A Ordem

  Sim, você é.

  A resposta da minha avó ecoou pela minha mente como um trovão, e parecia que eu tinha entrado em um loop infinito. Dou um tempo para os meus pensamentos, respirando levemente, tentando acalmar meu coração. Eu era um alvo. Por incrível que pareça, as coisas começaram a se juntar em um quebra-cabeça que eu nunca tinha tido interesse em montar. Meus pelos se arrepiaram, não por causa do frio, mas por tudo estar fazendo sentindo agora.

  Olhei para minha avó paterna. Ela me encarava com um pouco de pena, como se soubesse o peso que suas palavras acarretavam, mas eu não me importava. Meu maior inimigo era alguém da minha família. Alguém com sede de vingança por algo elaborado antes mesmo de eu nascer. As consequências não deveriam ser minhas, pelo contrário, quem deveria pagar por tudo isso era minha avó materna. No entanto, de alguma maneira, eu tinha sido a escolhida para passar por isso.

  — Eu só quero entender o porquê… — Minha garganta estava seca.

  — Sua tia é filha de um transmorfo e de uma caçadora…

  Minhas mãos apertaram levemente o lençol que me tampava. Meu corpo tremia, e eu não sabia ao certo se era por conta do choque ou por causa da minha ferida.

  Eu não sentia medo; pelo contrário, eu sentia raiva.

  — E por que isso faz eu me tornar um alvo? — Parecia que minha avó, diferente dos meus amigos e de mim, sabia a resposta que eu procurava.

  — Você é exatamente aquilo que sua tia não teve liberdade de ser — vovó continuou sussurrando para não acordar %Changbin% ao meu lado, que dormia feito pedra. Ela se levantou e abriu a janela do quarto, deixando a luz da lua penetrar o ambiente. — Você foi criada para ser o elo que a Ordem tentou destruir…

  Senti meu estômago revirar com as poucas palavras ditas pela minha avó.

  — Mas eu nunca pedi por isso — murmurei.

  — Você nunca percebeu que era diferente dos outros caçadores? — Vovó me encarou. — %Faith%, eu nunca teria deixado meu filho ir se eu não soubesse o propósito dele e, principalmente, o seu.

  Prendi minha respiração.

  — Como assim? — perguntei, esperando por uma resposta que pudesse mudar toda a minha perspectiva dessa história.

  Minha avó se virou para mim, me encarando com um sorriso diferente nos lábios. Era possível entender, pelo seu olhar, que seus olhos carregavam uma história que há muito tempo não era contada.

  — Você conhece a verdadeira história da Ordem? — Sua pergunta fez com que eu balançasse a cabeça negativamente. Tudo o que eu sabia sobre a Ordem era o que aprendemos na própria academia. — Hoje a Ordem é constituída por escolher caçadores que treinam para serem caçadores… Mas nenhum deles carrega o símbolo de um caçador da Ordem originária, a Ordem Real. — Meu coração se apertou.

  — Vovó…

  — Nenhum deles carrega o que seu pai e você carregam. — Prendi minha respiração.

  Minha mão percorreu rapidamente pelo símbolo no meu pulso direito. Por muito tempo, eu senti uma queimação vinda desse símbolo, mas nunca entendi o real propósito dele.

  — A única coisa que eu sei é que, por conta dessa marca de nascença, meu pai foi aceito na Ordem — indaguei.

  — E você não está errada. Seu pai nasceu com esse propósito, ser aceito na Ordem. Por isso o deixei ir… Por isso ele nunca completou a transformação de lobo… Mas o que eu quero explicar para você é que essa marca não é uma marca recente, não é um símbolo comum. Ele é o elo que liga vocês aos dois mundos.

  — Como assim?

  — Dizem que essa marca foi criada por um coração de luz, disposto a doar a sua vida pela paz nos dois mundos. As pessoas que nasciam com ela eram capazes de equilibrar a sombra e a luz dentro de si, assim como eram capazes de acabar com todo o mal que ameaçava a paz. — Ela fez uma pausa e voltou a se sentar ao meu lado. — No entanto, isso aconteceu antes da Ordem começar a se corromper, e, aos poucos, os Caçadores da Ordem Real começaram a sumir.

  — E por que eu nasci com esse propósito?

  — Porque você é tudo o que eles temem, uma lembrança daquilo que eles tentavam apagar…

  — Mas então por que eles não mataram meu pai na primeira oportunidade?

  — Exatamente por isso. Porque eles viram uma oportunidade. Um Caçador da Ordem Real é muito mais do que um caçador, então, se eles tivessem um ao seu lado, eles seriam imbatíveis.

  As histórias de vitória que eu cresci escutando sobre meu pai, era isso… Ele sempre foi considerado um dos melhores caçadores da Ordem, ultrapassando até mesmo minha mãe, filha da diretora, uma mulher que carregava o sangue do meu avô, o grande caçador. Porém, o que ninguém imaginava era o preço que cada um pagava por essa fama.

  Meu pai, assim como minha mãe, sempre foi distante. Não é à toa que eles me abandonaram na academia para me tornar caçadora, e todo o nosso relacionamento foi moldado no que as pessoas esperavam de nós. Mas agora eu o entendia. A vida toda, ele esteve com pessoas do submundo e, no fim, meu pai teve que abandonar isso, deixando uma parte da sua vida para trás. Ele nunca foi uma pessoa que falava sobre seu passado; pelo contrário, sempre falava que o passado não era importante e muito menos deveria ser lembrado.

  Meu pai viveu pela Ordem desde que se tornou caçador. Na academia, todos falavam sobre como ele era grandioso, que era capaz de acabar com vilas inteiras sozinho, se necessário. Nunca ninguém o tinha derrotado. Era ele quem fazia as pessoas sentirem medo. Mas no fundo, meu pai também era parte de algo que nem ele mesmo sabia. Ele, assim como eu, caiu em uma armadilha moldada pelo destino. Eu queria falar sobre isso com a minha avó. Porém, antes que eu pudesse me pronunciar, ela se levantou rapidamente da cama, alarmada. Somos pegas por um barulho capaz de cortar o silêncio daquela casa. Ele tinha vindo do primeiro andar, e meus instintos me fizeram querer levantar.

  Minha avó me impediu. Era como se ela já soubesse quem era o visitante. Seus olhos ficaram brancos de repente, e eu sabia o que isso significava. Senti uma vibração estranha no quarto, quase como se a barreira que nos mantinha a salvo estivesse se quebrando.

  — Fique aqui. Não saia até eu falar para você sair. — Sua voz era baixa, mas soava urgente.

  — O que foi isso? — Um misto de sentimentos toma conta do meu corpo.

  Ela não falou nada, apenas me encarou em silêncio antes de desaparecer pelo corredor da casa.

  %Changbin%, ao meu lado, parecia finalmente despertar, como se algo tivesse tirado ele do seu sono profundo.

  — Que barulho foi esse? — O encarei por um instante.

  Minha avó tinha falado sobre caçadores que foram escolhidos para serem caçadores. %Changbin% tinha sido um deles, nascido de pais caçadores e obrigado a seguir o legado de seus pais. Depois, tínhamos %Echo%, uma garota órfã que foi tirada do orfanato, de uma oportunidade de viver uma vida comum e feliz, para se tornar uma caçadora. E isso me machucava. Me machucava, pois a Ordem destruiu vidas e sonhos ao longo dos anos, e nunca pudemos fazer nada sobre isso.

  — Aparentemente, alguém conhecido da minha avó. — Dou de ombros.

  De repente começo a escutar um barulho de passos mais suaves batendo no assoalho e sussurros abafados de vozes já conhecidas. %Jisung% foi o primeiro a aparecer na porta. Ele não falou nada, apenas nos observou. Ao seu lado, %Echo% apareceu com um sorriso aliviado. Seus olhos varreram o quarto à procura de outra pessoa, mas ele não estava lá. %Hyunjin% tinha que descansar e não ser incomodado por ninguém até recuperar completamente sua energia. Mas no fundo, %Echo% sabia que nosso amigo estava bem.

  Meu primo também estava ali, mais ao fundo. Encostado na parede, como se não se importasse muito comigo, mas eu sabia que ele se preocupava. Para minha surpresa, %Christopher% também tinha aparecido. Ele parecia um pouco confuso, mas eu pude entendê-lo muito bem. Porque eu também estava.

  — Onde está o %Minho%? — perguntei preocupada ao perceber que meu amigo não estava ali.

  — Foi ver como %Hyunjin% estava. Sua avó disse que não podíamos sair até ela mandar a gente sair — %Jisung% respondeu rapidamente.

  — Podemos pelo menos descer? — perguntei ao me levantar, sentindo uma dor nas minhas costas.

  — Vovó disse que não podíamos sair, mas não falou nada sobre ficarmos no primeiro andar. — %Seungmin% se afastou da parede e caminhou lentamente pelo corredor.

  — Gente… Vocês estão sentindo isso? — %Christopher% sussurrou, mas aí é que tava, eu não estava sentindo nada.

  — Vamos lá para baixo. — Seja lá o que ele estivesse sentindo, tinha a ver com as pessoas que acabaram de chegar.

  Descemos as escadas em silêncio. As madeiras pareciam protestar com os nossos passos, quase como se reclamasse da movimentação constante. De algum modo muito estranho, a casa da minha avó, que outrora era aconchegante, parecia carregar uma aura mais pesada, como se alguma coisa, ou alguém, estivesse sendo responsável por essa mudança.

  Ao chegar na sala, me deparei com minha avó sentada no sofá, uma bandeja de chá servida na mesa de centro. Era como se ela soubesse quem estaria passando por aquelas portas e estava apenas esperando, como uma colega que aguarda seus amigos. Ela não parecia muito feliz em nos ver ali, mas acredito que vovó apenas deixou pra lá, pois sabia que não iria adiantar nada pedir para sairmos da sala.

  A porta abriu de repente, pegando a mim e meus amigos desprevenidos, pois ali, parados diante daquela porta aberta, havia duas figuras que eu conhecia muito bem, mesmo que de longe, por histórias.

  A mulher tinha longos cabelos prateados, como se tivesse sido beijada pela lua. Sua postura era elegante; no entanto seus olhos tinham um brilho selvagem, entregando quem ela era. Ao seu lado, estava um homem. Ele, diferente dela, não tinha cabelos brancos. Não. Ele era o contraste. Seus cabelos eram pretos como uma noite sem estrelas, sem a lua para iluminar nossos caminhos. Seu olhar era tão feroz quanto o dela.

  Eu sabia quem eram, apesar de nunca ter estado em um mesmo lugar que eles.

  O rei e a rainha do submundo.

  O coração central do submundo e, principalmente, a família central. A linhagem direta que governava aquele lugar. A presença deles era indescritível. E agora eu pude entender o motivo de %Christopher% achar que existia alguma coisa errada.

  Era a presença deles.

  Enquanto a rainha e o rei entravam para dentro de casa, ninguém falou nada. Acredito que meus amigos e eu estávamos chocados demais com a presença real para falar alguma coisa.

  Meu primo e minha avó foram os primeiros a se moverem. Com um movimento discreto e automático, os dois curvaram sua cabeça em uma reverência de lobos para lobos, de súdito para os reis.

  %Echo%, por outro lado, parecia estar um pouco nervosa com a presença de ambos. %Jisung% nem se fala, ele parecia não estar entendendo muito bem o que estava acontecendo ao redor dele.

  Mas %Christopher%... Ele foi uma surpresa. O observei dando um passo à frente, sem nem ao menos perceber o que estava fazendo. Claro que Chris não sabia muito bem sobre as etiquetas do submundo, mas nada me preparou para isto.

  — O que foi? — %Jisung% parecia confuso com a reação do amigo.

  Porém, %Christopher% não falou nada. Ele apenas parou e encarou aquelas duas figuras imponentes que estavam na sala da minha avó. Só que o mais surpreendente era que a rainha parecia responder ao olhar de %Christopher%. Seus olhos pareceram suavizar quando encontraram com os de Chris. Porém, ela desviou rapidamente, me deixando um pouco confusa.

  Minha avó estava com um olhar que parecia saber de alguma coisa, mas ela se absteve e, em silêncio, acenou para que eles se aproximassem dela.

  — Vocês chegaram cedo… — A postura da minha avó era firme.

  — Desculpe, mas a lua de sangue está prestes a surgir. Toda ajuda será necessária. — Me chocou um pouco ver o rei servindo o chá para minha avó.

  Ele fazia isso de uma forma tão tranquila, tão natural, que era como se tivesse servido muitos chás para minha avó antes. Apesar de ser um rei, ele parecia uma pessoa comum. Já a rainha estava parada, perto da lareira, em completo silêncio. Mas sem deixar de estar alerta com o que acontecia ao seu redor.

  — Sentem-se, crianças. — Acredito que minha avó não estava gostando muito de ver seis adolescentes em pé, próximos à escada.

  A curiosidade era maior do que o medo, por isso nós obedecemos a ordem da minha avó. Até %Jisung%, que parecia estar completamente alheio ao que estava acontecendo. O rei e a rainha se sentaram no sofá do outro lado da sala que minha avó tinha indicado. O silêncio era absoluto, e parecia que ninguém queria quebrá-lo.

  A presença deles, em si, deixava todos nervosos, pois era aquele tipo de poder ao qual você não deseja se opor.

  — As movimentações já começaram… — O primeiro a quebrar o silêncio foi o rei. — Ocorreram ataques aos lobos nas fronteiras silenciosas. Eles estão se movendo rapidamente.

  — Como? Quem está guiando os ataques? — Não sabia ao certo se eu poderia me intrometer na conversa, mas não consigo me segurar.

  — Nyssara… — Um simples nome saiu de sua boca, mas foi capaz de me deixar arrepiada.

  — E quem seria essa? — %Jisung% perguntou. Parecia que eu tinha aberto uma conversa que certamente não deveria existir.

  — A tia perdida dela. — A rainha apontou para mim. Os outros não sabiam sobre a história da minha tia perdida; eu não tive tempo de contar para eles.

  — Lith… — Observei vovó se referindo à rainha por seu nome.

  — E não é verdade? As coisas estariam onde estão se a avó materna dela tivesse morrido quando devia? — Prendi minha respiração.

  — Como assim?

  — Era para sua avó ter morrido, não seu avô. Se ele estivesse vivo, jamais estaríamos entrando em uma guerra. — Continuei não entendendo, porém recebi um olhar furioso da minha avó, um sinal silencioso para eu parar de questionar o rei e a rainha.

  — Isso não importa. A lua de sangue é amanhã… — %Echo%, ao meu lado, parecia ainda mais tensa.

  Minha amiga estava em alerta.

  — Seria o momento perfeito para um ataque deles, não? Quero dizer, muitos lobos perdem o controle, alguns seres sobrenaturais perdem seus poderes… — Comecei a enumerar diversos motivos do porquê um ataque neste dia seria viável para eles.

  — Enquanto outros ganham poderes que nunca tiveram… — o rei complementou.

  — Kaer… Você quer dizer que eles podem ganhar mais poderes do que já têm? — Observei atenta às palavras de Lith.

  — Eles já não estão sob nosso comando há muito tempo. Desde o ataque ao vilarejo, não sabemos sobre eles. — Por um momento, fiquei pensativa. Era estranha a maneira como todos apagaram a existência dos transmorfos.

  — Posso perguntar algo? — Me arrisquei.

  — Poder, pode. Mas se iremos responder, é outra questão. — Ambos responderam de forma seca. Claro que era compreensível, afinal, eles eram reis.

  — Como vocês permitiram o apagamento dos transmorfos? Eles fazem parte da história do submundo — os questionei. Eu nunca tive medo de ir contra a minha avó e seus pensamentos; não seriam eles que iriam me calar agora.

  — Garota, todos nós tivemos os nossos motivos. — Semicerrei os olhos.

  — Então isso quer dizer que vocês viram vantagem nessa operação da Ordem em matar os transmorfos? Por isso nunca fizeram nada. — %Changbin% surgiu na sala. Ele, assim como eu, não costumava deixar as coisas quietas.

  — Isso é uma acusação muito grave. — O rei se levantou e eu automaticamente me levantei junto.

  — Mas ele não deixa de ter razão. A Ordem atacou e matou diversos transmorfos, depois literalmente apagou eles e tudo o que poderia remeter a eles. Ou seja, para vocês isso foi um ganho. — As palavras voaram pela minha boca.

  — Sim. Eles eram como pragas que se proliferavam, tomavam o lugar de pessoas importantes e ocupavam lugares que, por direito, não era deles…

  Silêncio.

  Eles, assim como a própria Ordem, fizeram o que fizeram por medo.

  — Vocês destruíram vidas… — Senti minha garganta se apertar. Mesmo que eles estivessem tomando lugares que não eram seus de fato, deveria existir uma maneira deles permanecerem vivos.

  — E foram coniventes com isso… — %Changbin% completou.

  — Eu sei que não tenho nada a ver com o submundo e, sendo bem sincero, eu nunca procurei saber sobre ele até conhecer %Faith%, mas o que eu vejo é que vocês tinham medo, por isso permitiram o que aconteceu. — %Christopher% se levantou, e o vi encarando Kaer e Lith. — Meus pais me ensinaram que devemos ser pessoas boas, porque isso pode ser uma mudança para outros que não têm a mesma oportunidade que nós.

  — Exatamente. Você não sabe de nada, não tem ideia do que eles fizeram e do que eles são capazes de fazer. — Kaer não pareceu muito feliz com as nossas indagações.

  — Brigar não irá resolver os nossos problemas… Precisamos focar no que realmente vale a pena nesse momento — minha avó se pronunciou como uma pacificadora nessa conversa.

  — Você está certa. Esperamos por esse momento por muito tempo, então não vamos brigar. — Lith pareceu concordar com minha avó, diferente de seu marido. — %Faith%, você e seu pai são peças importantes nessa última jogada.

  — Por quê? Por eu ter a marca da Ordem Real? — perguntei.

  Observei Kaer suspirando. Seus olhos carregavam o peso de algo muito mais forte do que essa guerra.

  — Não é apenas isso. Você faz parte da profecia… — Meus olhos automaticamente procuraram os de minha avó.

  — Que profecia? Você nunca falou de profecia nenhuma — questionei.

  — Porque sua avó jamais poderia falar sobre ela… — A rainha se levantou do sofá e caminhou em minha direção. — Já ouviram falar sobre Elandra? O reino solitário? Mais precisamente, a Guardiã do Véu? A primeira da Ordem Real?

  — Não aprendemos sobre isso na academia. — Balancei minha cabeça, tentando imaginar quem poderia ser essa Guardiã do Véu.

  — Séculos atrás, antes do surgimento da Ordem, existiu o Reino de Elandra. E uma garota humana, que não era bem uma humana… Ela foi a primeira guardiã da Ordem. O destino dela era simples, unir dois mundos que viviam em guerra. E ela conseguiu. E todos pensávamos que nunca, jamais iríamos ver as trevas ascendendo novamente. Mas dessa vez… Os transmorfos conseguiram quebrar as barreiras criadas pela garota e estão voltando, trazendo as trevas junto com eles.

  — Mas o que eu tenho a ver com isso?

  — Você é o elo que une os dois mundos. Você é descendente direta de Elandra, e principalmente, de Seraphine, a primeira caçadora da Ordem.

  — Sempre soube que existia algo em %Faith% que me deixava fascinado, mas nunca imaginei que ela fosse descendente direta da princesa Seraphine. — %Minho% surgiu na sala, carregando algo consigo. — Meu rei, minha rainha. — Ele se curvou rapidamente.

  — %Minho%, que bom ver você. — A rainha sorriu abertamente ao vê-lo. — Só falta %Felix% e %Hyunjin% para ter todos os príncipes reunidos em um só lugar.Porém ao mesmo tempo que isso seria maravilhoso, também seria perigoso.

  — %Hyunjin% está descansando, e %Felix% está em um lugar seguro. — Ele se aproximou do rei e da rainha, entregando uma carta para eles. — Tenho isso comigo há muito tempo. Foi me dito que eu apenas deveria entregar a vocês quando o momento certo chegasse. Acho que esse é o momento.

  — Uma carta? — Observei Kaer pegando aquele pedaço de papel da mão de %Minho%. — Isso daqui…

  — Ai, meu Deus… — Seja lá o que estava escrito ali, tinha pegado os reis de surpresa.

  — O que houve, Lith? — Minha avó se aproximou deles e Lith entregou o papel para ela, que começou a ler em voz alta.

  — Após cem anos, uma lua de sangue surgirá, e com ela o equilíbrio deve retornar. A linhagem desaparecida irá voltar, e a paz reinará… — Os três olharam para mim, e fiquei arrepiada.

  — Vocês não querem dizer que eu… Seria a pessoa que trará a paz, não é mesmo?

  Nessa altura do campeonato, eu não confiava mais na minha capacidade de fazer nada certo.

  — Essa carta foi entregue para mim há muito tempo, quando assumi o papel dos meus pais na família. Eles me informaram que eu saberia a hora exata de revelar esse segredo. Nunca li o conteúdo dela, pois eles falaram que apenas os reis deveriam lê-la.

  — Isso é tão estranho… — resmunguei.

  — E por que vocês confiariam a paz em uma caçadora? — %Jisung% se intrometeu na conversa, pegando todos de surpresa.

  — Pelo fato de ela unir os dois mundos. O dos caçadores, e o do submundo — a rainha falou.

  — E porque, de uma forma estranha, é disso que precisamos. — Kaer pareceu mais calmo, como se ler essa carta o deixasse confortável. — Você sabia que a Ordem nasceu de uma união entre os sobrenaturais e humanos? Só alguém que carrega essa herança seria capaz de acabar com a dor entre os mundos.

  — E se eu falhar? Muita gente já morreu… — Minha voz falhou.

  — Você e seus amigos chegaram até aqui. — Vovó sorriu. — Vocês só precisam continuar o que estavam fazendo até agora. O resultado será positivo.

  O silêncio retornou.

  Todos pareciam concordar, de certa forma, apesar de eu continuar achando loucura tudo o que tinha acontecido nessa noite.

  Eles achavam que eu era uma esperança em tempos sombrios, mas eu não acreditava que poderia fazer isso. Não agora, e muito menos depois.

  Pela primeira vez, eu senti medo.

  Pela primeira vez, eu não queria me chamar %Faith%.

  Porque %Faith% significava ter fé em algo, porém tudo o que eu não tinha nesse momento era fé.