Capítulo LXI
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No domingo a note, já fazia quase três dias que eu não via nenhum dos meninos. Os cinco resolveram ficar acampados na casa de Zayn e só ligavam de vez em quando para falar que estava tudo bem e que ninguém tinha se matado ainda. Pelo que soube, Sandy, Josh e um tal de Dan também acabaram aparecendo lá ocasionalmente e entendi que estavam levando os ensaios a sério mesmo. Isso me fez aceitar ficar em casa “sozinha” e agradeci muito ter %Patch% pra dormir comigo. Aquela casa era grande demais pra uma pessoa tão pequena quanto eu. %Abigail% se curara da TPM e por um milagre consegui convencê-la a sair de casa para irmos até uma Starbucks qualquer. A neve de Londres chegou oficialmente e parecia pretender ficar por muito tempo. Eu ainda gostava de ver o chão coberto pela neve, mas não era fã das escorregadas que quase me levavam ao chão; sem falar que a ruiva morria de rir da minha cara quando isso acontecia.
- Então, %Abi%, ansiosa para voltar à Academy amanhã? – Perguntei assim que pegamos nossos cafés no balcão e voltamos para a nossa mesa de sempre.
- Claro que não! – Respondeu rabugenta assoprando a sua xícara de latte quente. – Tivemos muito pouco tempo de descanso! Sem falar que só vamos ter férias de novo em julho, %Tah%. Em JU-LHO.
- Sei disso! – Comentei em uma mistura de animação e desanimo ao mesmo tempo. – Mas não era assim na sua escola? Digo... Sempre entramos de outubro até dezembro, paramos duas semanas para o Christmas Break e aí ficamos até julho tendo aulas. Pelo menos temos o verão inteiro de férias! Já devia ter se acostumado.
- Só porque estou acostumada não quer dizer que aprecio essa metodologia educacional. – Conseguiu beber um gole do seu café e eu fiz o mesmo. – O lado bom que a megera da Agnes me deixou pegar algumas aulas com a turma de teatro.
- Sério? %Abi%, isso é ótimo! É o que você sempre quis, não é? – Pousei a xícara na mesa e me recostei à cadeira almofadada.
- É sim! E dessa vez a minha mãe não pode falar nada. – Sorriu mostrando os dentes. – O ruim é que não terei todas as aulas com você...
- Não tem importância. – Dei de ombros. – Holl me disse que meu horário vai mudar um pouco nesse fim de semestre, porque terei que me focar cem por cento na peça.
- Holl? – Arqueou uma sobrancelha. – Desde quando você e a professora Holly são tão íntimas assim?
- Não somos. – Menti, querendo dizer: “Desde que nos tornamos amigas por eu estar guardando o segredo que poderia destruir a carreira dela.” – É só uma abreviação.
- Sei. – Não deu muita atenção àquilo. – E como anda o seu texto e tal? Já decorou tudo?
- Pelo menos esse afastamento dos meninos serviu pra alguma coisa. Pude terminar de decorar as minhas falas. Só há algumas mais longas que ainda preciso me concentrar pra pegar a manha, mas ainda tenho tempo. – Expliquei confiante. – Nick e eu nos comunicamos de vez em quanto, pra passar o texto por telefone, então estamos na mesma página. Agora devemos nos focar nas coreografias.
- Isso você vai tirar de letra, %Tah%. Tenho certeza. – Tocou a minha mão carinhosamente e eu sorri pelo apoio. – Mal posso esperar para começarmos a ensaiar juntas! Nós vamos aparecer em várias cenas, sabia?
- Então, mãezinha? Oh Deus! Por que estás triste? Se forem tristes tuas novidades, conta-as alegremente. – Citei uma das frases de Julieta para a Ama e em seguida ri. – Até na peça somos melhores amigas.
- Só não morra de verdade, ok? – Ambas rimos.
Antes que continuássemos aquele assunto e antes mesmo de terminarmos nossos cafés, um garçom anunciou os nossos nomes e trouxe a nossa comida para a mesa assim que nos identificamos. Era a primeira vez que eu jantaria em uma Starbucks, então não sabia muito o que esperar. Se mantivessem a mesma qualidade das bebidas e lanches, até que seria uma refeição agradável. Meu Panini de almôndegas estava dividido em dois e o queijo derretido transbordava. Pelo olhar que %Abi% deu no meu jantar, ela estava se arrependendo amargamente de ter pedido uma salada com frango grelhado. Sorri como quem diz “eu avisei que você deveria pedir algo com mais calorias, porque na hora você vai querer um pedaço do meu e eu não vou dar”, mas acabei dando. O Panini era grande demais; até pra mim que sempre gostei de comer.
- Você é a melhor amiga do mundo, sabia? – Disse após morder o próprio Panini, deixando a salada no meio da mesa para que ambas pudéssemos comer dela.
- Ou talvez só queira que você engorde comigo. – Dei de ombros ao mastigar um pedacinho de tomate.
- Por falar em engordar, você nunca me mostrou as fotos do ensaio dos meninos! Eu só vi aquelas que você postou pelo Twitter da banda.
- O que isso tem a ver com engordar? – Ri tentando achar alguma semelhança entre os dois assuntos, mas deixei pra lá. – Você podia ter ido junto... Não foi porque não quis, então agora vai ter que esperar ser lançado como todas as outras.
- Mas eu não sou como as outras! – Falou de boca cheia e depois fez bico.
- Não é mesmo. – Entortei o nariz com aquela falta de modos da minha amiga e continuei a comer uns pedacinhos de salada. – Depois eu te mostro, ok? As fotos estão no iPad...
- Eba! – Comemorou ainda de boca lotada. – E você já pensou sobre a proposta da Corine?
- Carine. – A corrigi pelo que parecia ser a décima vez. – Mas sim e não. Tenho pensado bastante sobre isso, mas ainda não me decidi. Preciso da sua opinião.
- Claro que precisa. – Se gabou, mas deixou o Panini de lado. – Você conhece os procedimentos. Primeiro: Lado bom dessa história toda?
- Ok. A- Eu ganharia meu próprio dinheiro. B- Ganharia mais independência, maturidade, experiência. C- Estaria trabalhando ao lado de uma mulher que eu idolatro desde os meus quinze anos. D- Pense em todos os desfiles que eu poderia ir, todos estilistas e modelos que eu conheceria... – Suspirei enquanto contava nos dedos ao ir falando. Meu sorriso aumentava em cada letra. – Sem falar que é um emprego dos sonhos.
- Você seria tipo aquela garota do Diabo Veste Prada, mas sem ter que pegar café ou levar almoço! – %Abi% também sorria. – Mas vamos nos concentrar aqui. Pontos negativos?
- Eu tenho medo de aceitar esse emprego e... Bem, medo de aceitar qualquer emprego e acabar me desviando do meu propósito. Digo, e se eu ficar presa e não tiver tempo de ensaiar, frequentar as aulas... E a peça? Eu preciso estar totalmente dedicada a ela. – Meu suspiro mudou. Não era mais de esperança, e sim de desapontamento. – Agora é a sua vez de me dar uma solução plausível e ai eu falo que você é a melhor amiga do mundo e que eu não seria nada sem você.
- O que eu acho que você deve fazer é simples... Só tem como saber se vai ficar presa por esse trabalho ou se vai conseguir equilibrar suas duas paixões se tentar. Converse com a Co-Carine. E peça um tempo de experiência; uma semana ou duas, pra ver se você gosta. Caso sim, ótimo. Caso não, bem, ao menos você não desistiu de cara. – %Abi% era genial. – Sua vez!
- %Abi%, você é a melhor amiga do mundo e eu não sei o que faria sem você! – Ri e dei uma mordida no meu Panini.
- Nah, eu sei que sou demais!
Pode ser verdade, mas uma coisa que %Abigail% não era é “humilde”. Nunca foi; duvidava que chegasse a ser um dia. Entretanto, %Abi% era minha melhor amiga e eu a amava com todo o meu coração. Era um amor diferente do que eu sentia por Zayn, Lou, minha mãe ou qualquer outra pessoa que eu pudesse conhecer. Ela era minha irmã de alma; como se uma alma só tivesse se dividido em duas, ocupando dois corpos diferentes. Eu podia tentar ficar com raiva dela, mas não durava mais de dez minutos. %Abi% estaria lá pra mim da mesma forma que eu estaria pra ela. Nos entendíamos mais que qualquer pessoa no mundo e seriamos capazes de dar a vida uma pela outra. Aquela ruiva era minha irmã gêmea perdida desde o nascimento, mas demos um jeito de nos encontrar.
Terminamos nosso jantar em paz, apreciando uma salada bem temperada e um Panini delicioso. Também bebemos todo o café e ficamos fofocando por bem uns vinte minutos, até que cansamos das paredes amareladas da Starbucks e aquele cheiro inconfundível de... Café. Aproveitamos que havia um parque há poucos quarteirões de distância e fomos dar uma voltinha para admirar o inverno de Londres. Deixamos o carro na frente da cafeteria mesmo, pois seria mais seguro e a caminhada nos aqueceria. Uma neve fina e, obviamente, gelada começou a cair e ficar presa em nossos cabelos e roupas. Muitos casais passeavam naquele parque, talvez pelo mesmo motivo que eu e %Abi% tínhamos ou até por causa da pista de patinação que era montada ali todo inverno. Provavelmente a segunda opção.
- Por favor, %Tah%... Só uma voltinha... Nem tem tanta gente assim. – %Abi% tentava me convencer a acompanhá-la na pista de patinação.
- Não gosto de patins! – Cruzei os braços. Eu ainda lembrava do desastre de quando Lou tentou me ensinar a andar de patins e não me atreveria a passar por isso de novo; no gelo. – Você pode ir! Eu fico aqui te olhando...
- Mesmo?! Mas nós viemos aqui pra ficar juntas. – %Abi% estava dividida.
- E ainda vamos estar juntas. – Sorri e indiquei com a cabeça para que ela fosse. – Vá se divertir! Eu vou tentar ligar para Zayn enquanto isso...
- Já entendi tudo! Quer me despachar pra falar com o amor! – Riu e me entregou a sua bolsa. – Mas eu aceito! E não vá embora sem mim!
- Não caia, ok? Me deixe orgulhosa! – Gritei enquanto a menina se afastava.
Observei %Abi% se afastar com seus cabelos vermelhos flutuando atrás de si. Ela ficava ainda menor na medida em que a distância entre nós duas aumentava e acabei rindo disso. Infelizmente ela estava longe demais para ouvir as minhas piadinhas maldosas, mas poderia guardá-las pra depois. Acabei também andando na direção da pista de patinação, mas fiquei encostada nas grades que rodeavam o gelo. Com a bolsa de %Abi% em um braço e a minha própria no outro, fiquei observando três crianças que patinavam melhor do que eu seria capaz de patinar um dia e isso porque elas não deviam ter nem oito anos de idade ainda. Para não me sentir tão deprimida pela minha falta de coordenação motora, preferi pegar o meu celular e digitar uma mensagem:
“Tem cinco minutos para a namorada? Me ligue quando puder. Estou com saudades. Eu te amo. xx” Preferi mandar uma mensagem antes de ligar, pois tinha medo de acabar atrapalhando. Isso já acontecera antes, quando eu liguei para Harry, e não acabou muito bem. Não chegaram a brigar comigo nem nada parecido, mas fiquei com a impressão de que tinha atrapalhado algo importante. Voltei a olhar para frente sem tirar o celular da mão, apenas torcendo para que Zayn desse algum sinal de vida logo. E deu. Cinco minutos depois de a minha mensagem ter sido enviada, o aparelho vibrou na minha mão.
- Baby? – Atendi tentando conter a minha animação.
- Hey, %Tah%, você está no viva-voz! – Zayn explicou.
- Oi, pessoal! – Cumprimentei quem quer que estivesse lá.
- Queremos que você escute uma coisa. – Harry parecia bem animado. – Prontos? 1, 2, 3...
- You’re in southend, whit a friend. (Você está em southend, com um amigo) I don’t like him and I don’t like to prete-e-end. (eu não gosto dele e não gosto de fingir) – Identifiquei a voz de Liam, Harry e Zayn.
- Why can’t you see? He looks at me… (Porque você não vê? Ele olha pra mim...) Yesterday he stared stroking my kne-e-e. (Ontem ele começou a torcer o meu pé-é-é) – Lou e Niall finalizaram.
- O que achou? – Uma voz perguntou. Demorei alguns segundos para perceber que era Josh.
- Uhn... O que é isso? – Ri. O ritmo da “música” que eles cantaram até que era bem legal, mas a letra? Não me impressionou.
- É a nossa primeira música como banda, %Tah%! – Liam gargalhou do outro lado da linha.
- Posso ouvir o resto?
- Não tem resto ainda... – Lou.
- Vocês passaram três dias juntos e só criaram duas frases?!
- Estou te tirando do viva-voz! – Zayn pegou o telefone e deve ter o levado à orelha. – Oi, babe, que saudade!
- Zayn Malik, é melhor você me falar que vocês tem mais que duas frases! – Pedi impaciente.
- É claro que temos! – Sua gargalhada me tranquilizou. – Era só uma brincadeira, %Tah%.
- Ainda bem! – Respirei fundo para me acalmar, olhando as dezenas de pessoas que patinavam na minha frente. – Já está sendo ruim demais ficar esse tempo todo sem te ver... Pelo menos espero que esteja valendo à pena.
- Nada é tão bom assim que valha a pena ficar longe de você. – O barulho do lado dele da linha diminuiu e deduzi que Zayn estava se afastando dos meninos. – É só algo que precisamos fazer...
- Eu sei disso, baby... Não estou reclamando. Só realmente sinto a sua falta. – Acenei para %Abi% ao longe, que entrava na pista para patinar. – Nos veremos amanhã, certo?
- É claro que sim. E onde você está? Escuto gritos...
- Estou em um parque com %Abi%. Jantamos na Starbucks e tenho certeza que ela me arrastou pra cá com a intenção de me matar. – Ri, me virando de costas para a pista e caminhando até um banco de madeira. Limpei um pouco da neve que se acumulara e me sentei. – Mas eu consegui escapar e ela foi patinar no gelo sozinha.
- Ainda com medo de patins, huh? – Quase pude vê-lo jogando a cabeça pra trás ao rir.
- Não é bem medo. – Me encolhi nas minhas roupas quentinhas e limpei alguns flocos de neve que caíram em meu nariz. – É precaução. Não sou louca o suficiente pra sair deslizando no gelo sobre lâminas afiadas!
- Eu entendo como isso pode dar errado. – Riu mais uma vez.
- Obrigada! – Foi a minha vez de rir.
Alguns segundos se passaram e esses segundos se transformaram em minutos. Três minutos, para ser exata, e nenhum de nós falou nada. Apenas fiquei ouvindo a sua respiração e ele a minha. Fechei os olhos e por um instante era como se estivéssemos frente a frente. Infelizmente ele não estava lá quando voltei a abrir os olhos e encarar a grama branca. A noite estava tão bonita, o parque coberto pela neve... Eu realmente queria ter os braços de Zayn me aquecendo naquele momento.
- %Tah%? O que há de errado? – Zayn perguntou após ouvir meu suspiro pesado.
- Não é nada. – Eu não podia contar pra ele. – Posso... Pedir uma coisa?
- Qualquer coisa.
- É bem bobo, na verdade... Tipo, muito bobo mesmo. – Balancei a cabeça, trocando o aparelho de orelha. – Você... Canta pra mim?
+++ “Through chaos as it swirls. It's us against the world…” Aquela música simplesmente não queria sair da minha cabeça, mas também pouco me importava. O melhor de tudo é que eu me lembrava dela na voz de Zayn, pois o menino a havia cantado inteira pra mim na noite anterior, enquanto %Abi% patinava e nós estávamos em uma ligação quase eterna. Só sei que minha orelha estava vermelha quando finalmente desligamos – contra a minha vontade. Eu estava na sala de ballet da Academy, aquela onde acontecem as aulas em grupo toda segunda-feira, e esperava o professor Hofstheder chegar. Ele não era de se atrasar, mas acho que o Christmas break o deixou com os relógios desregulados. O importante é que ninguém parecia se importar com aquela demora, pois todos estavam com aquela preguiça pós-feriado que gruda na gente e não quer largar. %Abigail% estava ali comigo, pois ainda teríamos aquela aula juntas apesar da nossa mudança de horários, então conversávamos animadamente.
- Como está a sua bunda? – Perguntei ao tentar conter uma risada.
- Muito dolorida, obrigada por perguntar. – %Abi% fez uma careta, trocando o apoio de um braço para o outro. – Mal consigo me sentar direito!
- Não vou falar que avisei, mas eu avisei. – Finalmente me permiti rir e sentei no chão, de frente para a minha amiga. – Patinação no gelo não é um esporte muito seguro.
- Agora eu sei disso. – A ruiva estirou a língua pra mim. – E a culpa não foi minha! Eu estava lá fazendo meus paços dignos de competição de dança no gelo e aquela criancinha saiu do nada e entrou na minha frente. Ou eu a matava, ou caia no chão. Fiz o que era certo. Me sacrifiquei por um bem maior.
- Você é uma heroína, sinceramente.
- Eu sei! – Também se permitiu rir. – E o que você fez ontem, depois que eu te deixei em casa?
- Assisti uma maratona de Doctor Who na BBC. – Respondi já esperando ser chamada de nerd ou geek. – Pelo menos com os meninos fora de casa eu posso assistir o que quiser na televisão.
- Eles não dormiram em casa ontem?
- Quando saí de casa hoje de manhã, o carro estava na calçada. Mas não sei que horas chegaram, porque eu já estava dormindo. – E mesmo que tenha tido muita vontade de entrar no quarto de todos eles para dar bom dia, acabei deixando-os dormir em paz. – Deviam estar cansados demais...
- Ni voltou pra casa às três da manhã. – O jeito que %Abi% falou me fez pensar que eles estavam morando juntos. – É, eu estou ficando uns dias na casa dele... Você não é a única que precisa de uns dias a sós com o seu namorado!
- Então isso explica as suas olheiras! – Gargalhei e balancei a cabeça para afastar certos pensamentos do que %Abi% e Niall poderiam ter feito quando ele “chegou em casa às três da manhã.”
- Pare de rir, %Star%! – Deu um tapa no meu joelho, pois era onde ela conseguia alcançar sem ter que se mexer muito. – Você só está com inveja.
- Bom dia, alunos, vamos logo com isso. – O professor enfim apareceu e estava com pressa. – Formem duplas e vão para a barra.
Sem falar mais nada, puxei %Abi% pelos pulsos e a ajudei a se levantar. Ainda duvidava que ela fosse capaz de dançar, se alongar e derivados – por causa da queda no gelo que a fez machucar o coxi -, mas ainda assim a arrastei até uma das barras que estavam colocadas no centro da sala. Ambas estávamos com roupas parecidas: Collant, meia calça, sapatilha e a saia fina amarrada à cintura; com a pequena diferença de que o meu uniforme era cor de rosa e o dela era preto. Nossas “cores” meio que seguiam a linha da nossa personalidade, pois enquanto %Abi% era forte, destemida, hiperativa, confiante e certa de si mesma, eu gostava de pensar que era doce, delicada, cuidadosa e coisas do tipo. Mais uma vez, opostos que se entendem muito bem. De qualquer forma, %Abi% ficou atrás de mim e imitava qualquer movimento que eu fizesse.
- Não quero vocês duas juntas. – O professor interrompeu nossa seção de alongamentos. – %Abigail%, você vai ficar com a Jane.
- Como é que é? – %Abi% perguntou com uma voz esganiçada. Jane era uma garota do segundo semestre, mas era só isso que eu sabia sobre ela.
- Se você vai questionar os meus métodos de ensino, aconselho que se retire da sala. – Sr. Hofstheder mal alterou o seu tom de voz, mas a lançou um olhar autoritário.
- %Abi%, vá. – Acenei para que ela fosse procurar Jane.
- De que lado você está? – Minha amiga se afastou, pisando forte.
- Então. – Rolei os olhos para me virar completamente para o professor. %Abi% não ficaria com raiva de mim nem mesmo até o final da aula. – Com que eu devo ficar?
- Com alguém mais do seu nível. – Deu meia volta para que eu o seguisse até outra barra. – Senhorita Jones.
- Quem? – Minha resposta foi respondida assim que a figura loira oxigenada apareceu na minha frente. – Brigitte Jones? Seu nome é Brigitte... Jones?
- Qual o problema disso? – A menina perguntou com toda superioridade.
- Sério?! – Gargalhei enquanto o professor se afastava para formar novas duplas pela sala. - Tipo... Bridjet Jones? O diário de Bridjet Jones?
- Uma coincidência deplorável, admito. – Bufou e se segurou na barra para começar os exercícios. – Agora dá pra parar de rir e apenas tentar não me atrapalhar? Já é ruim o suficiente o professor ter nos colocado juntas, não preciso que você ainda me atrapalhe.
- Oh, Brigitte... Eu estou tão feliz hoje que nem você consegue me irritar. – Sorri, sem deixá-la chegar aos meus nervos.
- Quem sabe eu possa tentar? – Uma das amigas da oxigenada estava por ali também, pronta para defender a sua abelha rainha. Nunca gostei de abelhas.
- Deixe-a aproveitar essa felicidade em quanto pode, Marcie. – Brigitte falou para a amiga. – Sabemos que não vai durar.
- Mudança de planos, %Tah%. Você vem comigo. – Nick aparatou ao meu lado e me puxou pelo braço. Não perguntei nada antes de acompanhá-lo, apenas feliz por estar sendo tirada de perto de Brigitte.
- Seu timing não podia ser melhor... – O agradeci com um meio abraço assim que paramos na barra mais próxima ao espelho. – Sinto que fui ameaçada.
- Aquilo foi uma ameaça, não foi? – Nick riu, também sentindo a ameaça de Brigitte.
+++
“Onde você está?” Foi a mensagem que li em meu celular assim que a aula acabou e eu finalmente pude pegar o aparelho. Não precisei ler o nome de Zayn na tela para saber que era ele. Tínhamos combinado de nos encontrar na escadaria durante o intervalo, mas a dor no quadril de %Abi% aumentara consideravelmente, então tive que arrastá-la para a enfermaria. Literalmente arrastá-la, pois a menina ainda tinha pavor daquele lugar. Eu esperava que a enfermeira soubesse exatamente o que fazer, ou pelo menos receitasse uma daquelas pomadas milagrosas para dor. A deixei entrar primeiro e fiquei pra trás para digitar uma mensagem para Zayn:
“Arrastei a %Abi% para a enfermaria. Consegue trazer o Ni aqui?”
“Chegamos em cinco minutos!” - %Star%. – %Abi% me chamava do lado de dentro da enfermaria. – Não me abandone aqui, cachorra!
- Já estou indo! – Rolei os olhos e dei meia volta para também entrar ali. – Não precisa me xingar!
- Srt. Tomlinson, é bom revê-la. – Mary me cumprimentou com um sorriso. – Vejo que a sua amiga não é tão calma quanto você.
- Ela é medrosa. – Sorri da mesma forma, me sentando em uma cadeira próxima à mesa da mulher. – Está com uma dor no quadril, porque caiu ontem quando estava patinando no Hyde.
- Então vamos dar uma olhada...
- Vocês poderiam parar de falar de mim como se eu não estivesse aqui? – %Abi% reclamou.
- Perdão, senhorita. – Mary puxou uma cortina e revelou a maca que eu já conhecia bem. – Pode se deitar, por favor?
- Prefiro continuar de pé. – Olhou da maca para a senhora e depois pra mim, esperando algum apoio.
- %Abi%, é só pra ela olhar se há algum machucado... – Tentei.
- Cerejinha?! – Um Niall assustado entrou correndo na enfermaria. – Você está bem?! Zayn disse que tinha desmaiado...
- Você deve ter entendido errado. – Zayn o seguia, mas estava bem mais calmo e pelo seu sorriso, Ni não entendera nada errado.
- Como eu estava dizendo... – Os interrompi. – Ela só vai dar uma olhada, %Abi%. Só dará a injeção se for necessário.
- INJEÇÃO? – %Abigail% deu um passo pra trás e eu ri.
- Ela está só brincando, querida. – Mary não gostou da minha brincadeira.
- Vocês dois, esperem lá fora. – Niall também não era fã de uma brincadeirinha de nada, ou duas, e nos mandou sair.
Ainda rindo, mandei um beijo para a minha amiga e saí da enfermaria. Caminhei até uma janela do corredor, mas não fiquei muito tempo observando a vista do lado de fora. Dei meia volta e parei de frente para Zayn. O menino me seguiu e parou a alguns metros de distância de mim, com as mãos nos bolsos do casaco, o cabelo bagunçado e o sorriso torto nos lábios. Fiquei observando-o até que um sorriso também apareceu em meu rosto. Era a primeira vez que nos víamos em muitos dias, o suficiente para me deixar louca de saudade.
- Oi, Malik. – Falei ainda de longe.
- Bom dia, Tomlinson. – Arqueou uma sobrancelha.
- Ainda lembra de mim? – Cruzei os braços. – Agora é famoso achei que...
Me impedindo de terminar aquela frase, Zayn acabou não só com a distância entre os nossos corpos, como dos nossos lábios. Ele apoiou as duas mãos na lateral do meu rosto e, apesar do frio em seu toque, não me afastei e retribuí ao beijo. Não chegamos a nos agarrar no meio do corredor, mas foi o suficiente para que soubéssemos o quanto o tempo que passamos sem nos ver havia sido terrivelmente ruim. Todo esse tempo que Zayn passou trancado em casa com os meninos, eu me senti “deixada de lado”, por mais que não gostasse de admitir essa minha insegurança. Mas agora percebia que ficar longe de mim havia sido ruim pra ele também e que, assim como ele falara na noite anterior, em nosso telefonema, era algo que ele tinha que fazer. E isso eu entendia. Desde o dia em que %Abi% e eu mandamos o vídeo, eu entendia que nossas vidas e tudo aquilo que estávamos acostumadas poderia mudar. E estava mudando, mesmo que devagar.
- O grande dia está chegando. – Sorri ao entrelaçar os nossos dedos e começar a andar lentamente pelo corredor, na direção que levaria ao auditório.
- Eu sei! – Sua animação era visível. – Você acha que poderia faltar aula amanhã?
- Amanhã é terça, então eu teria um encontro com o professor Hofstheder, mas minha aula foi suspensa até o dia da peça... – Pensei alto. – Só iria ensaiar com Nick, mas acho que posso remarcar. Por que?
- Susan ligou e pediu para que fossemos ao estúdio do X Factor pra fazer a passagem de som e essas coisas. – Comentou como se fosse algo que se fala todos os dias e eu acabei rindo, pois sabia que ele estava pulando de alegria por dentro. – E eu gostaria que você fosse junto.
- Acha mesmo que eu perderia essa chance?! – Só de imaginar que eu estaria indo conhecer o “por trás das câmeras”, já ficava nervosa. – Conte comigo!
- Acho que vai ser bem legal. Pelos episódios do programa que eu já assisti, eles tem uma estrutura enorme...
- Por falar nisso! Vão ter outras dançarinas lá... – Parei de andar e me coloquei de frente para o moreno. – Então você tem que jurar que não vai prestar atenção em nenhuma.
- Tá falando sério? – Duvidou com uma risada, mas quando viu que eu não fiz o mesmo, entendeu que a minha preocupação era legitima. – Eu prometo que não vou olhar pra nenhuma dançarina. A única dançarina da minha vida é você, %Tah%.
- Você tem que jurar! – Insisti.
- %Star%. – Pousou as mãos sobre os meus ombros e se fez de ofendido. – Acha que eu mentiria pra você?
- Você já fez isso antes. – Cruzei os braços e, dessa vez, não falava tão sério.
- Quando? – Desafiou com o cenho franzido.
- Ela não morre. – Respondi. – Você disse que ela morria, mas ela não morre.
- Ok, agora você despertou o meu interesse. – Me soltou para também cruzar os braços. – Quem morreu? Ou não morreu.
- A Hazel. – Pelo olhar que recebi, ele precisava de mais informação que aquilo. – Na primeira vez que você foi ao meu quarto, pegou o livro que eu estava lendo e contou o final. Você disse que ela morria, mas era mentira.
- Você terminou o livro? – Sorriu e eu afirmei que sim com a cabeça. Zayn voltou a tocar em mim, dessa vez segurando em meu quadril. – Tudo bem, ela não morre. Mas como você se sentiu ao descobrir que eu menti?
- Irritada por você ter me feito pensar durante meio livro que ela morria! – Rebati com o último fio de reprovação que ainda restava em mim. O contato de Zayn era forte demais, entorpecente demais. – E aliviada... Surpresa pela reviravolta do final...
- Exatamente. – Tirou um fio rebelde do meu rosto e o colocou atrás de minha orelha. – Não teria sido tão marcante assim se tivesse acontecido justamente o que você achava que ia acontecer antes que eu te contasse o que acontecia, mesmo não acontecendo como eu contei que acontecia. Entendeu?
- Não... – Ri com o nó que aquela frase deu em minha cabeça. – Ou talvez sim. Um pouco. Mas como você sabia que eu achava que ela não iria morrer?
- Porque você acredita em amores impossíveis.