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ATENÇÃO!

História NÃO RECOMENDADA PARA MENORES ou PESSOAS SENSÍVEIS.

Esta história pode conter descrições (explícitas) de sexo, violência; palavras de baixo calão, linguagem imprópria. PODE CONTER GATILHOS

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Arco 1 - A Vilã da Casa Bellerose

Escrita porLiv
Revisada por Lelen

– The Villainess Of The House Bellerose –


Capítulo 9 • Let Go

Tempo estimado de leitura: 21 minutos

A minha única reação foi apertar a mão de Killian, entrelaçando os nossos dedos enquanto eu podia sentir a ansiedade me corroendo por dentro. Por mais que eu soubesse dos riscos, fui ingênua o suficiente para pensar que ninguém me reconheceria tão cedo, ainda mais alguém que eu não conheço, mas que, pelo visto, sabe quem sou. Bellerose automaticamente se pôs na minha frente, escondendo a minha presença com o seu corpo e segurou firmemente nossas mãos enquanto analisava a situação. Com uma pulguinha atrás da orelha, dei uma espiada e tentei identificar a qual rosto aquela silhueta pertencia: cabelos castanhos, olhos verdes e uma espada na cintura — reconhecendo um pouco depois de piscar os olhos algumas vezes.
  — Ethan?
  — Killian? — O rapaz estava surpreso ao nos ver juntos, alternando a sua atenção entre ambos.
  — Está tudo bem, Bella. É só o Ethan, ele é inofensivo — sussurrou a última parte, arrancando um riso abafado meu.
  — Peço desculpas por ter assustado a senhorita. Fiquei desacreditado ao vê-la, já que não obtive mais respostas às minhas cartas e quando perguntei por notícias suas, fui informado que havia pegado um resfriado…. — Essa foi a melhor desculpa que o marquês inventou?
  — Cartas?
  Sim, eu e a senhorita trocamos algumas referentes a nos encontrarmos no festival, mas… Elas pararam de chegar — Ethan respondeu prontamente, finalizando com um “puppy eye” que causou um certo sentimento de culpa em mim.
  — Sinto muito, Ethan LeBlanc. Gostaria de ter escrito antes, contudo, os últimos dias foram corridos com as preparações e como pode ver — sorri —, estou melhor. Agradeço pela preocupação.
  — Fico contente que esteja bem, senhorita. Se me permite, estou tentando entender como os dois se conhecem.
  — Ah — suspirei pesadamente —, mamãe solicitou a duquesa que ela me treinasse, visto o meu interesse em combate e a sua falta de tempo para tal. — Finalmente o nervosismo ia se esvaindo juntamente da hesitação.
  — Arabella está morando conosco durante o seu treinamento, caso deseje se comunicar com a senhorita, é indicado que envie suas cartas para o castelo…
  — Então — o filho do visconde ignorou o seu melhor amigo, vindo na minha direção com um sorriso esperançoso —, nos veremos toda semana?
  — Certamente — agradeci a Rin mentalmente por ter surgido na hora. — Se nos der licença, precisamos voltar para o castelo. Não posso manter a duquesa à minha espera para sempre. Até breve, Ethan LeBlanc.
  — Até, senhorita.
  Com as despedidas feitas, não pude deixar de notar que o rapaz tinha uma feição alegre ao acenar para mim e algo me dizia que talvez eu tenha dado alguma esperança a ele com as cartas? Quando o usei como parte do plano, imaginei que estávamos no mesmo barco: sem interesse de um pelo outro e aproveitando a situação ao nosso favor. Achei que nos veríamos apenas nos eventos futuros da nobreza depois que eu me inserisse nesse meio, sem pensar que talvez ele nutrisse algum tipo de crush por mim. Mesmo que Ethan seja membro do segundo grupo de personagens que eu tenho uma queda, não seria justo permitir que continuasse alimentando seja lá o que for que LeBlanc sentia.
  Na história original, não existe menção de um segundo protagonista masculino, tão pouco de um triângulo amoroso — principalmente envolvendo a Arabella — provocando perguntas sem soluções novamente. Parando para pensar, o encontro da heroína com Killian aconteceria por volta do mês que vem e eles seriam introduzidos por seus conselheiros, se apaixonando à primeira vista e, assim, firmando o noivado. Essa questão me fez ficar estranhamente inquieta ao observá-lo e o pensamento de agora decidiu alugar um triplex na minha cabeça, trazendo uma pequena chateação.

*

  Balancei o meu cabelo incessantemente na frente do espelho, admirando os meus fios ondulados dançarem com o seu novo movimento; Lion finalizou o corte, orgulhoso, só permitindo que eu visse de fato o visual ao terminar, alegando que queria assistir a minha reação. Fiquei feliz ao ver o volume das madeixas, tendo a minha dignidade reestabelecida e Rin ocupou o posto do mordomo, fazendo um rabo de cavalo alto — por conta dos treinos a tarde —, e pôs as mechas da minha franja atrás de cada orelha. Agradeci inúmeras vezes e fui expulsa do meu próprio quarto, sendo empurrada gentilmente para o corredor para que eu pudesse seguir para o ponto de encontro com Serene. As embalagens que Rin me deu estavam cheias e fiquei um tanto confusa, visto que solicitei que comprasse seis pedaços de torta. Será que alguém pediu algo a mais?
  Fui recebida com o momento fofura da manhã: os quatro gêmeos de mãos dadas, visivelmente entretidos na história que a babá contava com tamanha imersão — e por suas expressões, o conto devia ter uma dose de suspense. E, com a feição tranquila, Killian estava encostado na árvore, assistindo as crianças alegremente. Não demorou para perceber a minha presença e logo trocamos olhares um pouco intensos, de modo que causou um frio na barriga… agradável? Ou essa intensidade toda seja uma forma de avisar que tem alguma coisa no meu rosto, considerando o quão “sortuda” Arabella é.
  — Sabia que é rude encarar alguém por tanto tempo sem cumprimentá-la primeiro? — Não contive a risada ao perceber que Killian estava em um curto transe, usando essa informação ao meu favor. — O que fez o futuro duque se perder em pensamentos?
  Ele continuou com seus passos, parando somente ao estar a frágeis milímetros de distância do meu rosto, logo se inclinando para alcançar a minha altura; entre seus dedos há uma pequena flor, ainda desconhecida por mim, mas que rapidamente encontra o seu lugar atrás da minha orelha, cuidadosamente encaixada:
  — Você. — Automaticamente senti as bochechas se aquecerem e o analisei com curiosidade, satisfeita com a resposta. — Vamos, as crianças não param de perguntar sobre a senhorita.
  — Bella!
  Os quatro abraçaram a minha cintura, quase me derrubando de tanta animação e retribuí seu gesto, apertando-os. Avistei Serene e lhe desejei uma boa tarde, sendo informada da programação que os mais novos tinham feito durante a manhã. O clima caloroso é agradável, tendo a sombra da grande árvore acima de nós feito boa parte do trabalho em manter todos frescos, provocando uma sonolência no quarteto após o almoço.
  A babá havia comentado anteriormente que antes das aulas da parte da tarde, Kira e Kieran cochilavam, visto que há dias em que possuem lições depois do café da manhã, fazendo com que ficassem cansados. Aparentemente, o cronograma que seguiam seria o mesmo que Antonella e Anthoni teriam de seguir de acordo com suas necessidades, então, ao lê-lo e ser explicada de seu funcionamento, concordei. Suspirei aliviada, sabendo que meus irmãos descansariam o bastante — seja à tarde, como de noite. Crianças precisam se alimentar bem e dormir pelas horas corretas para que o seu crescimento não seja prejudicado futuramente e, infelizmente, na nossa antiga casa, ambos eram privados disso. Serene deixou claro que caso eu e os gêmeos não quiséssemos outra babá, que ela cuidaria deles da melhor maneira, assim como já fazia com os outros dois. É estranho ser tratada com tamanha abertura e sinceridade, e por mais que eu fique em alerta, é legal saber que há pessoas que se importam com as outras genuinamente, independente do tempo que se conhecem.
  Foi assim com Yoko e Yuri, o que me faz ficar melancólica com essa situação e sentir sua falta.
  Mesmo que eu não possa mais vê-los, por favor, deuses, protejam eles no meu lugar.

*

  Os olhares curiosos falavam mais alto que palavras e não é como se eu não os entendessem: também acharia intrigante ver três pessoas carregando quatro crianças, sendo que nunca viram metade do grupo em questão. Os comentários começaram a correr pelos quatro cantos do castelo e fui avisada por Serene, que falou sobre os empregados estarem fofocando sobre os novos moradores do local e levantando várias hipóteses. Optei por ignorar os cochichos, ainda teria a apresentação oficial no treino dos cavaleiros e não sei como me sentir em relação a isso. É compreensível transformarem a minha aparição em um ótimo assunto e como a bela fofoqueira que sou, reuniria os dados que coletaria mais tarde com a babá e Killian, entretanto, espero não ser o centro das atenções por mais de uma semana. É bacana ser popular por um tempinho, nunca tive essa oportunidade na vida passada, mas li muitas histórias para saber que com a fama, os rumores criam pernas e andam por aí… Teria que desapontar os meus fãs, contudo, com os problemas maiores que eu tinha, eles entenderiam o meu sacrifício.
  Como estou dentro de um romance, mais cedo ou mais tarde algum drama mais interessante me substituiria, certo?
  Quando constatei que o drama aconteceria, não esperava que seria cinco dias posteriores ao meu primeiro treino.
  Por estar me recuperando, as tarefas encaminhadas eram mais tranquilas, com foco em aumentar a minha estamina; os exercícios variavam entre alongamentos, corridas pelo campo e treinamentos de luta com bonecos de palha. Doutor Lúcio me visitava durante o final das sessões para prosseguir com o tratamento, e os vestígios de dor e hematomas sumiam gradativamente, fazendo com que eu ficasse apta a pegar um pouco mais pesado.
  As técnicas e teorias que trouxe comigo e o fato de ter 2x mais força do que pessoas comuns me fizeram cair na classe intermediária no combate, enquanto da espada permaneci na inicial. Os meus colegas se mostravam sérios e focados, diferente da primeira turma, que eram mais eufóricos por participarem do exército do norte. Ver a felicidade e o companheirismo de quem acabara de se conhecer era animador: quase chorei para que a duquesa me deixasse como novata, contudo, sabia que as suas expectativas em mim são grandes — e não posso esquecer que ela é quem me recebeu de braços abertos.
  A turma avançada e intermediária dividiam o espaço, todos sob a supervisão de Viviene e dos outros treinadores, e soube que no final do mês todos tiravam um dia de folga e faziam lutas entre as duas classes, sendo um treino aberto e livre. Os novatos também participavam, todavia, o holofote ia para aqueles que estavam em transição para uma posição superior.
  Como imaginava, minha apresentação para a classe foi breve e repleta de rostos surpresos ao ouvirem que fui enviada pelo rei. É extremamente nítido que alguns tinham suas dúvidas, porém, ninguém contrariaria as palavras da duquesa, que era mais temida que o próprio governador do reino. O que lhes deu duas opções: ignorarem o meu background ou ficarem obcecados por ele. Para mim, tratei com indiferença as duas vias, agindo com simpatia caso viessem ao meu encontro e foquei nas lições que recebia, afinal, uma parte do meu plano depende disso, ainda mais depois de escutar algo que não aguardava dos sequestradores.
  No entanto, antes que eu tivesse a oportunidade de rever as informações que recebi, fui cercada por um grupo com um ar nada amigável. Não pude evitar de soltar um riso anasalado, definitivamente eu estou em um romance! Acho que é comum situações assim ocorrerem e, sinceramente, não tinha cabeça para lidar com isso. Entretanto, como adoro ver o circo pegando fogo, adicionaria um fósforo a mais, aproveitando para me distrair momentaneamente das minhas preocupações.
  — Você! — A garota do meio apontou para mim. — Quem acha que é para agir como se fosse melhor que nós?
  — Não acha que é a senhorita que está criando uma imagem minha que não condiz com a realidade? — falei fingindo estar pensativa, sem me importar verdadeiramente com os seus achismos.
  — Não é porque você é enviada do reino que é uma ótima soldada — um dos meninos disse, pondo as mãos na cintura e levantando o seu nariz.
  — Mais uma vez: não sou eu quem está criando essa imagem. — Os encarei entediada, minhas expectativas para esse momento foram afundadas com a chatice desse clichê.
  — Como ousas respondê-los? Estamos aqui mais tempo que você, e se crê que iremos…
  Ignorei o outro garoto e prestei mais atenção nos outros presentes, reconhecendo os três que falaram com certa dificuldade. Suas aparições na história original eram mais em eventos da nobreza, e, se me recordo claramente, o trio — sem conhecer pessoalmente Arabella — ajudou a alastrar os rumores sobre ela só pela pura diversão de serem maldosos, que nem vários outros nobres são. Sorri atrevidamente com a recordação, anotando na minha lista mental os seus nomes e levantei, começando a fazer o meu trajeto para o castelo.
  — Ei! Eu exijo um duelo no final do mês!
  — Como quiser. — Acenei e rolei os olhos assim que lhe dei as costas.
  Seus resmungos iam ficando menos audíveis conforme eu me afastava, entregando um minuto de sossego para o meu cérebro que estava um tanto exausto. 24 horas pareciam insuficientes para o número de afazeres que eu precisava efetuar, além de reservar meia horinha para deliciar o chocolate quente que Killian trazia com a desculpa de que a bebida levaria o cansaço embora; esses trinta minutinhos em sua companhia conversando sobre aleatoriedades era o que eu desejava no final do dia.
  Depois de jantarmos e brincarmos um pouco, coloquei Nell e Thoni para dormir e mesmo que a duquesa tivesse nos dado novos quartos, decidimos que metade da semana dormiríamos juntos no meu, e noutra os gêmeos descansariam no seu. Depositei um beijo em suas testas e ao abrir a porta cuidadosamente, Lian estava encostado na parede com as canecas em sua mão, pronto para seguirmos para os meus aposentos.
  — Exausta?
  — Sim. — Massageei as têmporas assim que joguei meu corpo no sofá. — Doutor Lúcio fez questão de repassar todos os cuidados pós-tratamento diversas vezes… Ash, não nos deu nem cinco minutos de descanso e alguns nobres da minha turma vieram me desafiar, acredita?
  — Mentira! — Sua reação falsamente incrédula foi hilária. — Conte-me mais.
  — Laritte, Joel, Peter e seus amigos basicamente acham que eu sou melhor que eles e vieram falar isso, apenas concordei com a luta e voltei para o castelo. Simples, certo?
  — Mas a senhorita é melhor que eles. — O rapaz bebericou o chocolate, antes de prosseguir. — Talvez eu saiba o motivo deles agirem desse modo. Os três cresceram juntos e gostam de mirar em uma pessoa para fazê-la de vítima de seus comentários. Há boatos que eles já se envolveram com alguns instrutores, o que dá um status dentro do treino.
  — No caso, romanticamente?
  — Não necessariamente. Os professores e alunos possuem sua hierarquia tanto na sociedade como nos campos de treinamento e, independente de saberem que aqui tratamos todos igualmente, suas classes ficam nas entrelinhas. Então, para os que sentem adoração em abusar do poder que lhes és dado, conseguir algumas interações amigáveis com os instrutores que dificilmente se envolvem com alunos por conta de rumores, é importante para encherem seus egos. A sua fama já é um golpe cheio para aterrorizar esse tipo de indivíduos.
  — Quem diria que uma mera plebeia como eu seria o centro da atenção. — Fiz uma pose dramática, tentando esconder o sorriso atrevido. — Contudo, meu querido futuro duque, aposto um chocolate quente que por eu estar envolvida com vossa majestade, não será só o trio que virá atrás de mim.
  — Certamente, meu sol, como sempre, tens razão. Posso assegurá-la que se for de vossa vontade, os manterei longe de sua visão.
  — Aprecio a oferta e espero que a mantenha caso seja necessário, o que me lembrou dos comentários que Serene compartilhou. Aparentemente, o seu costureiro espalhou para o norte inteiro que Killian Bellerose tem uma amante.
  — E o que a minha amante tem a dizer?
  — Não sei — olhei para os meus dedos, os levando na direção do meu rosto e ponderando —, não vejo um anel no meu anelar.
  — É melhor eu providenciar o mais rápido possível, não é? — Deu uma piscadela. — Você sabe que pode me usar a vontade também, certo?
  — É o meu intuito desde que nos conhecemos, Killian. — Coloquei a caneca na mesa e alonguei meus braços, soltando um suspiro ao me virar completamente para ele. — Amanhã completa uma semana que eu e meus irmãos chegamos aqui. A sensação que tenho é que já faz muito tempo, entende? Ainda mais em relação a você. — Desviei o olhar da janela para encontrar o de Lian. — Parece que somos amigos desde crianças, e sem contar que seus pais tratam a mim e meus irmãos como se fossem deles. Parece que parte do vazio que sinto está sendo preenchida pedacinho por pedacinho com a presença de vocês e, não me entenda errado, sou muito feliz por ter Antonella, Anthoni e Giovanna, eles são minha família.
  — Bella, está tudo bem. Você não precisa se justificar — Bellerose me confortou fazendo um carinho na minha mão. — Todos no castelo ficam felizes por participarem da sua vida, independente de ser uma semana ou um ano; acho que nunca vi o duque e a duquesa tão animados com seus convidados quando você revelou a sua identidade. Eu sempre escutava histórias dos filhos da melhor amiga dos meus pais, os quais eram tão adoráveis e que infelizmente não conseguíamos arranjar um encontro, tendo a tentativa de crescermos juntos sido falha.
  Desabafar e escutar suas palavras ternas fizeram com que os diversos sentimentos entalados em forma de um nó na minha garganta, fossem se desfazendo, tornando difícil respirar controladamente. O nervosismo involuntariamente provocou o choque das minhas unhas com a palma da mão úmida, apertando uma contra a outra e sem perceber, as lágrimas rolaram pelas bochechas provavelmente avermelhadas.
  Desde que reencarnei como Arabella, esse é o primeiro momento em que consegui analisar os acontecimentos com mais atenção e, agora, os meus sentimentos e os dela se misturavam em uma dança triste, onde só há nós duas e o som de nossas vozes que foram negligenciadas por todos esses anos. É claro como uma manhã: o reflexo no espelho que estou observando mostra, bem lá no fundo, eu e ela conversando sem usar palavras; de mãos entrelaçadas e compartilhando da melancolia, em um piscar de olhos sua imagem começou a desaparecer gradativamente e eu tentava alcançá-la, com medo de dizer adeus. Conforme eu me aproximava, o seu semblante se enfraquecia e decidi parar, tendo ela parado também. O seu sorriso é o suficiente para saber que as correntes que a prendiam aqui tinham se desfeito uma por uma, transformando-se em areia que o vento carregava consigo.
  “Seja feliz, meu amor”, ela beijou a minha testa carinhosamente, trazendo com seu ato uma sensação de familiaridade. As lágrimas continuavam a rolar pelas bochechas, incessantes e teimosas de modo que eu não conseguia evitar.
  “Mas… eu tenho tantas perguntas e as dúvidas continuam crescendo incessantemente. E se tudo der errado e eu não puder salvar nós duas? Por que essas pessoas tentam nos ajudar sem pedir nada em troca? Por que nossas vidas tiveram um trajeto tão trágico e ninguém tentou nos resgatar quando mais novas?! Eu tenho tanta raiva! Raiva e tristeza! E estou confusa com esses últimos acontecimentos e com os meus próprios sentimentos. Estou uma completa bagunça.”
  “Prometo que todas as suas perguntas serão respondidas em algum momento e você saberá como agir, está bem? O meu único desejo é que você seja tão feliz e possa desfrutar de uma boa vida e, por favor, não tenha medo do futuro. Eu confio plenamente que você viverá por nós duas, meu amor. Pelo que vejo, tem alguém te esperando e eu não posso ficar mais aqui. Você sabe que precisa nos deixar ir, certo? Estou pronta para partir agora.”
  Por breves segundos as nossas testas se descolaram e vi a sua silhueta se afastar; eu sabia que precisava deixá-la ir e desfrutar de um caminho que pudesse descansar pela primeira vez, com o gosto da liberdade que sempre desejou. A fim de soltar a sua mão, suspirei pesadamente, sorrindo em meio ao choro e dei um passo para trás, a vendo iniciar o seu trajeto para mais fundo no espelho.
  “Não fique triste, meu amor. Algo me diz que nos veremos em algum lugar do futuro, sim?”
  Com as suas últimas palavras, sua existência se tornou pétalas de flores que se esvaíram no cenário invadido pela escuridão, mantendo a esperança de que um dia nós nos reencontraríamos de novo em outras condições. Antes que eu tivesse alguma reação a mais, ouvi a voz de Lian me chamando e acordei do transe, reparando que sua feição se aliviou ao perceber que voltei ao normal.
  — Bella — ele segurou meu rosto gentilmente e respondeu uma das minhas perguntas, mesmo que não soubesse de nenhuma delas —, você é e sempre foi família para nós, independente de não ter ciência disso.
  Senti as bochechas umedecerem mais uma vez, me permitindo chorar em seu abraço toda a dor acumulada nessas duas vidas.

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