Capítulo L
Tempo estimado de leitura: 30 minutos
- Já vai, já vai! – Gritei ao sair da cozinha correndo.
Levando em conta que fui dormir pouco depois das 01h30min da manhã, meu humor estava leve quando acordei às oito horas daquele mesmo dia. Apesar de ser cedo, levantei com um sorriso no rosto e vesti uma roupa que era até arrumadinha demais pra usar dentro da própria casa. Nick tocava a campainha pela segunda vez e devia estar tentando acordar o resto do condomínio, pois não parava nem com os meus avisos de já estar chegando. Eu tinha certeza que era ele, pois não esperava que mais ninguém fosse aparecer ali tão cedo em pleno sábado. Girei a chave na fechadura, mas não abri a porta completamente, apenas o suficiente para que eu pudesse espiar o meu parceiro de olhos azuis e pele alva que também podia ser conhecido como o meu Romeu.
- Trouxe o que eu pedi? – Arqueei uma sobrancelha e ele sorriu.
- Dois expressos no capricho. – Mostrou a bandeja que guardava dois copos altos de café. Aquela era a sua passagem de entrada para o meu lar, então fiquei feliz que não tivesse se esquecido.
- Senha correta! – Terminei de abrir a porta e dei espaço para ele entrar.
- Eu tenho que comentar, %Star%... Você tem uma coisa muito louca com café Starbucks. – Se sentiu em casa e foi olhando tudo ao seu redor quando passou pelo hall de entrada.
- Não tenho culpa se cafeína é o que me mantém de pé durante essas horas matinais. – Além do mais, quem em sã consciência não gosta da Starbucks? Recebi a bandeja com os cafés e procurei o que tinha o meu nome escrito. – Pode deixar a sua mochila pela sala, ok? Estou fazendo café da manhã pra gente.
Como a cozinheira de mão cheia que nunca fui, saltitei o resto do caminho de volta à cozinha. Até eu mesma me espantava com aquele bom humor inesperado e tinha certeza que essa felicidade possuía nome e sobrenome: Zayn Malik. Na noite anterior, após nossa discussão causada pela mensagem de Brigitte, voltamos para a sala e não fizemos nada além de conversar, assistir TV, encarar o teto na procura de formigas e outras coisas idiotas desse tipo. Claro que também trocamos muitos e muitos beijos, porém o clima não voltou a esquentar tanto como no inicio da noite. Apesar de ter me convencido de que não havia com o que me preocupar e que a versão verdadeira dos fatos era a que Zayn me contara, algumas imagens perturbadoras assolavam a minha mente por vontade própria. Vamos concordar que imaginar a ex-namorada do seu namorado ocupando o seu lugar, mesmo que por segundos que fossem, podia ser bem perturbadora e acabava com qualquer clima.
Me impedindo de voltar a pensar nessas coisas, deixei os cafés sobre a bancada de madeira e dei meia volta, parando junto do pote de inox cheio até a metade com um creme branco. O cheiro estava delicioso e eu quase esqueci um waffle dentro da torradeira (ou fazedora de waffles, mas isso não vem ao caso agora). Com a ajuda de um garfo, tirei-o de lá e coloquei junto aos que já estavam prontos em um prato branco de vidro. Ao lado deste, haviam alguns outros com comidas típicas de café da manhã, como: Ovos mexidos, bacon, torrada, alguns potes com geleia e scones. Escutei a risada de Nicholas atrás de mim e dei uma olhada em sua direção, querendo saber o motivo da graça.
- O que foi? – Arqueei uma sobrancelha.
- Você está esperando um batalhão ou só eu? – Nick se encostou à porta da geladeira e também ficou me olhando.
- Essa é a primeira vez que você vem aqui, então eu queria deixar uma boa impressão, ué. – Dei de ombros e peguei dois pratos (o de waffles e o de ovos mexidos), passando por ele e seguindo para a sala de jantar. – E os meninos ainda estão dormindo, mas vão estar famintos quando acordarem...
- Ah, é... Você mora com o seu irmão e um amigo, certo? – Nick também pegou alguns pratos e me seguiu. Eu não pedi ajuda, mas também não neguei. – Eu os conheço?
- Um irmão e dois amigos. – Corrigi arrumando a mesa para o café da manhã. – Em teoria você os conhece, mas não foram devidamente apresentados ainda. Lembra da festa de Halloween? O Batman, Harry Potter e o Danny Zuko?
- Aquele era pra ser o Danny Zuko? – Fez uma cara estranha e eu lhe dei um tapa no braço ao estarmos lado a lado novamente.
- Ei! – Reclamei. – Aquele era o meu irmão, ok?
- Enxergo a semelhança. – Riu divertidamente, mas não estou certa de que entendi o que ele quis dizer.
- Só não vou brigar com você porque ainda preciso dos seus conselhos.
Nem as implicâncias de Nick conseguiriam me tirar do sério, disso eu tinha certeza. Assim que toda a comida já estava disposta na mesa, nos sentamos frente a frente prontos para atacar. Diferente da noite anterior, eu não estava preocupada com o valor calórico daquela refeição e esperava que a minha consciência só voltasse a pesar em um futuro bem distante. Nicholas não esperou eu fazer as honras e já foi se servindo de bacon e ovos. Achei engraçado a naturalidade de seus atos e me perguntei se nós dois já estávamos em uma fase tão íntima da nossa amizade. Pensando melhor, não devia estar tão surpresa, porque desde que chegara àquele país, fazer amizades não tinha sido algo tão difícil. “Deve ser algo no sangue inglês.” Pensei. Sem querer esperar mais nada pra provar do banquete, me servi com um waffle dourado e quentinho, cobrindo-o com a calda de Blueberry que Harry sempre trazia da padaria onde trabalhava, e um pouco de mel. Senti o par de olhos me julgando como se eu estivesse acabando de contrair diabetes, mas pouco me importei.
- Pra ficar mais doce, só se eu colocasse o dedo no seu café. – Nick insinuou, fazendo-me rir.
- Por falar na sua doçura... – Limpei a boca com um guardanapo após mastigar e engolir uma garfada do waffle. – Como vai a nossa Holly?
- Ótima, como sempre. – Sua voz até mudou quando tocamos naquele assunto e me perguntei se também acontecia isso quando eu falava de Zayn. – Ela aceitou ir ao teatro comigo, assistir ao Bolshoi.
- Droga! – Brinquei, mas toda brincadeira tem um fundo de verdade. Se Holly não quisesse ir com Nick, isso significaria que eu seria a sua segunda opção de companhia. E, acredite, eu queria ir a essa apresentação. – Mas falando sério... Ela seria maluca se não aceitasse e eu fico muito feliz por vocês.
- Você sabe como eu gostaria de poder te levar também, %Tah%. – Ele foi sincero ao falar isso. – Mas essa é uma das poucas ocasiões que poderemos sair como um casal. Pelo que andei averiguando, nenhum dos outros professores ou diretores foram convidados.
- Melhor ainda! Assim vão poder aproveitar a noite como namorados. – Comemorei encantada.
- Nós ainda não usamos a palavra com “N”. – Meio sem jeito, deu um gole no seu café.
- NÃO?! – Perguntei um pouco alto demais. – Por que não? É óbvio que os dois estão namorando...
- Eu não sei, %Tah%... Às vezes acho que Holly é demais pra mim. – Suspirou e encarou fixamente o resto de ovo em seu prato. – Ela é uma mulher de verdade, sabe? Mais que isso! Ela é...
- Awwwn. – Uma espécie de gemido/suspiro/barulho não identificado saiu pelos meus lábios ao perceber o quanto Nick realmente gostava dela. Não era mais um caso aluno/professor qualquer, onde o perigo e a adrenalina de fazer algo “errado” comandava. Eles estavam juntos porque se gostavam. – Não quero que pense assim, ok? Eu tenho certeza que se isso fosse verdade, os dois não estariam arriscando tudo que está em jogo aqui.
- É isso que me preocupa. E se ela perceber que não vale a pena continuar com isso? Eu não quero perdê-la... – Nick ficava mais fofo a cada segundo e completamente diferente do garoto brincalhão que tirava onda com a minha cara sempre que podia.
- Você não vai perdê-la. Eu prometo. – Nunca fui de prometer em vão e não teria falado isso se não fosse verdade. Eu estava disposta a fazer o que estivesse em meu alcance para ajudar os dois no que fosse preciso. – Pode contar comigo, Nick. Se precisar de alguma desculpa, de algum álibi... Estou com vocês.
- %Star%... – Nicholas ficou sem palavras, mas seus olhos tinham um “obrigado” bastante implícito. Eu entendia que era a única que sabia dos dois e por isso era a única que poderia servir de apoio.
- De nada. – Sorri completando o que ele não conseguia dizer. – Mas podemos parar de besteira e ir ao que interessa?
- Só estava te esperando, Julieta. – Levantou da cadeira e eu fiz o mesmo.
Antes que pudéssemos chegar aos finalmentes, recolhi as louças sujas da mesa e as levei para a cozinha. Algum dos meninos deveria acordar logo e por isso não havia a necessidade de guardar o que havia restado do café da manhã. Ainda no seu caminho de boa vontade, Nick se prontificou a lavar os pratos e mais uma vez eu não reclamei. O deixei ensaboando os talheres enquanto terminava a minha bebida cafeinada. Para tirar o gosto amargo da boca, dei uma corrida até o banheiro mais próximo e escovei os dentes. No caminho de volta para a sala, peguei o meu roteiro e um caderninho quase totalmente em branco, onde eu pudesse anotar qualquer dica ou informação importante que pudesse receber.
- O dia está tão lindo lá fora, %Tah%... Quer mesmo ficar aqui dentro? – Nick pegou a sua mochila do braço do sofá e apontou para a porta. – Sua varanda também parece confortável.
- Por mim tanto faz. – Dei de ombros. Algo me dizia que Nick tinha alguma razão pra não querer ficar ali, mas eu conseguia imaginar qual era. – Vamos pra lá, então!
- Eu odiaria desperdiçar os raios de Sol. – Foi na frente e abriu a porta pra mim, cavalheiro.
- Ahn, Nick... Acho que a sua ideia de “dia lindo” está meio conturbada. – Parei no batente da varanda e olhei para o céu. Não havia um raio de Sol sequer que conseguisse atravessar completamente a camada de nuvens, mas ainda assim o dia não chegava a estar escuro e chuvoso. – Tem certeza que não prefere ficar no sofá fofinho e quente?
- Onde está aquela garota que praticamente deitou na grama na primeira noite em que nos conhecemos? – O tom de voz de Nick tinha um ar de desafio. Ele passou por mim e foi até o meio do jardim de entrada, ignorando o caminho de pedra e se sentando na grama verde.
- Ainda está aqui...
Rolei os olhos. Eu me lembrava bem do que ele queria dizer, mas eram situações bem diferentes. Primeiramente, naquela noite eu estava levemente alterada por causa do álcool que percorria o meu sistema. Segundo, o clima de Londres estava bem mais ameno naquela época, já que atualmente entrávamos com força total no inverno. Mesmo sem estar muito certa daquela ideia, Nick podia ter razão... Um pouco de contato com a natureza não mata ninguém, né? Rolei os olhos uma segunda vez, dessa vez para mim mesma. Pulei os degraus e fui até o encontro de Nicholas, me sentando à sua frente e fingindo não estar incomodada com as pontas geladas que espetavam minhas pernas pouco cobertas. “Você me paga, Nick!” O ameacei dentro da minha cabeça e respirei fundo, não deixando o meu exterior me denunciar. Se era um desafio que ele queria, eu havia acabado de aceitar.
- E então? Mais alguma exigência? – Apoiei o meu roteiro em minhas pernas e ele pegou o próprio.
- Não julgue as minhas intenções! Só estou querendo criar mais inspiração. – Respirou fundo como se estivesse provando a sua tese, mas eu ainda não estava cem por cento convencida. – Faz parte do meu método. Você quer a minha ajuda ou não?
- Desculpa, desculpa! – Levantei as mãos na altura do ombro e dei o braço a torcer. – Por onde começamos?
- Primeiro eu gosto de fazer alguns alongamentos faciais. – Deu uma pequena pausa em sua fala para fazer caretas de todos os tipos e logo continuou: - Pode tentar você agora.
- Assim? – O imitei. Abri e fechei a boca em todas as direções possíveis, abrindo e fechando os olhos e mexendo o nariz. Não era a cena mais bonita do mundo, mas devia ter um propósito.
- Linda. – Não reprimiu uma risada e eu estirei a língua pra ele. – Agora tente mexer os braços e fazer sons. Não faça essa cara! Eu falo sério.
- Que tipos de som? – Mexi os braços para os lados e para cima, me esticando e parecendo um boneco inflável de posto de gasolina. – MAAAAAAAAAAAH. IIIIIIIIIIIIIIIIH. UH OH UH OH.
- Eu pedi pra fazer sons, não imitar um macaco. – Riu quase histericamente e eu não resisti; dei-lhe um tapa na cabeça com o meu roteiro. – Tudo bem, tudo bem! Chega de aquecimento!
- Fico feliz que eu esteja divertindo-o, Nick. – Cerrei os olhos, mas podia sentir os músculos do meu rosto um pouco mais relaxados. Ou algo perto disso. – E como vamos resolver o meu problema?
- O seu problema de pronuncia? – Assenti como resposta. – Eu já estava chegando nessa parte. Vamos simplesmente treinar.
- Como assim? – Eu ainda sabia o que “treinar” significava, mas não podia ser algo assim tão simples.
- A prática leva a perfeição. – Piscou presunçoso e pegou o meu roteiro, abrindo-o na página nove. – Quem você quer ser? Sansão ou Gregório?
- Gregório... – Encarei a página que eu já havia lido várias vezes. Sansão e Gregório eram os primeiros personagens a entrar em cena, mas não conseguia ver muita importância nos dois. Eram apenas empregados da casa dos Capuleto. – Mas eu não devia ser a Julieta?
- Você é sempre apressada assim? – Me pediu calma com o olhar e apontou para a página que escolhera. – Vamos começar devagar, com um diálogo qualquer. O que quero aqui é soltar a sua língua.
- Hm, tá bem... – Esperei uma piadinha infame sobre “soltar a minha língua”, mas ela não veio. Nick devia estar no modo profissional. – Pode começar.
- Por minha palavra, Gregório, não podemos levar desaforo pra casa! – Sua exclamação foi tão voraz que quase me assustei. Quase.
- É certo... Para não ficarmos desaforados. – Respondi, sem muita certeza do que falava.
- O que quero dizer é que quando fico encolerizado puxo logo a espada! – Nick mal precisava olhar para o roteiro e já entoava a sua fala.
- Sim, mas se quiseres viver, toma cuidado para não ficar encolarinhado. – Já eu, mal tirava os olhos do papel.
- Quando me irritam, eu ataco prontamente! – Fez um movimento brusco com a mão e mais uma vez me pegou despreparada.
- Esse Sansão é um chato. – Comentei indignada. Nick me olhou feio e eu voltei a me concentrar na cena: - Mas não te irritas prontamente para atacar!
- Agora estamos chegando em algum lugar... Gostei da entonação, %Tah%. – Limpou a garganta e voltou para o personagem, esbravejando: - Até um cachorro da casa dos Montecchio me deixa irritado.
- Nick, podemos ir para a minha parte? – Pedi com um biquinho. Ele levantou os olhos e me estudou por uns instantes. – Eu não quero reclamar dos seus métodos, mas me sentiria mais tranquila se já estivéssemos treinando o que eu realmente preciso saber.
- E adianta discutir com você? – Balançou a cabeça, mas era um bom sinal. – Página 29.
- Você decorou até as páginas? – Folheei rapidamente e logo constatei o que já imaginava: A página estava certa e era a primeira aparição de Julieta.
- Tenho talento. – Sorriu, mas não de forma condescendente. Levantou-se com um impulso e estendeu a mão pra mim. – Vem.
- Pra onde? – Segurei a sua mão e me pus de pé. Diferente do que achava, não fomos para lugar nenhum, apenas ficamos de pé. – Já entendi.
- A primeira técnica básica do teatro é a improvisação. Então vamos brincar! – Sorriu animado, soltando a minha mão e ocupando uma posição mais afeminada. – Julieta? Deus me perdoe, mas onde está a menina?! Oh, Julieta!
- Que é que houve? Quem me chama? – Segurei na barra do vestido, tentando passar inocência com a minha voz.
- Force menos. Se deixe levar. – Cochichou, mas não sei por que, já que só eu poderia escutá-lo de qualquer forma. – Vossa mãe.
- Senhora, aqui estou eu! Que desejais? – Imaginar Nick como uma dama da sociedade era bem engraçado, mas me segurei para não rir.
- Foi para falar de casamento que te chamei. Filha Julieta, dize-me: Em que disposição estás para isso? – Nick deu um passo na minha direção e tocou-me carinhosamente no ombro.
- É uma honra com a qual jamais sonhei... – Confessei em um fio de voz, dando um passo para trás e apoiando a mão que não segurava o roteiro sobre o peito.
- Pois estamos na época de pensar em casamento. Mais jovens do que vós, aqui em Verona, senhoras de respeito, já mães. – Nick me rodeou e eu o observei. – Pa
ra ser breve: O valoroso Páris requesta vosso amor. Que dizes? Sois capaz de amar o jovem?
- Vou ver se prendo nele os meus olhares... – Minha voz tremeu por uns instantes e provavelmente até Nick sabia o por que. Falávamos de Páris, o personagem que Zayn
interpretaria. Pensar em amá-lo era bem fácil pra mim, mas não podia ser para Julieta. – Mas a vista chegar além não há de do que me consentir vossa vontade.
- Ainda está muito forçada. Você tem que pensar como Julieta, sentir como Julieta e ser como Julieta. – Suas palavras soaram duras demais, me deixando pior do que eu já me sen
tia.
- Fácil pra você falar! Tem um talento nato pra isso.
- Você não está se esforçando o suficiente. – Disparou. Eu sabia que Nick não queria me magoar, porém, também não estava me animando tanto assim.
- Eu estou tentando! – Choraminguei e cruzei os braços, apertando o texto contra mim. – Também estou tentando não desistir, mas tá ficando difícil. Quando é que a dança começa?
- Eu não tenho essa informação mais do que você tem. – Parou de frente pra mim e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. – Eu sei que está sendo difícil pra você, entrar em uma área que não tem domínio... Acredite, no meu primeiro ano eu estava do mesmo jeito.
- Duvido muito. – Bufei olhando pra baixo. Às vezes eu me esquecia que Nick estava no último período e eu no primeiro. Talvez por isso eu me sentisse tão mal em falhar ao tentar acompanhar o seu nível.
- Eu já disse que vou te ajudar, não disse? – Levantou o meu rosto de forma amigável. – É uma promessa.
- Eu acredito. – Senti que aquela promessa tinha tanta importância pra ele quanto a que eu fizera mais cedo. A atmosfera voltou a se tornar leve e a esperança me invadiu mais uma vez. – Obrigada, Hoult.
Eu poderia tê-lo abraçado por causa do calor do momento e da gratidão que eu estava sentindo. Também teria sido correspondida, mesmo que de surpresa. O que impediu nosso abarcamento foi a chegada de um carro cinza que estacionou em frente à minha calçada. Não precisei esperar o motorista saltar do Volvo pra saber exatamente quem era. Cruzei os braços desconfiada, discutindo internamente os motivos que poderiam ter levado Zayn até ali. Dentre todas as possibilidades, a mais verdadeira era que a sua curiosidade de espionar o que Nick e eu estávamos fazendo sozinhos era grande demais. Com o sorriso mais inocente – e que não me enganava nada – o moreno desceu do automóvel e caminhou em nossa direção.
- Bom dia! – Cumprimentou como quem não quer nada.
- Bom dia, Malik. – Mesmo desconfiada de suas intenções, não negaria que estava feliz em vê-lo. – O que está fazendo aqui?
- Vim fazer uma visita aos meus amigos. – Apontou para a casa com a cabeça e segurou na lateral da minha cintura, afastando-me alguns metros de Nick e prendendo-me a si. – E nunca é ruim ver a minha namorada.
- Veio visitar os meninos, é? – Levantei uma sobrancelha e fui surpreendida por um beijo roubado. – Não tem nada a ver com o meu encontro com Nick?
- Nick? Oh, eu nem tinha te visto aí. – Sorriu falso para o meu parceiro e o cumprimentou com um aceno de cabeça. – Como vai, Nicholas?
- E aí?! – Nick também não se esforçou para quebrar aquele clima entre os dois e eu já comecei a me sentir desconfortável.
- Eu também não acho ruim ver o meu namorado... – Trouxe a atenção de Zayn de volta pra mim, abraçando-o pelo pescoço. – Mas estamos trabalhando aqui.
- Sei disso, sei disso. – Beijou minha testa e bochechas, exagerando na marcação de território. – E como eu disse, vim visitar meus amigos.
- Claro! – Ri baixo e tentei me soltar, mas foi inútil. – Então pode entrar e acordá-los. Aconselho deixar meu irmão por último, só por precaução.
- Não quer entrar comigo? – Escorregou os lábios até uma distância perigosa dos meus lábios e eu arfei após o seu sussurro.
- Talvez mais tarde... – Tive que me segurar ao pouco de sanidade que ainda me restava, caso contrário não conseguiria fazer nada. – Tem café da manhã na mesa. Chame os meninos e vão comer!
- Não tenho outra escolha, né? – Afrouxou o abraço e seu rosto ganhou uns traços mais sérios. – Se cuide.
- Sempre! – Fiquei na ponta dos pés para roubar mais um selinho e finalmente nos soltamos.
Ainda relutante e sem se despedir de Nick, Zayn voltou para o caminho de pedra e seguiu para dentro de casa. Não sei o que se passava em sua cabeça naquele momento, mas devia ter ido até ali na esperança de que a sua chegada fosse interromper os meus ensaios com Nick ou, pelo menos, que ele pudesse assistir. Se já era difícil me concentrar com Zayn apenas no meu pensamento, imagine se ele estivesse presente de verdade? Assim não teríamos Julieta alguma no fim do semestre. Senti a aproximação de Nicholas e fiquei tensa, pois já esperava algum comentário maldoso.
- Ao menos dessa vez ele mesmo veio espionar.
+++ Às duas horas da tarde, Nick foi embora. Nós havíamos passado vários textos aleatórios e eu já começava a notar os efeitos do nosso treinamento, pois não enrolava tanto a língua quanto antes; até me sentia um pouco boba por encontrar tanta dificuldade no começo. Acabamos almoçando juntos e sozinhos, pois os meninos pareciam ter se trancado dentro do quarto de Louis e eu tive medo de me intrometer e acabar atrapalhando alguma coisa. Eles precisavam daquele momento, como a própria %Abi% falara antes... “Precisavam passar um tempo juntos como uma banda”.
Às três horas da tarde, eu estava completamente entediada. Tentei assistir algo na TV, ler alguma matéria interessante em revistas, ler um livro, arrumar a casa... Mas nada disso parecia prender a minha atenção por mais de cinco minutos. Eu queria me mexer, queria pular, nadar, fazer o que fosse! Só não queria mais ficar dentro de casa. Mais uma vez a vontade de bater à porta do quarto de Lou e roubar pelo menos um dos quatro meninos que estavam ali dentro para me fazer companhia. Talvez Harry, pra darmos uma volta de carro pelo condomínio a toda velocidade. Talvez Lou, para jogar futebol no campo. Ou que tal Liam? Mas a minha primeira opção com certeza seria Zayn. Poderíamos não fazer nada, só sentar de frente um para o outro, e já seria a tarde perfeita. Entretanto, não me atrevi a atrapalhá-los.
Às três e meia eu já dava a quarta volta no quarteirão de casa. Minha melhor opção foi vestir uma roupa de ginástica – que há tempos eu não usava – e sair pra correr. Não era algo que eu estava acostumada a fazer, principalmente por levar uma vida semi-sedentária, mas estava disposta a mudar isso. Não adiantaria ficar sem comer ou fazer um regime louco se eu não fizesse algum exercício para equilibrar. A dança não parecia estar sendo suficiente, então talvez aquilo fosse. O clima parecia estar do meu lado, mantendo-se fresco e sem chuva. Algumas gotas de suor escorriam do meu rosto e isso era prova de que o meu esforço estava surtindo algum efeito. Meus pés batiam contra a calçada e me impulsionavam para frente, mantendo um ritmo constante e não tão rápido, mas ao mesmo tempo não tão devagar.
- Hey, com licença! – Escutei uma voz feminina me chamando e diminuí os movimentos até conseguir parar.
- Sim? – Me virei preocupada, já achando que tinha derrubado algo durante a minha corrida.
- Posso correr com você? – Uma garota, que tinha mais ou menos a minha altura, cabelos longos com um tom loiro claro, olhos castanhos e um sorriso simpático, estava vestida quase igual a mim, apesar de aquelas roupas parecerem mais adequadas para ela do que pra mim. – Não tem problema se você disser não... Eu vi você sozinha e achei que podia querer companhia...
- Eu aceito a sua companhia sim! – Sorri de volta, meio ofegante. – Me chamo %Star%.
- Muito prazer, %Star%. – Encurtou a distancia entre nós e não perdemos tempo. Não voltei a correr como antes para poder conversar enquanto caminhávamos. – Meu nome é Olivia, mas todo mundo me chama de Liv.
- Olivia? Você é a Olivia? – Reprimi uma risada. Então aquela era a tal garota de que Louis falara? Eu podia ver sua animação, pois Liv era realmente bonita.
- Desculpe, mas você já ouviu falar de mim?
- Algumas vezes... – Assenti, deixando-a mais confusa ainda. – Você conheceu o meu irmão algumas semanas atrás... Louis Tomlinson?
- Aquele do skate? – Bingo! Olivia riu como se lembrasse de algo engraçado. - É seu irmão?
- Esse mesmo! – Dobramos a esquina e apertamos o passo, começando a trotar.
- Eu me lembro dele... E tinha um outro garoto com ele quando fui atropelada.
- Bem alto e com rosto de criança? – Perguntei e foi a vez dela de assentir. – Esse é o Harry.
No final das contas Olivia se mostrou ser bem mais do que eu imaginava. Era uma garota simpática e, apesar de sua beleza, não era metida ou coisa parecida. Seu estilo era bem hippie e eu não duvidava nada que ela tivesse algumas tatuagens de flores ou símbolo da paz por baixo das roupas de ginástica. Não que eu estivesse pensando sobre isso, é claro. Em vinte minutos de caminhada e conversa, já constatei que nos daríamos bem. Infelizmente esse não seria o mesmo caso com %Abi%. Não digo que já pretendia me tornar super amiga de Olivia, mas se um dia fossemos ficar juntas no mesmo cômodo novamente e %Abigail% acabasse estando lá também, as duas levariam um choque. Enquanto %Abi% era elétrica, irritante, cheia de manias, certa de tudo e muito cabeça dura, Liv aparentava ser... Mais fácil de lidar.
Descobri que a minha nova colega estudava História em alguma universidade grande de Londres. Não lembro muito bem o nome, mas sabia que era importante. Além de escutar coisas sobre ela, também falei bastante sobre mim; como o que me trouxe àquele país, onde eu estudava e os meus planos para o futuro. Olivia escutou tudo atentamente e sempre perguntava mais, porém, acho que era apenas por educação ou costume. Continuamos correndo e tomamos um novo caminho, indo além da praça e do parquinho. Quando o assunto quis dar uma trégua, decidimos esquentar as coisas e apostar corrida até o fim do condomínio. Preciso falar que perdi? Meu condicionamento físico estava totalmente despreparado para competir com alguém que corria todos os dias, o que era o caso da minha oponente.
- Não vale... Você me pegou desprevenida... – Ofeguei e parei de correr no meio do caminho, sentando na calçada para descansar.
- Você está certa. – Sentou-se ao meu lado e me passou uma garrafinha de água. – Tem razão em estar cansada, já que começou a correr antes de me encontrar.
- Isso mesmo! – Eu podia estar correndo há mais tempo que ela, mas duvidava que esse fosse o fator da minha incapacidade de terminar a corrida. Agradeci pela água com um sorriso e a despejei na boca, sentindo o líquido me hidratar e amenizar o calor que eu estava sentindo. – Foi ótimo correr com você, Liv, mas acho que vou pra casa.
- Tudo bem, já está ficando tarde... – Olhou no relógio. Eu não fiz o mesmo, mas pela posição do Sol, devia passar das cinco da tarde. – Nos vemos outro dia?
- Você sabe onde eu moro. – Levantei com um pouco de dificuldade e me estiquei. – Vamos fazer isso mais vezes! Estou livre todas as tardes.
+++ O trajeto de volta pra casa pareceu mais demorado e bem mais longo. Não sei se é porque os músculos das minhas pernas pediam por descanso ou se a falta de companhia era mesmo tão ruim assim. A única coisa que importava era que eu já me sentia mais forte e mais saudável, sem falar de mais suada e com mais calor. Tirei o moletom assim que entrei em casa e o joguei direto na cesta de roupa suja. Minha calça e meu top também estavam sujos, mas eu não era louca de tirá-los antes de chegar ao banheiro. Vai que algum dos meninos decide aparecer e me encontra com tão poucas roupas? Eu morreria de vergonha. Subi as escadas com relutância, quase desejando ter um elevador ou ao menos uma escada rolante que me levasse ao segundo andar com menos esforço. A porta de Louis estava entreaberta e considerei isso como um convite.
- Posso entrar? – Empurrei a porta devagar, na esperança de pegá-los de surpresa.
- %Tah%! %Tah%! %Tah%! – Harry levantou de onde estava e me puxou para dentro do cômodo. – Temos novidades!
- Novidades boas? – Questionei, mas pelos sorrisos que cada um dos cinco meninos ostentava era bem óbvio que sim. – Quando foi que o Niall chegou aqui?
- Há uma hora mais ou menos. – O próprio loiro me explicou e acenou como “oi”.
- Fica aqui, porque nós queremos te apresentar. – Haz continuava super animado e me guiou até a frente da cama de Lou.
- Me apresentar a quem? – Eu estava cada vez mais confusa. Não conseguia ver mais ninguém ali que eu já não conhecesse e tivesse que ser apresentada.
- Vamos mesmo fazer isso, Harry? – Liam foi levantado da cama a força e colocado de frente pra mim, ao lado dos outros quatro.
- Shhhh! – Harry riu em resposta e todos os meninos se abraçaram de lado. – Nós somos...
- O One Direction! – Todos falaram ao mesmo tempo e eu fiquei meio sem reação. Harry era de longe o mais animado e Zayn totalmente o oposto, com aquele olhar de “não acredito que fui convencido a fazer isso”.
- One Direction? – Ri da apresentação teatral, mas achava que sabia do que se tratava. – É o nome da banda?!
- Sim! – Niall deu um pulo sem sair do lugar, animado por causa dessa novidade tremenda. Eu bem sabia o quanto eles estavam sofrendo pra encontrar um nome.
- One Direction... One... Direction... 1-D... – Fiquei treinando o nome para me acostumar e gostei de como soava. – Adorei! Parabéns, guys!
- Foi ideia do Harry, mas todos gostamos. – Lou deu um tapinha no ombro do amigo.
- Onde você estava? – Zayn deu alguns passos na minha direção, mas eu me afastei.
- Eu estava correndo, então estou suada. – Expliquei a minha reação contrária a dele, mas tinha certeza que isso não iria impedi-lo de chegar mais perto.
- Não ligo pra isso. – Sorriu e me puxou pelo pulso. Deu um beijo na minha testa e depois continuou. – Posso te dar um banho se quiser.
- Vão para o quarto, vocês dois! – Niall brincou e empurrou Zayn na minha direção. Acabei sendo encostada à parede e o garoto ficou mais perto ainda.
- Não seria má ideia... – Mordi o meu lábio provocante, fingindo que falava sério.
- Mesmo? – Uma incredulidade misturada à esperança brilhou nos olhos de Zayn, mas fomos interrompidos antes que eu pudesse responder.
- %Tah%, quero te mostrar uma coisa. – Liam estava sentado em uma cadeira com rodinhas, em frente ao computador.
- Liam quer me mostrar uma coisa. – Dei de ombros e empurrei Zayn de leve, escapando daquele momento... Tentador.
- Valeu, Liam. – Meu namorado reclamou com um muxoxo.
- Isso aqui é importante! – Tentou se defender.
- Pode mostrar... – Me posicionei atrás da cadeira e olhei para a tela do computador, onde reconheci o Youtube.
- Colocaram os vídeos no canal do X Factor Uk. – Apontou para o quadradinho onde o vídeo que eu e %Abi% mandamos estava. – O nosso também.
- E aí?! – Sorri animada, querendo saber o resto da noticia.
- Já temos quinze mil visualizações. – Zayn respondeu, parando ao meu lado.
- Em um dia?! – Era bom demais pra ser verdade...
- Em seis horas. – Meu queixo caiu quando Liam me corrigiu.
- Uau... – Minha palavra saiu como um suspiro, pois era um número grande demais para apenas seis horas. Se todas essas pessoas que assistiram tivessem votado neles... Já seria um começo. Um bom começo.