Capítulo IV
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Devia passar das quatro horas da manhã e eu rolava de um lado para o outro na cama sem conseguir voltar a dormir. Não sei exatamente o que me acordou, mas era a falta de sono que me mantinha acordada. Eu estava entediada, então me sentei na cama e bufei. Olhei em volta procurando o meu celular e foi aí que me ocorreu... Eu não havia ligado para os meus avós, avisando que tinha chegado bem. Eles deveriam estar tão preocupados! Saí da cama devagar, evitando aquela tontura chata, e me dirigi até o closet. Procurei a minha bolsa e a puxei de qualquer jeito, fazendo-a virar e derrubar tudo que estava dentro dela no chão. Fiz uma careta de irritação e me abaixei, catando tudo de qualquer jeito e colocando dentro da bolsa novamente. A sensação de que estava esquecendo de algo começou a me perturbar, mas dei de ombros e peguei o meu celular do chão. Não deveria ser nada importante.
Três chamadas não atendidas; ótimo. Eu podia até escutar a voz de minha avó falando que eu só não esquecia a cabeça porque estava grudada ao pescoço. Não gostava daquela brincadeira, mas ela estava certa. Além de curiosa, eu era extremamente esquecida e desligada. Já era tarde, principalmente por ser uma hora mais tarde em Paris, então deixaria pra ligar depois do almoço. Assim eu teria mais tempo pra inventar alguma desculpa.
Decidi ir até a cozinha e preparar um chá de pêssego, já que ele sempre me fazia dormir quando eu acordava no meio da noite. Fiz um coque alto, amarrando com o meu próprio cabelo e abri a porta devagar para não fazer barulho e acabar acordando alguém. O corredor estava vazio e silencioso. Caminhei devagar até a escada sem acender luz nenhuma e continuei o meu caminho para o andar de baixo. Antes de chegar à cozinha, notei que a luz da TV da sala estava acesa e mudei o meu percurso, indo até lá. Na medida em que me aproximava, o som de tiros ficava mais alto, o que me fez reconhecer um jogo de vídeo game. Liam estava sozinho no sofá, tão entretido com a sua missão que nem notou a minha presença ali. Ele fazia caras e bocas, resmungando alguma coisa quando não conseguia fazer o que queria e ria em uma espécie de “HAHA” quando completava seu objetivo. Eu poderia ficar ali o observando a madrugada inteira. A forma como ele parecia não se importar com a opinião que os outros tinham sobre ele me encantava. Eu adoraria ser assim, mas o meu perfeccionismo não me permitia escutar uma crítica e deixar pra lá.
- Sabia que é feio espiar os outros? – Eu nem vi quando ele pausou o jogo e se virou para me encarar com aquele sorriso.
- Desculpa, eu não queria te atrapalhar. – Falei sem jeito, torcendo pra que ele não tivesse percebido quanto tempo eu passei só olhando pra ele.
- Não seja boba, %Tah%. É claro que você não me atrapalha. – Liam bateu no espaço vazio ao seu lado, me chamando para sentar. – Perdeu o sono também?
- Completamente. – Ri e fui me juntar a ele no sofá, sentando onde havia indicado.
- Quer jogar? – Apontou para o outro console do vídeo game.
- Call Of Duty não é muito o meu estilo de jogo. – Coloquei as pernas pra cima do sofá, encostando o corpo em uma almofada.
- Tenho Guitar Hero também. – Ele sorriu como se quisesse me persuadir e eu preciso dizer que conseguiu?
- Agora sim você está falando a minha língua! – Bati palmas silenciosas em animação e concordei em jogar com ele.
- Você quer jogar com a guitarra ou controle? – Liam levantou do sofá e foi trocar o jogo. Notei que ele não usava as mesmas roupas de quando foi me buscar na estação. Estava vestindo uma bermuda e um casaco; julguei que estivesse sem camisa, já que o zíper do casaco não estava completamente fechado e eu podia ver uma parte do seu peito descoberto.
- Guitarra, sempre. – Sorri, tentando espantar pensamentos pecaminosos que não faziam sentido algum e eram culpa dos hormônios.
- Aqui está a sua... – Ele me entregou a minha guitarra e eu passei a faixa preta por cima de meus ombros, me sentando direito no sofá. – Qual música você quer? Essa aqui é bem fácil.
- Pode escolher a música que quiser. – Como assim aquela era bem fácil? Será que ele achava que eu era ruim? Liam me olhou de esguelha e sorriu.
- Essa é a minha preferida. – Escolheu a música que tinha um maior número de trocas e a mais rápida. – Pode colocar no nível fácil, não tem problema. Essa música é difi... – Não o deixei terminar a frase e selecionei o nível expert.
- O que ia dizendo? – Perguntei, sorrindo cínica. Ele me olhou debochado e escolheu o mesmo nível no maior estilo “Challenge accepted”.
Nós dois rimos e a música começou. Nenhum olhava para o outro e eu quase não respirava. Meus dedos mexiam-se em sincronia, apertando os botões coloridos o mais rápido que podia. Fui a primeira a errar uma sequência e aquilo me irritou profundamente. Xinguei internamente ao escutar a comemoração de Liam. Ele estava na frente e eu não podia permitir aquilo. Concentrei-me ainda mais, evitando até mesmo piscar os olhos.
- AHÁ! – Comemorei ao conseguir um bônus e ver o menino ao meu lado errar a sua sequência.
- Não, não, não! – Reclamou, me fazendo rir ainda mais.
- E aqui vem o solo final... – Falei mais pra mim do que pra ele e respirei fundo. Era a última parte e a mais longa. Qualquer errinho poderia custar o jogo. Nós dois estávamos praticamente empatados e aquela seria a decisão. Meu dedo mindinho da mão esquerda segurou um botão, e o manteve pressionado enquanto outros dois se mexiam alternando entre um botão e outro. Minha mão doía, mas eu não podia perder. Só precisava aguentar mais um pouco.
- Outch... – Liam estremeceu ao meu lado e errou uma troca. Aquilo me fez disparar na frente do placar e eu gargalhei alto.
- VICTORY! – Comemorei com animação, levantando do sofá e pulando sem parar. A TV mostrava claramente as mensagens: “YOU WIN” no meu lado da tela, e “YOU LOSE” no lado dele.
- Nãaaaaaaao! – Ele também saiu do sofá, mas caiu de joelhos no chão. Escondeu o rosto nas mãos e fingiu chorar. – Como serei capaz de viver com essa derrota?
- Isso é pra mostrar que você não pode subestimar as pessoas! – Ainda estava rindo e dançando com a minha vitória, mas devo admitir que fiquei com pena dele.
- Revanche! Eu quero uma revanche. – Ele levantou do chão e ficou de pé. Eu aceitei a revanche e fiquei ao seu lado; também não sentaria.
- Você é que sabe. – Gargalhei, tendo a certeza que ganharia de novo. – Mas dessa vez eu escolho a música.
Escolhi Move Along, do The All American Rejects. Não era uma música muito difícil, mas eu a adorava. Os primeiros acordes começaram e nós dois tocamos em sincronia. Parecia até que nós éramos de uma banda. Eu me perdi em algumas partes porque me empolguei demais e comecei a cantar.
- And even when your hope is gooooone (E mesmo quando a sua esperança se foi), move along, move along just to make it through (siga em frente, siga em frente só pra superar). – Mexi o quadril em uma dancinha animada. Segui cantando a música até ficar sem ar e foi quando Liam me substituiu.
- When all you got to keep is strong, move along (quando tudo que você tem pra guardar é forte), move along like I know you do (siga em frente como eu sei que você faz). – Ele cantou a parte lenta da música, sem o acompanhamento da música, e eu percebi o quanto a sua voz era incrível. Soava como veludo e eu notei que ele estava cantando de verdade. Quero dizer, não era como ele havia cantado no carro, como uma brincadeira. Não consegui mais prestar atenção no jogo o que rendeu na vitória de Liam.
- Isso não vale! – Me joguei no sofá, cruzando os braços e fazendo bico.
- É claro que vale. Foi uma vitória justa. – Ele também se sentou no sofá, mas virado de frente pra mim.
- Você me distraiu, o que não é justo. – Deixei a guitarra em cima da mesinha de centro e fitei as minhas próprias mãos.
Deixamos o jogo de lado e fomos para a cozinha, onde eu faria chá gelado para nós dois. Liam me contou bastante sobre ele, sem se importar com as minhas perguntas curiosas. Descobri que ele não era de Londres, e sim de uma cidadezinha chamada Wolverhampton. Tinha duas irmãs chamadas Nicola e Ruth e não via sua família há alguns meses, mas morria de saudades. Nosso gosto era bastante parecido, já que ele adorava desenhos de animados e filmes da Disney, assim como eu. Sem falar do nosso gosto musical, que era quase o mesmo. Conversamos sobre super heróis e programas de TV. Sua série preferida também era F.R.I.E.N.D.S e entramos em uma discussão quando ele começou a defender o Ross, alegando que ele não errou em dormir com a moça da copiadora já que eles estavam dando um tempo, e eu defendi a Rachel com unhas e dentes. Liam me contou que veio a Londres para trabalhar na mesma agência fotográfica que o meu irmão e foi assim que eles se conheceram. Como ainda não tinha um lugar pra morar e ficar hospedado tanto tempo e um hotel estava saindo caro demais, Louis o convidou para passar um tempo com a gente.
O chá já estava pronto e eu nos servi em duas canecas. Sentamos lado a lado na bancada americana da cozinha e eu dei o primeiro gole no chá gelado de pêssego.
- Está bom? – O perguntei, repousando a minha caneca sob a bancada.
- Está maravilhoso, %Tah%. – Ele bebia e me olhava de vez em quando, como se estivesse receoso com algo.
- O que houve? Pode falar que não gostou, não tem problema! – Brinquei, passando a ponta do indicador na borda do meu copo, distraída.
- Você e o Harry... – Liam começou, escolhendo as palavras que iria usar. – Estão juntos?
- Eu e o Hazza? – Gargalhei um tanto alto, tapando a boca em seguida. Louis estava dormindo no andar de cima e aquele meu escândalo poderia acordá-lo.
- Sim... Estou perguntando por causa do que aconteceu mais cedo, no seu quarto. Os dois pareciam muito íntimos. – Deu de ombros, como se não se importasse e fosse apenas uma pergunta casual. – Além do mais, ele não parava de falar em você. Era “Star isso” e “Star aquilo”. “Será que a %Star% se lembra de mim?”. – Liam tentou imitar Harry e eu acabei rindo daquilo.
- Isso é novidade pra mim! Eu e o Harry somos amigos praticamente desde sempre e nunca passou disso. – Fiz uma careta; beijar Harry seria como beijar Louis. Minha careta só aumentou com esse último pensamento.
- Entendi, entendi! – Ele riu das minhas caretas e não tocou mais no assunto.
Na verdade, não tocamos mais em assunto nenhum. Terminamos nossas bebidas em silêncio, mas não aquele silêncio constrangedor de quando não tem mais o que ser falado. De vez em quando o nosso olhar se cruzava e trocávamos sorrisos tímidos. Não sei a hora exata, mas o Sol já começava a nascer quando nos despedimos e cada um foi para o seu quarto. Meu dia seria longo, já que eu tinha muita coisa pra arrumar. Os meninos iriam trabalhar e eu ficaria sozinha em casa. Deitei na minha cama e dessa vez usei o cobertor para me cobrir.
+++ Quando acordei novamente já passava das três horas da tarde e meu irmão gritava alguma coisa do outro lado da porta. Como não era comigo, preferi ignorar e me enterrar no meu mar de travesseiros. O quarto parecia mais frio do que na noite anterior, me fazendo puxar o edredom até o pescoço.
- %Star%. – Meu irmão abriu a minha porta de uma vez, me fazendo tremer de susto.
- Geez, Louis. O que é? – Resmunguei e puxei um travesseiro até o meu rosto.
- Nana já ligou três vezes e quer falar com você. Tem almoço na cozinha e eu já estou atrasado para um ensaio, então estou saindo. – Ele continuava sério, provavelmente estressado por estar atrasado. – Até mais tarde, %Tah%.
- Bom trabalho, Lou. – Tirei o travesseiro de cima de mim e o olhei. Mandei um beijo no ar que foi retribuído com um sorriso.
- Porra, Liam, anda logo! Eu não ligo se você está com sono, nós temos que ir. E nem quero saber o que você ficou fazendo ontem a noite. – A voz dele desapareceu quando chegou ao primeiro andar. O que vi depois foi Liam correndo, ainda vestindo a sua camisa, e com o cabelo todo bagunçado. Ele gritou um “Bom dia, %Tah%.” E também sumiu.
Usei o resto do dia para fazer tudo que estava enrolando pra fazer. Primeiro liguei para a minha avó e a tranquilizei, explicando que tinha chegado bem e Lou havia me recepcionado da melhor forma possível. Depois arrumei todas as minhas roupas, sapatos e bolsas dentro do closet, deixando tudo bem organizado. O banheiro do meu quarto logo ficou lotado de cremes, perfumes e maquiagens. Eu poderia ter guardado tudo nas gavetas abaixo da pia, mas sempre quis um banheiro só meu pra poder espalhar as minhas coisas. Agora que tinha, iria aproveitar. Colei algumas fotografias na parede atrás da minha cama; a maioria era em preto e branco. Fiquei alguns minutos olhando aquelas imagens... Em uma foto, eu estava entre Louis e Harry e nós três estávamos em um parque coberto pela neve; rindo. Parecia que nada havia mudado desde aquele dia. Nós estávamos mais velhos, é claro. Louis já tinha barba e Harry parecia mais com um homem. E eu... Bem, meu cabelo estava mais longo e minha franja reta agora caía sobre um dos olhos. Me corpo possuía mais curvas e eu gostava de mostrá-las. Mas o mais importante ainda continuava intacto. Nós três ainda éramos os mesmos de tantos anos atrás. Lembrei-me do que meu avô disse antes que eu partisse; sobre nunca mudar a minha essência. Bem, parecia que aquele plano estava dando certo.
Quando a noite caiu e meu trabalho estava acabado, liguei para meu pai. Ele estava louco pra me ver e disse que a minha meia-irmã Lux estava com saudade. Agradeci pela casa e mandei um beijo para Rachel, falando que queria vê-los assim que papai tivesse folga no hospital. Ele prometeu que me ligaria assim que tivesse um tempo e faria de tudo para não demorar. Louis e Liam chegaram enquanto eu ainda estava no telefone e trouxeram comida chinesa para o jantar.