Capítulo LXV
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No sábado de manhã, deixei a casa de %Abi% e fui para a minha própria. Meu humor estava bem mais... Estabilizado, digamos assim. Ainda passei o dia inteiro largada no sofá ou na cama de qualquer um dos meninos, apenas assistindo filmes e me sentindo mal por mim mesma. Acabei contando pra eles o que havia acontecido, mas deixei de fora aqueles detalhes cruciais que ninguém poderia saber. Nick também acabou me fazendo uma visita ao anoitecer, pois liguei para contar o que acontecera, caso Zayn ou alguém pudesse confrontá-lo sobre a nossa tal dita “relação secreta”. É óbvio que ele se sentiu tremendamente mal por se achar o culpado daquela confusão toda e disse que iria falar com Zayn e contar tudo. Eu não deixei, afirmando que a merda toda já estava feita e que – se ele não acreditou em mim – não acreditaria nele.
Além das minhas atividades cinematográficas, também aproveitei o dia para ficar com %Patch%, já que estava sendo uma mãe muito desnaturada ultimamente. O filhote parecia sentir que eu estava mal, pois não saiu do meu lado nem enquanto tomava banho. Seu astral sempre animado serviu para me distrair por algumas horas enquanto brincávamos pela neve. Aquele clima de inverno ainda era difícil pra mim, mas o cachorro adorava e rolava pela montanha branca como se fosse apenas areia ou uma grama fofa. Antes de dormir, %Abi% me ligou para checar como eu estava e não me deu nenhuma noticia de Zayn; o que por um lado era bom, já que eu devia mesmo me acostumar com isso, mas por outro, me matava por dentro não saber como ele estava. Ainda que ela me desse noticias, eu não sabia o que gostaria de ouvir. Saber que ele estava bem mostraria que me esquecia mais facilmente do que eu jamais conseguiria. E saber que ele estava mal... Bem, isso me deixaria culpada e preocupada.
Falando de coisas boas agora, eu tinha um novo amigo no Twitter. Ninguém mais, ninguém menos que Tom Fletcher. Judd e Jones acabaram me seguindo também, mas não trocamos mais de duas palavras. Eu estava me sentindo a pessoa mais sortuda do mundo, mesmo que não conversássemos sobre coisas pessoais. O nosso assunto principal era a banda dos meninos, ou seja, Tom falava o quanto havia gostado da apresentação deles no X Factor e aconselhava que deveríamos levar CDs demos em gravadoras para fazer propaganda, pois quem sabe assim alguém se interessaria e gostaria de assinar um contrato com eles. A partir dos Twittes que recebi de Tom, ganhei novos followers curiosos que queriam saber quem eu era. O que pareceu ser o mais popular foi mais ou menos assim: “@%stargirl%, a garota que roubou os cadarços da rainha.”
No domingo de manhã, acordei mais deprimida que o normal. Há uma semana atrás, os meus planos para aquele dia não incluíam ficar duas horas na cama criando coragem para levantar, mesmo que não houvesse força nenhuma em meu corpo. Era o aniversário de Zayn. O primeiro que eu passaria ao lado dele, mas pelo visto isso não iria mais acontecer. O presente que eu comprara pra ele estava escondido no fundo do closet e provavelmente nunca corresponderia ao seu destino. As pessoas deviam estar com uma mania comum de esconder as cosas de mim, principalmente quando se tratava de ligações, o que só me deixava uma solução: Escutar atrás da porta até saber do que se tratava. Niall ligou para Louis, chamando todos os meninos para irem até a casa de Zayn por causa de uma reunião que a mãe dele havia preparado. Pelo que entendi, ninguém quis ir de cara, mas Trisha insistia em conhecer a banda do filho, o que os deixou meio sem jeito de negar.
Já na cozinha, ouvi Harry e Liam trocando sussurros, tentando achar uma forma de ir para essa festinha de aniversário sem que eu ficasse sabendo. Eles temiam que eu ficasse chateada ou que achasse que estavam do lado de Zayn, quando não era bem assim. Em primeiro lugar, os cinco eram uma banda. Além disso, eram amigos. O que tornava complicado se ignorarem completamente, o que também não era o que eu queria. Pensando mais claramente, eu sabia que nossas vidas deveriam seguir em frente e que só porque não me sentia confortável estando no mesmo lugar que Zayn, não significava que os outros também não se sentiriam. Poupando-os de qualquer constrangimento, fingi que na sabia de nada e falei que ia sair de casa para dar um passeio, deixando-os livres para fazer o que quisessem.
De certa forma não estava mentindo, já que deixei o condomínio para dar uma volta pela cidade. Dessa vez fui de carro e não pretendi me encontrar com ninguém. Havia coisas que eu precisava fazer, lugares pra ir e pensamentos para organizar. Coisas que eu só conseguiria fazer sozinha. Coisas que não tivera coragem até aquele momento. Parei o carro na primeira vaga que encontrei, no centro de Londres. Quando falo “centro de Londres” não me refiro à geografia da cidade, e sim o centro cultural. Para ser mais exata, estava no Jubilee Gardens, onde Zayn e eu fomos no nosso primeiro encontro não oficial. Estar ali, andando sozinha pelo caminho entre o rio e o parque, trouxe uma sensação de nostalgia indescritível. Não foi tão doloroso quanto eu achei que pudesse ser. Percorri aquele espaço com as mãos nos bolsos até encontrar uma figura conhecida tocando violão a alguns metros de mim.
- Boa tarde, Jack. – Sorri fraco, observando o homem. Suas roupas não pareciam nem de longe tão quentinhas quanto as minhas. – Faça chuva ou faça neve, você está aqui!
- Um velho tem que ganhar a vida, não é? – Parou de tocar assim que me viu e sorriu de canto a canto. – É bom te ver, %Star%!
- Digo o mesmo. E você não está velho. – Olhei disfarçadamente para a caixinha de papelão aberta com algumas moedas e notas diversas. Não era muito, mas ao menos não estava vazia. – Isso se chama experiência!
- Nesse caso, eu tenho muita experiência! – Riu de uma forma que pareceu mais uma tosse do que qualquer coisa. – O que está fazendo por aqui?
- Só estou dando uma volta. Precisava clarear a mente, então nada melhor que um pouco de ar livre, certo?
- É isso o que eu sempre digo! – Um calafrio tomou conta de Jack, o que o fez se encolher. Como eu imaginava, ele estava com muito frio... – Como Zayn está?
- Bem, eu acho... – Aquela pergunta veio mais rápido do que eu esperava e arrisquei uma resposta, mesmo sem saber se Zayn estava bem mesmo. – É aniversário dele hoje.
- Então por que você não está com ele? – Perguntou como se soubesse que havia algo errado, mas não quisesse tirar conclusões precipitadas.
- Ele... Nós não estamos... – Me interrompi assim que Jack afirmou com a cabeça. Ele entendera onde eu queria chegar, me poupando.
- Sinto muito, de verdade. – Sorriu de canto, daquele jeito que as pessoas fazem quando dão os pêsames para os que acabaram de perder alguém. – Mas, ei! Nunca se sabe o dia de amanhã, certo?
- Com certeza! – Forcei um sorriso e fingi ser mais forte do que realmente era.
– Bem, vou te deixar voltar ao seu passeio. Não foi pra conversar comigo que você veio aqui.
- Não fale assim, Jack, é sempre bom conversar com você. – Cruzei os braços, o estudando. – Ao menos me deixe te ajudar. Fique com isso aqui...
- %Star%, eu não posso aceitar... – Tentou se esquivar quando tirei o cachecol marrom do meu pescoço e coloquei em volta do dele.
- É claro que pode! Não vou te deixar com frio. Você precisa mais do que eu. – Também tirei a touca que estava em meus cabelos e coloquei sobre a cabeça do outro. – Agora está bem estiloso.
- Obrigado, %Tah%... – Sorriu. Minha ajuda podia não ser tão grande assim, mas era o mínimo que eu podia fazer. – Deixe eu te dar algo em troca.
- Não precisa, Jack! – Neguei, mas ele também não me deixaria escapar.
- É pouco, mas é de coração. – Tirou do bolso um pingente prateado com um coração na ponta, feito de tampas de garrafa.
- Você é um artista! – Sorri agradecendo aquele presente e o coloquei em volta do pescoço. – Obrigada, Jack. Te vejo depois, sim?
E com um aceno, nos despedimos. Eu já considerava aquele homem como um amigo, mesmo tendo-o visto poucas vezes antes. Algo me dizia que ele tinha uma boa alma e isso era o suficiente para que eu confiasse nele. Voltei ao meu caminho, chutando algumas pedrinhas e observando as marcas que a sola da minha bota causava na neve rala. Só voltei a olhar pra frente quando senti que estava sendo seguida – tipo com um sexto sentido me avisando - olhei para trás. Havia apenas duas meninas conversando atrás de mim, então resolvi ignorar aquela sensação estranha. Só então quando ouvi o meu nome sendo chamado é que parei de andar e me virei mais uma vez.
- Oi? – Perguntei meio que para o nada, já que não via ninguém que eu conhecesse e Jack já estava distante demais.
- Eu disse que era ela! – Uma menina de cabelos bem negros falou para a sua amiga.
- Você é %Star% Tomlinson, não é? – A segunda perguntou, correndo até onde eu estava com a de cabelos negros em seu encalço. – Irmã do Louis Tomlinson do One Direction?
- Sou sim... Você os conhece? – Sorri, colocando uma mexa do cabelo atrás da orelha.
- Claro que sim! – A primeira pulou no mesmo lugar. – Todo mundo da nossa escola ama eles!
- Você tão linda! – A segunda menina me elogiou e não soube muito o que fazer.
- Obrigada... Eu acho. – Sussurrei as últimas palavras, um pouco sem jeito. Aquelas meninas pareciam chihuahuas cheios de energia e bem animados com algo que, nesse caso, era eu.
- Os meninos estão aqui com você também? – A de cabelos negros olhou em volta, esperançosa.
- Não, sou só eu... Desculpa.
- Ah, não tem problema! Demos muita sorte de te encontrar aqui. – Foi a segunda que sorriu pra mim, com o celular na mão. – As meninas da nossa sala nunca vão acreditar nisso!
- Podemos tirar uma foto com você? Por favor! – A primeira.
- Claro que sim, fiquem a vontade...
Assim que aceitei tirar uma foto com as meninas, elas se revezaram. Primeiro fiquei ao lado da de cabelos mais escuros enquanto a segunda capturou a imagem e vice versa. Eu já havia sido reconhecida algumas vezes e era sempre a mesma coisa; meninas perguntando se eu era eu e se algum dos meninos estava junto comigo. Ainda assim, era bem difícil me acostumar. Não eram todas que pediam fotos e eu nunca sabia o que fazer. Devia abraçá-las? Devia colocar as mãos nos bolsos? Devia sorrir ou fazer careta? No final acabava escolhendo um sorriso natural e me inclinava um pouco na direção da pessoa. As duas directioners foram muito simpáticas comigo e isso me ajudou a relaxar.
Não querendo prolongar aquela conversa mais que o necessário, disse que realmente precisava ir embora e elas entenderam. Acenei um “tchau” amigável e elas continuaram falando o quanto eu era simpática e blábláblá. Ao mesmo tempo em que me senti lisonjeada por aquele carinho, tinha um pé atrás. As duas poderiam estar me tratando assim só porque eu conhecia a banda que elas gostavam, mas ao virar de costas, poderia também ser alvo de xingamentos ou coisa parecida. Mas, sinceramente? Eu tinha mais coisas com o que me preocupar, então esse assunto logo se esvaiu da minha lista de preocupações. Inconscientemente me peguei pensando no que Zayn falaria quando eu contasse pra ele sobre ter sido reconhecida na rua... Mas ele não falaria nada, porque eu não podia contar.
Continuei caminhando em direção ao London Eye, tentando me apegar com força aos momentos bons que passara ali, desejando que eles pudessem voltar. Sabia que era impossível e que eu não tinha um relógio que voltava no tempo, mas uma garota pode sonhar, certo? E, quem sabe, %Abi% poderia ter razão. Vai ver Zayn só precisava de um tempo pra perceber o erro que cometera e assim poderíamos conversar... Pois eu tinha certeza que o aceitaria de volta; eu precisava tê-lo de volta. A pessoa que eu fui no dia que cheguei em Londres pela primeira vez era uma garota completamente diferente daquela que eu era agora. E isso só fora possível – em grande parte – por causa do menino de olhos mais lindos que eu podia conhecer. Aquele velho aperto em meu peito era um lembrete constante que eu tive tudo, que era feliz, mas agora não tinha mais nada.
Cheguei à pequena fila do London Eye, ficando em último lugar até que a minha vez chegou. O tempo de inverno e época do ano era bem propício para que o parque inteiro estivesse vazio; ou quase isso. Um casal foi na cabine a minha frente e o funcionário perguntou se eu gostaria de acompanhá-los, mas preferi ir sozinha. Não sabia como reagiria ao chegar no topo e as lembranças do primeiro beijo que Zayn e eu trocamos me atingisse e não queria que me vissem chorar. Assim que a minha cúpula de vidro foi aberta, me apressei para entrar sem nem ver uma mulher se aproximando.
- Com licença... Minha filha poderia ir com você? – Falou, apontando para uma menina de óculos bem escuros, que olhava para o lado. – Ela quer muito dar uma volta, mas eu tenho medo de altura...
- Não tem problema algum... – Respondi sem ter coragem de negar aquele pedido.
- Obrigada. Lily, querida, ouviu isso? Venha, me dê a sua mão... – A senhora encaminhou a filha para dentro da cabine.
- Eu sou cega mãe, não surda. – A menina bufou, me pegando de surpresa. Então era por isso que ela usava óculos escuros quando quase não havia Sol.
- Menina, não fale assim! – A mãe de Lily ficou mais triste do que brava e logo se afastou. – Eu vou estar te esperando aqui, viu?
- Tudo bem, mãe.
Lily e eu ficamos sozinhas na cúpula de vidro quando a porta foi selada e o funcionário acenou, indicando que a roda gigante começaria a andar. Me aproximei da frente e me apoiei levemente da barra de segurança, não sabendo se devia olhar para a menina que me acompanhava – que caminhou com cuidado até que suas mãos encostaram no vidro – ou para o horizonte. Ela fez quase os mesmos movimentos que eu, se inclinando para frente como se pudesse ver a paisagem que começava a aparecer na nossa frente. “Será que eu devo falar alguma coisa?”
- Uhn, me desculpe pela minha mãe... – Lily quebrou o silêncio antes que eu tivesse que fazê-lo. – Ela sempre foi protetora, mas depois que isso aconteceu, se tornou pior ainda.
- Eu entendo. Mães são assim mesmo. – Balancei a cabeça em compreensão enquanto ela apontava para os próprios olhos.
- Você pode perguntar o que aconteceu, se quiser... – Suspirou. – E não se preocupe, não vou pedir pra tocar o seu rosto nem nada disso, mas gostaria de saber o seu nome.
- %Star%, me chamo %Star%. – Respondi sem tirar os olhos dela. A menina não devia ter mais que quatorze anos. Não estava tão certa se podia mesmo perguntar sobre o “problema” dela, mas Lily se mantinha positiva agora que a mãe dela não estava presente. – Então... O que aconteceu?
- Não fui sempre assim... Perdi a visão há pouco mais de dois anos. Tive uma espécie de câncer raro que tomou conta dos meus olhos. E aí tive duas opções... Ou removia de uma vez ou corria o risco de continuar com a visão e o câncer se espalhar para o meu cérebro. – Sorriu enquanto falava, mas não em uma espécie de humor negro de mal gosto. Lily parecia de fato orgulhosa de si mesma. E deveria... Pois aquela era a sua história de batalha. – Acho que já dá pra ver o que eu escolhi, né?
- Sinto muito, Lily. De verdade... – Era a única coisa que eu podia falar.
- Não precisa, sinceramente. Posso parecer louca, mas foi quando perdi a visão que comecei a dar mais valor às coisas. – Lily podia ter pouca idade, mas falava com maturidade. – Mas não vou entrar em detalhes, porque você não deve estar afim de escutar sobre a minha vida.
- Não me importo. – Respondi calmamente.
Apesar do meu sinal verde, a garota não quis continuar com o seu discurso. Tentei não ser preconceituosa e não julgar o que eu não entendia, mas porque ela fazia tanta questão de andar no London Eye? Não me entenda mal, ela podia fazer o que quisesse! Eu só esperava entender o valor sentimental que aquela roda gigante podia ter pra ela. Não perguntei mais nada quando a nossa conversa chegou ao fim. Ambas continuamos olhando pra frente, cada uma envolta em seus próprios pensamentos. Lily colocou as palmas das mãos no vidro e sorriu. Só o que eu conseguia imaginar era como seria difícil acordar vendo o mundo e todas as suas cores e no mesmo dia não ter mais esse sentido tão importante e que muitas vezes passava despercebido.
Por Deus, ela era só uma criança. Não tenho certeza se eu mesma seria capaz de passar por tudo que ela passara e continuar sorrindo. Essa é uma daquelas situações que a gente não espera que aconteça conosco até que ela realmente aconteça. Tanto a visão quanto a fala e a audição são coisas essenciais para o ser humano e muitas vezes nós não damos o valor necessário exatamente por achar que sempre as teremos. Eu começava a entender a frase de Lily ao falar que após perder a visão começou a dar mais valor às coisas. Como poderia ser diferente? Ela sofrera uma perda tão gigante que precisava se ocupar com aquilo que ainda tinha.
Pensei em Zayn. Entretanto, não em como sentia a sua falta e não em o quanto o queria ali comigo. Sim, eu queria que ele estivesse ali dentro comigo, mas, assim como Lily, precisava encarar de frente o que o destino colocara no meu caminho. Pensei em todas as horas que passei chorando nos últimos dias e pensei na garota ao meu lado. Havia tantas coisas mais sérias para eu me preocupar. Tantos motivos piores que um término de namoro para se chorar... Não estava diminuindo a dor que estar sem Zayn me causava, apenas tentando olhar aquilo por outro ponto de vista. Se eu contasse pra ela o motivo que me entristecia, Lily teria todo o direito de rir da minha cara e me chamar de louca. Sem trocadilhos e mesmo que sem querer, aquela menina que entrou por acaso na minha cabine acabava de abrir os meus olhos.
- O que você está vendo? – A menina perguntou assim que sentimos a roda gigante parar.
- O Sol está começando a se pôr e o céu está em um tom meio alaranjado. Londres inteira está bem branca por causa da neve, o que inclui o teto das casas e prédios. O chão também... E o teto dos carros. – Comecei a descrever. Lily não podia ver, mas podia imaginar. – A ponte Whaterloo está incrivelmente linda. Estamos bem longe, mas parece um cenário de filme. É algo realmente inesquecível. Gostaria que você pudesse ver...
- Posso sentir, o que é quase a mesma cosa. – Sorriu após ouvir cuidadosamente as minhas palavras. – Sabe aquilo que falam que quando você perde um sentido, os outros são aguçados? É mais ou menos verdade. Eu não posso farejar como um cachorro e nem escutar tão diferente assim de você, mas posso sentir.
- Você... Pode me mostrar? – Mesmo sem ter certeza do que queria dizer, arrisquei.
- Claro. – Se virou na minha direção, mesmo que seus olhos parecessem me atravessar por trás daqueles óculos. Ela sorria de animação. – Pode me ajudar?
- O que você precisa? – Segurei as mãos de Lily assim que ela as esticou na minha direção.
- Vamos sentar no meio da cúpula. Pode ser?
- Uhum... – A trouxe comigo para o centrou e a ajudei a se sentar. Fiz o mesmo em seguida.
- Agora feche os olhos. E como não posso ver se você está de olhos fechados mesmo, é bom que obedeça! – Ela mandou de forma brincalhona e eu obedeci.
- Estão fechados, eu prometo. – Também sorri.
- Coloque as mãos no chão e relaxe o corpo inteiro... Não pense em nada. Apenas sinta.
Fiz como ela pedi e espalmei as mãos no chão, ao lado do meu corpo. Respirei fundo pelo nariz e soltei pela boca. Repeti essa ação algumas vezes até começar a relaxar. Meu corpo aos poucos foi se tornando a par do que estava acontecendo. Eu não via nada, mas sentia que estávamos descendo. Sentia as engrenagens se movendo e sentia o peso da gravidade. Não abri os olhos por nem um segundo, escutando ao meu redor o som do vento correndo e batendo contra o vidro da cúpula. Me senti grata por poder experimentar aquilo, mas me senti mais grata ainda ao abrir os olhos e ver que nada mudara. Lily sorria. Não sei bem do que, mas ela sorria. E seu sorriso, de uma forma engraçada, me trazia esperança. Logo ela quebrou o silêncio e falou:
- Às vezes temos que fechar os olhos pra poder enxergar.
+++ - Olá? Tem alguém em casa?
Chamei mesmo sabendo que ninguém me responderia. O único movimento dentro da casa foi um filhote não mais tão pequeno assim que desceu as escadas correndo ao meu encontro. Levei uns segundos para assimilar que %Patch% aprendera a finalmente passar do segundo andar para o primeiro sem a ajuda de ninguém. Larguei as sacolas que carregava e me ajoelhei no chão, deixando o pequeno pular em cima de mim e o parabenizei. Enchi o pequeno de beijos enquanto ria e falava cosas do tipo “Isso mesmo, baby!” e “Mummy está orgulhosa de você”. Claro que ele me entendia e balançava o rabo em felicidade. Seus olhinhos azuis brilhavam como piscinas e a sua emoção em me ver era sem preço. Vai ver é por isso que falam que o cachorro é o melhor amigo do homem. Eu sabia que %Patch% nunca me abandonaria e não confiaria em ninguém mais do que ele confiava em mim. Sem falar que nunca mentiria pra mim!
- Você comeu? Está com cheiro de ração! – Fiz cafuné em sua cabecinha e levantei. – Ajuda a mamãe a levar as coisas? %Patch%!
Gritei por ele, mas não adiantou. O cachorro começou a correr escada à cima e em seguida desceu de novo, como se quisesse me mostrar novamente o que tinha aprendido. Fiz festa mais uma vez assim que ele pulou e apoiou as patas dianteiras nos meus joelhos. Peguei as minhas sacolas sem ajuda alguma e subi para o meu quarto com %Patch% me seguindo. Antes de voltar de vez para casa, fiz um pouco de terapia feminina: Compras! Passei em uma livraria e passei horas folheando livros até que escolhi três para comprar. Nenhum deles de romance, só pra constar. Tomei sorvete apesar do frio, comprei dois pares de sapatos, revistas de moda, o primeiro CD desconhecido em que bati o olho quando entrei na loja de CD’s e por último, mas mais importante... Uma pizza grande de calabresa. Essa última que eu ainda não havia comido e carregara até o quarto comigo.
“Tah, fomos dar uma volta. Não devemos demorar muito, mas se cuide. Nós te amamos. H. L. L.”
Esse foi o bilhete que encontrei preso por um adesivo de coração na porta do meu quarto. Deixei as minhas compras em cima da cama e tive todo cuidado do mundo com a minha pizza. Ela fazia parte do meu plano de “aproveitar as pequenas coisas” e “seguir em frente com aquilo que te faz feliz”. Durante o resto da descida do London Eye, Lily continuou me inspirando. Ela me contou mais algumas histórias de como foi quando ela perdeu a visão de vez e decidiu que ficaria louca se não seguisse em frente. A jovem de quatorze anos e meio (sim, eu perguntei) me mostrou que estava tudo bem não estar bem. Que nós podemos cair de vez em quando, só não podemos continuar no chão. Me ensinou que se a gente não cuidar de nós mesmos, ninguém vai. Que temos que nos amar e nos dar um descanso de vez em quando. Isso me vez tomar uma decisão. A partir dali, eu pensaria em mim, porque está tudo ok em ser egoísta de vez em quando. Eu iria começar devagar, fazendo coisas que gostava e que sentia falta. Naquele instante, eu sentia falta de entrar nas minhas roupas velhas e comer pizza até passar mal.
Como os meninos não estavam em casa, não me importei em fechar a porta para me trocar. %Patch% ainda era baixinho demais pra subir na cama alta sozinho e por isso ficou no chão me observando, por mais que o cheiro da pizza tivesse chamado a sua atenção. “Não senhor, não vou dividir com você!” Falei pra ele, que chiou baixo. Quando já estava dentro da minha calça de moletom preta e um suéter de lã, calcei meias e amarrei o cabelo em um coque bagunçado. Além de pegar a caixa de pizza mais uma vez, peguei meu celular dentro da bolsa, meu iPod, uma caneca e o caderno ainda em branco que Louis me dera de presente de natal.
- Quer escrever alguma coisa, %Patch%?
Sorri para o cachorro e o fiz me seguir mais uma vez para o andar de baixo. Uma vez na sala, coloquei a pizza na mesinha de centro e o resto das minhas coisas ali do lado. Tirei uma das almofadas do sofá e improvisei uma mesinha japonesa, daquela que fica no chão mesmo e ainda assim é bem confortável. Abri a caixa da pizza e peguei a primeira fatia, dando uma mordida generosa. %Patch% sentou ao meu lado, estudando o meu jantar com aqueles olhos pidões. Murmurei algo com a boca cheia e neguei dividir com ele aquele pedacinho de paraíso.
- Você não vai me abandonar, vai, pizza? Achei que não.
Continuei dando mordidas grandes até que aquele pedaço sumisse como num passe de mágica. Limpei as mãos na calça mesmo, sem me importar se isso era nojento ou não. Segurei o meu iPod e coloquei no modo aleatório, aumentando o volume até o máximo. Podia não ser muita coisa, mas com a casa em silêncio completo, a acústica era perfeita. Segurei um novo pedaço de pizza na mão esquerda e usei a direita para abrir o caderno de capa dura na segunda folha. Não que a primeira estivesse usada, mas sempre tive essa mania estranha de poupar a primeira folha de todos os meus cadernos, com medo de querer fazer um tipo de introdução no futuro e não poder por ter usado aquela bendita folha. Mesmo que isso NUNCA acontecesse.
- O que eu escrevo?
Perguntei para mim mesma. Eu tinha um caderno inteiro a minha disposição. Um caderno que poderia guardar os meus segredos, meus pensamentos mais confusos, minhas palavras de desespero e de esperança, mas não fazia ideia de por onde começar. Tentar colocar meus pensamentos em ordem era a mesma coisa de tentar arrumar um castelo de cartas usando vendas para os olhos. Impossível! “Calma, %Tah%. Uma coisa de cada vez. Por que não começa pelo começo? Pela sua infância?” Minha consciência me dizia para começar a minha autobiografia, ótimo. Mas até que não era uma má ideia. Não, não estou falando que ia começar a minha autobiografia... Estou falando que era uma boa ideia começar pela minha infância. Antes de começar a escrever qualquer coisa, desenhei uma bonequinha no rodapé da página, daquelas de palitinho mesmo. Mordi a minha pizza e deixei que as palavras saíssem da ponta da caneta.
“Quando eu era mais nova, costumava colocar os braços dentro da blusa e sair por aí fingindo que não tinha braços. Eu recomeçava um jogo de vídeo game toda vez que estava prestes a perder. Dormia com todos os meus bichinhos de pelúcia para que nenhum deles ficasse com ciúmes. Eu tinha uma caneta com seis cores e tentava apertar todos os botões de uma vez. Colocava refrigerante na tampinha da garrafa e fingia que estava tomando shots. Esperava atrás da porta pra assustar alguém, mas acabava desistindo porque ficava cansada. Fingia estar dormindo só pra que meu pai me carregasse para a cama. Eu costumava pensar que a Lua seguia o meu carro. Assistia as gotas de chuva rolar pela janela e fazia de conta que estavam em uma corrida. Acabava engolindo sementes sem querer e ficava aterrorizada, achando que uma árvore cresceria na minha barriga. Quando eu era mais nova não podia esperar pra crescer. O eu estava pensando?”
Repeti aquela mesma pergunta na minha cabeça, sem conseguir encontrar uma resposta. Terminei meu segundo pedaço de pizza e fiz uma pequena pausa antes de ir para o próximo. %Patch% já desistira de tentar ganhar um pedaço e pulou para o sofá, deitando lá e deixando a cabeça perto da minha. Vez ou outra ele dava um pequeno espirro e acabava me fazendo rir. Mudei de página e nessa eu sabia exatamente o que fazer. Apenas segurei a caneta no meio da minha mão e comecei a rabiscar. Sem direção, sem objetivo. Apenas risquei aquela folha até que ela estivesse uma bagunça de linhas e formas. Teria continuado se o celular não tivesse começado a tremer em cima da mesinha. Larguei o pedaço de pizza pela metade e limpei as mãos no meu guardanapo improvisado na minha perna. Era uma mensagem de Dony e pensei duas vezes antes de abrir.
“Zayn não é o mesmo sem você.”
“Ele te contou?”
“Abi me contou, quando perguntei onde você estava. Ele sente a sua falta, %Star%. Só é orgulhoso demais pra admitir isso.”
“Acho difícil de acreditar.”
“Só dê um tempo pra ele... E aí ele vai se tocar.” Por que continuavam me falando a mesma coisa? Por que eu devia dar um tempo pra ele perceber que errou? Que eu saiba, ele não me deu nenhum tempo pra provar que eu falava a verdade. Preferiu acreditar nas mentiras de uma ex-namorada que nunca fez nada além de infernizar a minha vida. Eu sentia falta dele, de verdade. Mas era a minha vez de acreditar em mim. E eu não queria dar um tempo para ele pensar. Até aquele momento estive encarando tudo como uma solução temporária, contando que ele iria cair em si e me procurar; e eu o aceitaria de volta. Não era bem isso que eu pensava mais. Teria recaídas? Claro que sim, pois sou humana. Entretanto, tentaria ser forte. Teria que ser forte.
+++ - Cala a boca, Harry! Ela está dormindo... – Ouvi a voz de Louis, mesmo ainda estando bem sonolenta.
- Não acredito que não sobrou nem um pedacinho pra mim. – Haz sussurrou e não me importei em abrir os olhos, grogue demais pra fazer qualquer coisa que não fosse me mexer preguiçosamente no sofá.
- Shh. – Dessa vez foi Liam que pediu silêncio. – Eu vou levá-la pra cama...
Os meninos devem ter concordado com um aceno de cabeça, porque eu não ouvi mais nada. Apenas senti braços fortes me carregando daquele jeito que se carrega uma noiva. Ainda sonolenta e mais pra lá do que pra cá, resmunguei algo em um idioma estranho e me aconcheguei no colo de Liam, envolvendo-o pelo pescoço e deitando o rosto em seu ombro; olhos completamente fechados. Minha respiração era calma e eu me sentia segura. Ele pousou os lábios delicadamente em minha testa e quando fui perceber, já estava na minha cama. Fui coberta pelo edredom grosso e me aconcheguei no meio dos travesseiros. Sem ter noção do que estava falando, comecei:
- Li, eu sei que vocês foram no aniversário do Zayn. – Admiti do mesmo jeito que admitiria que gosto de chocolate.
- Sa-sabe? – Gaguejou de surpresa.
- Un-hum. – Afirmei com a cabeça e um sorriso abobado; tudo culpa do sono. – Mas não se preocupe. Não vou contar a ninguém... Shhhh.
- Achei que as suas conversas durante o sono não tinham sentido...