Capítulo Um
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Meus pais não estavam felizes. Não depois dos últimos acontecimentos na academia. Com tudo o que aconteceu, eu fui obrigada a me afastar, e para minha mãe isso era algo inadmissível, ainda mais quando sua mãe, minha avó, era a diretora do local.
Minha família, nesse quesito, era um pouco disfuncional; enquanto minha mãe era filha de uma caçadora da Ordem, meu pai era filho de um lobisomem.
Sim. Muito engraçado eles terem aceitado meu pai como caçador quando sabiam sobre sua descendência. E sabe o que é mais engraçado? Eles apenas aceitaram o relacionamento da minha mãe com meu pai pelo simples fato dele ter nascido com a marca da Ordem real.
Sim. No meu mundo existem diferentes tipos de caçadores e os mais importantes são os que mantêm um pequeno sinal em forma de coração no pulso direito. Além do meu pai, eu sou a única no mundo que tem essa marca, algo que eu escondo sempre que possível, pois se eu pudesse mudar meu destino, nunca teria nascido com ela.
A família da minha mãe só passou a ter um posto mais alto na Ordem dos caçadores por conta do casamento dela com meu pai, esse sim foi o motivo deles terem aceitado o filho de um lobisomem na família, apesar de sempre negarem.
- %Faith%. – minha mãe chama minha atenção novamente.
- Sim? – respiro fundo antes de encara-la.
- Desligue esse celular. – ela pede.
- Por que eu deveria desligar meu celular? – a questiono.
- %Faith%... – seu tom é de aviso, porém ignoro.
- Eu sei que vocês não estão felizes de me ter por perto, então por que não me deixam quieta? – largo meu celular no banco e cruzo meus braços.
- Você devia estar se formando. – a voz da minha mãe é estridente. – Esse era seu último ano. – reviro meus olhos e encaro a paisagem.
Eu estava voltando para casa depois de muito tempo, e tudo parecia ter mudado. Seis anos, esse foi o tempo que fiquei longe de Fallen Hills e parecia que eu não sabia nada sobre essa cidade, apesar do local continuar sendo um santuário verde.
- Eu sei disso. – bufo. Meus pais nunca seriam capazes de me perdoar sobre minha ultima escapada da escola, que resultou na minha expulsão.
- Se você ao menos nos escutasse. – minha mãe continua falando enquanto meu pai se concentra na estrada. – Você realmente foi muito inocente ao imaginar que sua avó iria aceitar seu envolvimento com um vampiro. – reviro meus olhos.
- %Minho% é meu amigo. – acredito que essa era a pior parte para os meus pais, saber que eu não mato um ser sobrenatural até ter certeza de que ele merece ser punido.
- %Faith%. – ouço um suspiro vindo do banco da frente. – Você não devia fazer amizade com qualquer pessoa senão um caçador. – eu achava uma hipocrisia minha mãe falar uma coisa dessas, ainda mais quando ela se casou com meu pai.
- Acho que eu aprendi a lição, não é mesmo? – eu não me arrependia de manter uma amizade com %Minho%, e se soubesse que ser pega com ele acarretaria minha expulsão da academia, eu já teria feito isso há muito tempo.
- Ele deveria ter sido morto, você tem muita sorte dele ter fugido antes da Ordem chegar. – reviro meus olhos.
- Ninguém conseguiria fazer nada com ele. – eu sabia que %Minho% era um dos vampiros mais habilidosos que eu conhecia.
- Somos treinados a vida toda para lidar com essas situações. – ela continua com seu discurso.
- Tudo bem, mamãe. – coloco o fone de ouvido e volto a ignora-la.
- %Faith%. – continuo balançando minha cabeça ao som da música que estava ouvido, e tento ignorar a voz da minha mãe que praticamente gritava. – %Faith%. – ela chama de novo e agora vejo que não poderia ignora-la.
- Odeio sua atitude. – mamãe gesticula com a mão.
- Se você não está satisfeita, por que deixou a vovó me criar? – pergunto.
- Sua avó sempre soube o que era melhor para você. – ela não tinha ideia do que minha avó me fez passar durante esses últimos seis anos que fiquei na academia.
- Claro. – balanço minha cabeça. – Então não reclame sobre a minha educação, sua mãe sempre foi uma pessoa justa, não é mesmo? – pergunto.
- %Faith%. – pela primeira vez, depois de cinco horas de viagem meu pai se pronunciou. – Vamos encerrar o assunto por aqui. – ele fala.
- Então posso voltar a ouvir música? – o questiono.
- Desde que você não fique retrucando. – balanço minha cabeça concordando. Não valia meu tempo discutir com meus pais sobre algo que eles não aceitavam. A única coisa que eu achava ridículo nas atitudes deles, e principalmente do meu pai, era ele não aceitar meu envolvimento com pessoas do submundo.
Veja bem, eu não tinha vergonha de ser uma caçadora, eu tinha vergonha do que eles faziam para as pessoas. Aceitar matar seres sobrenaturais que ameaçassem qualquer pessoa era uma coisa, mas matar aqueles que não faziam nenhum mal era falta de bom senso. E meus pais não pareciam acreditar muito nisso. Na realidade, as únicas pessoas que estavam isentas das regras da Ordem, eram a família do meu pai, qualquer outra pessoa teria um fim trágico, sendo culpado ou não.
***
Apesar de ter feito uma viagem de cinco horas, a primeira coisa que meus pais fizeram ao chegarmos em casa foi me mandar para a escola, eu sabia que essa era a forma que eles encontraram de me punir sobre o meu
recente comportamento, por isso resolvi não gastar minhas energias com o assunto, e logo saio do carro dos meus pais.
Olhando para a minha nova situação, vir para uma escola não parecia o certo, eu me lembro de ter suplicado aos meus pais que deixassem que eu estudasse em casa, assim eu teria mais tempo para praticar as artes maciais, porém os dois foram diretos ao falar que eu era obrigada a estudar, e que se eu quisesse continuar em uma escola, que não fizesse as escolhas erradas. Eu estava tão cansada de mentir, e a perspectiva de conviver com pessoas que não sabiam o que existia do outro lado do seu mundo me incomodava um pouco.
Ao observar com mais afinco a escola, percebo que a mesma era muito antiga, e deveria, sim, ter tido muitas histórias por detrás das paredes, porém não era algo que cabia a eu julgar, e sim apenas apreciar. As pessoas pareciam curiosas ao me verem chegando, talvez pelo fato da cidade não receber tantas pessoas novas.
Sim, ela era uma cidade velha que não recebia novos moradores há muito tempo. E meus pais, apesar de ter vivido há muito tempo aqui, já foram esquecidos.
- %Faith% %Reed%? – mais cedo eu tinha sido instruída pelos meus pais que assim que chegasse na escola fosse diretamente para a secretária, por isso não fico surpresa quando uma secretária de aparência mais velha me chama.
- Sim. – sorrio cordialmente para ela, algo que aprendi desde cedo na Ordem.
- O diretor está a sua espera. – a secretária aponta para uma porta atrás de si e eu me levanto imediatamente da cadeira que tinha me sentado para descansar. Parando na frente da porta, eu bato levemente e espero uma resposta para entrar.
- Entre. – escuto um tom abafado vindo por de trás e abro a porta rapidamente dando de cara com o diretor. – Estava esperando por você. – dou um sorriso e me sento na cadeira à sua frente. – Senhorita %Reed%. – ele começa a olhar meu histórico.
- Me chame de %Faith%. – detesto quando as pessoas usam orifícios para se referir a minha pessoa.
- Tudo bem. – o senhor parecia um pouco sem graça. – Estava observando seu histórico. – ele ainda parecia um pouco surpreso, era visível em sua fisionomia.
- Ótimas notas, não? – pergunto com um largo sorriso. E apesar de vivermos na academia da Ordem, termos aulas de artes maciais e até mesmo de armamento, nós tínhamos aulas como qualquer outra pessoa, e notas boas eram obrigatórias para conseguir ser formar como um caçador.
- Você é realmente uma boa aluna. – o diretor continua observando meu histórico.
- O que eu posso fazer se ser a melhor está no meu sangue. – dou de ombros. Eu sabia que talvez eu fosse um pouquinho pretenciosa, mas eu sabia que era realmente boa em muita coisa, e adorava receber elogios. – Eu jamais conseguiria deixar algo inacabado. – finalizo com um sorriso.
- Bom... Como eu ia falando – o diretor pigarreia. Um pouco desconfortável com as minhas palavras –, seus horários estão aqui. – ele me entrega uma pequena folha que continha os meus horários de aula. – Infelizmente, você terá que esperar para se candidatar para alguma atividade extracurricular, pois todas estão preenchidas.
- Não vejo problemas com isso. – estralo minha língua. – Mais alguma coisa? – pergunto um pouco impaciente.
- Por enquanto não. – ele se levanta da cadeira. – Irei acompanhar você até a sua sala. – sigo seu gesto e me levanto.
- Tudo bem. – solto um suspiro e espero que o diretor saia de sua sala para que eu possa segui-lo.
- É por aqui. – assim que saímos de sua sala, o vejo cumprimentar alegremente sua secretária para que enfim pudéssemos dar sequência a uma caminhada por entre os corredores da escola.
A escola era maior do que eu esperava, devo admitir. Quando meus pais me deixaram mais cedo na frente dela, eu pensei que meus dias iriam ser completos de tédio e agonia, não que fosse ser diferente, porém com a escola sendo maior, a chance de alguém me irritar era menor. Os corredores eram bastante amplos e, para a minha surpresa, a escola estava adaptada para pessoas com necessidades especiais, algo muito importante, porém que poucas escolas ainda têm atento. Dos corredores abertos era possível ver o pátio interno perfeitamente e o que mais me chamou a atenção nisso tudo eram as estátuas postas perto de algumas pilastras centrais do local. Claro que próximo a essas estátuas eu podia ver alguns alunos se esgueirando, o que me passou um senso de amadorismo vindo deles, pois o primeiro local a se procurar alguma pessoa, seria ali.
Enfim, o diretor divagava sobre a estrutura da escola e como ele se sentia orgulhoso daquele prédio ter sido um dos primeiros a serem erguidos quando a cidade estava sendo criada, porém para ser bem sincera não presto muito a atenção, pois não era algo que estivesse relacionado a mim.
- Finalmente chegamos. – ele para na frente de uma porta e sorri. – Essa é a sua nova sala. – o diretor abre a porta de repente, surpreendendo o professor e os alunos que já estavam acomodados em seus lugares. – Quero que vocês deem boas vindas a sua nova colega de classe. – ele ergue a mão para me chamar e entro na sala. – %Faith% %Reed%. – o diretor volta a me apresentar para a turma. – Espero que vocês sejam receptivos. – ele adverte e eu reviro meus olhos.
- Por que você não se senta? – o professor indica o único lugar disponível para que eu sentasse.
- Claro. – respondo para ele e paro por um momento pra encarar todas as pessoas que estavam naquela sala.
Olhar curioso era o que eu estava recebendo no momento, então faço o que fui treinada para fazer tão bem, dou um sorriso fatal e caminho para o local indicado pelo professor.
- Olá. – aceno para a menina que ficaria ao meu lado amigavelmente, porém ela me ignora.
- Agora que a senhorita %Reed% foi devidamente apresentada, irei me retirar. – o diretor comunica, mas parecia que as pessoas ao seu redor não ligavam realmente para o que ele falava.
Um pouco patético até mesmo para ele. - Ok. – o professor bate no quadro para chamar a atenção dos alunos que começaram a falar loucamente desde a saída do diretor. – Vamos retornar de onde paramos na semana passada. – assim que ele tem a atenção de todos os alunos, percebo meus colegas de classe abrindo seus livros e fico apavorada.
Minha mente não funcionava muito bem quando eu tinha que prestar atenção em matérias escolares, geralmente eu gravava as aulas e depois estudava, era um movimento simples que facilitava muito a minha vida. Claro que apesar da minha mente entrar em modo automático, eu conseguia entender perfeitamente tudo o que as pessoas falavam ao meu redor, o problema era que muitas vezes eu ficava montando todo tipo de estratégia na minha mente, me fazendo se perder muitas vezes nos contextos ao meu redor.
- Olha aqui. – sinto um leve baque na minha mesa, e sou pega de surpresa. – Vou ser bem direta com você. – a garota loira ao meu lado parecia um pouco irritada, porém eu não conseguia entender o seu comportamento para cima de mim. – Não pense que só por ter tido a sorte de sentar ao meu lado que você irá copiar minhas anotações. – a encaro com as sobrancelhas erguidas e deixo que ela fale o que precisa. – Sugiro que você preste atenção na maldita aula, ao invés de ficar desenhando no seu caderno. – eu não tinha notado que ao cair em pensamentos eu estava desenhando automaticamente. A realidade é que esse gesto vinha acontecendo mais frequentemente, porém não achei que era algo a ser compartilhado com meus pais.
- Não se preocupe quanto a isso. – me apoio em meu braço e continuo encarando a garota. – Tudo o que o professor está falando no momento eu já aprendi na minha antiga escola. – sorrio. – Então pode ficar tranquila que não irei precisar das suas migalhas para poder acompanhar meus colegas de classe. – falo entre dentes. – Você é uma pessoa bastante julgadora. – a encaro de baixo para cima e com um sorriso desvio meu olhar para o professor.
O restante da manhã passou arrastando, esse era o tipo de vida que eu tinha quando estava seguindo o fluxo normal das coisas. Tenho certeza de que se eu estivesse na academia agora, eu estaria praticando tiro ao alvo com a minha melhor amiga Marnie e devo dizer que era um dos melhores momentos do dia.
Sentada o gramado do pátio eu me ponho a pensar. Eu não entendia muito bem a lógica dos meus pais decidirem se mudar para essa cidade novamente, afinal, quando fomos embora há seis anos, eles tinham sido claros sobre nunca mais voltar aqui, porém eu sabia que com eles não havia conversa, e perguntar o que estava acontecendo era o mesmo que entrar em um beco sem saída. O meu alívio nesse dia lento era esse pequeno intervalo que tínhamos para comer. Eu estava estressada quando a última aula começou e, por conta disso, meu humor estava a beira de um colapso, então quando finalmente o sinal bate, eu saio da sala rapidamente e encontro o lugar que estou no momento, calmo e sem pessoas por perto.
Depois de tanto pensar, lembro que eu tinha o último desenho que fiz no meu bolso e o tiro de lá. Esse desenho estava me deixando muito intrigada, pois fazia semanas desde que ele começou a aparecer nos meus sonhos, e agora eu estava desenhando eles inconscientemente.
- Posso me sentar aqui? – ouço uma voz feminina falar ao topo da minha cabeça e me surpreendo quando dou de cara com a garota que sentava ao meu lado em matemática avançada.
- Agora você quer se sentar aqui? – eu não queria parecer mal educada com a garota, porém hoje mais cedo eu realmente escutei algo completamente desnecessário.
- Na realidade, esse lugar é meu. – ela parecia um pouco sem graça ao falar isso.
- Verdade? – pergunto ao tentar ver algum nome gravado por ali. – Não parece. – sorrio.
- Olha... – ela parecia indecisa se fala ou não comigo.
- Sim? – tento estimulá-la a dar continuidade na sua fala.
- Acho que começamos errado hoje. – reviro meus olhos. – Sou Eleanor. – ela ergue sua mão para me cumprimentar.
- %Faith%. – semicerro meus olhos e a encaro atentamente.
- Agora que você me conhece, será que posso sentar? – dou um sorriso e balanço a cabeça positivamente. – Você não parece ser uma pessoa que fala muito. – Eleanor, não mais a garota loira que sentou ao meu lado hoje cedo, fala.
- Não sou de ficar falando com pessoas que não conheço. – mordo a maçã que tinha trago comigo.
- Irá comer apenas isso? – a garota aponta para a minha fruta.
- Gosto de manter uma alimentação balanceada. – explico.
- Entendo. – ela começa a desembalar um sanduiche e acabo fazendo uma careta quando o cheiro dele me atinge.
- Nossa. – imediatamente tampo meu nariz para impedir que o cheiro penetre ainda mais.
- Você não gosta de sanduiches de atum? – a garota parecia um pouco sem graça.
- Isso definitivamente fede. – mesmo que eu não quisesse que esse gesto parecesse grosseiro, sou obrigada a me afastar dela. – Desculpe. – continuo tampando meu nariz, porém algo chama minha atenção de longe. – Quem são eles? – pergunto ao ter minha atenção chamada por dois garotos.
- %Christopher% e %Jisung%. – sua voz sai um pouco abafada por conta de estar mastigando.
- Interessante. – murmuro.
- Se eu fosse você, ficaria longe deles. – a encaro sem entender muito bem.
- Por quê? – pergunto de forma curiosa.
Continuo encarando os dois garotos que andavam pelo pátio como se fossem donos do local, e meus olhos acabam se conectando imediatamente com um deles.
- Eles costumavam ser meus melhores amigos, mas quando ganharam popularidade, me deixaram de lado. – ela arruma o óculos que estava deslizando sobre seu nariz.
- Isso é uma pena. – continuo encarando o garoto. Parecia que eu o conhecia de algum lugar, e o pior, que algo nos conectava assustadoramente.
- É um pouco grosseiro você falar isso. – Eleanor parecia um pouco magoada com as minhas palavras.
- Desculpe. – me levanto de repente.
- O que você está fazendo? – a garota me questiona.
- Você quer um conselho? – olho para baixo para encara-la. – Não leve muito em consideração o que garotos fazem, essa é a pior etapa da vida deles, e na maioria das vezes eles são uns babacas. – pisco para ela.
- Isso não é uma explicação lógica. – Eleanor me encara.
- Por isso é um conselho. – solto uma risadinha e começo a caminhar novamente. Eu não queria ter a companhia de ninguém, porém não queria que Eleanor pensasse que era algo relacionado a ela, por isso caminho sem rumo pela escola.
Para ser bem sincera, nunca pensei que diria isso, mas eu estava com saudades da academia, pois eu não ficaria nenhum momento parada naquele lugar. Geralmente eu estaria lutando com algum aluno, ou apenas ficando de bobeira com meus amigos, esperando nossas aulas voltarem.
Apesar de a academia ter sido criada para formar caçadores, felizmente mais e mais pessoas que entravam lá compartilhavam do mesmo sentimento que eu, porém, diferente de mim que não tinha nada a perder caso eu saísse, o que aconteceu de fato, eles perderiam muito.
***
Quando as aulas finalmente terminam eu volto caminhando para casa a pé, mas não sem antes parar na única lanchonete que tinha na cidade. Eu sabia que meus pais não estariam em casa quando eu chegasse, afinal, apesar deles esconderem de mim, meus pais apenas voltaram para cá porque existiam casos não solucionados pela polícia. Como eu descobri isso? Bom... As pessoas gostam de falar muito por aqui, e foi assim que eu soube. Ou seja, essa noite eu teria que cuidar de mim mesma, não que isso fosse um empecilho para mim, afinal, vivi minha vida toda na academia, sozinha.
- Ei. – um carro começa a andar lentamente ao meu lado, e quando a janela é baixada sou capaz de ver as feições da pessoa que tinha me chamado. – É sério que você irá me ignorar? – reviro meus olhos e tomo um gole do meu café. – Eu sou seu vizinho, %Jisung%. – o garoto continua andando lentamente com o carro.
- E o que isso tem haver comigo? – finalmente me viro para encara-lo.
- Eu vi que você está andando sozinha, então por que não oferecer uma carona? – reviro meus olhos. O garoto tinha um olhar um tanto quanto abobalhado.
- Primeiramente, eu ignoro quem eu quiser, assim como falo com quem eu quiser. – respondo um pouco irritada por ter tido minha caminhada interrompida. – Segundo, não preciso de uma carona.
Faço um rápido reconhecimento de campo. Como havia diversos casos sem solução ocorrendo nessa cidade, dirijo meu olhar atento para ver se %Jisung% tinha alguma coisa haver com o submundo. Porém, depois de uma boa observada, noto que ele parecia apenas ser um esquilo inofensivo.
- Geralmente você trata as pessoas dessa maneira? – ele para o carro de repente e eu acabo automaticamente parando junto.
- Geralmente não. – sorrio.
- Essa doeu. – o garoto finge massagear o peito. – Eu apenas estou oferecendo uma carona para você, é o que fazemos nessa cidade. – dou um olhar confuso para ele.
- O que você quer dizer com isso? – pergunto.
- Somos uma cidade pequena, cuidamos uns dos outros. – não consigo segurar uma risada.
- Isso não me pareceu real, desculpa. – continuo rindo.
- Talvez você não acredite porque Eleanor falou alguma coisa. – reviro meus olhos.
- Não só ela falou, mas como observei muitas coisas. – eu tinha passado boa parte do meu tempo na escola observando as pessoas, e para ser bem sincera, eu não vi nenhum gesto de cuidado delas, pelo contrário.
- %Faith%, certo? – ele pergunta meu nome. – Não leve em consideração tudo o que Eleanor falar, ano passado muitas coisas estranhas aconteceram com ela, coisas que afetaram as pessoas ao seu redor. – presto mais atenção em %Jisung%.
- O que você quer dizer com isso? – inclino minha cabeça para o lado.
- Mais cedo ou mais tarde você irá ouvir algumas coisas, e essas coisas irão deixar você apavorada. – eu duvidava muito que algo pudesse me deixar apavorada, ainda mais com o histórico de treinamento que tive no tempo que estive na academia da Ordem.
- E acredito que esse assunto não será algo que você irá falar. – cruzo meus braços, tomando todo cuidado para não derramar o liquido do meu copo térmico.
- São apenas besteiras. – o garoto dá de ombros, porém não consegue me convencer de que apenas besteiras aconteceram no passado.
- Tudo bem se você não quer me contar. – digo para ele e volto a andar, porém o mesmo me segura pelo braço.
- Você vai entender sobre o que eu estou falando. – ele fala para mim, misterioso. – Só tome cuidado, ok? As coisas nessa cidade não são como você espera. – semicerro meus olhos.
Por que eu achava que ele sabia muito mais do que estava contando?