolso de trás da minha calça jeans. No primeiro andar eu já estava, então percorri o corredor enquanto olhava de porta em porta. Procurei %Star% em todas elas, já ficando desesperado por não ver nem a sua sombra. Por mais que eu estivesse louco para encontrá-la, não fazia ideia do que iria falar. Desculpas não seriam o suficiente e eu sabia disso. Também sabia que não iria desistir até tê-la em meus braços novamente. Percebi que estava correndo quando esbarrei em um menino da minha turma e fui xingado até a minha terceira geração. Não me importei em pedir desculpas e parei na porta da última sala daquele andar, espiando o lado de dentro pela área de vidro.
  A sala era simplesmente enorme, bem maior que qualquer uma das minhas. Todas as paredes eram cobertas por espelhos e algumas barras de madeira estavam espalhadas pelo centro da sala. Pelo menos cem bailarinos estavam ali dentro, mas não achei difícil encontrar quem eu procurava. Apresentando um contraste bem grande, ela era a única a vestir rosa claro dos pés a cabeça. Sorri inconscientemente ao observar o que ela fazia. Estava de pé em um banco comprido e largo e dançava devagar equilibrada na ponta dos pés. Umas vinte pessoas a observavam, mas ela parecia não notar. Estava tão concentrada em seus movimentos que era como se estivesse em outra dimensão completamente diferente. Uma dimensão que eu tivera a chance de conhecer todas as vezes que dançamos juntos.
  %Abigail% estava de pé ao lado dela, mas fora do banco. Preocupada que a amiga pudesse cair de um lugar alto e não muito firme. Eu não tinha aquele medo, pois sabia que ela não iria cair. Posso não entender nada de ballet, mas quando %Star% subia na ponta dos pés era como se algum tipo de campo de proteção a envolvesse. A menina era invencível. Fazia movimentos impossíveis para qualquer um com menos talento que ela e ainda sorria como se fossem fácil. Em um rodopio mais ousado, saltou para o chão e pousou com tamanha leveza que imaginei que ela tivesse asas. %Abi% e aqueles que a assistiam bateram palmas. O olhar de %Star% ao perceber que seu show fora assistido não teve preço. A morena riu, colocando as mãos sobre os lábios e %Abigail% a abraçou de lado, falando algo que seria impossível para eu escutar.
  %Star% não estava arrumada, seus cabelos presos rebeldemente em um coque desfiado e aquele uniforme simples de ballet. Mas era aí que eu a achava mais bonita. Não quando ela estava em vestidos justos e maquiagem, mesmo que ela continuasse incrível quando se vestisse assim. É só que quando ela usava pijamas com o dobro do seu tamanho, meias coloridas e o cabelo bagunçado, aí que era que eu conseguia ver o quanto era louco por ela. Quando ela deitava no chão, rindo de algo que aconteceu há anos atrás. Quando não tentava impressionar ninguém e toda a barreira que construía em volta de si abaixava. Quando ficava animada demais por coisas pequenas e quando tratava um cachorro como se fosse seu filho de verdade... Aí é que eu não podia tirar os olhos dela.

+++

  %Star% ’s POV

  Aquela primeira aula foi particularmente... Interessante. A briga de Nick e Zayn foi o assunto principal entre todos os grupinhos de alunos e era muito fácil notar os seus olhares curiosos em cima de mim, achando que eu tinha alguma coisa a ver com aquilo. E tinha, de fato, mesmo que não fosse realmente culpa minha. O professor nos deixou ter a manhã livre para ensaiarmos ou fazermos o que bem entendêssemos. Com a peça se aproximando na velocidade da luz, os alunos mais responsáveis se reuniram em cantos para passar suas próprias coreografias e eu acabei fazendo o mesmo. Tudo bem que o cenário que estaria no palco era diferente do que eu tinha naquela sala, mas fiz o melhor que pude. Usei um banco e passei a minha coreografia ali em cima. %Abi% não quis treinar, como já era de se esperar, e ficou apenas me vigiando, com medo que eu acabasse caindo ali de cima.
  Dançar sempre me trouxe calma e paz, por isso fui capaz de me fechar em um universo só meu, onde pude ignorar as risadas escandalosas de Brigitte. Era como se ela fizesse questão que eu escutasse e soubesse o quanto ela estava feliz. %Abi% voltou a repetir o seu plano de ir dar umas bofetadas na cara de pastel daquela loira, porém, a impedi. Uma briga por dia já era o suficiente. Por falar em briga, Nick havia sido removido da academia para ir ao hospital e dar um jeito no seu nariz. Eu teria ido com ele se não tivesse tanto para fazer durante aquela manhã. Pelo menos ao que parecia, ninguém seria expulso.
  Por mais incrível que pareça, todos saíram vivos daquela aula. %Abi% estava faminta, então foi encontrar o namorado no refeitório. Além de não estar com fome, temi encontrar Zayn com os dois e ainda não estava acostumada com a ideia de ser encarada da forma que fui essa manhã. Era como se ele me culpasse por tudo de ruim que acontecia no mundo. Foi tão doloroso que não aguentei dois segundos daquilo e tive que encarar o chão. Esperei todos os alunos saírem da sala, o que incluiu o professor. Ainda não estava cansada, então aproveitaria um tempinho livre para passar mais alguns passos. Ao menos enquanto dançava poderia me distrair e pensar em qualquer coisa que não fosse o meu ex-namorado. Sim, ainda era ruim falar desse jeito, mas ao menos era uma forma de me lembrar que o que passara não iria voltar.
  Havia acabado de dar uma pirueta em cima da perna direita, trazendo a esquerda bem próxima ao corpo e parei de frente para o espelho, com os braços acima da cabeça. Levantei o queixo com um sorriso, como deveria fazer no dia da peça, mas ele não durou nada. Sem querer, olhei para o reflexo que a porta fazia no espelho e congelei. Zayn estava encostado na madeira da porta, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça. O olhar cansado, a barba totalmente mal feita, os lábios repuxados para um canto. Meu coração acelerou ao vê-lo assim; tão vulnerável. Abaixei os braços devagar, ainda sem entender o que ele podia estar fazendo ali. Pisquei algumas vezes e ele não sumiu. “É, não estou sonhando.” Suspirei e dei meia volta, saindo do meio da sala e andando até as minhas coisas.
  - Sempre gostei de te ver dançar... – Zayn finalmente entrou na sala propriamente. Sua voz cheia de culpa, não mais acusadora como da última vez que eu a escutara.
  - Sempre gostei de dançar. – Respondi com um abano de ombros, sem dar muita atenção às borboletas que faziam uma revolução no meu estômago. – Já estou saindo, então fique a vontade pra usar a sala.
  - Não vim usar a sala. – Se aproximou devagar, cauteloso. Por mais que eu tentasse arrumar as minhas coisas, minhas mãos se embolavam e eu acabava derrubando mais do que guardando na mochila. – Vim falar com você.
  - Estou atrasada, então não vai dar. – Não o olhei por instante algum, receosa de ser puxada para dentro daqueles olhos amendoados.
  - Sua próxima aula é só daqui a duas horas.
  - Pois é, mas eu vou ter uma seção com o Ed agora e já estou atrasada. – Falei mais uma vez, com a voz um pouco mais ríspida. Não estava sendo mal educada, mas como ele esperava ser tratado? – Mas por que estou te contando isso? Não é como se você acreditasse em mim mesmo.
  - Por favor, %Star%. Eu só quero cinco minutos. Sei que não tenho o direito de te pedir nada, mas por favor. – Deu mais um passo na minha direção, parando apenas quando eu o olhei.
  - Fale. – Desisti de enfiar o meu casaco de lã dentro da mochila e larguei tudo de lado. Me virei completamente de frente para Zayn e fui corajosa o bastante para não perdê-lo de vista.
  - A-aqui? – O que ele esperava? Que eu fosse tomar um café com ele para que pudéssemos colocar as novidades em dia?
  - Sim.
  - Tudo bem, uh... – Ele não parecia saber muito bem o que falar, mas estava se esforçando. – Holly conversou comigo... Ela me contou tudo. Eu fui um idiota, %Star%.
  - Então você acredita em qualquer um menos em mim? – Levantei a sobrancelha e apertei os braços no peito. Não estava com raiva, apenas magoada.
  - Eu acho que nunca duvidei de você, só estava... Cego. Enganado por mentiras sem importância. E sei que não posso te pedir desculpas, %Star%, porque o que eu fiz foi horrível. Se você soubesse o quanto eu me arrependo! Nunca devia ter pensado que você pudesse me... – Parou antes de continuar. Sempre tive uma facilidade tremenda de ler Zayn, e seus olhos me diziam que ele realmente sentia muito. Meu coração apertou por vê-lo perto de chorar. – Foi Brigitte! Você nunca gostou dela e tinha razão! Ela é uma menina baixa que seria capaz de fazer qualquer coisa só pra conseguir o que ela quer...
  - Mas não foi ela que deixou de acreditar na minha palavra, foi? – O interrompi com calma. – Não era ela que me conhecia mais que qualquer pessoa e mesmo assim ficou do lado de alguém contra mim. Não foi ela que me prometeu nunca me fazer chorar, mas aqui estamos nós.
  - Eu sei, eu sei... Fui eu, sei disso. E eu sinto tanto... – Os olhos avermelhados de Zayn não foram capazes de suportar as primeiras lágrimas e ele pareceu não se importar.
  - Zayn... – Me interrompi, sem saber exatamente o que falar. Balancei a cabeça devagar, sentindo as minhas próprias lágrimas brotarem. Dei um passo para trás, querendo ir embora.
  - Não, não, por favor. Eu não sei o que vou fazer sem você na minha vida, %Star%. – Ele acabou com a distância entre os nossos corpos, se ajoelhando no chão e abraçando o meu quadril. Sua cabeça ficou encostada à minha barriga e todas as minhas barreiras se desmancharam. – Sem o seu sorriso, sem o seu carinho... Eu queria mudar o que aconteceu, mas eu não posso. E não posso ficar sem você, porque eu te amo tanto...
  - Não... Eu não consigo, você é uma pessoa totalmente diferente agora. Eu costumava te imaginar como alguém que nuca me machucaria, nunca, nunca. – Toquei os cabelos do menino com a minha mão direita, fazendo um carinho delicado. Não suportava vê-lo assim e as minhas lágrimas eram prova disso. Zayn segurava seus soluços, molhando o meu collant. – Até ontem, o que você falou agora era tudo que eu gostaria de ouvir. Mas eu não consigo mais, Zayn... Tudo mudou.
  - Para de falar assim, %Tah%... – Ainda chorando baixinho, ele se levantou e segurou o meu rosto com as duas mãos, me olhando dentro da alma. – Olhe nos meus olhos. Olhe nos meus olhos e diga que não me ama mais.
  - Eu te amo, Zayn, é claro que eu te amo. Mas às vezes isso não é o suficiente... – O segurei nos ombros, com medo de soltá-lo, mesmo que soubesse que era o certo a se fazer.
  Levei dois segundos para assimilar que o que eu acabara de falar era o mesmo que o pai dele escrevera na carta sobre a mãe dele. Com isso, Zayn acabou chorando mais. Me odiei por não ter pensado em outra coisa para falar ou para confortá-lo. Ficamos naquela sala, nos olhando de perto pela última vez. Minha visão ficou um pouco turva, mas pisquei com força pra afastar a água. Arrisquei também secar as lágrimas do outro com o meu polegar. Zayn fechou os olhos quanto toquei o seu rosto, descendo a ponta dos dedos até os lábios rosados – que ele usou para beijá-las. Estar tendo aquela conversa doía mais do que simplesmente tivéssemos deixado as coisas como elas estavam. Zayn realmente só precisou de tempo para cair em si, mas eu temia que fosse tarde demais.
  - Não pode ser só isso. Não podemos ter chegado ao fim. – Encostou a testa à minha quando o envolvi pela nuca e deixei.
  - Mas chegamos... – Sussurrei, tentando parar o meu choro. O soltei e tirei suas mãos do meu rosto. – Eu sinto muito.
  - Então porque você ainda está usando esse anel? – Segurou a minha mão direita e olhou do anel que brincava em meu dedo anelar.
  - Eu... Eu não sei. – Balancei a cabeça e tirei a mão da dele. Em um impulso, me coloquei na ponta dos pés e juntei nossos lábios. Nós dois sabíamos que aquele era um beijo de despedida, por isso aproveitamos como se fosse o primeiro. Mesmo se tivesse durado horas, ainda teria sido pouco demais. Antes que mudasse de ideia, separei nossos lábios e olhei para o chão. – Adeus, Zayn.
  - E agora? – Perguntou enquanto secava as lágrimas na camisa e eu juntava as minhas coisas do jeito que elas estavam. – Devo te ignorar quando passar por você? Devo falar oi como se fossemos velhos amigos?
  - Fale oi... – Também me livrei das minhas lágrimas e pendurei a mochila sobre o ombro. – Mas não faça de conta que nunca significamos nada um para o outro.

+++

  Depois da última conversa que tive com Zayn, pensei em desmarcar o encontro com Ed e me trancar no banheiro, mas de que isso me ajudaria? Eu só ficaria lá chorando e pensando em como as coisas haviam mudado em menos de uma semana. Tratei de beber um copo de água e limpar o rosto, como se estivesse feliz e fosse um dia normal. É claro que no instante em que pisei na sala de aula, o professor viu que havia algo errado. Ele não insistiu tanto assim em saber o que tinha acontecido, só perguntou se eu queria ir pra casa. Ficar em casa ou ficar ali... Não teria muita diferença pra falar a verdade. Tanto em um lugar quanto no outro, tudo a minha volta me lembraria Zayn. Ao menos na Academy eu tinha que fingir ser forte para que ninguém me visse fraquejar. Eu não daria aquele gostinho a Brigitte. Não mesmo.
  - Tem certeza que não quer vir com a gente, %Tah%? – %Abi% estava tentando me convencer a ir com ela à entrevista do meninos para a Teenvogue.co.uk pelos últimos minutos.
  - É claro que tenho! – Afirmei com a cabeça. – Ed e eu temos muitas músicas pra aprender!
  - Mas se você quiser ir, %Tah%... – Ed começou a falar e fiz uma careta pra ele. – Ou não. Temos muitas músicas pra aprender!
  - Viu? – Voltei a olhar a ruiva. – Além do mais, vou passar a tarde inteira aqui, dando os últimos retoques para a peça...
  - A tarde inteira?! – Fez cara de preguiça e eu ri. – Tudo bem. Mas me prometa que não vai passar o dia inteiro sem comer.
  - Eu prometo! – Ou não. Quem sabe?
  - Ficarei de olho nela, %Abi%, pode ir tranquila. – Ed a assegurou.
  - Fale para os meninos que eu desejei boa sorte, ok? – Pedi. – E peça para o Harry tentar falar mais rápido. E para o Louis se comportar... Deus, essa entrevista vai ser terrível sem eu lá!
  - Exatamente! Ainda dá tempo de vir... – %Abigail% fez um biquinho, mas eu neguei com a cabeça.
  - Vá embora! Xô! – A expulsei, apontando para a porta.
  Estirando a língua na minha direção e depois fazendo um coração com as mãos, %Abi% saiu pela porta e eu não a vi mais naquele dia. Pela parte de vidro na madeira da porta, pude ver que ela pulou nas costas do namorado e os dois saíram abraçados pelo corredor até que meu olhar não os alcançasse mais. Um pequeno aperto tomou conta do meu coração, já que eu tinha mais aquilo que o casal tinha. Balançando a cabeça para afastar lembranças e momentos nostálgicos, olhei para o professor ruivo na minha frente. Sheeran tinha três folhas arrumadas lado a lado sobre o piano.
  - E então? Vai me ensinar a cantar como a Beyoncé? – Perguntei com uma falsa animação.
  - Vou te ensinar a cantar como a %Star%. – Piscou com uma risadinha.
  - Diplomático, Eddy. Aprecio a sua tentativa de me fazer pensar que posso cantar. – Ri baixo, sem muita graça, mas também sem parecer melancólica demais.
  - E você pode! – Ele abriu a tampa do piano e começou a dedilhar algumas notas devagar para se aquecer. – Pra provar isso, tenho um convite a te fazer.
  - Que tipo de convite? – Arqueei uma sobrancelha ao me inclinar sobre o instrumento e apoiar o cotovelo sobre o mesmo.
  - Já ouviu falar da Apple & Pear’s? É um café no sul da cidade... – Começou e quando balancei a cabeça para responder que não conhecia, ele continuou: - Todo mês eles abrem uma noite especial, com o microfone aberto pra quem quiser apresentar alguma coisa. Seja música, poesia, monólogos... É algo muito interessante e eu acho que você iria gostar.
  - Está me convidando para um encontro, Edward? – Brinquei com um sorriso.
  - Eu sei que você está cheia de coisas pra fazer, com a peça e tudo... Mas gostaria de te convidar pra cantar comigo nessa noite.
  - Eu?! Ed, fico lisonjeada, mas não acha que deveria convidar alguém mais... Experiente pra isso? – Ele devia estar ficando maluco.
  - O problema é que eu escrevi uma música que só terá o mesmo efeito se for um dueto. – Explicou daquele jeitinho fofo que tinha. – E ela se encaixa com você.
  - Tem certeza que quer que eu cante com você? – Perguntei mais uma vez, ainda não sabendo se ele tinha pensado direito sobre aquilo.
  - Positivo.
  - Então conte comigo!

Capítulo LXVI
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