Arco 3 - A Vilã da Casa Bellerose

Meus olhos foram tampados por uma mão e o meu corpo abraçado por outra, na tentativa de amenizar o impacto que o meu corpo teria no chão. Os meus sentidos haviam sido afetados por culpa da explosão, mas eu tive tempo o suficiente para criar uma bolha de água para proteger eu e Jonathan antes de sairmos voando do último andar. Isso nos ajudou a não nos machucarmos tanto, contudo, com certeza o homem ficaria com alguns hematomas por ter se usado como meu escudo, por mais que ele já estivesse de pé assim que me viu bem. Conforme a fumaça ia se dissipando e o fogo era controlado pelos moradores da vila, vi Nymph, Emílio e Vanessa vindo em nossa direção, visivelmente preocupados. Jonathan se escondeu atrás de mim como se fosse adiantar de algo, no entanto, O’Brien lhe deu um belo soco no rosto, o fazendo cambalear para trás. A única coisa que ele fez foi sorrir ao olhar para a mulher enquanto o sangue escorria de sua boca, e mesmo sabendo que ele merecia levar mais golpes, eu me pus entre os dois, impedindo qualquer possível confronto.

  — As bombas? — perguntei.

  — Desarmadas. E as que precisavam de atenção não passavam das básicas. — A voz de Vanessa era carregada de raiva, porém, era perceptível que ela estava mais chateada do que irritada. — Por quê?

  — Nunca foi ideia minha bombardear a vila, muito menos pôr em perigo vidas inocentes. — Covey limpou o sangue com a gola da camisa. — Não vou dizer que não sabia que uma nova arma estava sendo feita, já que esses idiotas — apontou para um grupo de homens mais afastados que estavam amarrados por cordas — não conseguiam ficar quietos e falavam sobre despreocupadamente. Quando fui obrigado a aceitar o trabalho, ordenaram que eu usasse a rota de fuga para instalar as bombas, contudo, apenas coloquei as mais inofensivas, e a que seria a “maior”, não passava de uma combinação básica de dois fios. Era só uma questão de tempo até vocês começarem a agir e eu tinha plena noção de que você, Vanessa, desarmaria todas, todavia, se fosse outra pessoa menos preparada do esquadrão, talvez não conseguisse desarmá-las a tempo, por isso fiz as mais básicas.

  — Em todos os meus anos eu nunca imaginei que você faria algo “obrigado”. — Vanessa estava um pouco mais calma, apesar de não parecer acreditar na história do ex colega.

  — Mesmo eu tendo passado a minha vida sendo obrigado pelos nossos superiores a manter o meu status como gênio? — Covey riu sem humor, jogando a cabeça para trás. — Quando eu perdi sessenta por cento da minha visão do olho direito, eu não servia mais pra eles. A minha dispensa foi em uma missão em um dos reinos mais distantes daqui, e eu perdi total direito de usar as oficinas do nosso esquadrão. Pensei, então, em tentar viver uma vida “comum”, afinal, Elysium precisava de alguém com as minhas capacidades e não parecia se importar com o meu olho. Sabe quem eu encontrei lá? Nala. Ela estava deslumbrante como sempre. — O homem deu um sorriso tristonho, como se sentisse dor ao falar dela. — Nós vivemos juntos por cinco anos até que um dia ela sumiu. Eu passei dois meses e meio em busca do seu paradeiro até encontrar as cartas que ela deixou para mim no seu reino natal. O vilarejo de Nala havia sido destruído e junto dele, a vida de boa parte dos moradores. Eu a encontrei com parte do corpo queimado, e as suas últimas palavras foram “eu consegui salvar a vida das crianças desarmando a bomba como você me ensinou.”, e assim que terminou de falar, ela fechou os olhos e sorriu. Desde então eu entrei em um estado que não há nada que me cause emoção, as bombas são as únicas coisas que ainda acendem uma faísca dentro de mim. Por isso, Vanessa, que eu nunca planejei bombardear Ryo ou qualquer vila. Todos os projetos os quais participei foram para salvar os locais alvos de destruição, seja em um reino distante ou em Bellary. Pouco me importa o que pretendem fazer comigo, eu pretendia morrer de qualquer forma, mas...

  — Eu apareci na sua frente. — O olhei por cima do ombro e sorri. — E o meu disfarce te fez lembrar do seu amor.

  Covey ficou em silêncio, apenas deixando que suas lágrimas rolassem por seu rosto. Era perceptível o quanto ele suprimiu os seus sentimentos por todos esses anos e como o peso em seus ombros era denso, de modo o seu choro silencioso falava mais do que mil palavras.

  — Como você sabia dela, Arabella? — Emílio questionou ao terminar de limpar os meus arranhões.

  — Eu encontrei essa foto dos dois antes de entrar na vila — tirei a fotografia do meu bolso interno, a entregando para Jonathan — e coincidentemente o meu disfarce era parecido com Nala. Eu pensei em usar a foto como chantagem, mas nem foi necessário. Ele tentou me salvar quando a sala explodiu.

  — Na verdade, foi você que me salvou, senhorita. — Covey se aproximou e me reverenciou, segurando a minha mão ao ajoelhar. — Apesar do meu destino ser incerto, eu, Jonathan Covey, juro a minha vida à senhorita.

  Todos fomos pegos de surpresa com sua fala, e acho que ninguém sabia muito bem como agir. Nymph, em sua forma de cobra, chiou para o homem, por mais que eu soubesse que ela não o via como ameaça, e Emílio e Vanessa me puxaram pra trás, como se quisessem me proteger. Eu não contive a risada baixinha, e finalmente eu podia respirar aliviada por termos resolvido mais um problema.

  Como iríamos embora de madrugada, decidi ajudar o máximo que pude a organizar a vila, e felizmente, tirando o espaço explodido, Ryo não teve mais nenhum dano, e quando eu retornasse ao castelo Bellerose, arrumaria as finanças do local, já que eu precisava devolver o que foi roubado dos moradores. A família de Vincente e de seus amigos decidiram fazer um jantar para agradecer o trabalho duro de todos, e felizmente a vila estava em festa, livre de qualquer erva daninha que pudesse fazer mal a eles.

  — Talvez eu devesse voltar com vocês e fazer uma surpresinha pro meu querido amigo duque por ter enviado a sua nora para uma missão dessas. — Vanessa tinha um sorriso macabro no rosto, o que me fez rir.

  — Meu namorado fala que eu sorrio desse jeito quando quero ser má. — Beberiquei o meu vinho. — Feliz por não ser a única!

  — É algo que só as malvadas conseguem, meu bem. — Vanessa piscou para mim.

  — Arabella já falou que foi escolha dela, certo? Mesmo que Giovanni quisesse impedi-la, você acha que ela ficaria sentada sem fazer nada? — Emílio descansou as costas na cadeira com uma expressão tranquila.

  — Considerando de quem você é filha e de qual família você está fazendo parte agora, acredito que esse idiota aí tenha razão. — Rolou os olhos. — Mas obrigada por ter vindo, meu bem. Você fez total diferença nessa missão, e até poupou um certo alguém de sentir a minha fúria.

  — O que ele não sentiu, os outros sentiram, né? — O homem riu, voltando sua atenção para mim. — Obrigado por ter nos ajudado, senhorita. Você foi incrível, e por mais que eu e Vanessa não quiséssemos que você e as crianças tivessem que lidar com tudo isso, ainda assim vocês fizeram questão de ajudar. Mais uma vez, obrigado.

  — Se você olhar pra trás, terá uma surpresinha, meu bem.

  Ao me virar, vi pétalas de flores caírem em todo o espaço como se fossem confete, e um coro com a palavra “obrigado” soou por toda a vila, o que me fez ficar com os olhos marejados. As crianças correram na minha direção e me entregaram rosas, e foi nesse momento que eu percebi que, apesar do disfarce, eles sabiam quem eu era, e ninguém demonstrou hostilidade por eu ser filha do marquês. As lágrimas continuaram a cair pelo meu rosto enquanto eu recebia um abraço coletivo do pessoal, e eu não podia estar mais feliz. Continuamos com a festa e nos divertindo muito, aproveitando cada segundo daquele banquete que prepararam com tanto carinho.

  Quando me dei conta, já era hora de voltar, e eu e minha equipe retornamos com a sensação de dever cumprido, independente de sabermos que o dia seguinte seria extremamente cheio — ainda mais com duas carruagens cheias dos culpados. Durante o percurso, eu adormeci no colo de Nymph, acordando somente quando adentramos o castelo. Eu não fazia noção de que horas eram ou como eu dormi tanto, mas, ao descer com a ajuda da minha familiar, não havia uma alma sequer a nossa volta, nem mesmo os funcionários que cuidavam do jardim. A encarei confusa, e logo ela voltou a sua forma original e se enroscou no meu pescoço para que pudéssemos descobrir o que estava havendo.

  No segundo que eu empurrei a porta de entrada, escutei algo estourando e vários confetes começaram a cair, e mais uma vez, um coro ecoou pelo lugar:

  — Bem-vinda de volta, Bella!

  Entre a minha feição de surpresa e o choro que veio rapidamente, a única coisa que consegui dizer foi:

  — Estou em casa.