Capítulo Seis
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Desperto com um cheiro familiar de comida que apenas minha avó saberia fazer e me levanto rapidamente, um pouco dolorida por conta da ferida que eu tinha na minha barriga. Minha avó tinha feito um bom trabalho ao dar pontos no local que eu havia sido atingida e aplicar uma erva para a rápida cicatrização, porém eu sabia que independente do que ela usasse em cima da minha ferida, eu continuaria com uma baita cicatriz no local.
- Ei. – me aproximo da minha avó, minha voz soando mais rouca do que o normal.
- Olha quem acordou. – vovó dá um sorriso para mim. – Está com fome? – ela me pergunta.
- Sim. – balanço minha cabeça. – Onde estão os outros? – pergunto.
- Ainda estão dormindo. – encaro o relógio e percebo que já amanheceu.
- Não avisei meus pais que estaria aqui. – fico um pouco aflita.
- Não se preocupe com isso, eu avisei para eles assim que você chegou aqui. – solto um suspiro.
- Falou que eu estava ferida? – pergunto.
- Tive que falar. – reviro meus olhos, nesse momento meus pais deveriam estar falando sobre o quão imprudente eu era. – Apenas estranhei o fato deles não perguntarem se era grave. – me sento em uma cadeira, pois não conseguia me manter em pé por muito tempo.
- As coisas são assim na nossa família. – dou um pequeno sorriso para ela.
- O que você quer dizer com isso? – vovó me pergunta.
- Desde que saí daqui, vivi na academia, meus pais apareciam de vez em quando apenas para mostrar que éramos uma família unida. – solto um bocejo.
- Como isso aconteceu? – era notável que minha avó não sabia a metade do que acontecia nas nossas vidas.
- Minha avó, ela se tornou diretora da Ordem e, como todo mundo sabe, os caçadores tem que ser instruídos desde novos na academia para poder se tornar um caçador. – explico. – Quando a gente se mudou daqui, meus pais me deixaram na academia e minha avó praticamente me criou. – não queria ter que entrar em mais detalhes sobre o tempo que passei naquele local.
- Não posso acreditar nisso. – minha avó parecia indignada. – Como você conseguiu sair para nos visitar? – apesar de serem poucas vezes, consegui persuadir %Hyunjin% de me levar ao submundo para que eu pudesse ver meus avós quando eles estavam por lá.
- Você sabe que eu sempre tive uma ligação com o submundo certo? – pergunto e ela acena. – Então, apenas pedi um favor a um amigo. – finalizo o assunto. – A propósito, o que %Seungmin% está fazendo aqui? – mudo de assunto.
%Seungmin% era o filho mais novo do irmão mais novo do meu pai, apesar de termos uma idade próxima, nós não costumávamos nos comunicar muito bem. Ele tinha uma visão do mundo completamente diferente da minha, e muitas vezes me via como inimiga.
- Ele está aqui para ajudar %Faith%. – ouço um suspiro vindo da minha avó. – Desde que seus pais voltaram, as coisas estão um pouco tensas. – faço uma careta. – Seu tio não está feliz por ter caçadores na cidade. – ela continua sua explicação. – Ele esteve aqui quando vocês saíram para caçar e, pelo jeito que ele ficou, sei que não gostou da sua atitude. – reviro meus olhos. Eu não via meu tio fazia séculos, e achava que ele não tinha o direito de opinar em nada que eu fizesse, muito menos pelo fato de ter caçadores na cidade, sendo que ele era um lobo e deveria estar preocupado em não chamar a atenção para o seu povo.
- Espero que a raiva dele não seja direcionada para mim. – tento soar divertida para não deixar minha avó chateada, porém eu não confiava no meu tio, a natureza dele como lobo era explosiva, e eu realmente tinha medo de que em algum momento ele ferisse alguém por não saber controlar seus poderes.
- Ei, você acordou. – %Seungmin% brota na cozinha do nada, me dando um susto.
- Escutando a conversa dos outros? – ergo minha sobrancelha.
- Como você sabia? – ele se aproxima de mim e pega uma maçã de cima da mesa. – Como está sua ferida? – %Seungmin% aponta para a minha barriga.
- Uma merda. – suspiro. – O que você quer? – pergunto ao notar que ele não parava de me encarar.
- Apenas queria saber no que você se meteu. – reviro meus olhos.
- Ela está aqui apenas para ajudar, %Seungmin%. – minha avó chama meu primo carinhosamente por seu apelido e eu faço uma careta.
- Não sei no que ela pode nos ajudar. – ele mostra a língua para mim.
- Parece que independente do que você deseja, não irá se livrar tão cedo de mim. – dou um grande sorriso para ele.
- Talvez eu desejasse um pouco de dor para você, mas acho que você tem recebido o suficiente. – %Seungmin% dá de ombros.
- Seu humor está mais ácido do que o normal. – continuo alfinetando.
- Devo chamar seu guarda costas? – ele pergunta se referindo a %Christopher%.
- Não preciso de ninguém para me proteger, sozinha consigo acabar com você. – cruzo meus braços.
- Crianças. – minha avó nos repreende. – Eu sempre irei aceitar uma briga saudável, mas agora vocês passaram dos limites. – reviro meus olhos.
- Você é mais novo, deve me respeitar. – mostro a língua para ele.
- Tenho anos de experiência. – %Seungmin% continua tentando demonstrar poder para cima de mim.
- Claro. – balanço minha cabeça positivamente. – O que temos para comer? – resolvo ignorá-lo para não magoar minha avó.
- Ovos mexidos e bacon. – vovó começa a organizar a mesa. – %Seungmin%, chame os amigos de %Faith%, por favor. – ela pede delicadamente e meu primo sai da cozinha resmungando. – %Faith%... – vovó me chama.
- Sim? – me finjo de inocente.
- Não entre em uma briga com seu primo, ele está com um pé atrás pelo fato de você ser uma caçadora. – reviro meus olhos.
- Eu nunca fiz mal para ninguém da família. – bufo.
- Sabemos disso, mas mesmo assim ele quer manter a cautela. – suspiro.
- Prometo tentar não entrar na onda dele. – ergo minha mão esquerda para cima. – Mas se ele entrar nessa briga de cabeça, eu não poderei fazer nada. – eu conhecia %Seungmin% o suficiente para saber que ele iria continuar me provocando enquanto pudesse.
- %Faith%. – a voz de %Echo% se sobrepõe na cozinha. – Pensei que você tivesse morrido. – minha amiga me abraça rapidamente.
- Não exagere, %Echo%, já passamos por coisas piores. – reviro meus olhos para o seu drama. – Agora, me explique o motivo de você ter deixado a academia. – peço.
- As coisas não estão boas por lá, sua avó realmente pirou. – ela sussurra a última parte para que ninguém ouvisse, porém %Christopher% e %Seungmin% pigarreiam. – Detesto lobos. – ela dá um olhar de desdém para eles.
- Não fale isso. – meu primo mostra suas presas para ela.
- Não tenho medo de você. – %Echo% volta a me encarar. – Desisti da academia porque somos amigas e fizemos uma promessa. – ela continua falando sem parar. – E foi por causa dessa promessa que eu vim atrás de você. – %Echo% finaliza.
- Aonde você irá ficar? – pergunto. – Meus pais não irão acolher você. – bato na minha testa.
- Ela pode ficar conosco, desde que não se incomode de estar rodeada por lobos. – minha avó se prontifica.
- Sua avó sabe sobre nossas idas ao submundo. – faço uma careta e peço silenciosamente que ela não fale sobre esses assuntos. – Se não for incômodo para a senhora... – %Echo% se vira para encarar minha avó. – Eu iria adorar. – balanço minha cabeça, pois eu conseguia imaginar o sorriso que ela estava dando para a minha avó no momento.
- Vocês dois vão ficar parados aí por muito tempo? – pergunto ao notar que nem %Jisung%, e muito menos %Christopher% se aproximaram da cozinha. – Por acaso isso é medo? – questiono.
- De você? – %Jisung% parecia criar mais confiança e entra na sala.
- Você é só um humano. – resmungo.
- Assim como você. – ele retruca.
- Não encha a minha paciência. – resolvo ignorá-lo enquanto massageio minha cabeça.
- Gostei de você, humano. – meu primo se pronuncia e vejo o momento que ele se aproxima de %Christopher% e o cheira.
- O quê? – Chris parecia um pouco incomodado com a atitude do meu primo.
- Não me julgue, mas seu cheiro é diferente dos outros lobos que conheço. – %Seungmin% parecia um pouco hipnotizado com isso.
- Você está estranho. – me levanto da cadeira e vou até onde meu primo estava e desfiro um tapa em sua cabeça. – Pare com isso. – peço.
- %Faith%. – ele me olha na hora.
- Desculpa, força do hábito. – dou um sorriso.
- Então... – minha avó chama nossa atenção. – Podemos comer? – ela pergunta.
- Claro. – acho que esse era o único momento que todos nós concordamos.
A comida já estava posta na mesa quando todos nós nos sentamos. Meu avô não estava presente, ele era uma pessoa um tanto quanto reservada e preferia fazer suas refeições sozinho. Meu tio não tinha dado as caras até o momento, e eu sabia que em algum momento nosso encontro seria inevitável, o cara era mestre em aparecer do nada e provocar uma confusão, eu vi isso acontecer de perto diversas vezes. %Seungmin%, por outro lado, parecia ter perdido a língua enquanto estava ocupado demais fazendo sua refeição.
- Eu não entendo uma coisa. – de repente a voz de %Jisung% ecoa pela cozinha e todo mundo para o que estava fazendo para prestar atenção nele.
- O que você não entende? – me preparo mentalmente para o tipo de pergunta que ele iria fazer.
- Você sabe quem atacou você na floresta? – ele me pergunta.
- Não. – balanço minha cabeça.
- Como? – %Seungmin% parecia curioso também.
- Quando eu notei, já era tarde demais, e eu estava sendo perseguida. – explico. – Gastei toda a minha munição tentando acertar a coisa que tinha me atacado, mas tenho certeza de que não consegui. – suspiro.
- Não existe nenhum jeito de você se lembrar? – %Echo% e eu trocamos olhares.
- Na realidade... – minha amiga começa a falar.
- Existe sim. – completo sua frase.
- E o que seria? – %Christopher% parecia interessado.
- Isso não é algo que apenas me envolva. – baixo minha cabeça.
- Não. – minha avó bate na mesa.
- Vovó... – minha voz soa um pouco arrastada.
- O quê? – meu primo parecia um pouco perdido.
- Ela quer fazer a conexão. – vovó fala de maneira bruta.
- Como assim, conexão? – parecia que meu primo não sabia muito bem o que acontecia ao seu redor.
- Eu precisaria de um bruxo e de uma fada para conectar a minha mente. – olho para cada um que estava sentado próximo a mesa.
- Isso não é uma boa ideia, %Faith%, não existe ninguém no submundo que ainda faça isso, é praticamente suicídio. – minha avó estava séria agora.
- Na realidade, existem duas pessoas que fazem isso. – respondo minha avó.
- Não quero que você pense nisso, nem de brincadeira. – reviro meus olhos.
- Gente, eu não estou entendendo nada. – %Jisung% se pronuncia novamente.
- Eu quero reviver a memória da floresta. – deixo claro, com um sorriso nos lábios.
- Isso realmente é possível? – %Christopher% pergunta.
- Sim, isso é possível. – falo.
- Podemos fazer? – %Echo%, assim como eu parecia estar ignorando as reclamações da minha avó.
- Posso falar com %Hyunjin% hoje mesmo. – dou uma garfada no meu ovo mexido.
- Vocês duas... – Minha avó tenta chamar nossa atenção.
- Não se preocupe, vovó, eu já fiz isso outras vezes. – pisco para ela.
- Como assim? – ela parecia desacreditada com as minhas palavras.
- Não se preocupe. – repito. – %Jisung%? – o chamo.
- Sim? – ele parecia ter voltado sua atenção para a comida.
- As pesquisas ficarão ao seu encargo. – sorrio.
- Por quê? – ele parecia meio confuso.
- %Christopher% disse que você o ajudou até aqui, então essa será sua parte, pesquisador. – eu queria fazer o possível para mantê-lo longe do perigo.
- É certo perdermos tempo com pesquisa? – %Christopher% pergunta.
- Escute aqui, vira-lata. – engrosso um pouco a minha voz. – Tempo é virtude, temos que ter paciência, conhecer nosso inimigo, de nada vale se fizermos um ataque de olhos vendados, primeiro precisamos entender nosso campo, para depois fazer alguma coisa. – explico.
- Enquanto isso, deixaremos que as pessoas ao nosso redor morram? – ele me pergunta, sério.
- Claro que não. – %Seungmin% resolve se meter na conversa. – É nosso dever como lobos de manter as pessoas a salvo, assim como é o dever de caçadora da minha prima fazer o mesmo. – concordo.
- Então o que iremos fazer? – %Christopher% indaga.
- Iremos protegê-los, mas precisamos agir com cautela. – eu estava começando a me sentir fraca novamente.
- E como você pretende fazer isso? Sendo que está machucada. – ele fala um pouco irritado.
- Não se preocupe com isso, %Christopher%, graças às ervas que minha avó aplicou na ferida, em breve ela estará cicatrizada. – me levanto da cadeira e mostro a ferida. – E não está tão ruim quanto antes. – abaixo minha camiseta e encerro o assunto sem deixar brechas para que ele retrucasse.
Não fazia nem dois dias que eu estava na cidade e já tinha me envolvido em uma grande confusão. Meus pais estavam loucos por eu estar me envolvendo em algo que eles claramente me pediram para manter distância; meu primo aparentemente não confiava em mim pelo fato de eu ser uma caçadora; minha avó estava claramente insatisfeita por eu querer fazer a conexão para me lembrar do que aconteceu na floresta e, aparentemente, %Echo% deixou a academia por conta de uma promessa que fizemos quando nos conhecemos anos atrás.
Quando entrei na academia, nos ensinaram que jamais poderíamos virar as costas para pessoas inocentes, que era nosso dever protegê-las de um mal que elas acreditavam serem lendas, e por conta disso eu precisava fazer meu trabalho certo, mesmo que para isso eu precisasse dar a minha própria vida.