A Garota das Borboletas

— A morte para vocês humanos é uma coisa assustadora, não é? — Shiori perguntou distraidamente.

  — Perder pessoas que amamos é difícil. E morrer parece algo assustador…

  A garota assentiu suspirando.

  — Eu escolhi coletar minhas almas em forma de borboletas — ela disse em tom de confidência. — Acho elas majestosas e esplêndidas, assim como as almas devem ser.

  — Então todas essas borboletas que te seguem… São almas de pessoas que morreram? — Kamui perguntou encarando as borboletas que os rodeavam. A garota assentiu. — E quanto às lagartas e casulos que você tem guardados na sua casa?

  Shiori sorriu como se estivesse esperando por aquela pergunta fazia muito tempo.

  — Também são almas, Kamui.

  — Não entendo…

  — Todas as almas passam por um ciclo. A maioria das almas que eu coleto chegam até mim em forma de lagartas. É a primeira fase, o momento em que elas ainda estão apegadas à essência terrena que foram antes. Algumas almas podem permanecer como lagartas por muitos anos.

  — Por quê?

  — Por não conseguirem aceitar que morreram ou por sentirem que ainda tinham coisas para resolver em vida — Shiori disse num tom um tanto triste. — A segunda fase é a do casulo. É quando a alma finalmente se liberta do que a prendia da vida anterior e está pronta para reencarnar.

  “A reencarnação muitas vezes é necessária para que a alma consiga se purificar completamente e se redimir por coisas que fez em outras encarnações, assim podendo voltar para nosso pai.

  “Mas para várias almas é necessário se passar até mesmo dezenas de vezes pela primeira e segunda fases por não conseguirem se purificar completamente de uma só vez.

  “E por fim, temos a terceira e última fase, a borboleta. Quando uma alma finalmente é totalmente purificada, significa que ela está pronta para voltar para o lado de papai. E então a metamorfose está completa, com a borboleta saindo do casulo e ascendendo aos céus em liberdade plena.”

  — Ninguém é capaz de pular as fases?

  — Apenas as crianças possuem almas puras o suficiente para serem recolhidas diretamente como borboletas…

  — E por que essas ficam aqui? — Apontou para os pontos coloridos voando ao redor do canteiro de flores.

  — Algumas almas querem ficar um pouco mais na terra antes de partir. Mas não muito tempo, ou elas podem ser corrompidas e o processo de reencarnação recomeçará.

  — Quer dizer que se uma borboleta ficar tempo demais aqui na Terra…

  — Elas voltam a ser lagartas. Mas está tudo bem, a maioria das borboletas não tem motivo algum para permanecerem aqui por mais do que o tempo permitido. Elas aproveitam um pouco da liberdade aqui e depois voam até papai quase no mesmo dia em que saem do casulo.

  Kamui assentiu um tanto aliviado.

  — Foi você quem recolheu a alma do papai? — perguntou o menino sem encarar a garota.

  — Sim.

  — E como ele está…? — Kamui perguntou apreensivo.

  — Venha comigo — Shiori murmurou se levantando e caminhando até seu chalé.

  O menino a acompanhou e os dois entraram e pararam em frente à prateleira cheia de potes de vidro. A garota apontou para uma jarra que continha uma lagarta. Kamui se aproximou e seu coração se apertou ao ver que a alma de seu pai ainda estava presa na primeira fase.

  — Por que ele ainda é uma lagarta, Shiori-san? — ele perguntou triste.

  — Eu acho que ele ainda não conseguiu superar a perda.

  — Que perda?

  — Das pessoas que ele mais amava, você e sua mãe.