Capítulo LIII
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Não tenho certeza se o que me acordou foram os pingos fracos da chuva que batia no meu rosto ou o desconforto por estar em uma posição completamente estranha. Abri os olhos sofrendo com a claridade que me acertava em cheio. Nos primeiros segundos de consciência, fiquei confusa sem saber por que estava ali no meio do nada, deitada em um chão sujo e lamacento, mas assim que as imagens da noite anterior me atingiram, eu levantei com um impulso até estar sentada. Minha visão ficou turva, mas apenas o suficiente para me situar um pouco mais. Eu me lembrava vividamente de todo o terror que eu sofrera correndo pela floresta e toda a confusão que se passou pela minha cabeça. Ali, no claro, eu tinha certeza que alguém tentara me fazer algum mal. Minha cabeça latejou com as milhares de dúvidas e preocupações e só o que eu queria agora era voltar pra casa.
Com um pouco mais de facilidade do que no dia anterior, me coloquei de pé e respirei fundo. Ainda estava perdida, mas pelo menos tinha um pouco de noção do que deveria fazer. Meus ouvidos conseguiam captar um barulho de água correndo, o que provava que eu não podia estar muito longe do rio. Se eu pudesse achá-lo, talvez conseguisse seguir o seu curso de volta ao campo. Mas será que alguém ainda estaria lá? Meus amigos não iriam embora sem mim, iriam? A não ser que pensassem que eu já tinha ido embora primeiro... Não! Eles não me deixariam pra trás, porque saberiam que eu não sumiria sem avisar ninguém. Toquei os bolsos do meu short na esperança de poder ligar para alguém e avisar onde eu estava, mas foi em vão. O aparelho celular não estava ali, o que só queria dizer que eu o perdera pela floresta e seria impossível achá-lo. Olhei para trás e para cima, vendo o barranco de onde eu havia caído. Era uma parede de terra de quase três metros de altura e eu teria morrido se caísse em cima de uma pedra ou um tronco mais pontudo.
Passei as mãos pelos meus cabelos emaranhados, constatando que ainda estavam presos, mas algo gosmento os fez ficar duros e secos. Tive medo até mesmo de encontrar algum inseto perdido entre os meus fios se procurasse demais. “Vamos sair daqui.” Falei para mim mesma e comecei a andar para a esquerda, sempre atenta ao barulho do rio. Evitei olhar para as minhas pernas e encontrar algum corte, já que sentia os meus joelhos arderem. Pretendia chegar em casa primeiro e depois me preocupar com os machucados. “Será que tem algum bicho selvagem por aqui?” Me arrependi amargamente daquele pensamento, pois o barulho das folhas sendo quebradas embaixo dos meus pés foi amplificado e por um instante achei que podia estar sendo seguida. Me manter no controle da situação era mais difícil do que parecia.
Não sei se o tempo correu mais rápido ou se meus passos aceleraram, porque quando dei por mim, tinha encontrado o rio... Sorri quase inconscientemente com aquele fio de esperança que me fez continuar. Tentei correr com pressa, mas vacilei. Minhas pernas estavam fracas e o resto do meu corpo não parecia estar muito melhor. Entretanto, eu precisava correr, precisava chegar em algum lugar. Fiz uma nova tentativa de sair do lugar e dessa vez deu certo. Lembrei de algo que Liv me falou durante uma das nossas corridas pelo condomínio: “o segredo é controlar a respiração”. No começo eu podia não ter entendido muito o que ela queria dizer com isso, mas ao começar a respirar pelo nariz e soltar pela boca ganhando velocidade e ritmo, agradeci mentalmente pelas suas orientações.
O rio corria ao meu lado na direção contrária a minha e, se eu entendia qualquer coisa de geografia, sabia que estava indo na direção correta. Tudo bem que a minha roupa não era feita pra corridas e muito menos aquele meu tênis, mas era o melhor que eu podia fazer. Conhece o ditado que diz que correr na chuva molha mais? Eu o comprovei naquela manhã. Quando estava parada ou caminhando, apenas sentia o pequeno chuvisco que me incomodava um pouco, porém, foi só começar a correr que os pingos se transformaram em lâminas afiadas que pareciam cortar a pele fina do meu rosto. Coloquei as mãos em cima dos olhos para protegê-los e não deixei a dor me atrasar.
Algo chamou a minha atenção no horizonte que se aproximava depressa e eu pensei que estivesse delirando. Algumas luzes em azul e vermelho piscavam cada vez mais próximas e eu cheguei a fechar e abrir os olhos com força na tentativa de fazê-las desaparecer, mas elas continuavam lá, chamando por mim. “O que esses carros de policia estão fazendo aqui?” A resposta para essa pergunta era óbvia demais! Deviam estar me procurando, é claro! Pus-me a correr ainda mais rápido, acenando com uma mão e tentando gritar que eu estava bem e que tinha achado o caminho de volta. A minha voz não saiu, pois eu estava rouca demais pra falar qualquer coisa. Ficar no sereno a noite inteira com certeza não me fez bem.
Assim que consegui avistar o campo onde a festa aconteceu na noite anterior notei o quanto o cenário havia mudado. Já não tinha mais fogueira ou pessoas alegres brincando. O som das músicas fora substituído pelo das sirenes e não havia mais nenhum sinal da caminhonete ou da tenda que guardava as comidas e bebidas. Eu conseguia distinguir vultos masculinos, mas eles eram grandes demais e adultos demais para ser qualquer um dos meus amigos. Isso me preocupou. Onde estaria o meu irmão e Harry? Liam, Zayn e Niall? Ou até mesmo %Abi% e Olivia? Será que algo tinha acontecido com eles? E se, assim como eu tinha certeza de que fizeram algo comigo, tivessem feito algo com eles também?
Esses pensamentos me sufocaram e me paralisaram. O choque da realidade me deu um tapa na cara e os meus joelhos ficaram fracos. Quando vi, estava caindo na areia e meus olhos se fecharam. Meu corpo fraco permaneceu quieto, deitado ali, quase sem vida, mas a minha consciência não foi totalmente perdida, eu não estava desmaiando. Apenas estava fraca demais para lidar com qualquer coisa séria.
- Olha ela ali! – Uma voz grave, masculina e desconhecida chamou por outras. – Onde estão os médicos?
- %Star%! – Essa segunda voz eu consegui reconhecer. Era %Abigail% correndo na minha direção junto com o policial que me viu primeiro.
- Hmm... – Tentei falar alguma coisa quando %Abi% se jogou na areia ao meu lado deitou a minha cabeça em seu colo.
- Está tudo bem, %Tah%... Você nos achou... Vai ficar tudo bem agora... – Ela estava quase chorando.
- Temos que levá-la para a ambulância e depois para o hospital. – Uma terceira voz se aproximou e eu senti o meu corpo sendo erguido do chão.
- Você não vai levá-la pra nenhum lugar antes dos outros chegarem. – %Abi% estava firme e eu senti o seu toque na minha mão.
- Onde estão? – Consegui formular uma frase inteira e entreabri os olhos, recuperando um pouco mais os movimentos. – Estão bem?
- Os meninos estão te procurando pela floresta, %Tah%... Mas estão todos bem, não se preocupe. – A voz da ruiva era sincera, por isso fiquei tranquila.
- Já avisamos à patrulha que você apareceu e logo todos estarão de volta. – O policial não tinha tanta paciência quanto a minha amiga, mas também não chegava a ser rude.
- Eu sinto muito... – Choraminguei, mesmo sabendo que não tinha culpa alguma.
- Shh, %Tah%... Tudo vai se acertar. – %Abi% soltou a minha mão assim que nos aproximamos da ambulância que estava ali perto.
Eu não queria ter que ir para o hospital de jeito nenhum, até porque sabia que meu pai estaria lá e tudo que eu menos queria era preocupá-lo. O policial me colocou no chão e eu fingi estar me recuperando milagrosamente. Um paramédico sorridente me ajudou a sentar em uma maca que estava dentro do veículo e %Abi% não o permitiu fechar a porta. Pelo menos assim eu me sentia mais segura e calma. Fui envolvida por um grosso cobertor azul e me enrolei ainda mais, sentindo o frio me deixar aos poucos. Logo fui capaz de respirar normalmente e ficar com os olhos completamente abertos.
O homem que estava cuidando de mim fez alguns testes básicos para ver se tudo estava bem comigo, como me fazer seguir uma luz com os olhos e responder o meu nome e sobrenome, ou mês em que estávamos. Como respondi automaticamente que me chamava %Star% Tomlinson e que o mês era Dezembro de 2012, ele afirmou que eu não tinha sofrido nenhum dano aparente e que o único problema com que deveríamos nos preocupar era com a baixa temperatura do meu corpo. Por fim, ele me deu uma garrafa de água mineral e pediu para que eu bebesse tudo para me hidratar.
- Então, pode explicar o que aconteceu? – O policial ficou parado na minha frente, com um bloquinho preto em mãos.
- Ela acabou de aparecer e você já quer que ela seja capaz de falar?! – %Abi% colocou as mãos na cintura e bateu o pé no chão.
- Desculpe, senhorita, mas só estou fazendo o meu trabalho aqui. – Respondeu olhando pra mim e eu assenti.
- Não tem problema, %Abi%, eu posso falar. – Afirmei para a minha amiga e forcei um sorriso. Com meu corpo começando a ficar mais quente, eu já me sentia melhor. A água que eu bebericava de vez em quando também parecia fazer milagres, umedecendo a minha garganta. – Não foi nada me mais, pra falar a verdade...
- O que aconteceu exatamente? – Deu ênfase à última palavra.
- Nós estávamos na festa ontem, certo? E sabe como é... Sou jovem, acabei me excedendo e bebendo demais. Achei que seria engraçado brincar de esconde-esconde, mas acabei me perdendo na floresta. – Menti. Não queria ter que contar a verdade para aquele policial e acabar indo parar na delegacia pra prestar depoimento de alguma coisa. Evitei olhar para %Abi% enquanto explicava tudo, porque ela saberia que eu estava mentindo. – Pensei em ligar pra pedir ajuda, mas perdi o meu celular, então resolvi esperar amanhecer pra procurar o caminho de volta.
- Então você simplesmente esperou doze horas pra resolver procurar o caminho? – Arqueou as duas sobrancelhas, me julgando na cara dura. O homem parecia entediado, como se estivesse me odiando por ter feito ele dirigir até aquele lugar no meio do nada e ainda por cima por causa de uma brincadeira adolescente.
- Doze horas? – Repeti. Como eu poderia ter ficado apagada por tanto tempo?
- Você sumiu durante doze horas, %Tah%... Nós estávamos mortos de preocupação, achando que alguém pudesse ter lhe sequestrado... – %Abi% falava com calma e sem querer me assustar. – A Liv até voltou para o condomínio pra te procurar, mas você não estava em casa, então chamamos a policia. Mandamos todos embora e começamos a te procurar.
- Eu sinto muito... – Me desculpei mais uma vez, me sentindo horrível por ter estragado a festa de todo mundo. Em seguida, me virei para o policial. – Eu acabei pegando no sono e perdi a hora. Foi só isso o que aconteceu.
- Se lembrar de mais alguma coisa, me ligue. – Tirou um cartão do bolso, onde eu podia ler “Detetive J. Jones” e me entregou. – Não quer ir ao hospital e fazer alguns exames só pra ter certeza que...
- Não! – Respondi rápido demais. – Eu só preciso ir pra casa e descansar.
- Vocês precisam de uma carona? – Perguntou enquanto guardava o seu bloquinho de volta no casaco.
- Não, obrigada. – %Abi% respondeu. – Os meninos já estão voltando.
Assim que %Abi% falou aquilo, levantei a cabeça e vi quatro pessoas andando na nossa direção, sendo que três delas corriam e o último só andava. Louis, Niall e Liam estavam se aproximando cada vez mais rápido e um outro policial os seguia. Nenhum sinal de Zayn ou Harry, mas me senti aliviada por ver o meu irmão. Saltei da ambulância e %Abi% me segurou para que eu não tropeçasse, mas não me impediu de ir até Louis, que abriu os braços para mim. Ainda me enrolando com o cobertor azul, deixei que ele me abraçasse e fechei os olhos. Eu tinha tanto pra falar, tanto pra me desculpar, tanto para perguntar eu acabei não falando nada. Pela sua respiração eu pude perceber o quanto ele estava aliviado em me ver. Mesmo com o meu rosto todo sujo, ele beijou a minha testa e me olhou com cuidado.
- O que aconteceu? Você está bem? – Afastou a minha franja do rosto.
- Eu estou bem sim, Lou... Me desculpa. A sua festa... Eu estraguei tudo, né? – Não cheguei a chorar, mas a minha expressão era triste.
- Claro que não, %Tah%! Você não estragou nada. Só quero ter certeza que você está bem mesmo. – Abraçou-me mais uma vez, com bastante força. – Sabe que se algo acontecesse a você, nana nunca me perdoaria, não sabe?
- Ela te mataria... – Respondi com uma risada fraca. Em seguida olhei para Liam e Niall, ambos com olheiras embaixo dos olhos. – E vocês também... Me desculpem. Eu nem imagino o que eu os fiz passar.
- Como Louis falou, o importante é que você está bem. – Liam foi o segundo a me abraçar.
- E até que foi divertido brincar de caça ao tesouro... – Niall brincou, me abraçando depois de Liam. – Você sendo o tesouro, claro.
- Só você mesmo, Ni. – Ri, abraçando-o de volta. – Pena que ninguém ganhou!
- %Tah%... – A voz de %Abi% me fez olhar pra ela.
A ruiva estava apontando um ponto atrás de nós, onde mais pessoas se aproximavam. Dois policiais vinham na frente e dois garotos os seguiam. Harry vinha mais atrás, com as mãos dentro dos bolsos e o corpo encolhido para se proteger do frio. Zayn era o primeiro e olhava para todos os lados na minha procura até que sua íris se conectou à minha. Segundos depois nós estávamos andando em direção um ao outro até estarmos próximos o suficiente para nos abraçarmos. Diferentemente dos outros meninos, eu o envolvi pelo pescoço, segurando o cobertor e enrolando nós dois dentro dele. Zayn me segurou pela cintura com tanta força que teria doído se eu não estivesse tão aliviada em vê-lo.
- Eu pensei que tinha te perdido. – Confessou em um fio de voz, beijando o meu rosto úmido.
- Não fala assim... – Pedi baixinho, afastando um pouco o rosto pra poder olhar pra ele.
- Eu estava te procurando e não conseguia achar em lugar nenhum... Eu revirei essa floresta inteira!
- Shhh... Eu sei, eu sei... – Colei os lábios aos dele devagar ao notar que se continuássemos naquele assunto, ambos começaríamos a chorar. – Agora estamos juntos e eu só quero ir pra casa...
+++ Lar doce lar. Assim que chegamos em casa, fomos direto para a sala e eu fui obrigada a me sentar no sofá. Fisicamente, eu já me sentia bem mais forte e capaz de me mexer e andar para onde quer que fosse, mas os meninos me tratavam como se eu estivesse doente ou pudesse quebrar a qualquer momento. Niall, %Abi% e Zayn também fizeram questão de me acompanhar até em casa e juraram que só sairiam de lá depois que eu estivesse na cama pronta para dormir até o outro dia. Eu sabia que não adiantaria nada discutir com eles, então prometi que faria isso, mas primeiro precisava de um tempo pra colocar as ideias no lugar.
Zayn se sentou ao meu lado no sofá e %Abi% ocupou o outro. Harry foi para a cozinha junto com Niall e Liam para que os três pudessem preparar algum almoço – ou jantar, já que passava das seis e meia da tarde -, pois todos estavam com fome. Bem, todos menos eu, como já era de se esperar. Louis se sentou na minha frente, apoiado na mesinha de centro. Durante todo o trajeto de volta pra casa no carro, eu pensei muito sobre o que tinha acontecido na noite passada e sabia que mais cedo ou mais tarde teria que falar sobre aquilo. Nada melhor do que conversar com o meu irmão, meu namorado e minha melhor amiga, certo? Especialmente porque eu sabia que ninguém tinha engolido a história de que eu fiquei bêbada tão rápido assim a ponto de me emaranhar na floresta e cair no sono acidentalmente por doze horas.
- Gente... – Chamei a atenção dos três que estavam ao meu lado e me preparei para falar em voz alta o que antes só admitia em pensamento. – Eu acho que alguém me drogou.
- Como é? – Zayn foi o que mais se alterou. Suas linhas de expressão estavam duras e seus olhos profundos.
- Conta isso direito, %Tah%... – %Abi% acariciou o meu ombro por cima do cobertor que eu “ganhara de presente” do paramédico.
- Eu não podia estar bêbada, porque não bebi nada... Quero dizer, não bebi quase nada. Só um copo. – Tentei não olhar pra ninguém enquanto fazia meu discurso. Fazia sentido eu ter sido drogada, pois só isso explicaria a velocidade que os efeitos começaram, a tontura, as alucinações, a confusão mental... Só uma droga poderosa faria isso.
- Eu sabia que tinha algo estranho na história que você contou! – %Abi% me interrompeu. – Você só tomou aquele copo que o Zayn pediu pra te entregar, né?
- Espera, eu não pedi pra ninguém entregar nada. – Zayn fez %Abigail% engasgar com aquela informação, mas eu já sabia disso.
- Foi o que eu pensei. – Segurei a mão de Zayn e entrelacei nossos dedos. – Eu acho que foi aquele cara que me entregou o copo que colocou alguma coisa na bebida. Tinha que ser algo muito forte, porque... Os efeitos foram terríveis.
- Eu não consigo nem imaginar o que você passou... – A ruiva escondeu o rosto nas mãos e apoiou os cotovelos nos próprios joelhos.
- Esse cara, como ele é? Você o conhece? – Louis se levantou e começou a andar de um lado para o outro.
- Só lembro que ele é loiro e de olhos claros... – Rebusquei em minha memória qualquer informação mais útil, mas foi em vão. – Na hora eu pensei que o conhecesse de algum lugar, mas agora já não tenho tanta certeza.
- Eu nunca devia ter te deixado sozinha, Anjo... – Zayn parecia ter perdido a raiva e agora estava decepcionado consigo mesmo. Ele me envolveu pelos ombros e acomodei-me em seus braços.
- Você não a deixou sozinha... – %Abi% levantou o rosto e me olhou como se pedisse milhões de desculpas. – Eu deixei.
- Não foi culpa sua... E nem de ninguém! – Levantei do sofá e encarei os três, deixando o cobertor pra trás. – Esse cara, seja lá quem for... Ele tentou fazer algo, mas não conseguiu. Não sei como, mas eu escapei do que quer que ele estivesse querendo fazer. É claro que eu gostaria que nada tivesse acontecido, mas aconteceu. E isso não vai mudar. Nós podemos ficar pensando nisso, ou podemos seguir em frente.
- Ela está certa... – Lou concordou comigo. – O melhor a se fazer agora é esquecer.
- Eu só quero tomar um banho e deixar essa madrugada pra trás... – Pedi com sinceridade, mesmo sabendo que Zayn não se esqueceria tão cedo.
- Então vá e descanse... – Meu namorado se levantou e caminhou até onde eu estava. Segurou as minhas mãos e fez carinho com os polegares. – Eu vou estar aqui quando você acordar.
- Tem certeza? Você também está cansado. – Entrelacei nossos dedos e sorri de canto.
- Nunca estive tão certo de algo. – Soltou uma das minhas mãos para acariciar o meu rosto e encostar os lábios aos meus.
- Obrigada. – Suspirei e, em seguida, olhei para %Abi% encolhida no sofá. – Mas faça o Niall levá-la embora. Ela precisa dormir.
- Eu cuidarei de tudo, pode ficar tranquila.
Eu estava tranquila, pelo menos em parte. Estava em casa e esta segura, o que era o que importava de fato. Me despedi de todos e parti para o andar de cima, me trancando no meu quarto para não ser perturbada. Tudo estava do mesmo jeito que eu havia deixado: As cortinas da janela bem fechadas, minhas cobertas bagunçadas e ao mesmo tempo muito confortáveis e uma muda de pijamas limpa sobre o meu travesseiro. Aquela quietude era um verdadeiro santuário e tudo que eu precisava era de longas horas de sono.
Passei direto para o banheiro e não me importei em acender a luz. Quanto mais eu demorasse pra me olhar no espelho melhor. Não fiquei no escuro completo, já que ainda não era noite e alguns raios que conseguiam escapar pelas frestas da minha cortina entravam por baixo da porta. Despi-me devagar, sentindo minha pele arder nos lugares onde eu fora arranhada e sabia que durante o banho seria ainda pior. Deixei todas as roupas empilhadas em um canto e soltei o meu cabelo com muita dificuldade. Pulei para dentro do Box e abri a água em uma temperatura morna, deixando-a estabilizar para então entrar embaixo do chuveiro e me deixar ser lavada.
Encostei a testa na parede e deixei a água escorrer pelo meu corpo e senti camadas de sujeira escorrendo pelas minhas pernas. Fiz algumas caretas com a dor dos machucados, mas aguentei bravamente. Pedaços de folha e lama caiam nada delicadamente aos meus pés. Tratei de encher a minha esponja de sabão e esfreguei cada centímetro dos meus braços, pescoço e costas até onde alcançava. Já podia começar a me sentir mais limpa e então passei para o meu cabelo, o que seria bem mais trabalhoso. Tive que repetir uma mão cheia de shampoo pelo menos três vezes pra conseguir tirar toda a areia e pedacinhos de sujeira que faziam questão de grudar e não sair nem depois de muito implorar.
Não fiz questão de demorar muito tomando aquele banho, pois meu emocional ainda estava abalado e eu acabaria começando a chorar se deixasse a minha mente divagar. Me sequei com cuidado e penteei os cabelos, aproveitando para passar um remédio contra infecção nos cortes mais aparentes que eu tinha na minha coxa esquerda, cotovelo direito e alguns menores nos meus braços. Não estava com nenhum machucado que precisasse levar pontos e muito menos algum que pudesse deixar cicatrizes. Em menos de uma semana eles começariam a sumir e eu estaria perfeita de novo. Dei uma olhada na minha tatuagem e ela continuava linda como nova. Eu teria me desesperado se algum galho tivesse me arranhado ali e deformado o meu desenho.
Eu estava cansada e várias coisas percorriam a minha cabeça, por isso não me espantei ao começar a pensar que a minha tattoo pudesse ter me protegido. Não a tatuagem de uma forma literal, é claro, mas eu tinha sido protegida de alguma forma. Por um anjo da guarda? Por asas? Quem sabe?! Eu acreditava que poderia ter sido. Agora que a minha consciência estava no lugar certo, não consegui evitar e pensar naquela voz. Sim, a voz que me mandou correr e fugir. Só de pensar no meu desespero ao escutá-la durante a madrugada, senti um arrepio ruim percorrendo a espinha. Tive mais certeza do que nunca que escutara a voz do meu avô. “Papá, era você?” Perguntei mentalmente sabendo que a resposta nunca viria. Mas não importava mais, certo? Como eu mesma falara mais cedo, só queria seguir em frente e esquecer o que aconteceu. Dali pra frente eu teria cuidado redobrado e, se voltasse a encontrar o garoto que me drogou, estaria pronta pra tirar satisfações. O que mais me dava forças naquele momento era saber que eu não estava sozinha.
Deixei a toalha molhada de lado pra vestir o pijama quentinho e só faltava uma coisa pra que eu pudesse me enterrar embaixo das cobertas e apagar. Fui até o closet, onde deixava o baú com as coisas de meu avô bem protegido e o abri até avistar a caixinha de música azul. Trouxe ela de volta para o quarto comigo e dei corda. Aquela melodia calma seria a minha canção de ninar. Aquele velho aperto de saudade que vinha junto com as lembranças de meu avô apareceu, mas era mais nostálgico do que doloroso. Deitei, cobrindo-me até o pescoço e abrindo a caixinha para que a música começasse. Eu estava em meu abrigo e nada poderia me atingir agora.