Ballet Shoes


Escrita porElla Souza
Editada por Isabelle Castro


Capítulo LXIX

Tempo estimado de leitura: 31 minutos

  - Para, %Patch%... – Resmunguei ao empurrar o cachorro para o lado.
  De uma coisa eu tinha certeza; estava na minha cama. Não fazia a mínima ideia de que horas eram, mas pouco me importava. Por mais que eu tentasse voltar ao sono calmo de que %Patch% me tirara, sabia que seria inútil. Ao começar a recobrar a consciência, fui atingida por uma dor de cabeça que parecia já estar ali há algum tempo. Agradeci por meu quarto estar bem escuto, pois ao menos os meus olhos estavam protegidos da luz do dia que parecia brilhar do lado de fora da janela. Ao ver que eu estava acordada, o cachorro começou a lamber o meu rosto e acabei permitindo-o tal ato de carinho. “Quem precisa de um namorado quando se tem você?” Pensei ao forçar um sorriso e acariciar o pequeno atrás da orelha. Respirei fundo e fiz uma careta ao me mexer na cama. Esse movimento brusco fez o meu estômago revirar e uma pontada o invadiu. Eu iria vomitar.
  Sentar na cama também não trouxe uma sensação tão boa assim, visto que a minha visão escureceu e minha cabeça girou com a tontura começando a se fazer presente. Tentei reclamar, mas a minha boca estava seca demais para que qualquer som saísse. Me sentia desidratada e envergonhada, mesmo sem saber pelo que. Acho que o pior sintoma da ressaca não é nem a parte física – por mais que essa seja uma merda também -, mas sim a ressaca moral. Aquela vergonha de não conseguir lembrar de quase nada da noite anterior e poder apenas contar com a esperança de não ter feito besteira alguma. Ao recuperar o equilíbrio um pouco mais, me arrastei apara fora da cama, usando os móveis como apoio para conseguir chegar até o banheiro sem cair.
  Uma vez lá dentro, fechei a porta com o pé por não querer que %Patch% entrasse ali e achasse que eu estava brincando. O que eu menos precisava era de um filhote tentando morder os meus pés enquanto eu colocava tudo para fora. Com uma mão na barriga, me ajoelhei no chão e me inclinei sobre o toilet. Dali pra frente, preferi fechar os olhos a observar o líquido que forçava o seu caminho para cima da minha garganta. A queimação que esse ato causava era simplesmente horrível. Comecei a soluçar ao não conseguir respirar e me senti pior do que já estava antes. Com a mão que não estava apoiada no chão, afastei os meus cabelos para que não ficassem mais sujos do que já estavam naturalmente e só pude agradecer quando meu estômago pareceu se aquietar.
  Fechei a tampa do objeto a minha frente e apertei o botão prateado que mandaria aquilo embora. Limpei a boca com as costas da mão e me sentei no chão mesmo, quase chorando com o incomodo que percorria o meu corpo inteiro. Xinguei baixo por causa do frio em minhas pernas e pela primeira vez notei o que estava vestindo: Nada. Ok, não “nada” literalmente, mas estava apenas nas minhas roupas de baixo, o que é praticamente a mesma coisa. “Dear Lord, o que eu aprontei ontem?” Rebusquei em minha memória lembranças mais esclarecedoras, sentindo-me bem frustrada ao recordar apenas até um certo ponto. Lembrava de estar bebendo com Joshua e depois de estar bebendo sozinha. Talvez eu tenha dançado em cima de uma mesa, mas não conseguia ter certeza. Os meninos poderiam me explicar...
  Primeiro eu precisava de um banho. Levante do chão com dificuldade e fiz meus movimentos serem os mais lentos possíveis, sem querem ser atingida pela tontura novamente. Antes de ir para o Box do chuveiro, peguei a minha escova de dente e a cobri com a pasta azul. Coloquei-a na boca para começar a tirar o gosto amargo e caminhei até estar embaixo da água morna do chuveiro. Não me importei em tirar a lingerie antes de ser completamente molhada, apenas desejando que o alívio viesse logo. Tudo bem que na noite anterior eu já devia estar a par das consequências que me perseguiriam no dia seguinte, mas ninguém pensa na ressaca enquanto está bebendo! Só o que eu almejava era ficar bem logo.

+++

  Após meia hora de um banho meio relaxante, meio dolorido, deixei o banheiro me sentindo um pouco mais limpa do que anteriormente. Meu hálito cheirava a menta e minha pele a lírios, o que era uma combinação bem legal. Com uma toalha amarrada em volta do corpo e outra nos cabelos, descobri que %Patch% não era a única criatura na minha cama. Liam estava lá também, deitado como se fosse o seu próprio colchão. Eu sorri como se dissesse “bom dia” e ele retribuiu da mesma forma, um pouco corado nas bochechas; como se estivesse envergonhado por ter me pegado de toalha.
  - Liam! A pessoa que eu queria ver! – Exclamei ao me dirigir até o closet, parando na porta antes de ir procurar o que usar. – Tenho algumas perguntas para o senhor.
  - Pode perguntar! – Respondeu um pouco nervoso.
  - O que eu fiz ontem a noite? – Perguntei com uma meia risada, dividida entre a vergonha e a graça.
  - Ern... Você não lembra? – Sua postura ficou um pouco tensa, o que me assustou.
  - Eu deveria lembrar de alguma coisa? – Segurei a toalha com mais força, como se aquilo fosse me acalmar.
  - Não, não. – Forçou um sorriso que não me convenceu muito. – Você só dançou e se divertiu.
  - Ufa! Ainda bem. – Voltei a rir e respirei aliviada. – Acordei com essa sensação de que havia feito algo muito ruim...
  - Você não matou ninguém, não se preocupe. – Gargalhou baixo.
  - Diga isso para a minha ressaca, porque ela parece querer me matar. – Rolei os olhos e até mesmo isso fez a minha cabeça doer.
  - Quanto a isso, acho que tenho a solução... – Li levantou da cama e tirou uma cartela de remédios do bolso traseiro da calça, colocando-a ao lado de uma garrafinha prateada. – Paracetamol e energy juice!
  - Você é um salvador! – Sorri em agradecimento. – Só vou colocar um pijama confortável e tomar...
  - Pijama? Acho melhor você vestir algo mais apresentável, %Tah%. Temos visita lá embaixo. – Se dirigiu até a porta do quarto para me deixar trocar de roupa em paz, mas aquela noticia não me agradou tanto assim.
  - Quem está aí? É a %Abi%? Me diz que não é ela! – Me desesperei. Eu amava a ruiva, mas não quando estava com dor de cabeça e quase desmaiando. – Não sei se tenho energia suficiente pra lidar com ela agora...
  - Não se preocupe, não é a %Abi%. – Riu e abriu a porta finalmente. – Mas ainda assim você vai precisar de energia. E não demore!
  - Não vou.
  O assegurei com um sorriso de canto, ainda tentando especular quem estava ali embaixo. Se não era %Abi%, também não deveria ser Niall. Nick? Possivelmente, se ele quisesse ensaiar ou passar nosso texto, mas achava improvável. Mudei levemente os meus planos e me sentei na cama para engolir uma das pílulas do remédio e usei o energy juice para fazê-lo descer. Era disso que eu precisava; algo para me hidratar e algo para controlar a minha dor de cabeça. Em breve eu já estaria novinha em folha, o que me agradava. Sem falar que agora eu podia respirar tranquila por saber que não fizera nada de que pudesse me arrepender depois. %Patch% tentou pegar a toalha que estava em meus cabelos, o que me fez rir e desistir de lutar contra ele. O filhote tentava chamar a minha atenção como se quisesse me lembrar de que tinha que ir passear. Quem o acostumou com essa mania de ir dar uma volta assim que acordamos? Ah, é. Eu.
  Depois de começar a me hidratar, rumei mais uma vez para o closet, dessa vez deixando as toalhas em cima da cama. Dorota me mataria se visse aquela cena, mas ao menos ela estava de férias e não ficaria sabendo do meu lapso momentâneo de desorganização. Primeiramente coloquei roupas de baixo confortáveis. Acho que não ter um namorado é bom por isso; não precisamos nos preocupar em estar sempre preparadas para o caso de termos que nos despir na frente de outra pessoa. “Oh, Bob, como senti a sua falta...” Ri sozinha ao puxar a calcinha do Bob Esponja para cima das minhas pernas. Em seguida, meu trabalho foi muito simples. Me vesti com uma calça jeans escura, camisa de lã listrada e um casaco mais pesado por cima. No pé, botas sem salto. Também me protegi com um cachecol e enfiei meus cabelos em uma touca. Como ainda estavam molhados, não quis que congelassem durante o meu passeio com %Patch%.
  Peguei a coleira do animal e a coloquei no bolso, junto com meu celular. Quem quer que fosse a visita no andar de baixo, teria que esperar. Chamei %Patch% com um assovio e ele pulou da cama no mesmo instante. Nossa comunicação estava melhorando a cada dia, isso tenho que comentar. Não é que ele viesse todas as vezes que eu o chamasse, mas quando lhe era conveniente, atendia meus convites. Abri a porta do quarto e ele partiu em disparada para as escadas, já sem medo de descer ou subir. O gritinho infantil que escutei quando o animal chegou ao andar de baixo me fez sorrir. Eu reconheceria aquela risada em qualquer lugar, o que me fez rir junto. “Lux.”
  Imitei o pequeno ao correr para o andar de baixo e fui direto para a sala. Lou e Rachel conversavam no sofá e Harry estava sentado no chão ao lado da minha irmã e %Patch% pulava entre os dois. Liam devia estar na cozinha, mas não cheguei a ir procurá-lo. Com Lux sentada, %Patch% ficava da mesma altura que a cabeça dela. Mesmo que a pequena tentasse abraçá-lo e seus carinhos não fossem tão delicados assim, o filhote não tinha medo ou era hostil com ela. Os dois pareciam estar se dando muito bem, diga-se de passagem. Harry e Louis pareciam estar tão bem quanto Li, o que me incomodou um pouco. Eu era a única que sofria com os efeitos pós-álcool?
  - Luxy! – A chamei, me surpreendendo por ter recuperado a voz completamente.
  - %Tah%! – A mais nova sorriu ao me olhar e acenou, dividindo a sua atenção entre mim e %Patch%.
  - Bom dia, pessoal. – Cumprimentei o resto das pessoas da sala com um sorriso.
  - Vai sair, %Tah%? – Rachel também sorriu, porém, fez uma expressão engraçada ao ver que eu estava agasalhada dos pés à cabeça; literalmente.
  - Tenho que levar o baby pra passear. Ele não faz as necessidades dentro de casa. – Expliquei, tirando a coleira do bolso.
  - Mummy, posso ir? – Lux se levantou com a ajuda de Harry e correu até os joelhos da mãe.
  - Porque não vamos todas? – Rach sorriu e afirmou com a cabeça, pegando o casaco de oncinha da filha e fazendo-a se agasalhar.
  - Passeio em família! – Lou também foi se auto-convidando para vir conosco, mas a nossa madrasta o impediu.
  - Sinto muito, Lou, mas é um passeio só de meninas. – A loira que agora tinha cabelos lilás se levantou e trouxe a filha pela mão enquanto nós nos preparávamos pra sair.
  - Girly time! – Brinquei enquanto me abaixava para prender a correia na coleira azul que %Patch% já tinha no pescoço. – Vamos passear, sweetie!
  %Patch% latiu como resposta e acabou assustando Lux, mas a pequena começou a rir enquanto o chamava com a mãozinha rechonchuda. Algo me dizia que Rachel queria falar a sós comigo, o que explicava bem a forma que ela impedira Louis de vir conosco. Tentei não me preocupar com o assunto daquela conversa e dei de ombros, me preparando para voltar a levantar aquelas barreiras que vinham me protegendo muito bem desde que eu desistira de me importar. Abri a porta já destrancada e nós quatro seguimos para o lado de fora. Apensar de ser inverno e o chão ainda estar coberto por neve, o Sol nos deu a honra de sua presença. Não digo que o clima chegou a ficar quente, mas meu queixo também não bateu de frio.
  - Quer segurar a coleira, Lux? – Ofereci para a pequena.
  - Sim! – Ela balançou a cabeça afirmativamente, esticando o braço para que pudesse pegar a ponta da cordinha. – Vamos au au...
  - Ela está tão grande! – Comentei para a outra mulher, olhando a criança que agora batia um pouco acima da metade da minha coxa. – E linda.
  - Todo mundo fala que ela se parece mais com você do que com o Lou. – Sorriu enquanto andava ao meu lado, sem tirar os olhos da filha.
  - Isso é verdade. Nós duas somos lindas. – Ri e logo continuei. – Lou sempre foi mais parecido com a nossa mãe e eu com nosso pai... Acho que isso explica.
  - Faz todo sentido! – Afirmou e me observou como se segurasse a vontade de falar algo.
  - Desembucha, Rach. – Bufei tranquilamente. – Eu sei que você está querendo perguntar algo desde que saímos de casa.
  - O que aconteceu com você e Zayn? – Tudo bem que eu pedi pra ela desembuchar, mas aquela pergunta tão direta me pegou desprevenida.
  - O que te contaram? – Talvez se eu prolongasse o meu tempo de resposta, pudesse formular algo desencanado, sem demonstrar fraqueza.
  - Não muito. Fiquei sabendo disso no dia da entrevista, quando você não apareceu por lá. Tentei perguntar o que tinha acontecido e ninguém me disse nada. – Não tirava os olhos de mim, mesmo que eu olhasse para frente e não de volta pra ela. – Só quando a entrevistadora perguntou quem estava namorando e apenas o Niall levantou a mão é que eu entendi.
  - Zayn não falou nada? – Me concentrei para não gaguejar.
  - Ele disse que tinha uma namorada, mas que foi idiota demais e a deixou ir embora.
  - Bem, foi exatamente isso o que aconteceu. – Ainda que eu não tivesse lido a entrevista que já estava no site, acabava ouvindo direta ou indiretamente do que ela se tratava. – Ele foi um idiota.
  - Ele também disse que não vai desistir... – Espiou a minha reação, esperando que eu ficasse surpresa.
  - É o que ele diz. – Dei de ombros, pensando rápido para mudar o rumo do assunto. – E eu não sabia que você estava participando tão ativamente das questões da banda!
  - Eles precisam de um adulto por perto... Sei que sabem se cuidar sozinhos, mas não custa nada dar uma forcinha, né? – Sorriu, aceitando a mudança.
  - Você está certa. O cinco são crianças grandes! – Ri baixo, apertando o cachecol em volta do meu pescoço. – Como está o meu pai?
  - Do mesmo jeito de sempre! – Foi a vez dela de rir. – Trabalhando muito, claro. Ah, ele pediu pra falar que você está linda no convite da peça.
  - Eu ainda não vi esse convite! – Escondi o rosto nas mãos. – Como ele é?
  - Dourado... Tem algumas partem em alto-relevo que parece ouro. Também tem a data, horário, endereço...
  - Rach! – A interrompi, voltando a olhá-la. – Quero saber como é a foto!
  - Ah, sim, desculpe! Você está caída, meio morta... E o Romeu te segurando. Algo assim.
  - Facilitou muito. – Balancei a cabeça, mas achava que me lembrava qual foto era essa.
  Só fui perceber que estávamos longe o suficiente quanto chegamos à parede alta de tijolos vermelhos que separava o condomínio particular do resto do mundo. Ali dentro, protegida, eu me sentia segura. Mais uma vez comecei a pensar nas paredes que começava a construir dentro de mim mesma, querendo me proteger do mundo lá de fora, que podia e costumava me machucar. Por sorte, a voz de Lux me tirou desses pensamentos que tomavam uma direção não muito agradável, quase como rachaduras. Como já havíamos caminhado relativamente muito, a pequena estava cansada de segurar a coleira e de andar. Rachel ficou com %Patch% e eu peguei a pequena no colo, beijando a sua bochecha algumas vezes antes que ela começasse a rir e me pedisse pra parar.

+++

  O caminho de volta para casa foi mais longo, pois %Patch% já havia feito todas as suas necessidades e agora queria brincar na neve, nos obrigando a parar todas as vezes que ele via um montinho desavisado. Lux ria nos meus braços e quase se jogava no chão para ir atrás dele, mas a mãe dela achou melhor que eu continuasse segurando-a, caso contrário não chegaríamos antes da hora do almoço. Nossos assuntos também foram mais simples e menos dolorosos que os de antes, apenas comentando sobre as minhas expectativas para a próxima sexta-feira e coisas do tipo.
  A porta de entrada estava entreaberta, o que me espantou um pouco. Eu podia jurar que a havia fechado atrás de mim quando saímos para o passeio, mas quem sabe, né? Rachel soltou %Patch% da coleira, que entrou correndo em casa, e tirou Lux dos meus braços. Desconfiei que as duas precisavam dar uma passadinha no banheiro, por isso também as deixei ir na frente. Uma vez no hall de entrada, tirei o cachecol e a touca dos meus cabelos, deixando-os livres para terminar de secar. Um cheiro diferente parecia dominar a casa inteira e ficava mais forte na medida em que eu me aproximava da sala. Ao chegar ao cômodo, quase caí pra trás de susto e apertei os olhos para ver se era um sonho. O chão e móveis estavam cobertos por vasos de flores, das mais variadas cores e espécies. Minha sala havia sido transformada em uma floricultura e ninguém avisa? Os meninos ficaram ao meu lado, sorrindo cúmplices.
  - O que é isso? – Ri, cruzando os braços. – Alguma fã achou o endereço daqui e resolveu mandar esse... Presente?
  - É um presente sim, mas não são pra gente. – Lou tocou o meu ombro, me encorajando a chegar mais perto das flores.
  - São pra quem? – Não me mexi, tendo um mal pressentimento.
  - Pra você, %Tah%. – Liam foi o primeiro a notar o meu receio. – São do...
  - Joguem fora. – Não o deixei terminar a frase, pois já sabia muito bem de quem se tratava.
  - Por que? Elas são lindas... – Harry tentou me fazer mudar de ideia. – Tudo bem que não podemos deixar todas aqui na sala, mas se espalharmos pela casa...
  - Não quero ver nenhuma dessas flores. – Minha voz era firme, certa do que eu estava falando. – Eu já pedi pra jogar fora, por favor. Ou então leve pra sua casa, Rach, mas não quero nenhuma.
  - %Tah%... – Rachel tentou falar comigo, mas eu já estava subindo as escadas com pressa.
  - Joguem fora, ou eu mesma faço isso!
  Um misto de raiva e decepção se confundiu dentro de mim enquanto meu peito subia e descia com a respiração acelerada. Bati a porta com força atrás de mim e me joguei na cama, ganhando uma posição fetal. Então era assim? Zayn estava pensando que eu iria me derreter por causa de algumas flores?! Ele só podia estar ficando louco! Se esperava que eu fosse voltar correndo pra ele, podia esperar sentado, pois iria demorar. Qualquer garota poderia ser amolecida por aquela atitude, mas não eu! Eu sabia que valia um esforço maior que aquilo. O pior é que um choro que vinha se mantendo preso na minha garganta há algum tempo ameaçou querer fugir. Eu não queria chorar, não queria me sentir fraca. Mesmo estando sozinha, não iria admitir para mim mesma que sentia falta dele. Zayn errara comigo e eu não estava pronta para perdoá-lo.
  Precisava fazer algo pra me acalmar e uma ideia que não havia passado pela minha cabeça até aquele momento me ocorreu. Se alguém me escutasse, acharia que eu estava louca, mas só havia uma pessoa no mundo inteiro que seria capaz de me fornecer algum conforto em situações como aquela. Me sentei no meio da cama, pegando o celular no bolso do casaco e deixando minhas botas caírem dos meus pés. Olhei para aquela tela acesa do iPhone, tomando coragem. Então disquei aquele número que não esqueceria nem em um milhão de anos e imaginava que nunca mais estaria discando. Levei o aparelho até a orelha, decidindo que se precisava chorar, seria por um motivo maior que o termino de um namoro.
  - Bonjour! – Meu coração apertou ao ouvir aquela voz que eu esperava nunca mais escutar. Eu sabia que não era ele atendendo, mas a mensagem na secretária eletrônica me atingiu como um gosto amargo. – Você está ligando para a caixa postal de Charles Tomlinson. Por favor, deixe sua mensagem após o sinal e retornarei assim que possível.
  - Gostaria que fosse verdade, papá, e que o senhor pudesse retornar a minha ligação. – Comecei, olhando o nada na minha frente. Lágrimas logo rolariam do meu rosto e abracei os joelhos no peito para poder me deixar fraquejar. – Eu sinto tanto a sua falta, sabia? Quando penso em você é que eu sei o que é isso de verdade. Penso em todas as coisas que eu gostaria de ter lhe dito e em todos os momentos que eu poderia ter aproveitado mais. Isso é o que me consome, que me quebra em duas; saber de todas as oportunidades que perdemos. Mas agora é tarde demais pra isso, porque tempos assim não vão voltar... Papá, eu só queria que você estivesse aqui agora. Tem tanta coisa acontecendo na minha vida, tanto que eu gostaria de poder dividir com você. Faltam seis dias para a minha apresentação como Julieta, acredita? Parece que foi ontem que nós dois estávamos conversando sobre isso. Se o senhor pudesse me atender hoje, diria que eu iria me sair muito bem e que devia manter a cabeça erguida... É o que eu vou fazer. Por você eu serei forte, papá... Só quero que saiba que...
  - Mensagem finalizada. – Dessa vez foi uma voz automática que me interrompeu e encerrou a ligação.
  - Eu te amo. – Suspirei as últimas palavras, já com o celular longe da orelha.
  Já que estava chorando mesmo, deixei os soluços escaparem contra um de meus travesseiros. Ah, como seu sentia falta do meu avô! Por que todo mundo tinha que me deixar? Eu não era boa o suficiente? Uma raiva conhecida voltou a crescer dentro de mim, me fazendo bater contra o colchão enquanto meus gritos frustrados eram abafados pelo travesseiro. Eu tinha raiva do mundo por ser um lugar tão feio, dos céus por estarem escuros, raiva do frio, do calor, do nada, do tudo. Eu tinha raiva especialmente por não conseguir discernir o que me deixava com raiva pra começo de conversa. Odiava essa dor que me consumia e que parecia crescer mais e mais a cada tentativa de ignorá-la. Fingir não me importar e fingir que não estava sendo afetada por nada a minha volta funcionou por um tempo, mas em compensação... Agora que eu estava sendo obrigada a sentir tudo de volta, a dor parecia ter triplicado. Não era só por Zayn que eu estava chorando. Era por meu avô, pela minha mãe, pela minha avó... Até mesmo pelo meu pai, que estava na distância de uma visita.
  Eu sentia falta de casa e chorava ainda mais por não saber onde isso ficava. Costumava me sentir segura e “em casa” quando estava nos braços do garoto que eu amava, mas agora não podia mais ter isso. Estava me sentindo perdida, me afogando nos meus próprios soluços que cresciam cada vez mais altos. Xinguei o universo por todas as coisas das quais o culpava. A frustração e raiva se misturavam em uma bola de fogo que queimava a minha pele e a minha alma. Sem pensar, joguei tudo que estava na minha cama para o chão. Comecei pelos travesseiros, segundo para o edredom e lençóis. Não descansei até estar tudo revirado. Corri para a minha escrivaninha e descontei nela a minha raiva, empurrando tudo de cima dela para o chão enquanto gritava. Até o abajur da minha mesinha de cabeceira foi espatifado.
  Meu coração estava acelerado e parecia querer sair pela boca. O enjoo que senti quando acordei voltou com tudo, mas com uma pequena diferença. Eu não sentia que ia vomitar, apenas arfei com a dor das pontadas. Mesmo que o meu quarto não estivesse quente, eu comecei a sentir a elevação da temperatura na minha pele, seguida pela queda imediata. Aquilo não eram calafrios, era algo pior. Um medo me invadiu como uma onda que me arrastava pela correnteza sem que eu soubesse nadar. No fundo da minha consciência algumas lembranças aterrorizadoras me fizeram pensar na última vez que eu sentira aquela mesma coisa anos atrás. Minhas mãos começaram a tremer enquanto eu gritava a plenos pulmões.
  - LOUIS! – Gritei uma segunda vez, agora com os soluços começando a me sufocar.
  - %STAR%! – Meu irmão também gritou por mim e, segundos depois, entrou no quarto a tempo de me ver cair sentada no chão.
  - Louis... – Envolvi meu irmão pelo pescoço assim que ele se sentou na minha frente e me puxou para o seu colo.
  - Calma, %Tah%, está tudo bem... Você está segura...
  Ele acariciava os meus cabelos enquanto eu agarrava o tecido de sua camisa e praticamente gritava contra ela. Minha mente era uma completa confusão, me impedindo de pensar direito em qualquer coisa que fosse. Flashbacks de cenas parecidas com aquela rompiam na minha memória, o que me assustava ainda mais. Lou também parecia que ia chorar, tamanha era a sua preocupação comigo. O fato de ele saber exatamente o que fazer me mostrava que talvez não fosse a primeira vez que ele interrompia um ataque como aquele. “Você está bem”, sussurrava na minha orelha ao balançar os nossos corpos em um movimento de vai-e-vem como se estivéssemos em uma cadeira de balanço.
  - %Star%, me escuta. – Segurou os meus pulsos e os prendeu no meu próprio peito, obrigando-me a parar de me debater. Balancei a cabeça negativamente, com medo de algo que não sabia nem o que era. – Você está respirando. Sente isso? É você. Você está segura, %Tah%.
  - Não, não, não... – Funguei e fui abraçada com força.
  - Louis, vou ligar para o seu pai... – Rachel informou, parada na porta do quarto. Acabei levantando o olhar para encarar ela, Liam e Harry nos observando horrorizados.
  - Não precisa, ela já está melhorando. – Lou continuou a me abraçar, nos balançando. – Alguém pega um copo de água e açúcar?
  - Eu pego! – Liam saiu correndo pelo corredor.
  - Viu? Você está bem... Você está bem... – Repetia calmamente enquanto beijava a minha testa. Não consegui responder, apenas fiquei encolhida em seu colo, respirando pesadamente.
  - O que foi isso? – Rach se sentou na cama desfigurada. Não a olhei, mas pela sua voz pude ver que ela ainda estava em choque.
  - Um tipo de ataque de pânico. – Aquelas simples palavras me fizeram encarar o meu irmão. – Você costumava tê-los quando era bem nova... Não se lembra?
  - Não... – Balancei a cabeça, porém, aquilo explicava os flashbacks.
  - Eles não eram tão constantes assim e aconteceram até os seus seis anos de idade. – Explicou, secando o meu rosto. – Geralmente aconteciam quando você era sobrecarregada por muitos sentimentos de uma vez só. Acho que foi isso o que aconteceu hoje. %Tah%, foi por causa desses ataques que você entrou na escola de ballet...
  - Mas eu não me lembro de nada... – Sussurrei e segurei o copo de vidro que me foi entregue.
  - O nome disso é memória seletiva, eu acho. Lembro que seu pai já me explicou sobre o assunto. – Rachel se esticou para acariciar o meu cabelo.
  - Você nunca se perguntou porque gosta tanto de dançar? – Lou questionou e eu simplesmente neguei com a cabeça. Sempre achei que fosse pelos motivos óbvios. – O ballet sempre foi o seu escape. Sempre te deu segurança e serviu para te tirar da realidade um pouco. %Star%, o ballet te salvou.

+++

  Depois do meu “mini” ataque de pânico, os meninos começaram a ficar mais atentos do que nunca. Todos faziam de tudo para me agradar, menos Louis, é claro. Lou me tratava como se nada tivesse acontecido e era exatamente isso que eu precisava naquele momento. A sensação ruim de literalmente estar em pânico era aterrorizadora e eu só queria que o mesmo que aconteceu quando eu era pequena acontecesse; queria esquecer que esse episódio chegou a se repetir. Pedi que os três não contassem para ninguém, pois não queria acabar preocupando mais pessoas. Eu lembrava vividamente os olhares de choque no rosto daqueles dois garotos que presenciavam o acontecido pela primeira vez e não suportaria que isso se repetisse. Rachel e Lux acabaram indo embora no fim da tarde, após ter certeza que eu estava completamente bem. Não voltei a ter momentos de raiva ou medo, mas precisava de respostas.
  Foi em busca dessas respostas que liguei para a minha mãe, sem me importar com o valor da conta telefônica após a nossa conversa de quase duas horas. O importante é que ela me explicou que esses ataques começaram a se tornar mais frequentes por culpa dela e do meu pai, já que eles brigavam quase o tempo inteiro dentro de casa; coisa que criança nenhuma merece assistir. Eu também nunca fui muito boa em colocar pra fora os meus sentimentos, o que me fazia contê-los até que eu não aguentasse mais e então explodisse em um desses eventos terríveis. O fato de eu nunca ter sido capaz de fazer amigos também dificultava os meus desabafos. Ao ir crescendo, contei fielmente com a dança para manter o equilíbrio entre o meu corpo e a minha mente, deixando que as palavras que não saiam pela minha boca pudessem ser entendidas pelos meus movimentos. Minha mãe até mesmo falou que essa era uma razão pela qual a minha dança era tão “forte”.
  No passar da nossa conversa, comecei a lembrar de algumas vezes que voltei a quase ter esses ataques, mas em um nível mais fraco. Primeiro quando meus pais admitiram que iriam se separar, aos meus 12 anos. Depois quando Anthonny sumiu após tirar a minha virgindade. Nessas duas ocasiões, Louis esteve fielmente ao meu lado, cuidando de mim e me acalmando quando eu precisava. Tempos depois, voltei a presenciar aquela sensação sufocante durante a madrugada em Paris, no dia antes do funeral do meu avô. Eu despenquei em prantos e Zayn foi quem conseguiu me acalmar. Mais tarde naquele mesmo dia, voltei a ter um ataque; quando fugi do enterro e acabei sendo atropelada pelo carro que me fez ir para o hospital. Observados separadamente, esses acontecimentos podiam ser considerados como drama adolescente, mas agora que eu tinha o conhecimento do meu passado com ataques de pânico, compreendi que eram mais que isso.
  Falar que me senti fraca e indefesa era pouco. Eu gostava de me considerar forte, de pensar que aguentava muita coisa. O que por um tempo era até verdade, mas ao acumular muita coisa na cabeça, era fácil cair. E eu odiava isso. Odiava os olhares que começava a receber de Harry e Liam. Sabia que apenas estavam preocupados comigo e apreciava o gesto, mas não queria ser tratada com diferença. Não queria ser uma boneca de porcelana, que todo mundo tem um cuidado extra ao manusear. Eu só queria... Me sentir normal novamente. Após o jantar – que fui obrigada a engolir, diga-se de passagem – me retirei para o meu quarto e deixei a porta aberta. Não queria que ficassem batendo na porta o tempo inteiro só pra checar se eu ainda estava bem. Para manter a minha cabeça ocupada, arrumei toda a bagunça que havia feito e me concentrei em ler o meu roteiro, procurando revisar algumas das minhas falas para sexta-feira.
  - %Tah%? – Harry bateu na porta, ainda que ela estivesse aberta. Ele trazia duas xícaras de chá em uma mão só, o que me fez sorrir.
  - Quantas coisas você consegue segurar em uma mão só, Haz? – Ri, deixando o roteiro de lado e chamando-o para se aproximar.
  - Muita coisa! – Ele também riu e fechou a porta atrás de si ao entrar. – Chá verde?
  - Com leite? – Arqueei a sobrancelha. Quando o menino afirmou que sim com a cabeça, eu aceitei a xícara. – Obrigada, mas não precisava fazer isso.
  - Fazer isso o que? Eu só estava fazendo um pouco de chá pra mim e pensei: “Porque não dividir com a princesa dessa casa?” – Sorriu, mostrando as covinhas na sua bochecha. Estreitei os olhos e o fiz rir. – Tudo bem! Eu sei que não precisava, mas você me assustou hoje...
  - Eu também me assustei, Haz, pode ter certeza. – Admiti com um suspiro, bebendo um longo gole do chá verde. – Mas estou bem agora...
  - E vai continuar assim. – Harry se acomodou na cama, cruzando as longas pernas. Seus olhos verdes estavam extremamente brilhantes aquela noite.
  - Você está diferente. – Comentei. – Está... Brilhando.
  - Sexto sentido? – Riu, confirmando que tinha mesmo algo diferente.
  - Quem é? – Sorri, mesmo desconfiando da resposta.
  - %Tah%, eu não sei... É diferente... Estou confuso... – Se eu não o conhecesse há tantos anos, também teria me confundido.
  - Hazza, é normal gostar de meninos também. – Ri enquanto ele se embolava com as próprias palavras e deixei a minha xícara de lado. – Eu gosto!
  - Como você sabia? – Fez uma carinha engraçada, meio tímido.
  - Se algum garoto olhar pra mim da forma que você olha pro Lou, eu me caso com ele. – Era a primeira vez que estávamos conversando abertamente sobre aquele assunto, mesmo que eu já desconfiasse dos sentimentos de Harry pelo meu irmão há algum tempo. Muito tempo. – Ele sabe?
  - Talvez. – Suspirou, bebendo seu chá. – Ontem, na festa, nós dois...
  - Eu sabia! – Gargalhei. – Posso não me lembrar de tudo, mas tinha certeza que vocês dois se pegaram!
  - %Star%! – Ganhei uma travesseirada na cabeça e fui obrigada a me calar. – Não foi nada demais, de qualquer jeito. Mas eu quero que seja algo demais...
  - E eu tenho certeza que ele pensa a mesma coisa, acredite. – Acariciei a minha cabeça, onde fora atingida. – Só acho que a sua declaração tem que ser alguma coisa épica. Você bem conhece o Lou.
  - Disso eu também sei, mas como vou “me declarar” se nem consigo colocar em palavras tudo que eu sinto? Tudo que eu quero?
  - Ele sempre gostou de te ouvir cantar... – Pisquei com a indireta, esperando que ele entendesse o que eu queria dizer. – E acho que sei exatamente como te ajudar.

Capítulo LXIX
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