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História NÃO RECOMENDADA PARA MENORES ou PESSOAS SENSÍVEIS.

Esta história pode conter descrições (explícitas) de sexo, violência; palavras de baixo calão, linguagem imprópria. PODE CONTER GATILHOS

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Arco 1 - A Vilã da Casa Bellerose

Escrita porLiv
Revisada por Lelen

– The Villainess Of The House Bellerose –


Capítulo 10

Tempo estimado de leitura: 33 minutos

  Não sei o horário exato de ter caído no sono, só lembro de ter chorado feito um recém-nascido nos braços de Killian, sentindo o seu abraço quente envolvendo o meu corpo. A tentativa falha de abrir meus olhos se deve ao inchaço causado pelo choro, então me contentei em primeiramente protegê-los da claridade que adentrava pelas pequenas brechas das cortinas. Os cocei demoradamente, bocejando durante o processo e encostei meu rosto novamente no travesseiro, que estava com sua textura um tanto diferente? Passei meus dedos mais uma vez nas minhas pálpebras e as forcei a ficarem abertas, mesmo que a visão estivesse um pouco embaçada. Conforme a imagem ia tomando forma, observei que o que eu pensei ser um travesseiro, na verdade, está mais para um peitoral de algum cavalheiro e não consigo me recordar de ter sido convidada por uma pessoa para passar a noite em sua companhia. A única resposta plausível seria que eu estava em um sonho, o qual finalmente conquistei o meu crush e estávamos namorando, já que Killian provavelmente voltou aos seus aposentos depois que adormeci. Decidi aproveitar mais do sonho antes que Rin viesse me acordar, mas, a fim de estragar os meus planos, uma voz ecoou no espaço:
  — Acordou, Bella?
  A silhueta de Lian se fez visível após eu observá-lo minuciosamente; ainda compartilhando a mesma posição — de ontem — que aparentemente dormimos, ele depositou um beijo na minha maçã do rosto e instintivamente fechei os olhos, lhe dando um sorriso tímido. Era nítido como nenhum dos dois deu o primeiro passo para sair da posição e, sendo sincera, gostaria de ter mais cinco minutos de sono sem interrupções, porém, a qualquer momento uma das empregadas viria me chamar.
  — Em breve alguém deve vir, Rin só volta no almoço… O que dirão ao nos olharem assim? — Bocejei preguiçosamente, consumida pela sonolência.
  — É melhor eu providenciar o anel, certo? — Escutei o seu riso abafado e o acompanhei, permitindo ficarmos desse jeito por mais perigosos 60 segundos.
  — Lian, se não levantar agora, serei incapaz de acordar totalmente e irei usá-lo como culpado.
  — Tudo bem, tudo bem. — Suspendeu as mãos como se estivesse se rendendo. — Entretanto, em compensação, espero que possamos…
  — Senhorita, o café…
  A mulher tentou ser discreta, todavia, estava escrito em sua feição a surpresa que é assistir a cena a sua frente, fazendo minhas bochechas corarem. Não sei o Killian, contudo, eu não senti vergonha ao sermos “pegos”, e sim, graça, por ter previsto que isso aconteceria. Logo a empregada terminou sua frase e pediu desculpas, as quais respondi que não havia necessidade e a dispensei. Empurrei o Bellerose até a porta e me despedi, indo direto para o banheiro e tratei de me arrumar rapidamente, pensando em como o dia seria cheio.

*

  A manhã ensolarada não dava folga para os alunos, assim como os instrutores que não são maleáveis independente do grau que faça, mantendo suas rotinas de treinos de acordo com seus planejamentos. Felizmente, as vestimentas são de tecidos com poucas camadas e bem leves, facilitando a nossa locomoção e podemos tirar um melhor proveito sem derretermos feito picolé.
  Comecei a me aquecer debaixo de uma árvore juntamente de alguns colegas que também estavam em busca de uma sombra, sendo tão espertos quanto eu. Observei brevemente os outros espalhados pelo campo e percebi que seus murmúrios se resumiam em reclamações sobre o calor, e às vezes eu sentia um olhar reprovador em cima de nós quatro, os quais ignorávamos. Após vinte minutos de alongamento e mais dez de bate papo, nossa turma ia se reunindo em volta de Ash e aguardávamos ele anunciar a lista de hoje, mas, foi uma questão de segundos até os cochichos se tornarem uma comoção maior.
  Sem entender, procurei o motivo de tamanho alvoroço e não demorou para os culpados surgirem na parte em que treinávamos, conversando entre si e aparentemente despreocupados com o mundo ao seu redor. Turma avançada: ame ou odeie, afinal, por mais que todos sejam tratados igualmente, os próprios alunos das outras classes os colocavam em um pedestal. E, claro, há aqueles que não suportam os seus “superiores”, como em qualquer boa história de colegial — tirando o fato que estou em um reino, não na escola.
  É fácil distinguir quem participa de qual grupo, visto que não mediam esforços para esconder suas emoções e o falatório só aumentava. Reparei nos rostos e reconheci dois em especial: Killian e Ethan, que não ironicamente acenavam para mim, trazendo os olhares dos curiosos para a minha direção. Ignorando os melhores amigos, segui para o reconhecimento facial memorial, ou seja, as pessoas que eu tinha no mínimo uma vaga lembrança. Há pelo menos dez integrantes da nobreza, enquanto os demais pareciam ser indivíduos comuns do reino e que entraram no castelo durante o período de admissões, que ocorriam 3 vezes ao ano.
  — Alunos — a voz de Ash ecoou entre os presentes —, nossa programação será diferente e espero a cooperação da minha tão adorada turma!
  Os suspiros e risadas são inevitáveis, já que o treinador é, sim, querido por todos, contudo, ele é um tanto rígido e quando pega no pé de alguém, não há para onde correr. Sua fala pode ser encarada como uma forma de sarcasmo, ainda mais por ter um jeito brincalhão fora do horário de trabalho; saber suas reais intenções por trás de suas frases não é tão difícil.
  — Continuando, gostaria de dizer que a cada duas semanas teremos dois dias de treino com a turma avançada, consequentemente, sendo também guiado por vossa alteza que está dois minutos atrasada.
  — Agradeço a precisão, Ash Greenier — Viviene se juntou aos demais. — Não é preciso as reverências, podem voltar a sua formação normal. — Ela abanou com a mão de modo que dispensasse as formalidades de seus alunos, não deixando de achar uma graça a situação.
  — Terças e quintas serão os dias da integração; combate e espada, respectivamente. As duplas são decididas de acordo com suas habilidades, podendo haver ou não um rodízio ao decorrer das horas. Alguma dúvida?
  — Os pares já são predestinados? — uma colega perguntou, a fim de sanar a dúvida de metade da classe.
  — Sim, eu e Ash estudamos os pontos fortes e fracos de cada um e decidimos quem treinará com quem. Todavia, se percebermos que há necessidade de trocarmos, avisaremos previamente.
  Os cochichos retornaram com força e ambas as turmas estavam ansiosas para conhecerem os seus parceiros, incluindo eu, que não sabia quem esperar para ser meu par. Ash e a duquesa solicitaram a formação em fila horizontal e, ao ouvirmos nossos nomes, devíamos dar um passo à frente e ir ao encontro da dupla. Como já imaginava, Killian caiu com o aluno que os boatos diziam que na próxima prova há altas chances de subir de nível e, ao reparar que eu o observava, ele piscou para mim, me fazendo soltar um risinho anasalado. Alguns duos estabeleciam os seus lugares, faltando poucos a serem chamados e sem tardar, escutei meu nome saindo dos lábios de Viviene, que tinha um sorriso ao me ver em sua frente:
  — Arabella e Ethan.
  É difícil dizer que eu já esperava, entretanto, é fácil entender o pensamento dos mais velhos ao compreender as razões por trás dessa junção: LeBlanc é um dos melhores espadachins do exército, enquanto o seu combate tende a ser consideravelmente mais fraco, ou seja, o meu oposto. Como ele sabe de quem sou filha, as suas expectativas talvez fossem maiores do que as dos colegas da turma, e não é querendo me gabar, mas, sou bem boa no que me proponho a fazer. Que nem ele, eu também tenho as minhas em relação a espada, já que as vezes que eu o vi usá-la foi durante a história original e nada se compara a ver a ação rolando pessoalmente.
  Nosso cumprimento foi sério e cordial e, ao nos afastarmos dos olhos do público, não deixamos de rir e trocar mais cumprimentos amigáveis. Eu e Ethan, desde que ele me reconheceu na cidade, não tivemos tanto tempo para conversarmos, então acabamos criando o hábito de, ao nos esbarrarmos pelos corredores vazios, termos saudações mais calorosas e bobas. A sensação que dá é que o posto de melhor amigo foi tomado pelo futuro visconde e creio que a recíproca seja verdadeira. As instruções foram finalizadas e optamos por iniciar o treino por exercícios que o ajudariam em suas dificuldades.
  — Ethan, os seus movimentos são bons, você precisa apenas aperfeiçoá-los. Se o seu adversário abrir uma brecha desse jeito, é fácil golpear tanto com um chute ou um soco.
  — Não sei se captei muito bem. — LeBlanc coçou a nuca um pouco confuso.
  — É só repetir a demonstração, pode vir pra cima de mim.
  — Pra valer? Tem certeza?
  — Claro, você não vai conseguir me acertar de qualquer maneira. — Sorri atrevidamente.
  O rapaz se pôs em posição novamente, vindo na minha direção e tentando acertar o meu rosto, porém, abaixei rapidamente a cabeça, desviando de seu golpe e empurrei o meu punho contra sua barriga, assistindo a sua reação de surpresa e talvez de dor. Peguei a garrafa de água e lhe entreguei, sentando ao seu lado e apoiei as mãos na grama.
  — Pausa?
  — Sim, obrigado. Estamos treinando há duas horas sem parar, senhorita.
  — Nem reparei que já tinha passado isso tudo, mas devo expor que você é um ótimo aluno. — Dei um tapinha orgulhoso em seu ombro. — Só precisa parar de me chamar de senhorita, temos a mesma idade, LeBlanc.
  — É porque eu tenho uma ótima professora, não? E sobre isso, é o costume. Nos últimos meses meu pai tentou me apresentar algumas moças para que eu talvez corteje alguma, meio que sai a formalidade sem eu perceber. — Ele suspirou irritadamente, rolando os olhos ao citar os encontros.
  — Foi o visconde que te incentivou a me escrever?
  — Oh. — Aparentava ter sido pego desprevenido com a minha pergunta, no entanto, logo sua feição voltou ao normal. — Na verdade, meu pai só soube por ser fofoqueiro e acidentalmente ouviu uma das empregas dizendo que uma carta da residência Fiore havia sido designada a mim. Nem queira imaginar as inúmeras indagações que o homem fez.
  — Pobre Ethan — passei os dedos em seu cabelo, em uma tentativa de consolo que o fez gargalhar —, parentes e suas manias de casarem seus filhos cedo.
  — Você pensa em casamento, Arabella? Ou conhecer alguma pessoa que possivelmente poderia vir ter algo no futuro?
  — Quer se candidatar a vaga, Ethan LeBlanc?
  — Talvez? — Empinou o nariz, deixando claro que não diria suas verdadeiras intenções por trás de suas palavras.
  — Sinceramente? Não sei, nunca foi exatamente o meu foco.
  Apoiei meu queixo nos meus joelhos, sem saber como me sentir realmente. Duas vidas que viraram uma e em todas a sobrevivência sempre foi a questão principal, não sobrando espaço para dar a alguém. Não serei hipócrita e afirmar que nunca me imaginei namorando, entretanto, é um fator que eu julgava que se ocorresse durante o percurso dos meus dias, eu poderia conciliar com os meus afazeres. Acho que essa é a primeira vez que flerto com um indivíduo que corresponde na mesma intensidade, por mais que uma parte de mim viva em alerta por causa do plot original. Killian e a heroína são destinados a se conhecerem e se apaixonarem à primeira vista, não tendo lugar para Arabella nesse ninho de amor, o que me faz repensar se eu deveria ou não manter esse grande e frequente contato com Lian. De qualquer maneira, quando a heroína aparecer e eles começarem a namorar, sairei de cena e assumirei o posto de amiga do casal, provavelmente.
  — Há momentos que questiono se é algo que eu realmente queira. Com a pressão que recebo, acabei por criar um certo rancor ao ler as cartas de amor. — Ele respirou fundo e se virou um pouco para mim, com a expressão aliviada. — A sua, entretanto, encarei de uma forma mais leve pela primeira vez em meio a várias outras. Não sei se foi por ficar te observando de longe quando éramos crianças ou por você ter feito questão de encher o papel com corações como se estivesse perdidamente apaixonada por mim... O motivo não importa, mas Arabella é a segunda pessoa que me fez sentir assim.
  — Se importa de compartilhar a primeira? — Correspondi o seu sorriso, curiosa para saber de quem o rapaz falava.
  — Sendo honesto, não tenho ideia de quem seja — o encarei confusa —, os bilhetes desse admirador secreto vinham semanalmente; conversamos bastante e nos conhecemos melhor por meses, porém, quando estávamos ajeitando os detalhes para nos conhecermos, suas cartas pararam. O endereço deu em uma pensão próxima à fronteira do oeste, e a única informação que obtive é que muitas pessoas com pseudônimos passavam por lá. Imaginei que talvez fosse um cavalheiro de alguma outra parte, ou uma alquimista viajante. Naquela época, eu não me importava se era homem ou mulher, só queria encontrar a pessoa que eu gostava… — LeBlanc deu um sorriso fraco e coçou a nuca, tomando um ar antes de continuar. — Na verdade, continuo sem me importar se é uma mulher ou um homem, cheguei à conclusão que eu gosto de ambos.
  — Ethan — pus minha mão sobre a sua ao chamá-lo —, obrigada por compartilhar comigo. Se você estiver disposto, podemos tentar achar sua pessoa misteriosa juntos.
  — Sério? — O brilho em seu olhar dizia absolutamente tudo: ele não tinha deixado de ter sentimentos por quem quer que fosse, e isso é bastante adorável. — Arabella é a minha pessoa favorita de todo o reino!
  — Será que continuarei sendo até terminarmos o treino? — Arqueei uma sobrancelha, estendendo a mão em sua direção para ajudá-lo a levantar. — Vem, teremos tempo o suficiente para pôr em prática meus poderes de investigação mais tarde. — Até que enfim as horas gastas em programas de investigações criminais viriam a calhar!
  — Arabella?
  — Sim? — Virei meu rosto para encará-lo.
  — Caso a senhorita precise de uma companhia para o festival ou uma ida na cidade, estou disponível. Se a nossa vida romântica não der certo — notei que ele olhou de relance para Killian —, passar os dias da minha vida na sua presença não seriam ruins.
  — É uma honra receber uma proposta vinda do futuro visconde — o reverenciei de brincadeira. — Manterei em mente o seu convite com prazer.

*

  Com o treino intenso, quase não consegui tomar banho no horário predestinado e estava por um fio de me atrasar; felizmente, agora íamos para a sala de jantar e, como sempre, as crianças estavam animadas e comunicativas. A presença de Rin facilitou as arrumações para o jantar, tendo ela me ajudado com a preparação dos mais novos e com o meu cabelo, além de ter escolhido nossas roupas.
  Como imaginado, os comentários sobre o “incidente” matinal já rodava todas as áreas do castelo e os cochichos e olhares só confirmavam, o que me causava certa… indiferença? A ignorância é uma benção, pensei. Minha empregada havia informado que assim que pôs seu pé no dormitório, foi recebida com uma enxurrada de perguntas sobre “qual é o tipo de relacionamento entre eles?” e coisas desse estilo. Soube também que há pessoas a favor e contra, mas, como ninguém paga as minhas contas, por qual motivo eu me importaria?
  A nossa atenção foi chamada ao adentrarmos o cômodo: Kira e Kieran aguardavam os meus irmãos inquietamente, acompanhados de Serene e sua cesta, provavelmente recheada de gostosuras para seus jantares ao ar livre. Os assuntos que tínhamos a discutir não era recomendável para os menores, então a babá deu a ideia de levá-los para comer nos jardins e depois vão observar os vaga-lumes com Rin, Cliff e Noel — os últimos são os nossos cavaleiros e os dos filhos do duque, respectivamente. Eles se retiraram e eu me sentei ao lado de Lian, que me cumprimentou com um sorriso.
  — Arabella, querida, fico feliz que tenha se juntado a nós — Viviene sempre dizia o quão alegre ficava por me ver, e aos gêmeos também.
  — O prazer é meu, duquesa.
  — Antes de conversarmos sobre o assunto mais sério — Giovanni engoliu a seco, trazendo um toque de suspense à tona –, gostaria de saber os detalhes sobre a fofoca mais quente do norte: Killian Bellerose e a sua adorável amante estariam juntos nessa manhã e na ida ao alfaiate?
  — Pai— O primogênito usou um tom reprovador, todavia, ao reparar na reação que fiz, ele descansou os ombros. — Não é culpa nossa que as ocorrências interessantes desse reino são escassas.
  — Era só uma questão de tempo até começarem a falar — comentei despreocupada, enchendo minha boca com carne e salada. — As pessoas não sabem quem realmente sou, por enquanto.
  — Aproveitando que citou esse fator — a duquesa bebericou o seu vinho delicadamente, voltando seu rosto para mim —, quando achar necessário, prepararemos o seu debute, como solicitado anteriormente.
  Claro! Em um de nossos almoços, pedi que, na hora certa do meu plano, o meu debute fosse realizado, e para tal festividade, seria preciso ter duas semanas, no mínimo, para acertarmos os detalhes. Os três estão cientes da minha história e dos meus requisitos e todos concordaram em ajudar no que podem, tendo eu mantendo eles atualizados sobre o baile.
  — Agradeço pela gentileza, duquesa. Gostaria de anunciar que a partir de meados do próximo mês, as minhas visitas ao centro serão frequentes para confirmar as suspeitas que levantei na primeira semana.
  — E a vinda da sua melhor amiga? — Lian questionou.
  — Assim que o marquês tiver conhecimento do meu paradeiro, não deixará de mandar alguém para me espionar. De acordo com a carta de Anna, os preparativos para ela induzir a Perci enviar a ex-babá das crianças está seguindo conforme planejado; com ele atrás de mim, sua melhor jogada será mandar Giovanna e Letícia para tal trabalho. — Suspirei, percebendo o quão previsível o homem seria.
  — Certeza que o novo informante não trairá as senhoritas? — o duque perguntou apreensivo.
  — Sim, de certo modo, os colegas de Anna sempre parecem dever algo a ela. Ah, além de terem medo dela também. — Dei de ombros, tentando imaginar o que minha amiga sabia de podre dessas pessoas.
  A carta dela havia chegado mais cedo e todo o seu conteúdo trazia algumas suspeitas a mais do que já imaginávamos, além de contar as novidades sobre o espião e suas outras amizades. De acordo com ela, o marquês estava lidando bem com as perguntas de nossos desaparecimentos, inventando suas desculpas de sempre, entretanto, ele sabia que a corda estava apertando e que era só uma questão de tempo até descobrirem que não morávamos mais lá. Dito isso, o seu plano para ocupar o lugar de vítima da sua tão amada filha que acabou se tornando uma vilã, começou a percorrer toda a casa, para que os empregados estejam em consenso quando forem espalhar os primeiros rumores. Coincidentemente com o meu baile, os boatos se espalharão quando eu começar com as minhas aparições públicas, o que beneficiará a minha imagem em certos lugares. A minha ideia é disseminar o benefício da dúvida em cima de mim: será Arabella Fiore a vilã ou não da história? Os dois lados da moeda serão cruciais para eu dar prosseguimento a narrativa que venho criando juntamente de Giovanna em nossas cartas, e nada melhor que dar início nos eventos da nobreza, os quais fui convidada antes de sair da casa Fiore e que Anna me enviou os convites — e outros como acompanhante de alguém do castelo. Mas, ignorando um pouco essa parte da minha imagem, há um detalhe me incomodando nesses últimos dias, envolvendo a ex-babá dos meus irmãos.
  — Bella? — Lian pôs a mão no meu ombro, de pé ao lado da minha cadeira. — Está pronta para a visita?
  A visita.
  Nas quatro partes do reino há uma prisão para cada, posicionada ou não em algum castelo dos membros da ordem. A do norte fica afastada do centro da cidade, sendo distante o suficiente para ter que ir de carruagem ou a cavalo e não nas masmorras do castelo do duque, como muitos acham. Não que não há celas, mas é muito trabalho para quem já ajuda a manter a paz no reino, então os antepassados da família Bellerose optaram por um local propício para isso. Ao serem levados para lá, o trio com quem tive uma luta não ligou de pôr a boca no trombone e desembucharam mais do que esperávamos; suas informações eram consistentes e mesmo que não tivessem muito o que compartilhar por serem novos na organização, partilharam o suficiente para que a investigação do duque andasse para frente. E a minha também.

  “Dois dias após ser aceita no castelo, apressei meus passos para as celas de forma que fiz o trajeto em poucos minutos. A pedido de Viviene, eu, Killian e Lion estávamos indo interrogá-los; não sei o que se passou em sua cabeça, contudo, vejo como uma oportunidade me enviar junto dos dois para que eu possa mostrar que sou útil.
  A escadaria que dava o acesso as masmorras era extensa e iluminadas por velas, já que sua localidade é no subsolo. Estranhamente, o silêncio nos acompanhou durante todo o trajeto, me fazendo pensar se há realmente uso dessa área. Cumprimentamos os guardas que nos encaminharam para a cela, e os homens chamaram a atenção do trio para se levantarem e fazer suas reverências. Decidimos ficar do lado de fora e eles só perceberam a minha presença quando um dos guardas trouxe uma cadeira para mim, e eu pude vê-los um tanto acanhados. Ótimo, isso facilitaria o processo!
  — Boa noite, meninos — cruzei as pernas e inclinei o meu tronco para frente, descansando meu queixo na minha mão —, acho que sabem o motivo de estarmos aqui, certo?
  — Para nos dar a nossa sentença?
  — Isso depende do que vocês têm a oferecer. O que me dizem de falar um pouco sobre seus trabalhos e eu te conto um fato? Os observei estáticos, sem pretensão de falarem algo. Hum… tímidos? Está bem, lá vai: vocês três foram enganados e estão com vergonha de admitir que foram derrotados por conta do orgulho!
  — Não é que a senhorita não tenha razão… o primeiro que nocauteei comentou. — Mas chegamos à conclusão que responderíamos todas as suas perguntas se a senhorita concordar em nos manter fora da visão dessa organização.
  — Uma boa negociação é sempre empolgante! Percebi que os homens atrás de mim seguraram o riso por causa da minha fala. — Primeiro, desembuchem. Depois veremos as suas condições, entendidos? Assentiram.
  — Nós saímos da nossa região por causa das pequenas guerras que vêm acontecendo e que não caiu ainda nos olhos do público. O exército do leste estava reunindo pessoas interessadas a ingressarem nas novas turmas, mas a verdade é que havia vários soldados forçando e ameaçando os jovens a entrarem, alegando falta de pessoas. Nossa vontade nunca foi de servir, e crescemos vendo o rei falar que não é algo obrigatório, então, como somos acostumados a trabalhar desde novos, pensamos em sair da nossa região e vir para o norte, onde alguns colegas tinham passado um tempo e elogiado bastante. Chegamos aqui com quase nenhuma moeda e, ao vermos no jornal a oferta de trabalho com o valor tão abundante, corremos para garantir nossa vaga.
  — Ingênuos.
  — Killian — Lion o advertiu.
  — Nós fomos muito ingênuos, reconhecemos. No momento que adentramos uma de suas sedes, nossos documentos foram confiscados e ficamos esperando receber o trabalho manual que prometeram. Fomos mandados com mais alguns rapazes da nossa idade a dar um “susto” em algumas pessoas que deviam dinheiro ao chefe, e só chegando no local que outros homens mais velhos nos separaram e designaram uma missão. A nossa era assustar e pegar o dinheiro de uma família de nobres que fomos informados de deixarem suas moedas com as crianças.
  — Então, no momento que cheguei, vocês…
  — Estávamos tentando pegar a moeda das crianças, sim. Os capangas disseram que se voltássemos sem dinheiro, estaríamos mortos, literalmente. E sem nossos documentos, não tínhamos para onde correr sem ter medo de sermos pegos. Isso não tira a nossa culpa em ameaçar crianças e seus parentes, claro.
  — O que foi estranho é que esbarramos com as crianças erradas — o do meio falou.
  — Como assim?
  — Antes de sairmos do galpão, uma mulher veio até o chefe e fez a sua solicitação. Durante nosso caminho, ela apareceu novamente, como se quisesse ter certeza que seu pedido seria vitorioso. Não entendemos a razão, mas estava clara a sua intenção: ela queria que a organização sumisse com duas crianças. Calhamos de escutar a discussão e saímos correndo antes que notassem, entretanto, acabamos na rua sem saída e esbarramos com as crianças. Pensamos que para pegarmos nossos documentos, precisávamos pegar o dinheiro delas, por isso ameaçamos os que pareciam ser nobres. E aí a senhorita apareceu.
  — Tem mais alguma informação sobre quem é a mulher ou quem ela queria que a organização sequestrasse? Lian se aproximou das grades, encostando seu corpo nelas ao cruzar os braços.
  — Não sabemos o seu nome, o que ouvimos foi que a recompensa que seu mestre tinha separado seria grande. As características informadas foram rasas, podendo ser de qualquer nobre: crianças de seis anos, cabelos castanhos e alguns sinais.
  — Tentamos espiar mais também! O único detalhe que temos é que além de ser uma mulher, ela tinha um broche preso em sua capa. O formato parecia ser de uma serpente? A coloração era dourada e o tamanho era semelhante ao do homem ao seu lado. — O rapaz apontou para Lion.
  Meu corpo estremeceu ao escutar o relato, sendo invadido pela raiva que ainda estava acumulada durante todos esses dias. Levantei abruptamente da cadeira, chutando as grades sem pensar nas consequências para o meu pé e cobri o meu rosto com as mãos, sentindo que a gargalhada que saía dos meus lábios era uma das mais sombrias dessas duas vidas que já vivi. Encarei os cinco e sorri abertamente; trouxe a cadeira pesadamente para o local anterior, voltando a me acomodar confortavelmente no assento.
  — Sinto muito, rapazes, pelo meu comportamento. Mas, temo que não poderei deixá-los fora da vista da organização… Não enquanto vocês têm utilidade para mim, entende? Ao contrário do meu achismo, suas expressões eram como se fossem três interrogações ao invés de relutância. — Parece que para o meu próximo passo, terei que lidar com um dos peões mais rápido do que calculei.”

  Com meu pé fora de perigo e os ânimos acalmados, adicionei a mais nova informação no meu plano e tracei a linha temporal dos acontecimentos, planejando o meu próximo passo. Ter plena consciência de que o marquês não dava a mínima aos seus três filhos é algo óbvio, mas é nojento saber que ele gostaria de dar um sumiço nas crianças, como forma de usar a situação em seu favor e se pôr em local de vítima.
  Na história original, há uma situação semelhante em que o homem se utiliza dessa imagem de santo para incriminar mais ainda Arabella, usufruindo dos gêmeos e pondo toda a culpa em cima dela. A lembrança desse fato faz o meu estômago revirar; ao escutar claramente o depoimento do trio, não foi difícil ligar os pontos: a única casa que tem uma serpente como símbolo é a casa Fiore, e as pessoas que usam esse broche são as que o marquês considera como confiáveis, ou seja, aqueles os quais ele sabe muito bem que não o trairiam — sendo os que mais maltratam os seus filhos.
  Por mais que o ódio esteja instalado em todas as fechaduras daquele local, há o grupo seleto que estampa o objeto no peito com orgulho, consistindo em: a empregada chefe, o chofer e a babá, Letícia. A última mulher é um pouco mais nova que a empregada chefe e começou a trabalhar na casa por indicação da outra, além de agir como se a residência fosse da própria. Sua egocentricidade e maldade estavam na mesma medida; nem uma gota a mais, nem uma a menos. A paciência que tinha era usada somente para o seu tão amado marquês — o que eu julgava ser um amor unilateral — e com qualquer pessoa fora de sua bolha, os seus olhos se tornavam frios e suas palavras extremamente ríspidas. Por ter um certo poder, ela sempre fazia questão de extrapolar, agindo de acordo com sua vontade e descontando suas irritações e estresses na pequena Arabella e, mais tarde, nos gêmeos.
  Foram diversas situações que eu e Giovanna tivemos que criar maneiras para tirar os meus irmãos de seu foco, os trazendo para o nosso esconderijo e esperando a poeira abaixar. Até eu ser expulsa, Letícia se limitava a mostrar o seu desagrado com a minha presença com o seu olhar, completamente correspondida por mim, o que a fazia sair do cômodo irritadamente.
  A mudança no meu comportamento naqueles quinze dias fizeram uma certa diferença, principalmente ao levar os meus irmãos para saírem quase a semana inteira; e quando não íamos para a cidade, eu os mantinha comigo em meus aposentos. Não houve reclamação da parte dela, claro, mas não foi complicado reparar nos momentos que a mulher queria descontar a raiva nas crianças e se sentia ainda mais enfurecida ao ver a presença de Anna informando que os pequenos precisavam se arrumar para sairmos. Assim como o marquês, eu sabia que o seu estresse acumulado a faria juntar muito mais forças com o seu querido chefe, de modo que almejasse causar sofrimento em nós três.
  — Bella, se Lily não fosse tão bem treinada, você já teria caído dela umas quatro vezes.
  Pisquei algumas vezes, voltando a atenção para o caminho e percebendo que Lily relinchava orgulhosamente por ter recebido um elogio vindo de seu pai. Após colocar Nelli e Thoni na cama, aguardei eles dormirem para encontrar Lian e Lion nos estábulos, prontos para irmos para a prisão. Optamos ir a cavalo por ser mais discreto, afinal, é normal ter cavaleiros patrulhando a cidade durante a noite. Os rapazes falaram para eu escolher um dos animais e, de acordo com eles, o cavalo que gostasse de mim seria fiel até voltarmos para casa. Traduzindo: mesmo que eu não soubesse andar em um, o bichano se asseguraria da minha segurança. Pela minha sorte, Arabella sabia como montar, o que me trouxe um alívio; ao adentrar mais a fundo no estábulo, avistei um par de olhos brilhantes e sua crina branca perfeitamente penteada. Estiquei minha mão em sua direção, vendo que ela também tinha despertado um interesse em mim. Com sua proximidade, meus dedos tocaram o seu rosto delicadamente e eu avisei para os dois com quem eu cavalgaria.
  — A Lily é a melhor garota do mundo! Não é, meu amor? — Afaguei sua crina.
  — É esplêndido vocês terem se dado tão bem, não é, Lion?
  — Realmente. É a primeira vez que Lily permite que alguém cavalgue com ela além de Killian.
  — É verdade isso, Lily? Então quando chegarmos no nosso destino, te darei mais petiscos! — A escutei relinchar animadamente, aumentando a sua velocidade. — Se vocês não se apressarem, ficaremos impacientes!
  Entre murmúrios e relinchos, avistamos a prisão de longe e em cinco minutos estaríamos lá, com o trio a nossa espera para receber as ordens.
  A segunda parte do meu plano se iniciaria, finalmente!

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