Capítulo I
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O sol já havia nascido e entrava pela janela do meu quarto sem pedir licença, batendo diretamente no meu rosto e me fazendo despertar. Eu não sabia ao certo quanto tempo havia dormido, mas parecia que não tinha sido nem cinco minutos. Na noite anterior, eu não conseguira pegar no sono. Estava nervosa demais pra conseguir pregar o olho! Deixe eu me apresentar... Me chamo %Star% e tenho 19 anos. Sou uma típica garota francesa. Meu grande sonho sempre foi ser uma bailarina profissional, me apresentar nos maiores teatros do mundo e encantar pessoas com a dança. Desde que me entendo por gente tenho sapatilhas cor de rosa nos pés e um coque nos cabelos perfeitamente penteados. Há aproximadamente um mês, em uma viagem para visitar o meu pai na Inglaterra, fiz um teste para a London Royal Academy, que é a melhor academia de artes da Europa. Além de ballet, a academia oferece cursos de música e teatro, mas é claro que o meu objetivo era a dança. Como moro na França com meu avô Charles e minha avó Jolene - desde que meus pais se separaram - a minha carta com o resultado do teste estava demorando até demais para chegar. Eu seria mais a favor de um e-mail avisando se eu havia conseguido uma bolsa de estudos na melhor escola de ballet do mundo (na minha opinião), ou se os meus sonhos seriam destruídos e eu teria que me contentar com uma faculdade qualquer. Mas aparentemente a Academy gostava de fazer as coisas de um jeito mais Oldschool.
Já era quarta feira e o carteiro deveria passar a qualquer momento. Me mexi preguiçosamente na cama e constatei que o livro que eu estivera lendo na noite passava estava fechado e sem a página marcada. Deveria ter fechado sozinho quando finalmente peguei no sono e então levantei com uma careta, já imaginando o trabalho que daria pra achar a página certa novamente. Segui me arrastando até o banheiro do corredor, já que eu não tinha um só pra mim em meu quarto, e resmunguei baixo ao encontrar a porta trancada.
- Louis? Lou, é você aí dentro? Anda loooooooogo. – Bati na porta umas três vezes até escutar o barulho da chave sendo girada na parte de dentro do banheiro e a figura sorridente do meu irmão aparecer.
- Bom dia pra você também, apressada. – Ele depositou um beijo estalado em minha testa e desceu as escadas ainda sorrindo. Queria ter o bom humor de Louis pela manhã. Resmunguei alguma coisa que ele provavelmente não ouviu e entrei no banheiro, me trancando lá dentro. Fiz toda a minha higiene matinal, mas me recusei a tomar um banho. Estava nervosa demais para perder mais um segundo qualquer ali dentro. Segui o meu caminho para o andar de baixo, saltando dois degraus de cada vez. Quase caí no penúltimo degrau, mas ninguém precisa ficar sabendo disso.
- Bom dia, nana! – Passei pelas portas brancas da cozinha e caminhei até a minha vó, que cozinhava algo que cheirava muito bem. A abracei de lado com um sorriso e beijei-lhe a bochecha, recebendo um daqueles sorrisos que alegram o dia de qualquer um como resposta.
- Bom dia, %Star%. Será que hoje é o grande dia? – Ela perguntou com a voz doce e suave, se referindo ao resultado do meu teste. Nas últimas quatro semanas eu havia acordado cedo demais, apenas para sentar na varanda de casa e esperar Joe, o carteiro.
- Eu espero que sim... Essa demora está me matando. – Sentei ao lado de Louis, que mastigava um pedaço de croissant e sorriu pra mim com a boca cheia. – Ew. – Falei simplesmente, gargalhando e em seguida roubando o resto de comida em seu prato. Ele estava prestes a reclamar e roubar o croissant mordido da minha mão, mas minha avó foi mais rápida e o repreendeu.
- Louis, deixe a sua irmã comer um pedaço. Esse já é o seu terceiro e a coitadinha está nervosa. – Vovó sempre me defendia e por isso eu amava tanto. Não só por isso, mas enfim. Olhei para meu irmão mais velho e sorri para ele da mesma forma; com a boca cheia. Porém, nos meus olhos havia um toque zombeteiro como se eu estivesse falando: “Haha, bem feito” o que me rendeu um tapa na cabeça e uma reclamação dele.
- Injusto. Ela sempre consegue tudo o que quer. – Ele dramatizou, terminando o suco em seu copo antes que eu tentasse roubá-lo também.
Meu avô entrou na cozinha com um jornal embaixo do braço e algumas correspondências nas mãos. No mesmo instante em que vi aqueles envelopes meu coração começou a bater mais rápido e eu senti um frio percorrer a minha espinha. Vovô me olhou com de forma companheira. Ele não costumava sorrir muito, mas aquele olhar reconfortante foi o suficiente para me tranquilizar ao menos um pouco. Meu irmão e minha avó trocaram olhares como se estivessem se perguntando a mesma coisa que eu e vovô começou a olhar as cartas, de uma por uma.
- Conta, conta... – Ele começou, para o meu desespero. – Propaganda. Cupom para um novo lava jato... – E seu olhar saiu do último envelope e me fitou por cima dos seus óculos de meia lua. – Essa é sua, %Star%.
No mesmo instante que ele falou aquilo, saltei da cadeira e corri em sua direção. Delicadamente tirei o envelope branco e com bordas douradas de suas mãos e corri para fora da cozinha, subindo as escadas de volta para o meu quarto ainda mais rápido do havia descido. Queria abrir a carta sozinha. Aquele seria um momento só meu. Afinal, todo o trabalho, todas as noites mal dormidas por causa de ensaios e todas as bolhas em meus pés haviam sido somente minhas. Claro que a minha família tinha me apoiado e torcido por mim, mas não foram eles que dançaram na frente dos três maiores críticos de ballet que eu já pude conhecer. Ninguém além de mim enfrentou o nervosismo, as dores, ou passou mal após a apresentação que decidiria o meu futuro. Eu tinha dado tudo de mim e sabia do peso que aquela única apresentação teria na minha carreira. É verdade que eu poderia tentar novamente no ano seguinte, mas era praticamente impossível alguém ter uma segunda chance e entrar na segunda tentativa. E eu não tentaria de novo. Não acreditava que seria boa o suficiente em uma “segunda chance”. Para mim, aquela era a minha chance. Aquele papel brilhante em minhas mãos era a minha passagem para Londres. Ou então seria o fim dos meus sonhos, a prova de que eu não havia nascido para dançar e eu teria que aceitar o meu destino trabalhando em algo que não me deixaria completa.
Tranquei a porta do quarto e sentei-me na cama com “pernas de índio”. Tentei ficar o mais confortável possível, mas o frio na barriga só fazia aumentar. Li a parte exterior inteira, me certificando de que aquela carta era realmente minha. “Star Tomlinson” e “Paris; França.” Sim, era minha. Respirei fundo deixando o ar voltar a sair por entre os meus lábios.
- É agora... – Falei sozinha e passei o dedo indicador com cuidado para retirar o lacre vermelho que estava mantendo a carta fechada. Assim como o exterior, o papel que estava dentro do envelope era minuciosamente trabalhado em branco e dourado. Segurei o papel com as duas mãos e corri os meus olhos to topo até começar a ler o que estava escrito. Não queria perder nenhum detalhe, por melhor ou pior que pudesse ser.
“Prezada Srt. %Star% Tomlinson,
É com grande prazer que informamos a sua aceitação na London Royal Academy para a classe de Ballet clássico. Comprovamos que suas habilidades são mais que suficientes...” Nesse momento eu já não consegui ler mais nada, pois meus olhos estavam repletos de lágrimas que teimavam em sair. Mas eu nem ao menos tentei controlá-las; estava chorando de felicidade. Eu havia sido aceita. Minha vida iria mudar completamente dali pra frente e eu nem sabia o quanto. Ainda estava chocada e não parava de ler a primeira frase. Era tudo tão perfeito, a letra trabalhada e manuscrita deixava tudo ainda mais pessoal e emocionante. Passei as mangas do meu pijama em baixo dos olhos secando algumas lágrimas para conseguir terminar de ler. Eu teria até uma semana antes do começo das aulas para confirmar a minha vaga pessoalmente na academia e pegar o meu horário de aulas, assim como conhecer melhor o lugar. E teria um mês até o início das aulas. Seria tempo suficiente para me organizar e me adaptar a minha nova cidade.
De uma vez só vários pensamentos começaram a invadir a minha cabeça. Eu teria que deixar meus avós sozinhos, já que Louis estaria indo para Londres também, pois ele conseguira um emprego como fotógrafo em uma agência muito conhecida. Mas ele estaria partindo em três dias e eu provavelmente só iria um pouco depois. Também teria que deixar a minha mãe, que morava em Paris desde que ela e meu pai se separaram.
Deixe-me explicar melhor: Meus pais se conheceram em Doncaster, quando a minha mãe estava passando férias na cidade com algumas amigas. Eles se apaixonaram perdidamente minha mãe engravidou do meu irmão, o que resultou em um casamento relâmpago. Os três continuaram morando na Inglaterra, mas o casamento já não era lá tudo aquilo que foi no começo. Para tentar salvar o relacionamento eles decidiram ter mais um filho, e é nessa hora que eu entro; o bebê que deveria fazer todos os problemas irem embora. Mas antes que eu pudesse nascer, todos se mudaram para Paris, o que me torna originalmente francesa. Quando a separação aconteceu, eu já estava com doze anos e meu pai se mudou para Londres, nos deixando sob os cuidados de minha mãe. Não lembro se cheguei a ficar um dia inteiro com ela, por causa do seu trabalho. Era uma artista plástica e sempre ficou muito ocupada com seus trabalhos ou exposições de arte e nunca teve muito tempo pra gastar com seus filhos. Essa foi uma das razões que levou meus avós a lutarem pela nossa guarda e nos levar para morar com eles. Papai recentemente se casou novamente com uma modelo chamada Rachel, uma madrasta diferente das dos contos de fada, pois ela era um anjo. E desse casamento veio a minha meia-irmã, Lux. Uma princesinha de dois anos a quem eu era super apegada. Sempre que podia passava as férias de fim de ano com meu pai e se pudesse escolher, ficaria morando com ele para sempre. Agora que já tinha um motivo mais forte para me mudar para Londres, poderia ir sem me sentir culpada por deixar para trás tudo aquilo que eu conhecia.
Uma batida forte na porta me fez despertar dos meus pensamentos e quase ter um pequeno ataque do coração ao escutar o berro do meu irmão.
- %Star%! Você está nos preocupando com essa demora. Se foi rejeitada, ao menos vá cortar os pulsos no banheiro. Porque eu não quero ter que limpar a mancha de sangue do chão. - Sempre tão delicado pude ouvir sua risada do outro lado da porta. Senti vontade de rir também, mesmo que quisesse lhe dar um soco por causa dessa gracinha. Se eu realmente tivesse sido rejeitada, não aguentaria aquela brincadeira.
- Já vou abrir... – Disse imitando uma voz fraca, querendo criar um suspense.
Levantei da cama e destranquei a porta sem nem olhar para Louis. Ele entrou atrás de mim e pude sentir seu olhar me encarando, esperando por alguma resposta.
- E aí? O que dizia a carta? – Ele estava sério, provavelmente me julgando pelos olhos vermelhos causados pelo choro.
- Eu... – Comecei, olhando-o nos olhos pela primeira vez. – Eu passei, Lou.
- Eu sabia! Wow, %Star%, parabéns! – Ele comemorou animado, passando os braços em minha cintura e me levantando do chão.
- Obrigada, Boo Bear! – Me segurei em seus ombros para não acabar caindo. – Nós vamos para Londres!
- Logo quando eu já estava ficando animado por me ver livre de você... – Meus pés voltaram a encostar no chão e eu estava feliz demais pra reclamar ou bater nele. Queria ligar para o meu pai e ouvir ele dizer que estava orgulhoso de mim. Assim como tenho certeza que minha avó também falaria.
- Shut up. – Falei simplesmente, soltando-me de seu abraço e saindo do quarto com um sorriso tão grande nos lábios que minhas bochechas começaram a doer. Queria contar a grande notícia ao mundo inteiro.