What a Wonderful Confusion

Escrito por Gaby Pingituro | Revisado por Luba

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Parte 01

  Eu olhei em desespero para o chão da cozinha, desejando com todas as minhas forças que a bagunça não fosse real, mas sim alguma ilusão gerada pelo cansaço de horas e horas trabalhando ali. Aquilo não podia ser verdade, simplesmente não podia!
  - Puta que pariu, Spike!
  Assim que me viu, meu cachorro saiu correndo para sabe-se lá onde como sempre fazia depois de destruir alguma coisa.
  Cachorro esperto, sabia que eu estava furioso.
  Passei as mãos pelo cabelo enquanto olhava perplexo todos aqueles salgadinhos que eu tinha levado a manhã toda fazendo, agora jogados pelo chão, espalhados, comidos, pisados e babados por um cachorro grandalhão que não conseguia ficar uma hora sem aprontar alguma coisa, como por exemplo, arruinar com a minha festa de hoje à noite.
  Droga, tudo estava acabado! Não tinha regra de 5 segundos que salvasse aqueles enroladinhos.
  - Spike! – Gritei quase em desespero. – Cachorro malvado! Onde está você?
  Eu precisava fazer alguma coisa ou então teria que cancelar tudo. Quem viria para uma festa sem comida? Ninguém. Nem mesmo o dono dela.
  Mas eu não podia decidir nada sobre o que fazer com aquela bagunça toda enquanto não achasse meu Golden retriever! Tudo bem, não seria assim tão difícil, acho. Era só seguir as pegadas de molho pela casa (o que só piorava minha situação) e aí dar uma bronca nele para então voltar ao meu problema atual: providenciar comida.
  Fácil, simples e objetivo.
  Saí seguindo aquelas malditas manchas vermelha por todo o caminho até perceber que elas acabavam na janela aberta da sala e então desapareciam pelo lado de fora.
  Ótimo, tudo o que eu precisava era perder meu cachorro pelo condomínio. Maravilha!
  Olhei ao redor totalmente desanimado. Eu precisava decidir minhas prioridades.
  Toda aquela sujeira não me deixava nem um pouco feliz, eu precisava dar um jeito naquilo bem rápido (o que era estranho para eu dizer, já que meu quarto mais parecia uma zona de guerra). Minha mãe ia arrancar meu couro se voltasse de viagem e o tapete persa da sala dela estivesse manchado, eu tinha certeza absoluta. Mas se ela voltasse e Spike não estivesse aqui, a única festa a qual meus amigos iriam seria ao meu enterro, pois eu estaria morto. Por isso era melhor eu achar aquele animal o mais rápido possível.
  Comecei então a interminável caminhada pelo condomínio.
  Rodei aquele lugar umas cinco vezes gritando por Spike e prometendo que eu daria alguma coisa legal para ele se parasse de se esconder, como biscoitos, porém, por algum motivo eu achava que aquele cachorro não estava caindo nessa história a lá Scooby-Doo que cedia tudo por comida, pois já fazia uns 20 minutos que ele tinha sumido e até agora nenhum sinal de vida.
  Eu já estrava quase entrando em desespero quando então ouvi algo próximo dali que poderia salvar pelo menos parte do meu dia:
  - Hey, garotão! Como você é bonito! – Era uma voz feminina. Não, não estava falando comigo (infelizmente). O timbre era bem fino, como se estivesse falando com uma criança... ou no caso um animal. – Cadê seu dono?
  É, bem, quando isso acontece nos filmes, o protagonista costuma seguir o som e geralmente encontrar o que procura (ou então cair em uma armadilha). E como eu não estava sendo perseguido nem nada, descartei essa última ideia e resolvi ir atrás de onde quer que estivesse vindo a voz da garota.
  Meia dúzia de passos depois eu estava na piscina do condomínio e lá estava meu cachorro fujão.
  - Spike! – Exclamei em alívio assim que o vi ao lado de uma garota. Essa, que em questão de apenas um olhar, teve toda a minha atenção.
  Sei que, como homem, eu talvez devesse ter reparado primeiro no corpo dela, já que a garota estava só de biquíni e tudo mais, contudo a primeira coisa que me chamou a atenção nela, de fato, foram as cinco (no mínimo) cores do seu cabelo.
  Castanho escuro na raiz, continuava assim até um pouco abaixo de sua orelha, praticamente no queixo. Então uma confusão de cores enchia suas pontas onduladas, misturando rosa, azul, branco e roxo em outros vários tons diferentes que eu seria incapaz de nomear, caindo por seus ombros até o meio de suas costas. Ela tinha olhos castanhos suaves e um piercing no lábio inferior que se alargava em um sorriso brilhante para Spike aos seus pés. Era bonita de um jeito individual e diferente. Por algum motivo, eu gostei dessa individualidade.
  E só depois de observar seu rosto então que eu reparei em todo o restante. Mas caramba! De todas as palavras que passaram por minha cabeça, a que melhor podia descrever o que vi e pensei foi: uau!
  Infelizmente não pude apreciar nada por muito mais tempo.
  Meu cachorro abanava o rabo como um louco com a língua para fora a encarando com expectativa, como se ela o tivesse conquistado apenas com meia dúzia de palavras. Mas quando meu cão me viu, fez uma espécie de choro e encostou o peito no chão, cobrindo o focinho com as patas, claramente fazendo charme. Eu desviei o olhar dela para Spike, e com os pensamentos ainda meio nebulosos, comecei a dizer:
  - Cachorro mau, muito, muito mau! Vai ficar de castigo quando voltarmos. Tá achando que pode fazer o que quiser, é? – Spike soltou uns grunhidos baixinhos e me olhou com as pupilas dilatadas tentando se livrar da bronca, como de costume.
  E de certa forma conseguiu mesmo. Porém não foi bem isso que me fez parar de falar. Na verdade, foi a risada fora de hora da garota que fez isso.
  Eu a encarei por um segundo, sem entender muito bem o porquê de ela estar rindo tanto.
  - Esse é seu dono, Spike? – Meu cachorro latiu para a garota do cabelo colorido, como se concordasse. – É, eu também fugiria de casa se o cara estivesse com um avental todo sujo de vermelho.
  - O quê?
  - Tudo bem, não se preocupe. – Ela garantiu ao cachorro. – Ele parece inofensivo.
  Por que ela estava falando com meu cão e não comigo?, pensei.
  Spike se voltou para ela, abanando o rabo rapidamente.
  - Ei, espera aí...
  - Você não é um cachorro mal, Spike. - Ela continuou me ignorando. - É um fofo!
  Spike latiu entusiasmado confirmando. Nem ligava mais para a bronca de dois minutos antes.
  - Será que vocês podem parar? – Pedi começando a ficar de saco cheio.
  Dois pares de olhos se viraram para mim.
  - Desculpe, quem é você? – A garota perguntou petulante.
  Aquilo era ridículo.
  - Sou , o dono do cachorro com quem você está conversando. – A garota me mediu com os olhos e mudou o peso do corpo de pé.
  - Você sempre sai por aí vestido assim ou hoje é exceção?
  Minha vontade era de perguntar “Que diferença faz para você?”, mas consegui respirar fundo e dar uma resposta educada:
  - Eu estava cozinhando – Falei mesmo sabendo que não devia explicação alguma para aquela estranha sobre o avental florido e todo manchado da minha mãe que eu usava. –, então saí cinco minutos da cozinha e esse cachorro que você diz ser fofo acabou com todos os enroladinhos da minha festa.
  Ela mexeu nas pontas coloridas do cabelo e se inclinou um pouco para o lado.
  - Bom, eu não perguntei nada, porém isso pareceu desastroso. – Então ela se abaixou e coçou a orelha do meu Golden. – Mas talvez isso não tivesse acontecido se você tivesse deixado Spike longe da cozinha. Não foi nada prudente.
  - Quem é você?
  - . – Ela respondeu com certo desinteresse.
  - Por que eu nunca te vi antes? – Eu teria lembrado de uma pessoa tão atrevida, completei mentalmente.
  - Sou nova no condomínio.
  Esperei que ela continuasse falando mais alguma coisa, mas claro que não fez isso. Na verdade, a garota dos cabelos coloridos ficou me encarando sem expressão definida no rosto, como se esperasse que eu dissesse ou fizesse alguma coisa mais. Acontece que aquilo não fazia sentido, eu não tinha que dizer ou fazer nada.
  - Er... Então é isso. Obrigado por achar meu cachorro, mas agora tenho que resolver o que fazer com a comida da festa na minha casa. – Falei numa tentativa de sair dali o quanto antes. – Vem, Spike.
  - Festa, é? – perguntou, como se a palavra fosse nova para ela.
  - É. – Concordei. – Sabe, o tipo de coisa que pessoas com vida social fazem.
  A garota arqueou uma sobrancelha e colocou a mão na cintura. De relance eu pude ver uma tatuagem na lateral do seu quadril por baixo da calcinha do biquíni, mas não pude identificar qual era o desenho. Pelo jeito que ela me olhava, eu achava que a tal da tinha levado o que eu disse como uma provocação.
  - Hm. – Foi o que ela respondeu. – Já pensou em ir ao mercado?
  - Quê?
  - A comida que você disse que Spike comeu, estragou ou sei lá. Por que não compra algo no mercado e serve?
  Eu talvez tenha a encarado com cara de idiota, pois para ser sincero eu não tinha pensado nisso antes (provavelmente porque estava ocupado procurando por meu cachorro), mas na verdade o que disse salvava completamente tudo o que tinha dado errado.
  Menos a casa suja e o tapete persa da minha mãe.
  - Claro. – Falei tentando não parecer muito burro. – Foi o que pensei em fazer.
  Ela não pareceu acreditar, mas deu de ombros.
  - Bom, espero que dê tudo certo nessa sua festa. – Essa foi a frase mais educada que ela disse em toda a conversa.
  - Hã, valeu.
  - Tchau, Spike. – Ela se abaixou para falar com meu cachorro. Ele deu a pata para que a segurou rapidamente. – A gente se vê por aí, garotão!
  Ele latiu, animado com o que ela disse. Achei que a garota me diria alguma coisa também, entretanto tudo o que ela fez foi passar o olhar de Spike para mim e então sorrir e mergulhar na piscina como se fosse a coisa mais natural do mundo.
  Ela até podia ser bonita, mas maluca era a melhor definição para ela.
  Não fiquei muito mais tempo ali tentando entender as ações dela, quanto antes deixasse aquela garota esquisita, melhor seria.
  Infelizmente, ainda assim, enquanto andava com Spike ao meu encalço de volta para minha casa, não consegui evitar e olhei para trás mais uma vez.
  Eu ainda não sabia, mas aquela confusão estava longe de ser só no cabelo dela.

Parte 02

  Ao menos um pouco da inteligência que eu tinha, consegui usar. Não era um burro por completo, pelo menos.
  Antes eu estava entrando em pânico por umas manchinhas de molho no tapete persa. Resolvi então, depois de limpá-lo do melhor jeito que deu, enrola-lo e guarda-lo em um dos quartos só para evitar um desastre total. Graças a tudo aquilo que era mais sagrado, eu tinha feito exatamente isso e estava momentaneamente sã e salvo, porque se aquele negócio estivesse no lugar de costume agora, nem mandando tingir de novo ele ficaria bonitinho do jeito que era.
  A parte ruim é que eu ia ter que dar uma bela esfregada naquele chão depois, mas por enquanto isso era o de menos. Eu podia respirar com tranquilidade e tentar controlar o que aconteceria dali em diante.
  - Cara, valeu mesmo por ter oferecido sua casa para a festa. – Meu amigo, Josh, apareceu ao meu lado e bateu em meu ombro como agradecimento.
  - Ah, tudo bem. – Respondi na verdade não muito animado.
  Oferecer minha casa como local da festa não tinha sido bem uma opção, era mais uma das “provações especiais” para conseguir entrar no time da escola. E entre fazer isso a outra coisa que me fizesse correr o risco de ser expulso (como invadir a sala dos professores e editar o quadro de notas), eu definitivamente preferia ter que usar minha casa enquanto minha família estivesse fora.
  Eu deixaria meus futuros colegas de time felizes e ainda, se fizesse direito, poderia ganhar pontos com minha mãe, já que ela voltaria e a casa estaria brilhando de dentro para fora com luzes neon, cheirinho de lavanda e tudo mais.
  - Isso aqui vai bombar, você vai ver. – Assegurou Josh. – Sei como é barra fazer essas provações e tal, mas os caras vão curtir. Vai entrar no time rapidinho!
  - Espero que você esteja certo. – Falei mais para mim do que para ele. – Qual foi a sua provação?
  Meu amigo pareceu hesitar por um momento e depois soltou um longo suspiro. Não parecia ser uma lembrança feliz.
  - Eu tive que dançar só de cueca na hora do intervalo na frente do colégio inteiro.
  Assim que comecei a rir imaginando como aquilo deve ter sido a pior cena do ano, Andrew e James, outros caras do time (eles eram capitães na maioria dos jogos, aliás), se colocaram ao nosso lado gargalhando tanto que achei que a qualquer instante um deles fosse se engasgar com o próprio ar e ter uma síncope ali no meio.
  - Aquilo foi épico! – Disse Andrew. – Nem mesmo os professores conseguiram esquecer.
  - Ainda tenho o vídeo! – Continuou James. – Me lembre de mostrar para você depois.
  Percebi que Josh estava começando a ficar constrangido com a atenção que ele não queria receber, já que algumas pessoas ao redor começaram a encarar-nos tentando entender as risadas altas e exageradas, então tratei logo de mudar o rumo da conversa:
  - E aí, onde estão os outros do time?
  - Ah, por aí. – Andrew abanou uma das mãos em sinal de desinteresse. – Pedimos que eles fossem comprar algumas cervejas, a gente só achou refrigerante aqui.
  Droga. Sabia que estava faltando alguma coisa!
  Eu já estava começando a formular alguma desculpa minimamente convincente para aqueles dois, quando outra pessoa disse em meu lugar:
  - Isso é porque o pessoal estava se acabando nas bebidas. – Josh resolveu se intrometer e me salvar. – É a primeira festa do , aposto que ele não sabia que viria tanta gente!
  Concordei com Josh com um aceno de cabeça pedindo internamente que eles acreditassem na coisa mais esfarrapada que um de nós conseguiu pensar. Ainda bem que Josh estava realmente determinado a me ajudar.
  - Tá certo, o cara é novato. – James assentiu. – Mas está indo bem. Pelo menos até agora.
  Andrew balançou a cabeça, observando ao redor.
  - É, vamos ver isso até o fim da noite.
  Ao mesmo tempo em que fiquei aliviado pelos dois terem acreditado, fiquei também um tanto nervoso. Foi depois disso que comecei a rezar para nada dar errado.
  Quer dizer, não sei se a parada de comprar bebidas daria muito certo, eu particularmente gostava mais de quando as pessoas estavam sobreas e sabendo o que faziam. Porém guardei essa observação para mim mesmo, porque logo em seguida os caras (o resto do time que em breve eu esperava também fazer parte) entraram pela porta anunciando que as cervejas tinham chegado e todo mundo ali imediatamente começou a comemorar numa verdadeira gritaria louca. O que álcool não faz pelas pessoas, não é?
  Andrew e James pareceram felizes, por isso achei que eu não deveria me preocupar.   Mas é óbvio que as coisas começaram a desandar depois disso. E não só pela bebida.   Foi por causa também da garota dos cabelos coloridos que passou pela porta como uma convidada qualquer, afundando pela casa como se fosse uma velha conhecida.
  Eu tinha que admitir: não entendia nada de moda, mas adorava as roupas que ela usava.
   caminhava com tanta segurança que aos olhos de quem não a conhecia, parecia até intimidadora. Mal tinha chegado e já segurava um copo qualquer nas mãos enquanto dançava ao ritmo da música sem ligar se tinha ou não alguém a observando. Só continuava fazendo o que quer que quisesse fazer. E sinceramente, eu até gostava do que via.
  Só não gostava dos olhares que todos os outros dirigiam a garota.
  - Cara, quem diabos é ela?
  - Ela quem? – Tentei me fazer de desentendido. – A loira ali na cozinha?
  - Não! – Eles disseram em uníssono.
  - A estranha de cinco cores no cabelo. – Andrew completou por todos.
  Eu estava para confirmar e dizer que ela era exatamente isso, uma estranha, quando me viu junto aos outros e veio caminhando em nossa direção. Os caras começaram a murmurar e a trocar olhares entre eu e ela conforme a garota se aproximava, como se esperassem uma rápida explicação ou apenas algum nome. Não tive outra opção senão dizer a eles quem ela era. Quer dizer, o mínimo do mínimo, pelo menos.
  - É minha nova vizinha. – Foi tudo o que falei.
  E mesmo que não estivessem satisfeitos com minhas palavras, e insistissem em saber o nome dela, eu não disse. Deixei os caras onde estavam e fui em direção a antes que ela sequer chegasse perto deles.
  Por onde eu passava, as pessoas cochichavam, perguntavam quem era a garota do cabelo colorido, como se o fato de ninguém saber quem ela era chegasse perto de uma calamidade.
  Eu não entendia o porquê da curiosidade. Tanta gente da escola ali, tanta gente para se falar sobre, e essa povo preocupado em saber quem era a garota do rosto desconhecido. Ela era apenas uma solitária com uma atitude sexy. Não tinha muito mais o que devessem saber.
  Poucos passos depois já estava bem a minha frente, com aquele olhar de quem não liga para nada. Perguntei-me se ela sequer tinha percebido toda a atenção que estava recebendo.
  - E aí, ? Bela festa. – Ela começou dizendo. - Cadê a comida?
  - O que está fazendo aqui? - Juro que eu não queria ter soado rude, mas é, foi exatamente como soou.
  - Tendo uma vida social. – Ela respondeu. – Foi isso que você sugeriu hoje, não foi?
  - Eu não convidei você. – Falei imediatamente, sendo só um pouquinho grosso e mal educado, mas a expressão no rosto dela se manteve inalterável.
  - Como está Spike?
  - O quê?
  - Seu cachorro. – Ela explicou como seu eu fosse burro. – Como ele está?
  Olhei bem para aquela garota e tentei entender qual era a dela. Veio na minha festa sem ser convidada, fingiu que não estava nem aí para isso e aí de repente resolve perguntar do meu cachorro que não estava nem em pauta no momento? Tentar discutir com ela era ainda mais difícil que falar com a parede, por isso, ainda que eu estivesse puto com o jeito dela, respondi:
  - No quarto.
  - Tem certeza?
  - É claro que tenho certeza, fui eu quem o coloquei lá. Acha que eu me esqueceria de onde coloquei meu cão?
   me encarou e arqueou uma sobrancelha, como se não acreditasse. Faltava bem pouco para eu mandá-la embora. Então ela assoviou e de repente um Golden retriever grande e peludo chamado Spike, vulgo meu cachorro traíra e fujão, estava ao lado dela, tão atento e animado quanto hoje mais cedo, mas definitivamente nem um pouco limpo e bem longe do quarto onde eu o tinha colocado.
  - Que palhaçada é essa? – Spike latiu para mim em resposta.
  - Eu o achei rolando na grama do jardim aqui na frente quando vinha para cá avisar que os vizinhos estão reclamando do barulho excessivamente alto e pensando em chamar a segurança do condomínio.
  Por um momento meu cérebro entrou em pane e eu não associei mais nada. Reclamando? Chamar quem? Rolando na grama?
  - Mas que porra...?
  E pela primeira vez desde que passou pela porta da minha casa, deixou a seriedade de lado para soltar uma gargalhada alta e estrondosa com direito até de jogar a cabeça para trás enquanto seus ombros tremiam. Mas por alguma razão, eu soube que aquela reação não era nem um pouco natural. Ela estava debochando de mim!
  - Acho que você não sabe sobre a política dos moradores de não fazer barulho depois das dez horas da noite, não é?
  Política de moradores?
  - O quê? – Perguntei um pouco perplexo. - Existe tipo... uma lei para isso?
  - Pois é, . Existe sim, e eu, que sou bem mais nova aqui que você, sei disso. E adivinha só a melhor parte? – colocou a mão na cintura e juntou as sobrancelhas me encarando, o sarcasmo presente em cada uma de suas palavras. – Já são onze horas e quarenta e um minutos. Acho bom você dar um jeito nisso aqui logo. Não vai ser legal seus pais chegarem seja lá de onde for que estiverem e receberem logo de cara uma bela multa por causa da festa que nem sabiam que o filho ia dar.
  Enquanto eu encarava seu rosto, meio perdido com toda a informação, não precisei mais que um segundo para pensar no que fazer. Nunca tomei uma decisão tão rápida na vida como naquele instante.
  - A FESTA ACABOU, TODO MUNDO PRA FORA! – Berrei tão alto que achei impossível alguém não ter escutado. – MIOU O ESQUEMA, TCHAU PRA TODO MUNDO E A GENTE NÃO SE VÊ NUMA PRÓXIMA!
  Algumas pessoas me olharam como se eu não estivesse falando coisa com coisa e ignoraram meus berros para continuar dançando, bebendo ou sei lá o quê, mas alguns outros (bem poucos) obedeceram na hora e saíram correndo porta a fora, felizmente, carregando algumas bebidas com eles.
  Minha mãe não ia ficar feliz em encontrar bebidas alcoólicas numa casa onde as pessoas que moram nela não costumam tomar bebidas alcoólicas. Era bom que levassem esse troço daqui.
  - Cara, porque tá gritando assim? – Andrew apareceu segurando uma maldita garrafa de cerveja. – Tá louco?
  - Desculpa aí, Andrew, mas se todo mundo não sair daqui agora, vai pintar a segurança aqui e a última coisa que eu quero é uma multa de condomínio! Você precisa me ajudar!
  - Segurança? – Os olhos dele se arregalaram. Andrew não pareceu muito animado com isso.
  - É!
  - JAMES! – Ele gritou para o amigo. – FODEU! FODEU PRA CARALHO, VAMOS EMBORA DAQUI!
  Não sei que grande diferença tinha entre o meu grito e o dele, mas foi só ele dizer aquele monte de palavrão na mesma frase que todos imediatamente o ouviram e deram no pé. Foi tudo tão rápido que parecia até que Usain Bolt, o homem mais rápido do mundo, estava lá os abençoando na corrida até a saída.
  De repente tudo o que restava na minha casa era muita sujeira pelo chão, a música alta ainda tocando e reverberando por todo o ambiente, meu cachorro e a minha mais nova vizinha, ambos parados, me encarando, como se esperasse algo de mim. Mas eu não tinha a mínima ideia do que dizer para eles.
  E na verdade, nem precisei. A campainha tocou um milésimo de segundo depois que dei por mim que a casa estava vazia.
  Coisa boa é que não seria. Quem tocaria a campainha numa hora dessas para contar as boas novas? Isso aí, ninguém. Acho que rezar algumas Ave-Marias ou alguns Padre-Nossos não adiantaria muita coisa agora. Já estava tudo lascado mesmo.
  Charlote fez o favor de desligar a música e ir para algum lugar afastado da entrada com Spike enquanto eu caminhava até a porta e recebia o síndico de pijama e roupão com dois seguranças ao seu encalço. Nenhum deles estava com uma boa expressão, o que eu rapidamente deduzi não ser nada bom.
  - Boa noite! – Tentei ser animado e até dar um sorriso para eles, como qualquer pessoa educada faria, mas aqueles homens não estavam com bom humor.
  - Você tem noção de que horas são, garoto? – Perguntou o síndico com a voz mais zangada e grossa do que eu esperava.
  - É, bem...
  - Faltam dez minutos para a meia noite! – O rosto do homem começou a adquirir um tom avermelhado nem um pouco interessante. – Meia noite! Quase duas horas depois do que é permitido! Pensa que pode dar uma festa do jeito que quiser e no horário que quiser? Pensa que não vi a manada de pessoas correndo daqui agora a pouco?
  - Não, eu só...
  - Você está muito encrencado! – Os dois seguranças começaram a espiar dentro da minha casa, como se tivessem perdido algo lá dentro.
  Eu precisava tentar enrolar aqueles caras ou me daria muito mal.
  - Sinto muito, senhor. – Procurei toda a educação que minha mãe se esforçou tanto em me dar. – Jamais teria violado as leis dos condôminos dessa forma. Juro que as coisas saíram do meu controle, não deveria ser nada mais que apenas uma reuniãozinha íntima.
  Aqueles três pares de olhos me avaliaram por um minuto, provavelmente pensando em acreditar em mim ou não. Eu teria ficando convencido se fosse eles.
  Olhei rapidamente sobre o ombro e vi arquear uma sobrancelha, como se estivesse surpresa por pelo menos eu os fazer pensar em deixar tudo quieto.
  - Acha que eu tenho cara de palhaço? – Mas é claro que não seria fácil assim enrolar o síndico.
  - Claro que não!
  - Onde estão seus pais?
  - É, bem. Eles... – Tentei inventar mais alguma coisa, só que provavelmente ele não acreditaria em mim de qualquer forma, por isso desisti e disse a verdade: – Não estão aqui.
  - Então eu terei o prazer de entregar essa multa de violação ao código do morador pessoalmente a eles quando chegarem.
  O homem de pijama deu ênfase a sua fala balançando um pedaço de papel em sua mão que muito provavelmente devia ser a maldita multa.
  Eu gelei por inteiro (para não usar outra expressão). Isso não podia acontecer nem aqui, nem na China e nem em Marte!
  - Não, não, não! – Apressei-me em dizer. – Pelo amor de Deus, não faça isso, seu síndico! Por favor!
  - Você acha mesmo que vou simplesmente ignorar tudo isso? – Ele perguntou. – Sabe quantas reclamações sobre essa barulheira toda eu recebi?
  - Eu faço qualquer coisa, mas, por favor, não dê isso a minha mãe, ela vai ficar louca comigo e só Deus sabe o que ela faria depois!
  O síndico me observou pensativo e então colocou as mãos no bolso do roupão.
  - Qualquer coisa, é?
  - Qualquer coisa!
  Os seguranças, ainda parados atrás dele, se entreolharam rapidamente.
  - É, acho que tenho um trabalho para você se redimir, garoto.
  - Tem? – Um lapso de esperança e alívio quase me tomou por completo. Eu não estava morto!
  - Sim, tenho sim. – Ele soltou um riso quase digno de bruxas más de contos de fada. – Espero que você saiba bem como limpar uma piscina.

***

  Assim que fechei a porta, passei a mão por meus cabelos. Malditas regras do condomínio. Se não fossem por elas eu já estaria dentro do time! Agora era provável que nem cogitassem mais a ideia.
  - Podia ser pior. – Falou ainda sentada no sofá, com Spike junto a ela, depois de ver todo o desenrolar da conversa. – Ao invés de limpar as piscinas, você poderia ter ficado com a tarefa de limpar os banheiros ou até desentupir as fossas.
  Revirei os olhos e sorri para ela da forma mais cínica que consegui. Se ela se incomodou, não disse nada. Acho até que sua fala anterior não tinha sido bem uma provocação, mas sim algo que ela devia ter pensado que poderia aliviar o clima péssimo, quem sabe? A garota do cabelo colorido é alguém difícil de entender.
  A única coisa que me consolava (bem pouco, mas consolava) era o fato do síndico não ter vindo aqui dez minutos antes, pois aí, além de ter violado o horário, eu também teria violado a quantidade de pessoas permitidas por casa, porque com certeza ele teria feito questão de contar pessoa por pessoa antes de irem embora. E então sim, provavelmente eu teria que limpar os banheiros e as fossas para simplesmente fazer com que o síndico pensasse em não contar nada para a minha mãe.
  - Valeu. – Falei por fim. – Por vir aqui devolver Spike e também avisar do síndico e da segurança antes que a situação pudesse ficar pior ou sei lá.
  Ela deu de ombros enquanto observava as pontas do cabelo.
  - Tudo bem. Foi minha boa ação do dia.
  Acabei soltando um riso fraco e vi que ela quase fez o mesmo, mas se conteve em apenas levantar um dos cantos da boca em silêncio.
  Fiquei a observando por mais um curto espaço de tempo. Por que ela prendia tanto a minha atenção? Quer dizer, ela era bonita, com certeza eu devia ter repetido isso já várias vezes, só que era mais que isso. O jeito indiferente como se não estivesse nem aí para nada ou ninguém, alguma coisa, como um imã, meio que me atraia a ela. Mas parecia inalcançável. Como se ninguém além dela mesma pudesse cruzar uma linha invisível que a separava de tudo ao seu redor.
  Eu a conhecia por apenas algumas horas, havia conversado com ela duas vezes, e nem de longe conseguia dizer que sabia alguma coisa sobre ela.
  - Por que você é assim? – Acabei perguntando sem nem antes pensar.
  - Assim como?
  - Tão séria e um pouco fechada. – Tentei explicar de uma forma que ela não se ofendesse (tanto). – Você muda de assunto sem mais e nem menos, como se você não quisesse manter o foco, não quisesse falar de você mesma.
   me observou por um tempo, parecia querer entender onde eu queria chegar com todo aquele papo.
  - Não sei o que você quer dizer. – Ela falou simplesmente.
  - Você acabou de fazer exatamente o que eu disse. – Resmunguei enquanto desviava a atenção dela e recolhia alguns copos jogados pelo chão.
  Imaginei que fosse contestar, contudo ela apenas se levantou de repente, ajeitou a saia curta e estampada no quadril e olhou para mim em seguida.
  - Tem mangueira no seu quintal?
  Soltei um suspiro alto e forte, mostrando que estava irritado com sua evasiva. Mas do que adiantaria eu dizer mais alguma coisa? Principalmente para uma pergunta tão esquisita quanto aquela? Pois é, em nada.
  - Sim. – Respondi com medo de perguntar por quê. O que ela seria capaz de fazer com uma mangueira? Não faço ideia.
  - Vou usa-la para limpar Spike, então. Aproveitar que está quente e usar a agua fria mesmo. – Ela disse e não vou negar que fiquei surpreso. – Onde tem xampu que eu possa usar nele?
  - Você está querendo me ajudar?
  - Ué, se não quiser uma mãozinha é só falar que eu vou embora. – Ela retrucou bem rápido.
  - Tem xampu dentro do armário embaixo da pia do banheiro. – Falei ainda mais rápido. – Subindo as escadas, primeira porta a direita.
  Ela assentiu e desapareceu da minha frente em segundos. Eu não entendia muito bem as intensões delas, mas que tipo de pessoa recusa ajuda, principalmente na situação quase desesperada em que eu estava? Definitivamente pouquíssimas pessoas, e eu não era uma delas.
  Era a terceira vez somente naquele dia em que minha nova vizinha resolvia me ajudar. Tudo bem que da primeira vez foi uma ajuda meio acidental, só que ainda assim não deixava de ser um favor. Pessoas estranhas não costumam ajudar gente que não conhecem assim, sem esperar nada em troca.
  Entretanto, de qualquer forma, só esperando para saber se ela ia querer alguma coisa mesmo. Eu duvidava um pouco disso.
  Não sei muito bem quanto tempo se passou desde que ela saiu com Spike para o quintal, mas eu já tinha juntado quase dois sacos pretos bem grandes de lixo e tinha deixado a sala completamente limpa, brilhante e cheirosa quando reapareceu.
  Pode até parecer besteira, mas por algum motivo eu até pensei que nós estávamos começando a nos dar bem, de uma forma esquisita, mas ainda assim melhor.
  Spike estava limpo, mais até do que quando eu o lavava sozinho. Seu pelo estava molhado, mas não encharcado. Dava para ver que minha vizinha do cabelo colorido tinha dado um jeito de secá-lo com uma toalha mesmo que parcialmente.
  Meu Golden estava tão bonito que comecei a achar que não era de tudo ruim, quer dizer, Spike estava bem e feliz. Qualquer pessoa que é boa com um animal, não pode ser completamente louca. Alguma qualidade há de ter.
  - Nossa, você fez um bom trabalho. – Não pude deixar de ficar impressionado.
  - Obrigada. – Ela disse. – Sou boa com animais, dar banho em Spike foi bem fácil, na verdade. Ele é uma graça.
  - Valeu por ter feito isso. – Falei. – Não era sua obrigação, nem nada.
  - Tudo bem. – Ela respondeu, se abaixando até estar sobre os joelhos, acariciando meu Golden. – Sabe, talvez você devesse dar mais atenção ao seu cachorro às vezes.
  Franzi a testa depois de fechar um dos sacos de lixo e a encarei.
  - O que quer dizer com isso?
  - Ele não fugiria tanto se você desse mais atenção a ele. – disse de uma vez como se tudo fosse muito óbvio. – Por que acha que ele apronta toda hora?
  Lembra que eu disse achar que estávamos começando a nos dar bem? Esquece isso.
  A súbita sensação de raiva começou a crescer rápido até demais em mim. Spike tinha dois anos, ele aprontava porque é isso que cachorros fazem nessa idade! Essa garota por acaso era algum tipo de psicóloga de animais com especialização em comportamento de cachorros para dizer alguma coisa desse tipo?
  - Você acha que sabe tudo, não é? – Perguntei a minha vizinha, juntando as sobrancelhas e tentando ser paciente e sensato o máximo que podia.
  - Claro que não acho. – Ela negou imediatamente e quase permiti me acalmar. – Eu tenho certeza!
  - Nós acabamos de nos conhecer e você já acha que pode vir se intrometendo assim na minha vida? – As palavras pularam para fora da minha boca. – Você é uma esquisita!
  - Obrigada. – Ela respondeu. – Demorou todo esse tempo para concluir isso?
  - Olha, eu não faço ideia de quem você pensa que é, mas saiba que não tem o direito de ficar falando o que vem na sua cabeça a hora que quiser! – Falei a encarando fixamente. – Obrigado pela ajuda, mas não preciso mais dela. Posso fazer todo o resto sozinho.
  Imaginei que a garota do cabelo colorido fosse me olhar com indignação ou com pelo menos qualquer coisa próxima a isso, porém tudo o que ela fez foi sorrir sem mostrar os dentes e passar por mim com a maior calma que eu já vi na vida.
  Que tipo de pessoa age do jeito que ela age?
  Prometi depois daquilo que se quisesse deixar alguém louco com seus comentários sem sentido e fora de hora, que fosse qualquer outra pessoa, mas eu não. Poucas horas foram o suficiente para eu decidir. Daquele dia em diante, as coisas seriam diferentes.

Parte 03

  Eu achava que meu dia não poderia ficar pior, mas soube que na verdade, esse era literalmente só o começo da Lei de Murphy acontecendo em minha semana.
  Como se já não bastasse a bronca que levei da minha mãe hoje logo cedo sobre “ter acabado com a comida do armário e não ter ido ao mercado repor tudo” (melhor descobrir a comida faltando que a festa do fim de semana), meu carro simplesmente pifou no meio do caminho até a escola. E agora, só para confirmar que tudo sempre podia ficar pior, lá vinha aquela maldita mistura de cores ambulantes no cabelo de para arrasar ainda mais minha segunda feira.
  Soltei um suspiro de desgosto.
  - , que cara é essa? – Perguntou Josh ao meu lado.
  Indiquei com a cabeça a direção qual ele devia olhar e esperei que ele entendesse minha frustração. Infelizmente assim que ele abriu um sorriso, lembrei que para todos, ela era a nova garota bonita e inalcançável do pedaço.
  Eu era (quase) a exceção dessas pessoas.
  - Cara, ela é muito gostosa! – Meu amigo disse sem desviar sua atenção dela.
  Claro que ela era. Uma gostosa muito chata, pensei. Mas para Josh eu não disse nada, não concordei e nem neguei. Preferi ficar quieto na minha e torcer para ela passar longe de nós dois.
  Óbvio que não foi isso que aconteceu.
  - Está mais calmo hoje? – perguntou, ajeitando a alça da mochila em seu ombro depois de parar bem de frente para nós.
  - Resolveu me seguir agora?
  - Me desculpe se essa é a escola mais perto da região. – Ela respondeu sarcástica e petulante como sempre. – Essa irritação toda é por me ver ou estou sendo só mais uma pedra no seu sapato?
  - Depende do ponto de vista, mas acho que é um pouco mais a segunda opção que a primeira. – Respondi.
  Josh que assistia tudo, pareceu bastante confuso e nos olhava como se não estivéssemos falando nada que fizesse sentido. Definitivamente eu devia uma explicação a ele depois.
  - Isso é uma pena. – Disse minha vizinha. – E aí, não vai me mostrar a escola?
  - Não.
  Respondi de imediato e a encarei como se ela estivesse falando besteira. E de fato estava mesmo. Por que raios ela sequer pensava que eu ia fazer isso por vontade própria? Ok, talvez eu até devesse aqueles favores a ela, mas bem que podia ser num dia menos horrível, certo? Ou então que minha vizinha pelo menos fizesse isso de boca fechada, seria com certeza absoluta muito menos pior.
  - Será? Acho que vai mudar de ideia. – me olhou com provocação.
  - Escutou o que eu disse? Quer que eu soletre? Não vou!
  Cerca de meio segundo se passou quando a diretora apareceu e a garota do cabelo colorido deu o maior sorriso que já a vi dar. Nem parecia a intrometida do dia da festa, quem via até achava que ela era educada e um anjinho de garota.
  Aí tinha coisa.
  - Ah, senhor ! – A diretora, senhora Nichols, falou depois de abotoar todo o seu blazer cinza. – Vejo que já conheceu . Fico muito feliz em saber que você está ajudando-a a se enturmar. Imagino que como aluno novo nesse ano, saiba a dificuldade da situação, principalmente quando a chegada acontece logo no meio do semestre, como o caso da senhorita aqui.
  Uma luz se acendeu no fundo da minha cabeça. Agora entendi o sorriso de e porque ela estava me provocando momentos antes. Desgraça. Será que se eu recusasse fazer o que a diretora estava sugerindo, eu ficaria muito encrencado? Melhor não descobrir e entrar no jogo.
  - Er... Mas é claro, senhora Nichols. – Tentei soar o mais educado que pude. – Estou sempre pronto para ajudar.
  - Ótimo, então está liberado da primeira aula para mostrar tudo a nossa nova aluna. – Ela colocou a mão no ombro de e sorriu para mim. – Agora se me dá licença, preciso resolver alguns problemas.
  A mulher virou as costas e saiu dali tão rápido quanto apareceu.
  Olhei para com o maior nível explícito de desinteresse que consegui formar. Ela sorriu para mim.
  - Viu só? – Ela falou. – Eu disse que você ia mudar de ideia, .
  - Tanto faz. – Coloquei-me ao seu lado sem paciência nenhuma e respirei fundo. – E fique sabendo que só estou fazendo isso porque você me ajudou sábado. Te devia um favor, agora está feito. Vamos logo.
  Comecei a caminhar sem nem esperá-la.
  - Ok. – Ela concordou e logo já vinha ao meu encontro. - Tchau amigo do ! Até outra hora quando esse aqui não estiver tão mal humorado.
  Josh acenou rapidamente e eu revirei os olhos sem parar de andar.
  Passei os próximos minutos andando de um lado para o outro com aquela garota ao meu encalço enquanto eu dizia coisas óbvias como “aqui é o banheiro feminino” ou “aqui é o laboratório de química”, até que por fim cruzou os braços e me olhou de rabo de olho antes de falar:
  - Parece que você ainda está bravinho.
  Bravinho estava bem longe do termo certo a ser usado.
  - Na verdade você só acentuou o sentimento. – Retruquei. – Acho que já te disse mais ou menos isso logo que nos vimos hoje.
  - É, foi. – Ela concordou. – Devia tomar um chá de camomila ou um suco de maracujá. Ajuda a relaxar.
  Tentei contar até dez mentalmente para não perder aquele triz de calma que ainda me restava, jurando para mim mesmo com todas as forças que eu não perderia a cabeça agora.
  - Por que justo eu, ? Com tantas pessoas nessa maldita escola! – Esperei pelo menos dessa vez algum tipo de explicação, porém o que ela me disse foi bem longe do que eu esperava:
  - Pode me chamar de .
  - Não me faça de idiota! – Falei. A garota revirou os olhos.
  - Facilidade, . Eu já conheço você.
  - Conhecesse pessoas novas! Não sou guia de ninguém, não.
  Ela trocou o peso do corpo de pé, da mesma forma que fez aquele dia na piscina.
  - Você é sempre assim tão pouco solícito?
  - O quê?
  - Você me ouviu. – Ela respondeu. – Agora podemos continuar?
  Quer saber? Foda-se.
  Virei as costas determinado a voltar para a sala e deixá-la ali. Mamãe que me perdoasse por estar desobedecendo-a quando me disse um milhão de vezes para “não deixar nunca uma garota sozinha”, mas essa em especial estava pedindo para isso já fazia muito tempo!
  - , será que a Sra. Nichols vai gostar de saber que você está desobedecendo uma das ordens dela?
  Não interessa!, quis responder. Mas parei de andar e respirei bem fundo.
  - Não estou com cabeça para te aturar hoje. – Hoje e todos ou outros dias que vierem, quis acrescentar, enquanto falei ainda de costas para ela: – Arrume outra pessoa para endoidar.
  Eu não estava olhando para ela naquele momento, mas a escutei soltar um suspiro pesado e logo em seguida o barulho dos seus sapatos contra o chão, como se viesse até onde eu estava.
  - Olha só – Ela começou, um tom totalmente diferente dos que ela costuma usar. –, desculpa se te deixei irritado, ok? Tenho costume de falar sem pensar.
  - Não me diga? – Retruquei.
  - É sério, ok? – Pela primeira vez realmente parecia ser sério. – Não é minha intenção “endoidar” alguém, como você mesmo disse, é só o meu jeito. Vou tentar ser menos chata. Estou falando a verdade! Não precisa me olhar com essa cara de descrença! Juro até de mindinho se quiser.
  Por um segundo não acreditei. Mas aos poucos fui mudando de ideia.
  Eu queria que alguém tivesse gravado aquela frase, porque simplesmente eu usaria contra ela cada vez que começasse a ser meio insuportável. Seria minha arma contra ela para sempre!
  Infelizmente não tive nem tempo de pegar o celular e pedir para ela repetir. Andrew simplesmente apareceu do quinto dos infernos por entre as pessoas que ainda estavam no corredor, falando daquele jeito desleixado, se achando o máximo como sempre fazia perto de alguma garota bonita.
  E lá se foram minhas chances de ter uma conversa normal com .
  - Ih, olha só se não é a gatinha da festa de sábado! – ele começou. – Estuda aqui é?
  - Obviamente sim. – respondeu. – Não esperava que eu fosse a moça da cantina, certo?
  Não sei se Andrew percebeu o deboche na voz dela, mas se virou para mim com a mesma animação de antes:
  - Cara, será que agora pode me apresentar pra sua vizinha?
  Contive a vontade de revirar os olhos e fiz o que ele pediu:
  - Andrew, essa é . , esse é Andrew, meu colega de time.
  - É, ainda não sabemos sobre essa parte de time, mas colega, com certeza.
  - Entendi. – Disse nem um pouco interessada. – Então, vamos continuar pelo “tour”, ?
  Eu até ia responder, mas Andrew se colocou literalmente em minha frente para evitar que eu dissesse alguma coisa ou menos fizesse contato visual com a garota.
  - Se quiser eu posso te mostrar tudo de bom que tem nesse lugar, . – Andrew falou. – Começando por mim, é claro.
  - já está fazendo isso.
  - Ah, eu sei, . Mas aposto que ele não vai se importar se eu terminar isso por ele.
  - Por favor, não me chame de . – Ela pediu e fez uma leve careta em seguida. – E pode terminar o que começou sozinho.
  - Qual é, gatinha? - Andrew deu aquele sorriso que geralmente fazia todas as garotas derreterem (sério, já vi isso algumas vezes). – Não quer minha companhia maravilhosa? Garanto que vai valer a pena.
  As pessoas ao redor começaram a prestar atenção na conversa com interesse. Eu preferia que elas só continuassem andando como estavam fazendo antes. piscou uma vez e falou:
  - Não, definitivamente. – Ela foi tão sensível quanto uma lixa. – Eu costumo evitar caras que se acham a última bolacha do pacote. Pode guardar seu charme, Andrew. Não vai funcionar comigo.
  - Você nem me conhece para falar alguma coisa! - O cara parecia desacreditado e bastante irritado.
  - Exato, não conheço você, mas conheci caras como você. É o suficiente.
  - O quê?
  - Isso mesmo que você ouviu. - Ela jogou os cabelos coloridos pelo ombro. - Agora faça um favor a si mesmo e procure outra garota para se achar o gostosão.
  Naquele instante, juro que eu não sabia se consolava Andrew ou então ria da situação toda. Felizmente fez o favor de olhar para a frente e ignorar a expressão incrédula dele.
  - Vamos, ? Não gosto de ficar parada.
  Imediatamente Andrew nos dirigiu uma expressão bem perto da fúria e saiu pisando duro como uma criança mimada enquanto fazia birra para conseguir o que queria dos pais. As pessoas que ainda estavam ali soltavam risinhos baixos e disfarçados.
  Fiquei no mesmo lugar, parado, enquanto encarava cada um ir para um lado. Obviamente entre seguir o cara ou a garota, segui a garota. Precisava entender algumas coisas.
  - Por que falou assim com ele?
  Ela me olhou e deu de ombros como se não importasse de fato, mas depois de alguns passos largos ela perguntou.
  - Aquele cara foi o que gritou para todo mundo sair da sua casa, não foi?
  - Ele mesmo.
  - Então ele não presta.
  Parei de andar imediatamente. Não querendo defender o garoto, nem nada, mas como ela podia ter tanta certeza nisso?
  - Explique.
  - Qualquer pessoa que saia correndo com a menção da palavra “segurança” definitivamente não presta.
  - Mas eu mandei que eles saíssem.
  - Na verdade, você pediu para que eles te ajudassem a tirar toda aquela multidão de lá, mas o que ele fez foi gritar feito um louco fazendo todos se assustarem e ficarem com medo. – Ela disse. – Vê a diferença? Esse tal de Andrew acha que manda, que pode ter tudo o que quiser aqui só pedindo. E acredite em mim quando digo: já tive experiências ruins com pessoas iguaizinhas a ele.
  Por um momento eu me perguntei como ela conseguiu ver tanto em uma pessoa em tão pouco tempo. Ou era uma pessoa observadora demais ou então havia tirado várias conclusões precipitadas. Infelizmente eu não sabia dizer qual das duas. Só tinha certeza que a opinião que ela carregava sobre Andrew, seria definitiva para ela.
  - Mas... pode ser que não seja bem assim. – Por alguma razão tentei defende-lo, ou então fosse apenas uma tentativa de entender seu ponto de vista.
  - Será, ? – Ela plantou a semente da discórdia em minha mente. – Acho que você devia tomar cuidado com as pessoas com quem anda.
  - Falou igual minha mãe agora. – Retruquei tentando transformar aquela falação toda, onde ela achava estar cheia de moral, numa brincadeira mais leve.
  - Então sua mãe deve ser uma ótima pessoa.
  Soltei um risinho fraco e continuei andando.
  - É sério que você acha tudo isso dele? – Tentei voltar ao rumo anterior da conversa.
  - É sério sim. – Ela afirmou. – Você é um cara legal, . Tente não ser influenciado por gente como ele.
  E depois disso fiquei em silêncio. Por mais que eu quisesse que fosse clara e dissesse alguma coisa que fizesse sentido pelo menos dessa vez, do que adiantava discutir com essa garota que conseguia ter uma facilidade tão grande para desviar do assunto? Quem dera eu tivesse uma personalidade como a dela.
  Continuamos com a caminhada que parecia nunca ter fim até que chegamos a quadra de treinos e aos vestiários. Era basicamente o último lugar que faltava no “mapa” que a diretora entendia como “apresentação da escola”.
  - Não é grande coisa. – Ela falou.
  - É, mas pelo menos temos onde treinar. – Acrescentei. – Aliás, acho que pelo horário o time deve estar aí agora.
  - Ah. Então vamos sair daqui bem rápido. – murmurou.
  - O que você tem contra tudo isso, afinal? – Perguntei de uma vez.
  Referi-me ao fato dela praticamente não suportar nada que tivesse ligação com esportes, times ou sei lá. Mas ela já estava virando o corpo para sair dali, o que significava que ela não responderia nada.
  Fiz menção de segui-la, porém, materializando-se, do que pareceu o nada, James se posicionou a alguns passos de nós (provavelmente de vindo de dentro dos vestiários, claro) e a garota imediatamente parou, voltando a ficar séria como minutos antes.
  - E aí, . – Ele falou e eu devolvi o cumprimento da forma mais curta que pude, percebendo claramente que a atenção dele estava totalmente voltada para minha vizinha e não para mim.
  O que tinha com esses caras que não podiam ver uma garota nova que não saiam mais de cima?
  - Essa deve ser sua vizinha. , não é? – James continuou, dando um passo em direção a ela. – Andrew me falou de você.
  - É, parece que a conversa que tivemos há quinze minutos realmente se espalhou rápido. – Ela comentou. – Não te conheço e você já sabe até meu nome.
  James soltou um riso bastante forçado, tentando fingir graça de algo que nem de longe tinha essa intenção.
  - Pois é, ele me disse também que a garota de cinco cores no cabelo é bem difícil de conversar.
  - Não diga?! Andrew percebeu isso depois de todo o desinteresse explícito que demonstrei ou foram os foras que eu dei que deixaram isso óbvio para ele?
  - Nossa, calma aí, lindinha! Só comentei. – James levantou as mãos na altura dos ombros como quem se diz inocente. não pareceu cair no fingimento dele de falsa provocação. Ela estava irritada.
  - Todos vocês têm essa mania ridícula de ficar dando apelidos para pessoas que nem conhecem ou eu sou algum tipo de exceção maluca nessa história?
  - Eu por caso te fiz alguma coisa? – James perguntou um pouco incomodado pela maneira que ela falou.
  A garota o olhou de cima a baixo e negou rapidamente com a cabeça. Imaginei que James fosse responder mais alguma coisa, porém permaneceu a encarando com a maior incógnita que conseguiu formar. Eu sabia bem como era essa sensação.
  - Bem que me falaram que você não seria fácil.
  Assim como eu, arqueou as sobrancelhas, claramente surpresa, e só não respondeu alguma coisa bastante educada a ele, porque Andrew voltou a dar o ar da graça.
  Qual era a desse cara de aparecer em tudo quanto é canto?
  - Olha se não é a de novo.
  Como o cara esperto que sou, continuei calado, porque pela cara de raiva que minha vizinha fez, não achei bom me pronunciar na conversa.
  - Você por acaso tem algum problema de audição? Não me chame de . Nem de qualquer outro apelido. Melhor ainda! Não em chame de nada. – Ela reclamou e revirou os olhos.
  - Opa, não precisa falar assim! – Andrew caminhou em direção a ela. – Vamos conversar que nem gente, que tal? Eu e você hoje no cinema.
  Preciso dizer que eu até admirava a insistência de Andrew. Qualquer outro cara que eu conheço já teria desistido.
  - Espere sentado, Andrew, não vou com você a lugar algum. – Ela falou totalmente sem emoção. – E caso você ainda não tenha entendido, isso é um não. Fique longe de mim.
  Andrew e James a assistiram virar as costas e sair andando com pressa para bem longe deles. Fiz menção de segui-la, mas um dos caras, acabei não prestando atenção em qual, segurou meu braço com firmeza e me fez ficar ali parado com eles, assistindo-a sair de vista.
  Pareciam intrigados e irrequietos com o comportamento dela, mas com certeza não concordavam, não aceitavam ela tê-los dispensado assim tão rápido. Principalmente Andrew. Seu olhar tinha um brilho que eu nunca antes tinha visto.
  Imediatamente as palavras de voltaram a minha cabeça “Esse tal de Andrew acha que manda, que pode ter tudo o que quiser aqui só pedindo”.
  - Essa garota aí vai se arrepender de ter me feito de idiota hoje. – Andrew murmurou. Por um segundo fiquei com medo de perguntar o que ele tinha em mente.
  No fim, nem precisei.
  - Espero que você ainda esteja disposto a entrar no time, , porque tenho a provação perfeita para você.
  É, bem, eu estava fodido.

Parte 04

  Meu sonho de ser milionário e ter uma casa com tudo quanto é coisa, inclusive uma piscina, desapareceu logo depois que pesquisei no google “tutorial de como limpar uma piscina” e descobrir que realmente isso era um baita de um castigo desgraçado.
  Um grande porre, na verdade. Só de lembrar que eu teria que fazer essa tarefa toda semana pelo próximo mês já me deixava desanimado.
  Enquanto eu passava aquela rede gigante, que mais cedo eu descobri ter o nome telescópico, comecei a pensar sobre a vingança maluca e infantil que Andrew decidiu que eu devia fazer por ele se eu quisesse entrar para o time.
  Eu não conhecia aquele garoto muito bem, mas percebi logo de cara que ele definitivamente não aceita um não como resposta. Quer dizer, já fazia quase uma semana desde que tinha mostrado toda sua educação para ele, e o cara ainda não tinha esquecido o fora que tinha levado.
  Sinceramente, eu nunca fui alguém que gostou de fofocas, muito menos espalhar boatos, ainda mais se esses fossem literalmente mentira. E pior, fazer isso com uma pessoa que eu mal conhecia. Mas era exatamente isso que ele queria que eu fizesse com , ou como ele a chamava, a esquisita das cinco cores no cabelo.
  Ok, talvez ela fosse um pouco irritante e até desse um nó no meu cérebro durante a maior parte do tempo em que passávamos juntos (tempo que vinha crescendo na última semana), mas ela não merecia essa besteira.
  Só que por outro lado, eu já tinha zoado com a festa lá em casa, e se eu não fizesse o que Andrew pediu, eu provavelmente me daria mal e não participaria da porcaria de time nenhum. Nem como carregador de água, mascote ou qualquer outro papel insignificante.
  Pior que pensar sobre isso, era saber que eu já tinha começado com aquela merda toda. Ok, talvez espalhar para as garotas mais fofoqueiras do colégio que a novata do cabelo colorido “cozinhava pelada”, não fosse a coisa mais cruel que alguém já tenha inventado sobre alguma pessoa, porém, mesmo assim eu não me sentia bem com aquilo.
  Só que, pensando por outro lado, minha vizinha adorava tirar uma com a minha cara. Seria tão ruim assim eu tirar uma com a dela também? Por favor, não responda.
  Bufei irritado com toda aquela situação e tirei a espécie de peneira com nome esquisito da água e troquei pelo esfregão, tentando me focar em acabar logo com aquela tortura nojenta.
  No meio do processo, mesmo com a faixa interditando o local, vi a sombra de alguém se aproximando, refletida na água. Não sei bem porque, mas não precisei olhar para saber que se tratava de .
  Falando no diabo... Quem mais viria me ver aqui passar vergonha senão ela?
  Spike, que até o momento estava se mantendo totalmente quieto sentado ao meu lado, latiu animado ao vê-la.
  - Está divertido aí? - Ela perguntou e meu cachorro imediatamente foi ao lado dela receber atenção especial.
  Igual a primeira vez em que nos encontramos, ela também estava usando um biquíni, mas seu cabelo estava preso e usava também um óculos de sol. Carregava consigo um livro de capa preta com alguns detalhes dourados que acabei não prestando muita atenção no título para identificar. Ela estava bonita, como sempre. Chamando atenção à sua maneira sem se esforçar. Como ela conseguia isso?
  - Maravilhoso. – Falei com sarcasmo, voltando a fazer meu trabalho, vulgo castigo. – Quer experimentar também? É de graça!
  - Não. – Ela fez uma careta exagerada. – Prefiro ficar aqui no sol, lendo, brincando com Spike e assistindo aos outros trabalharem duro enquanto eu fico procrastinando.
  Fiz uma pausa e a encarei com uma incógnita evidente em meu rosto.
  - Que tipo de palavra é essa? Procrastinar.
  - É o tipo de palavra que pessoas cultas usam para dizer que não estão fazendo nada de útil. – Ela abriu um sorriso de quem sabe mais que os outros, e se sentou.
  - Claro, por que não pensei nisso antes?
  - Obviamente porque não é tão culto quanto eu. – cruzou as pernas na cadeira e novamente reparei em sua tatuagem, mas por estar em um lugar talvez quase íntimo, fiquei com vergonha de perguntar o que era. É, pode rir se quiser, mas é verdade. Vai que ela me chama de tarado ou algo assim.
  Mas então, ainda a olhando, notei outra coisa que já estava diferente desde outro dia, mas só agora me dei conta do que era de verdade.
  - Cadê o piercing da sua boca?
  - Ah, eu tirei. – Ela respondeu simplesmente. – Hoje eu o prendi como um brinco aqui na minha orelha. Amanhã talvez eu o coloque como se fosse uma argolinha no nariz, ainda não sei.
  - Você tem tantos buracos assim para colocar piercing? – Sim, eu sei que foi uma pergunta idiota. Soube disso assim que ela soltou uma gargalhada bastante alta para o condomínio todo ouvir se quisesse.
  - Não é um piercing de verdade. É só uma argola. Nunca viu uma dessas? Você coloca onde quer e não precisa passar pela dor de ficar abrindo buracos em si mesmo.
  - Faz sentido. – Respondi me sentindo um pouco bobão.
  - É claro que faz.
  E o silêncio veio à tona.
  Claro que comecei a analisar meus últimos atos novamente, tentando descobrir se o desfecho daquilo ia ser ruim ou não. Quer dizer, nos últimos dias eu estava começando a considerar essa nossa proximidade como o começo de uma amizade. As conversas vinham evoluindo e já não eram tão evasivas assim quanto das primeiras vezes. Eu considerava isso algo perto de uma evolução.
  Quer dizer, ela finalmente havia começado a falar sobe si mesma, coisas talvez simplórias, mas que já davam uma pequena noção da vida dela, como ter se mudado para o condomínio, pois seu pai tinha se casado de novo com uma mulher poucos anos mais velha que a própria , ou o real motivo por ela odiar pessoas como Andrew (isso se resumia a vários relacionamentos ruins com caras como ele).
  E foi assim, olhando bem para ela e levando em conta os últimos dias, que comecei a perceber que não ligava para o que os outros pensavam sobre ela. Digo, se ela ligasse para alguma coisa, não seria a “diferentona” do pedaço, certo?
  Mas ainda assim, não conseguia me convencer de que estava tudo bem com o que eu havia feito.
  Notei que estava tão concentrado nos meus pensamentos, que meus braços estavam começando a latejar de tão forte que eu estava esfregando as paredes da piscina, como se eu estivesse descontando minha frustração na limpeza.
  Minha mãe ia gostar disso.
  Parei por um instante apenas para recuperar o foco do que eu precisava fazer quando minha vizinha falou:
  - Eu andei pensando no que você disse para mim outro dia.
  - Você pensa? – Questionei em tom de brincadeira.
  - Mais que você, com certeza.
  Revirei os olhos. Não adiantava nem eu tentar, ela sempre tinha uma resposta para tudo, até a brincadeira mais besta.
  Busquei rapidamente em minha memória o que ela estava se referindo, mas eu já tinha falado tanta coisa com aquela garota que ficava difícil adivinhar.
  - Tanto faz. O que eu disse outro dia? Aliás, que outro dia foi esse?
  - O dia da festa, quando falou que sou muito fechada e séria.
  A simplicidade com que ela falou isso me deixou levemente confuso. Primeiro porque nos últimos dias ela até vinha agindo como gente, tipo, conversando sobre ela mesma, coisa e tal. E segundo porque se você fala isso para uma pessoa qualquer, é de se esperar que não gostem muito. Mas não era esse tipo de pessoa.
  - E o que pensou?
  - Que talvez seja isso mesmo. Sou desse jeito. – Ela afirmou enquanto explicava. – E não ligo muito para o que acham sobre isso, porque penso que as coisas se tornam mais claras dessa forma. Simplesmente não faço força para ter alguém perto de mim. Quem quer, insiste em ficar.
  É verdade, eu sabia do que ela estava falando. Vontade própria, vontade de verdade. Vontade de ter alguém perto sem querer algo em troca.
  Por um minuto eu fiquei sem palavras. Querendo ou não, seu ponto de vista valia. E de certa forma mostrava que isso dava a chance a de poder avaliar as pessoas antes de se aproximarem dela. Coisa que me deixava em dúvida e também receoso.
  Aparentemente eu era a única pessoa até então minimamente próxima a um amigo que ela tinha, o que por fim, me levava a pergunta de um milhão de dólares:
  - Por que eu?
   pareceu levar um tempo para entender mesmo onde eu queria chegar, mas respondeu:
  - Preciso admitir que no começo imaginei que você fosse um maluco. – Ela acariciou Spike por um momento. – Agora, acho que mudei de ideia.
  - Acha?
  - Sim. – Ela concordou. – Quando te vi correndo com aquele avental florido tudo sujo de vermelho, pensei que fosse um psicopata, mas então olhei bem para a sua cara e percebi que estava errada.
  - Psicopata? – Isso era triste.
  - Sim, mas sua cara de embasbacado te entregou.
  - Ah, qual é?! - Simplesmente não podia acreditar no que ouvi! Eu não tinha feito cara nenhuma, apenas a encarei por sei lá, meio segundo. Como pode falar isso então? Naquele momento eu era a definição da palavra da indignação.
  Minha vizinha soltou um riso fraco e revirou os olhos, divertida.
  - Não seja dramático, só estou dizendo que sua cara de abobalhado foi impagável.
  - , você é insuportável.
  - Eu sei. – Ela falou como se não fosse realmente novidade (e eu apostava que não devia ser mesmo). – Mas sei também que não foi isso que pensou assim que me viu.
  - Quem disse que não?
  - Eu disse! - Ela fechou o livro e se levantou, vindo em minha direção a passos largos. Spike a acompanhou, abanando o rabo todo alegre. - Fala sério, você ficou quase de queixo caído. Pensa que eu não vi?
  É, bem. Sim, eu sinceramente esperava que ela não tivesse percebido.
  Tive que respirar bem fundo e esperar uns dois segundos se passarem para ter certeza de que eu não gaguejaria ou coisa do tipo quando respondesse. Ela estava mesmo me provocando?
  - Ok, eu te achei bonita, mas só isso. O que tem demais nisso? Você pensa que é incrível demais. – Tentei (leia bem, tentei) soar desinteressado, como se o que ela falasse fosse mentira (o que não era nem de longe).
  - Não estou. – Minha vizinha afirmou. - Certo, talvez eu esteja um pouquinho sim, mas a questão é que mesmo depois da primeira impressão, até agora pelo menos, você conseguiu suportar minha inconstância e toda minha chatice. De certa forma é algo bom e até bem difícil.
  É, meio impossível, na verdade, pensei em acrescentar.
  - E sabe – Ela continuou. –, sinceramente, eu gosto disso.
  Era como se meu cérebro estivesse em modo espera e eu não conseguisse formular um pensamento sequer sobre tudo o que ela estava dizendo. Não fazia sentido ela estar falando tudo aquilo justo agora, eu simplesmente não esperava algo assim vindo dela. Era mais provável que tudo não se passasse de uma piada qualquer que logo ela admitiria entre um riso e outro.
  - Por que está me dizendo isso? – Perguntei numa tentativa já fadada a dar errado em entender suas últimas falas.
  - Você é legal , já te disse isso uma vez. – Ela respondeu me olhando bem nos olhos, como se quisesse que sua frase ficasse gravada na minha mente. – É diferente do que eu julgava ser.
  - E isso é bom?
  Por um segundo eu cheguei a achar de verdade que ela estava flertando comigo. A distância entre eu e ela era igual, senão até menor que trinta centímetros. O sorrisinho que me dirigia parecia uma tentativa bem próxima a sedução, além dela ficar intercalando olhares entre meus olhos e minha boca, quase como se estivesse pensando em me beijar.
  Mas quem garante que não era coisa da minha cabeça?
  Eu ainda estava esperando por uma resposta quando ela sorriu abertamente, deu um passo para trás quebrando o momento e brincou com Spike uma última vez antes de virar as costas e sair.
  - Sim, ! – Ela falou já se distanciando. – Com certeza. É ainda melhor que apenas bom.
  E, enquanto andava para longe tanto de mim quanto do meu cachorro, me deixou ali, limpando aquela droga de piscina, sozinho com a maior cara de bobo embasbacado que um dia já fiz.
  Eu estava duplamente fodido.

Parte 05

  Às vezes, quando eu rezava antes de dormir, costumava perguntar a Deus por que as mulheres não podiam simplesmente vir com um manual de instrução. Digo, a vida seria tão mais simples se nós, homens meros mortais que não sabem de nada, pelo menos tivessem uma pequena noção do que fazer!
  E então apareceu . E o que eu achava antes ser complicado, pareceu se transformar num nível hardcore de dificuldade.
  Isso porque eu simplesmente não fazia ideia de como agir ou pensar quando se tratava dela. Já era difícil antes, agora depois daquela tarde maldita na piscina, era impossível! Aquela cena se repetiu por horas a fio no meu pensamento. E eu juro, depois de analisá-la tantas vezes, conclui que não foi coisa da minha cabeça, não foi um sonho. Eu estava lá, segurando aquele esfregão ridículo, e ela estava bem na minha frente falando coisas que provavelmente significavam muito mais, sorrindo, dando olhares cheios de significados, onde eu devia ter pegado a chance e tomado alguma atitude. Mas eu não fiz nada.
  Fiquei lá parado tentando interpretar o que ela deixara nas entrelinhas.
  E desde então ela era tudo o que eu pensava.
  Porém, não bastava eu simplesmente ir atrás dela e tirar isso tudo a limpo. Cara, se tratava de . Ela era oito ou oitenta! E se aquilo tudo fosse uma brincadeira dela para me testar ou vai saber o quê? Essa ainda era uma hipótese bem forte.
  Eu ia chegar e dizer que gostava dela, e então tudo o que eu ia receber, provavelmente, seria uma risada bem cheia de deboche.
  As coisas estavam complicadas para o meu lado.
  Antes de sair de casa naquela manhã, decidi que conversaria com ela. Contaria tudo o que eu vinha pensando nos últimos dias e mesmo que a situação toda não se passasse de um engano, eu lidaria com isso. Pelo menos estaria sendo sincero.
  Já na escola, não demorou muito para que eu a achasse no meio das pessoas. Na verdade, era algo bem simples, bastava procurar por seu cabelo diferente. Ninguém tinha um visual próximo ao dela.
  Imediatamente depois que a encontrei, comecei a me aproximar.
  - E aí, . – Ela me cumprimentou sem tirar os olhos do livro.
  Minhas maõs começaram a suar. Será que ela me acharia mais trouxa do que já sou depois de dizer tudo? Não importa, era agora ou nunca.
  - Oi. – Falei respirando fundo, tomando ar para começar meu provável discurso. – Eu...
  - Nossa, que cara é essa? – falou, me interrompendo, claramente divertida com minha expressão. – Parece que está enjoado.
  Respirei fundo ainda a olhando. É, isso não daria certo, com certeza.
  Passaria vexame no meio de todo mundo e viraria tipo, a piada do ano. Eu não conseguia nem apresentar meus seminários sem gaguejar, imagina falar o que eu supostamente sentia para a garota que eu supostamente achava que gostava? Pois é. Desastre na certa.
  - Não é nada, deve ter sido meu café da manhã. – Falei por fim, mudando de ideia.
  Ela deu de ombros e voltou a atenção ao livro.
  Como eu já havia subitamente perdido a coragem de dizer o que praticamente vinha ensaiando desde os últimos dias, resolvi mudar de assunto:
  - Que livro é esse aí? – Finalmente ela deixou de ler para conversar comigo, repentinamente animada com a pergunta.
  - Ah, é um desses que todo mundo anda lendo, uma distopia. Bem legal até, o nome é...
  - ! – Ambos viramos o rosto ao mesmo tempo em direção à voz. Andrew fazia questão de nos interromper. – Cara, faz um tempo que não te vejo.
  - Ah, pois é. São as provas, né? – Tentei ser evasivo e fazer com que ele simplesmente continuasse andando. Não funcionou.
  - Ah, tá esperto, hein? – Andrew disse e batei no meu ombro. – Sabe que precisa de boas notas para participar de qualquer atividade extra aqui na escola.
  - Com certeza. – Falei simplesmente.
  Reparei que ao nosso lado se mantinha quieta e distante, fazendo o possível para ficar fora da mira do cara que ela já havia deixado bem claro para mim (e para ele próprio também) que odiava.
  - Por que está tão quieta aí, ? – Andrew se dirigiu para ela, numa tentativa óbvia de provocá-la.
  - Eu já disse para não me chamar assim. – Ela devolveu sem levantar os olhos para ele.
  - Acho que sou eu quem decide do que te chamar ou não, .
  Minha vizinha semicerrou os olhos quando os levantou das páginas que lia apenas o suficiente para encarar o garoto com o olhar mais assassino que eu já presenciei na vida.
  - Você é ridículo, sabia? – Ela falou, fechando o livro com força. – O mundo não gira ao seu redor.
  Pela forma que o cara a olhou de volta, a Terceira Guerra Mundial estava prestes a eclodir.
  - Tem certeza? Porque não é isso que dizem de mim por aí.
  - Andrew... – Eu tentei chamar a atenção dele para deixar isso para lá, mas ele fingiu não prestar atenção e continuou falando:
  - Aliás, , se tem alguém que devia se preocupar com o que dizem, esse alguém é você. – Ele piscou um dos olhos para mim, compartilhando aquele segredo idiota que infelizmente eu fazia parte.
  Se percebeu isso, não disse nada. Mas logo em seguida, como se para confirmar o que o garoto havia acabado de insinuar, um grupo de garotas passou por nós cochichando e rindo, olhando diretamente para a garota de cabelos coloridos ao meu lado.
  Minha vizinha não pareceu feliz com a observação e imediatamente olhou ao redor procurando por Andrew, provavelmente querendo dizer umas poucas e boas para ele, mas obviamente ele já estava bem longe de nós, aproveitando o momento para desaparecer.
  - Não acredito que toda essa fofoca é culpa dele.
  - Você as ouviu?
  - Sim. – Ela falou simplesmente. – Mas agora não estou tão surpresa por saber a origem disso.
  Ela olhou para mim com a expressão ainda mais fechada que antes e murmurou:
  - É preciso querer muito entrar no time para aguentar um cara como Andrew.
  - É, querer e precisar. – Disse mais para mim do que para ela, mas claro que minha vizinha ouviu e imediatamente me encarou, esquecendo momentaneamente suas próprias irritações.
  - O que quer dizer com isso?
  E lá íamos nós de novo.
  Falar sobre isso ainda não era fácil para mim. Pelo menos não ainda. Mas de qualquer forma, seria algo que eu devia me acostumar conforme o tempo fosse passando. Não era o fim do mundo, de qualquer forma.
  Tomei ar e enfim comecei a falar:
  - Desde o divórcio dos meus pais, as coisas têm estado meio estranhas com minha família. – Falei em voz baixa. – Existe tipo um precipício entre eu e meu pai, e por isso acho que entrar no time talvez mude um pouco a situação.
  - Como assim? – franziu o cenho. – O que isso vai mudar?
  - Bem, atualmente eu moro com minha mãe. – Expliquei. – Eu a tenho ajudado a segurar a barra e tudo mais, mas mesmo assim ela não para em casa. Viagens e mais viagens com a empresa, indo aqui e ali, e eu sempre no mesmo lugar, sozinho. E meu pai, bem... ele tem estado muito afastado. Quase não conversamos nos últimos meses. E eu acho que se talvez eu fizer parte de algo que ele quisesse muito, eu pudesse nos reaproximar.
  - Por isso o time do colégio. – Ela deduziu.
  - Sim. Ele era o capitão na época dele. Meu avô também tinha feito parte do time. – Falei soltando um longo suspiro. – Então quem sabe se eu apenas conseguir entrar e ter uma função, não possa o deixar orgulhoso por seguir seus passos e continuar a "tradição" da família ou pelo menos algo perto disso.
   ficou em silêncio, sua expressão mostrando quase completamente que entendia meus motivos. Enfim ela deu de ombros e disse sinceramente:
  - É um bom motivo. – Eu assenti minimamente. – Espero que consiga, então.
  Balancei a cabeça em concordância mais uma vez enquanto pressionava meus lábios numa linha reta.
  Seria sim um bom motivo, se eu não estivesse usando fofocas a respeito dela para conseguir o que queria.
  Por que eu havia feito isso? Ah, sim. Porque eu estava desesperado. E no que deu tudo isso? Em muita merda, claro. E como se só para comprovar meu último pensamento totalmente positivo, algumas pessoas, um grupo de garotos, se aproximaram de nós rindo:
  - Hey, você é a estranha de cinco cores no cabelo, né? – Uns moleques do primeiro ano perguntaram para . – É verdade que você anda sem roupa em casa?
  Ela ignorou o olhar zombeteiro que eles lhe lançavam.
  - E isso te interessa, por quê...? – Logo ela já adquiriu sua pose intimidadora.
Infelizmente tal gesto não pareceu ter efeito sobre eles.
  - Ah, nada demais. Só curiosidade. – Falou outro. – Ouvi dizer até que têm vídeos seus na internet desse jeito mesmo.
  - O quê? – Ela exclamou chocada. Eu não estava diferente dela.
  - E que uns caras tem nudes seu no celular deles.
  - Passa pra gente também! – Um deles falou e tirou a carteira do bolso. – Te pago cinco contos.
  Nenhum de nós dois conseguia formar uma palavra. Estávamos paralisados.
  Eu olhei para aqueles projetos de homens, totalmente desacreditado, ao mesmo tempo em que se enfurecia como nunca antes. Apertava os punhos ao lado do corpo e semicerrava o os olhos como se controlasse a raiva com todas suas forças. Eu mesmo imaginava que não estava assim tão diferente dela.
  - Deem o fora daqui. – Eu disse para eles, me surpreendendo com meu próprio tom de voz mais baixo e frio do que nunca.
  Eles continuaram ali, me encarando como se eu não falasse a língua deles, por isso aumentei a voz da forma mais agressiva que pude, mas de uma maneira que ainda não chamasse a atenção de todos no corredor:
  - Não estão escutando, seus pervertidos? Saiam daqui, !
  Pisei com força no chão numa ameaça implícita. Os moleques saíram aos tropeços pelo corredor, achando que eu fosse acabar atrás deles e fazer alguma coisa de verdade.
  Olhei para minha vizinha, conferindo como ela estava, e logo percebi que fingia cara de pouco caso, pensando que me enganava com a expressão indiferente que de repente formou em seu rosto. Mas eu via no fundo dos olhos dela uma pequena faísca de tristeza.
  Aquilo a estava afetando sim. E eu estava errado desde o início.
  A culpa era toda minha.
  Eu não havia espalhado tudo aquilo daquele jeito, mas devia ter imaginado que uma hora ou outra aumentariam a história que automaticamente desandaria, se transformando numa bola de neve.
  Eu até podia achar que os garotos do primeiro ano eram uns idiotas, mas eu, entre todos eles, era o idiota supremo da escola inteira. Ficando em silêncio do jeito que eu estava, fingindo que não sabia de nada, ainda mais depois de ter começado aquilo tudo, só me fazia ser um covarde cada vez maior.
  A parte sensata do meu cérebro afirmou para mim mesmo que eu devia contar a ela a verdade e então desmentir tudo para aquela gente mesquinha. Mas a parte amedrontada insistia em dizer que se eu fizesse isso, mesmo que fosse sincero, a perderia antes mesmo de tê-la tido em algum momento.
  Ainda parada, com o olhar fora de foco, eu me dirigi a ela:
  - ... – Amaldiçoei-me internamente por resolver usar o maldito apelido justo naquele momento. – Você precisa saber que...
  - Não tem que justificar o que as pessoas andam dizendo sobre mim.
  - Não, você não entende...
  - Entendo que isso tudo é culpa do Andrew e aquele ego enorme dele. – Ela falou simplesmente.
  - Não é isso, eu...
  - Deixa pra lá, . – Ela me cortou de vez junto com o sinal da escola que tocou estridente acima de nós. – Aquele garoto cheio de si não perde por esperar.
  E como se para deixar a situação um pouco pior do que já estava, me deixou ali, com as palavras entaladas na minha garganta e uma sensação crescente de que nada terminaria bem depois daquilo.

***

  Na hora do intervalo, a garota dos cabelos coloridos estava totalmente inquieta. Havia desistido completamente da leitura do livro que antes parecia estar deixando-a totalmente envolvida, e agora tudo o que ela conseguia fazer era olhar ao redor feito uma paranoica, observando a conversa de todas as mesas e pensando fielmente que estavam falando dela.
  Eu até gostaria de dizer que ela estava exagerando, mas não estava. Eram tantos olhares sobre ela e risinhos dirigidos diretamente para onde estava, que eu mesmo me sentia constrangido.
  Pensei que poderia tirá-la dali para um lugar onde não houvesse ninguém, mas isso não chegou a acontecer.
  Ela ficou louca, não aguentou a fama. De supetão se levantou e a passos largos foi até Andrew que não escondia nem de longe seu sorriso debochado para ela.
  - Já chega, Andrew. Sua brincadeira de mau gosto perdeu a graça. – Ela falou e de repente o refeitório inteiro ficou em silêncio. Dava para escutar um alfinete cair ali naquele instante.
  Eu parei logo atrás dela, torcendo para que mudasse de ideia, virasse as costas e fosse embora, como às vezes fazia.
  - Opa, calma aí, . – Ele levantou as mãos na altura dos ombros em sinal de inocência. – Não faço ideia do que você está falando.
  - Ah, tem certeza? – O sarcasmo transbordava na voz dela. – Não sabe nada sobre eu ser uma vadia que fica mandando foto nua para os caras desse colégio, ou sobre eu ter vídeos na internet sabe-se lá fazendo qual baixaria, ou mesmo sobre como eu ando dentro da minha própria casa?
  Vi os olhos de Andrew passarem sobre mim, cogitando a ideia de revelar tudo, e eu implorei com o olhar para que ele não falasse nada.
  - Uh, isso realmente não parece bom, hein? – O cara se virou para o outro ao seu lado. – O que me diz, James?
  - Eu não queria estar na sua pele, . – James falou dando de ombros. – Mas acho que você se precipitou achando que fomos nós.
   os avaliou por um momento, estudando suas feições e procurando descobrir se era ou não verdade o que tinham acabado de falar.
  - Deixa isso quieto. – Tentei falar e puxar gentilmente seu antebraço.
  - Cala a boca, ! Não vou mais aceitar histórias vindo de cretinos como esses! – Minha vizinha afirmou decidida.
  James e Andrew se entreolharam e sorriram. Um sorriso tão maldoso que fazia todas as bruxas dos filmes infantis parecerem projeto de princesas.
  James resolveu falar primeiro:
  - Não somos nós os cretinos dessa história, .
  - E quem mais seria tão ridículo quanto vocês para inventar tudo isso?
  Andrew arqueou uma sobrancelha e então fez o que eu mais temia. Inclinou a cabeça em minha direção como se não fosse nada demais e disse:
  - Por que não pergunta para o seu amigo qual era a provação dele?
  Foi como se o tempo tivesse parado. A pior tortura que eu já passei na vida. Tê-la assim tão perto me olhando com tanta descrença, desgosto, tristeza e pior de tudo: nojo.
  - Foi você que espalhou tudo isso?
  Podia ser coisa da minha imaginação, mas percebi a voz dela tremer. Seria possível que eu teria conseguido derrubar todos os muros dela para no fim estragar tudo?
  - Eu não inventei tudo isso! – Falei sentindo o desespero crescer em mim.
  - Não. – Ela concordou decepcionada. – Só criou um boato qualquer para entrar na porcaria desse time, não é?
  - ...
  - Não me chame assim, ! Perdeu esse direito quando começou a inventar mentiras sobre mim. – Levar um tapa talvez tivesse doido menos. – Eu achava que você fosse meu amigo, que fosse diferente. Como pôde fazer isso?
  - Não era para ter virado essa palhaçada toda!
  - Mas virou! Tudo por sua causa.
  - Mas... mas... Você não parecia ligar para a opinião dos outros! – Tentei me defender já sabendo que era uma tentativa totalmente falha.
  - Exatamente! – Ela exclamou fazendo força para manter a postura firme de antes, impedindo que eu sequer dissesse algo mais. – Não estava ligando porque era coisa dos outros, e não sua! Saber disso agora deixa tudo dez vezes pior.
  - , eu não queria, eu juro, eu...
  - Cala a boca, . Você não queria, mas fez. – A garota me interrompeu, a voz fria e afiada como uma lâmina. – Parabéns, alcançou seu objetivo. Tomara que seu pai sinta orgulho depois disso tudo. Era o que você queria, não era?
  Quando ela saiu numa rapidez impressionante, algumas pessoas aplaudiram, outras gritaram e várias outras vaiaram, mas pare ser bem sincero, não percebi nada do que aconteceu. Tudo estava embaçado em minha mente e eu só conseguia pensar no quanto eu era desprezível.
  Senti um braço passar por meu ombro e algumas pessoas me cumprimentarem. Gradualmente eu consegui voltar à realidade e entender parcialmente o porquê da algazarra. Mas foi quando Andrew me abraçou que a compreensão veio completa:
  - Parabéns, cara! Bem vindo ao time.

Parte 06

  Já fazia alguns dias que eu não via . Era como se ela simplesmente tivesse desaparecido do planeta Terra e se tele transportado para alguma galáxia ou qualquer dimensão paralela a nossa, provavelmente se mantendo o mais distante possível de mim que podia.
  Não a culparia por isso. Como poderia?
  Eu continuava jogando e jogando na minha cabeça todas as palavras que ela disse para mim, e mentia para eu mesmo todos os dias tentando me convencer que aquilo não havia passado de um sonho muito, muito ruim.
   era simplesmente tudo o que eu pensava.
  Conclui (talvez um pouco tarde) que eu não apenas gostava dela, o que eu sentia era mais forte que isso. E depois de tudo o que eu a fiz passar, doía saber que machuquei a garota por quem eu estava apaixonado.
  Numa coisa pelo menos James estava certo: eu era o cretino da história.
  Todos os dias quando eu deixava minha casa, procurava por ela sempre. Todas as vezes que eu fechava meus olhos, lá estava ela. O que eu faria, então?
  Josh havia me dito simplesmente que eu estava passando dos limites, quer dizer, se ela sequer estivesse disposta a esquecer todo o ocorrido, teria dado as caras no colégio esses últimos dias, porém não foi isso que aconteceu.
  Mas independente do que ela estivesse pensando sobre mim agora, eu precisava ao menos tentar me explicar, conversar com ela onde não existisse uma plateia nos assistindo, porque definitivamente eu entendi (da pior maneira) que nem sempre os fins justificavam os meios.
  Eu jamais poderia esquecer a forma como ela me olhou aquele dia sem saber que pelo menos eu não tinha tentado consertar meus erros.
  Foi então que eu decidi que precisava urgentemente de um plano. Algo que fizesse com que ela me ouvisse mesmo que por poucos minutos.
  Passei praticamente minha tarde inteira limpando aquela desgraça de piscina, tentando usar meu cérebro e bolar uma brilhante ideia com a esperança de conseguir o mínimo do perdão dela.
  Quando voltei para casa pronto para realizar o que seria meu plano, parei por um segundo, olhei ao redor e não encontrei meu cão. Busquei pela casa inteira imaginando que ele estava se escondendo, mas não o achei em parte alguma. E acredite, com o tamanho do Spike, não haviam muitos lugares ali dentro onde ele pudesse ficar muito tempo sem ser visto.
  Seria muito azar isso acontecer logo agora, mas definitivamente a sorte estava passando bem longe de mim ultimamente.
  - Mãe! – Eu gritei tentando disfarçar o nervosismo em minha voz. – A senhora viu Spike por aí?
  - Senhora é sua avó! – Ela gritou de volta. – Não me diga que perdeu o cachorro de novo, !
  Engoli em seco olhando ao redor.
  - Claro que não, mãe! – Falei de volta, torcendo internamente para ela não vir até aqui conferir e ver que eu estava mentindo. – Spike está bem aqui do meu lado, não é garotão? Aliás, vou passear com ele, viu?
  - Menino, se você perdeu esse cachorro de novo...
  - Até mais!
  Não esperei por sua resposta e saí praticamente voando pela porta. De longe eu a escutei resmungando alguma coisa que provavelmente deveria ser um xingamento direcionado a mim.
  Apesar desta vez o lugar estar relativamente limpo, e eu não estar planejando nada escondido de ninguém, graças a minha linda mãe que está em casa agora, o meu desespero atrás de Spike era o mesmo, senão até pior, que no dia da festa propriamente dito. Eu ainda tentava procurar sentido na fuga dele dessa vez, e infelizmente ainda não tinha a menor noção. Estava tudo certo horas atrás!
  De novo eu praticamente andei em círculos por todo o condomínio chamando por meu Golden, feito um retardado.
  Será possível que ele tinha saído atrás de mim enquanto eu estava limpando a piscina? Puta merda. Se foi, então ele podia estar literalmente em qualquer parte do condomínio. E eu sabia, por experiência, que não adiantaria eu gastar toda voz atrás dele, pois Spike simplesmente não viria.
  Mas talvez com outra pessoa fosse diferente, talvez ele aparecesse.
  Se ela ao menos me ajudasse...
  Corri imediatamente até a casa dela e toquei a campainha vezes seguidas, já sabendo que ela provavelmente não me atenderia. Fingiria que não estava em casa ou simplesmente ignoraria minha presença. Mas eu precisava dela!
  - , por favor! Eu sei que você está em casa, consigo ouvir a música tocando. - Gritei quase suplicando. – Preciso da sua ajuda!
  O som se silenciou, mas a porta não se abriu. Ao menos eu sabia que ela havia me escutado.
  - Precisa de ajuda? – Ela gritou lá de dentro. – Peça pra Andrew!
  Fiquei com uma súbita vontade de chutar o vaso perto da porta, mas me detive. Quebrar as coisas não me ajudaria. Eu precisava manter a calma.
  - , é sério!
  - Não quero saber. – Ela berrou de volta.
  - Spike sumiu!
  No segundo seguinte, sem hesitar, a porta se abriu. Quase me permiti soltar um suspiro aliviado, mas me contive antes disso acontecer.
   me encarou com aquele olhar acusador, procurando mentiras no que eu havia dito. Entretanto, dessa vez eu não estava escondendo nada. E acho que ela viu isso, pois nem se importou em tirar a toalha da cabeça ou em colocar algum sapato que não fosse sua pantufa quando trancou a casa e saiu andando na minha frente sem sequer esperar que eu dissesse mais alguma coisa.
  - Onde foi o ultimo lugar que você o viu? – Ela questionou firme.
  - Em casa, mas então eu saí para limpar a porcaria daquela piscina e quando voltei ele não estava mais lá! – Falei logo a alcançando e permanecendo ao lado dela.
  - Vamos achá-lo. – Ela me garantiu. – Ele é um cão esperto, não deve estar longe de onde conhece.
  A partir daí, guiou o caminho. Eu sabia que Spike era importante para ela, mas não tanto a ponto dela simplesmente nem hesitar em me ajudar a busca-lo por aí, principalmente depois de eu ter sido um babaca tão grande com ela.
  Lembrei-me de um dia em que conversávamos sobre coisas aleatórias, quando ela me disse que apesar de preferir gatos, Spike tinha a encantado com toda sua animação, os olhos brilhantes e a fofura, sempre pronto para brincar ou receber carinho. De fato, foi assim que ele me conquistou também. Spike podia ser só um cachorro grandalhão ao olhar de muitos, mas para mim ele era como um melhor amigo, tão importante quanto uma pessoa. Às vezes eu chegava a pensar que ele conseguia ser mais inteligente que eu. O que não devia ser mentira.
  Acho que desde o começo ele sabia o valor de , afinal, foi ele quem me levou até ela naquele dia da festa. Sem ele, seria provável que eu nunca tivesse a conhecido, e consequentemente, nunca teria me apaixonado e também nunca teria a magoado. Como eu devia me sentir em relação a isso? Porque sinceramente, eu estava em dúvida entre algo bom e algo péssimo.
  Ainda mais, que, tecnicamente, meu Golden era a única ligação que ainda tínhamos, por menor que talvez fosse.
  - Por que a minha ajuda, ?
  Se eu pudesse dizer que seu tom de voz tinha ficado 10º C mais frio, eu diria.
  - Você é a única que pode! – Falei convencido, porque de repente várias coisas começaram a se juntar na minha mente como um quebra cabeça. – Spike passou a semana inteira resmungando e choramingando para mim como se quisesse que eu fizesse alguma coisa ou o levasse a algum lugar. Mas e se na verdade ele quisesse que eu o levasse a alguém? Pode ser coisa da minha cabeça, mas tenho quase certeza que ele fugiu para te achar. Era isso que ele queria o tempo todo! Spike sente sua falta. – Tanto quanto eu sinto, quis acrescentar.
  - Quer dizer que a culpa é minha por ele fugir?
  - Não, não foi isso que eu disse. – Balancei a cabeça para dar ênfase a negação. – Só estou dizendo que se ele estava atrás de você, então não importa o quanto eu o chame, ele não vai vir. Mas se você fizer isso? É provável que ele apareça. Não custa tentar, não é?
  A garota me estudou outra vez. Não demorou mais que cinco segundos para que ela enfim acreditasse no que eu estava dizendo e começasse a chamar por meu Golden em todos os cantos que passávamos.
   não me dirigiu palavras, olhares e nem sinais em momento algum conforme continuamos a busca. Apenas seguiu andando, liderando o caminho como antes. Por várias vezes eu ensaiei dizer alguma coisa. Mas o quê? Era tão estranho vê-la me desprezando dessa forma. Nem mesmo sarcasmos ou petulância saía de sua boca. E naquele momento eu simplesmente não conseguia pensar em nada bom o bastante para pronunciar. Não queria correr o risco de falar o que não devia.
  Os próximos minutos se passaram em silêncio absoluto, apenas com nossos passos ecoando pelo vazio e os chamados que ocasionalmente eram feitos por um de nós dois para Spike. E foi assim até que do meio de alguns arbustos afastados de onde estávamos, num lugar que eu nem mesmo me lembrava de algum dia já ter ido, o farfalhar alto de folhas chamou nossa atenção. E assim que ousamos dizer alguma coisa, Spike saiu dali, repleto de folhas presas em seu pelo, todo sujo de terra, mas aparentemente bem. E animado.
  Descrever meu alívio naquele instante seria impossível.
  Meu Golden correu em nossa direção e simplesmente começou a pular em nós como se fosse uma festa. Comecei a prometer para ele que de agora em diante ele estaria sempre com uma coleira, porque se desaparecesse pra valer algum dia, eu endoidaria com certeza.
   sorriu, e foi a primeira vez desde o dia da confusão que a vi mudar a expressão facial. Percebi, enquanto a olhava brincar com Spike, o quanto eu havia sentido falta daquele sorriso.
  Sinceramente não sei muito bem, mas acho que esse foi um dos motivos os quais me impulsionaram a começar falar:
  - , sei que muito provavelmente você não quer me ver nem pintado de ouro, mas precisa me ouvir!
  Disse tão rápido que as palavras soaram atropeladas e difíceis de entender mesmo para mim, que as pronunciava, mas aparentemente, esse não foi um problema para a garota dos cabelos coloridos.
  - Quer falar alguma coisa, então fale. Não tem ninguém impedindo você.
  E mesmo que ela não estivesse de fato olhando para mim, ainda assim continuei:
  - Eu fui um idiota.
  - Foi mesmo. – Ela concordou.
  - Eu não devia ter dito nada daquilo, juro que se eu pudesse, jamais teria feito algo que te magoasse depois.
  - Então por que fez, ?
  Sua pergunta acabou me pegando de surpresa.
  - Você sabe o porquê, eu te contei tudo!
  - Você me contou que precisava entrar no time, mas não disse que para isso precisava rebaixar os outros e magoa-los para se fazer de superior e finalmente ser aceito.
  - Mas essa nunca foi minha intenção! – Tentei dizer. – Foi coisa do Andrew e do James, eles...
  - Ah, agora está passando a culpa para eles?
  Eu hesitei por um segundo.
  - Não... A culpa é toda minha.
  Houve um pequeno período de silêncio enquanto soltava um suspiro e fazia carinho na barriga de Spike, ainda sem me olhar, mas já totalmente inexpressiva.
  - É que... – Fiz uma pausa. Incerto se deveria continuar ou não. Contudo, olhando para ela agora, sabia que a garota merecia saber o que pensei em relação a isso logo no começo. – Era minha última chance, a única forma de entrar no time. Eu... Eu sinto muito pelo que fiz.
  - Sente muito, ? – Além da frieza calculada, também havia uma mágoa tremenda em sua voz. – Estava assim tão desesperado por atenção que resolveu inventar coisas sobre mim?
  - Me desculpe, . Eu não quis isso. Foi ideia de Andrew, ele queria se vingar por você não ter dado bola para ele e... – Me interrompi de repente, sabendo que aquele detalhe não mudaria nada. – Isso não importa, mas você precisa saber que eu estou arrependido. Eu juro que...
  - Palavras não mudam nada. – Ela me disse com intensidade. – Eu achava que você fosse diferente, mas depois disso... Você só mostrou ser igual a todos os outros.
  - ...
  - Espero que você ao menos esteja no time. Que tudo o que fez tenha valido de alguma coisa. – Por um mísero segundo ela me olhou nos olhos, quase como se dissesse adeus através deles, e logo em seguida os desviou de volta ao meu cachorro, emendando a frase rapidamente: – Adeus Spike, tente não fugir mais, ok, garotão? Não me deixe preocupada assim de novo.
  Ele choramingou aos seus pés e lambeu sua mão uma última vez antes dela sair correndo e nos deixar ali. Meu Golden soltou alguns murmúrios de tristeza, como se soubesse exatamente o que as palavras dela significavam. Eu me sentei ao lado dele e o acariciei, numa tentativa falha de consolá-lo.
  - Eu sei, Spike, eu sei. – Minha voz não foi mais alta que um murmúrio totalmente desanimado e desiludido. – Sinto muito por isso, de verdade.
  O sentimento de tristeza era mútuo.
  Eu não conseguia acreditar que algo que nem sequer havia começado podia ter chegado tão cedo ao fim. As coisas não podiam simplesmente acabar assim.
  Tinha de haver uma maneira.
  Palavras não mudam nada, foi o que ela disse. Bem, então eu transformaria tudo em atitudes. Se fosse para conseguir seu perdão, eu faria qualquer coisa.

Parte 07

  No dia seguinte a nossa conversa e a minha decisão de continuar tentando, eu passei cada minuto da manhã naquela escola procurando por e seu cabelo colorido. A ansiedade de vê-la era tanta que eu mal conseguia me concentrar nas coisas que aconteciam ao meu redor.
  Foi perto da hora da saída que eu já estava prestes a desistir de encontrá-la, quando avistei uma silhueta familiar, mas ao mesmo tempo totalmente diferente e interrompi meu caminho.
  O cabelo curto na altura do queixo estava completamente castanho, sem sequer um vestígio do rosa, azul ou qualquer outra cor e tom que antes costumava ter. Ela não usava nenhum piercing no nariz, na orelha e nem na boca, fosse esse verdadeiro ou falso. Vestia um jeans totalmente comum e uma blusa completamente apagada, como seu olhar.
  Ela estava sem luz. Se escondendo atrás de uma normalidade que não pertencia a ela. tinha tirado todo o brilho e todas as cores fora. Era como uma completa estranha. Uma estranha sem nome.
  Meu queixo quase foi de encontro ao chão. Josh, que estava ao meu lado, não conseguiu esconder a surpresa em vê-la daquela maneira também. Nos dois estávamos chocados, perplexos, parados no meio do corredor a olhando sem sequer piscar.
  Então me viu, e nós nos encaramos por um segundo, olhos nos olhos. Eu fiz com que ela ficasse assim?
  Não resisti em me aproximar. Mesmo que ela já estivesse pronta para me deixar, eu estava também pronto para detê-la. Não faria igual das duas últimas vezes e a deixaria ir.
  - !
  - Não fale comigo, .
  - Eu vou falar sim, e você vai me ouvir! – Percebi que o silêncio e o olhar feroz dela eram minha deixa.
  Imediatamente me pus a dizer:
  - TODOS VOCÊS, PRESTEM ATENÇÃO! EU INVENTEI AQUILO TUDO! – Falei o mais alto que pude, praticamente aos berros, chamando a atenção de todas as pessoas que consegui, começando, enfim, a colocar todas as cartas na mesa. – Escutaram? Eu inventei todos aqueles malditos boatos sobre ! Sobre a garota de cinco cores no cabelo. Nada era verdade e nem nunca vai ser. Ela é muito mais que simples fofocas.
   cruzou os braços e me encarou estupefata, não acreditando que eu estava realmente gritando no meio do corredor da escola para toda aquela gente que eu não fazia a menor ideia de quem quer que fossem. E mesmo assim, continuei:
  - Eu estava praticamente desesperado para entrar no time, espalhei aquilo porque achei que não tivesse alternativa. – Dei um passo em direção a ela. – Mas não era verdade, a alternativa estava bem ali o tempo todo e eu a ignorei. Podia ter escolhido não ser um idiota e não acabar com a sua imagem, mas não fiz. E eu sinto muito por isso. Não queria que o resultado fosse ver você mudando para ser, não sei, esquecida.
  - Não acha que é tarde demais para isso? – Ela arqueou uma sobrancelha em desafio e eu acabei soltando um riso fraco antes de responder:
  - Pode ser tarde para voltar atrás, mas nunca é tarde para tentar consertar o erro. –Falei. – Se essas pessoas tivessem olhado através da sua aparência intimidadora, teriam visto que tudo não passava de algo que de fato não era real. Perceberiam que cada história esquisita que rolava por aí, não se passava de uma grande mentira.
  Vi a expressão de amolecer um pouco e seus olhos deixarem de ser assim tão duros. Se era bom, então eu deveria continuar.
  - É fácil julgar pessoas sobre quem você não sabe nada. Mais fácil ainda acreditar no que se ouve delas. E talvez tenha sido por isso que tudo virou essa tempestade. Digo, eu realmente achei que você fosse a garota dona da razão, cheia de si, que não ligava para o que alguém pensava sobre você. – Falei. – Imaginei que a atenção nunca lhe incomodaria. Mas agora eu sei que, desde o começo, entendi tudo errado.
  Assim como minha vizinha, que continuava a me olhar com atenção em silêncio, o corredor cheio de alunos permanecia quieto, todos atentos ao que eu dizia.
  - Se vocês tivessem se dado ao trabalho, teriam percebido como aquilo era de longe algo ridículo que só podia ser inventado. Eu magoei uma garota incrível e ainda fiz com que uma escola inteira a visse como uma pessoa que não merece respeito.
  No meio de toda aquela gente, vi então Andrew e James aparecerem por entre as pessoas. O primeiro me olhou confuso, claramente questionando “o que pensa que está fazendo?”, quando decidi de uma vez o que eu devia fazer.
  - E é por isso que não quero fazer parte de mais nada que me faça mentir para que eu seja incluído.
  Andrew caminhou até mim, James ao seu encalço, ambos começando a compreender onde eu finalmente estava querendo chegar.
  - Opa, cara! – Andrew mais uma vez tentou incorporar toda sua pose de superior. – Vamos com calma aí, você não está querendo dizer que...
  - Que foda-se o time? – Eu sorri para ele enquanto dizia. – Sim, é exatamente isso que estou querendo dizer! Foda-se o time e foda-se você também. Para o inferno com todo esse seu ego gigantesco. O mundo não gira ao seu redor.
  Vários arquejos e olhares incrédulos se intercalaram por um segundo até Andrew parecer se recuperar de toda minha sinceridade.
  - Como é?
  - Quer que eu repita o discurso todo? Fique longe de mim, e principalmente, fique longe de !
  Foi a vez dela de me encarar com a boca escancarada. Por um segundo, graças ao babaca do Andrew, quase esqueci que estava no meio de algo muito importante. Algo que não podia ser interrompido. Outra vez, me dirigi a ela ignorando-o completamente:
  - Sei que já disse isso quase um milhão de vezes, mas, por favor, me perdoa pelo que fiz. – Num ato muito vagaroso e totalmente hesitante, andei até ela. – , você é tudo no que eu consigo pensar. Desde aquela tarde na piscina, você vem estado presente em cada pensamento meu. E então toda essa merda aconteceu. E então venho me questiono em como você se sente sobre mim, porque claramente não sou bom em concluir nada sozinho.
  - ...
  - Eu estou atrasado em te dizer tudo isso agora? – A interrompi, incapaz de poder parar. – Juro que estou muito confuso agora com toda essa situação, isso mexeu demais com todos os meus sentimentos. Mas afirmo a você que não é só por causa dessa babaquice toda dos últimos dias que estou praticamente implorando para que você me perdoe, e sim porque estou apaixonado por você. Por isso não posso deixá-la ir assim tão fácil. Quem quer insiste em ficar, não é?
  Várias pessoas puxaram o ar com força pela boca e encararam a cena se acreditar. Inclusive , que parecia (finalmente!) sem palavras. Totalmente surpresa e imersa em pensamentos que a levavam para algum lugar bem distante de onde na verdade estava. Eu jamais conseguiria descobrir o que ela estava pensando naquele instante.
  - Isso é algum tipo de piada? – Novamente Andrew decidiu que era um bom momento para me interromper. Aquilo estava começando a me irritar.
  - Tem alguém aqui rindo, por caso? – Devolvi sem um pingo de vontade de prolongar meu diálogo com ele.
  O cara assumiu a expressão de raiva e deixou que ela o tomasse por completo, tencionando seus músculos e me encarando com o mais puro ódio que tive o desprazer de presenciar.
  - Ótimo, , já entendi seu recado. Saia do time, não precisamos de você. – Eu o encarei por mais um segundo antes de virar as costas para ele, pouco ligando para o que dizia. – Não sabe como está sendo idiota por fazer isso. Tem noção do número de pessoas que fariam até mais do que você fez para fazer parte disso tudo? Mas foda-se, não é mesmo? Fique então com a vadia.
  A frase foi absorvida bem lentamente por meu cérebro.
  Sei que o insulto não foi direcionado a mim, mas naquele momento, eu estava pouco me importando com isso. A expressão de ofensa e mágoa que fez foi o suficiente para eu me virar de novo para Andrew e então lhe acertar um soco bem no rosto.
  Em seguida tudo aconteceu tão rápido que só mais tarde, depois do calor do momento, que eu pude compreender quão longe as coisas tinham chegado.

***

  Não era possível escutar nada mais que os incansáveis gritos de “briga!, briga!, briga!” e ver um amontoado de gente em cima de Andrew e eu enquanto nós nos agredíamos fisicamente com várias tentativas de socos, cotoveladas e etc. A gravação estava tão ruim que chegava a deixar tonto quem a assistia, porque era difícil focar em alguma coisa com tantos movimentos juntos.
  A senhora Nichols então pausou o vídeo, provavelmente imaginando que para dois caras de olhos inchados e doloridos, aquilo não estava ajudando muito em nossa “recuperação”. Por fim nos encarou totalmente desgostosa. Possivelmente com raiva, porque batia o pé no chão tantas vezes seguidas, que até parecia um tique nervoso.
  - Precisava mesmo disso tudo? – Ela perguntou. – Quantos anos vocês dois têm para fazer isso?
  Eu ajeitei a bolsa de gelo na lateral do meu rosto e me recusei a olhar para Andrew e seu corte no supercílio.
  Era a segunda vez que ela pedia que contássemos a história, como se quisesse que nos sentíssemos arrependidos.
  Se ela esperava mesmo que eu fosse pedir desculpas a ele mesmo depois de ter chamado de vadia, então todos poderíamos pegar sacos de dormir e acampar ali mesmo pelos próximos meses, porque eu não pediria nada.
  Sim, claro que precisava daquilo tudo! Ela ainda tinha dúvidas daquilo? Eu não ia deixar que Andrew continuasse a fazer a vida de um inferno, por que se não fosse por ele e a história de “provações” para entrar na porra do time, ela estaria lá, feliz, com o cabelo todo cheio de cor e ela toda cheia de vida, muito diferente do que estava hoje.
  - Vocês deviam se envergonhar por esse comportamento! – A diretora voltou a falar para nós. – Acham bonito dois marmanjos desse tamanho, saírem aos socos e pontapés no meio do corredor da minha escola? E por quê? Por causa de uma garota?! Façam-me o favor, isso aqui não é filme de drama, não! Têm noção de quantas histórias ouvi dos alunos sobre esse último ocorrido? Nem parece que têm maturidade.
  Imaginei que essa fosse a deixa para ficar quieto e fazer cara de cão sem dono, mas Andrew começou a falar tão rápido sobre o que achava da história toda, que mais parecia um narrador de futebol em minuto final do segundo tempo em Copa do Mundo. Eu mal conseguia entender o que ele dizia, só podia capitar partes essenciais como “aquela garota estúpida” ou “culpa dela isso tudo” e ainda “não fiz nada de errado, o culpado aí é ele”.
  Então decidi me intrometer e falar junto dele também, afinal, ninguém ali era inocente. Mas caramba, ele querer dizer que não tinha feito nada era o cúmulo do absurdo!
  - Chega vocês dois! – A diretora deixou uma pilha de livros cair sobre a mesa, fazendo aquele barulho ridiculamente alto e forte que ecoou por todo o ambiente, nos calando. – Pensam que eu estou de brincadeira aqui?
  Ela estava tão vermelha que parecia que ia explodir. Achei mais seguro então me manter em silêncio.
  - Os dois estão suspensos! – Ela decidiu, tão firme quanto uma juíza no tribunal. Andrew soltou uma espécie de grito misturado com um gemido. – Não querem resolver seus problemas, então não resolvam! Mas também não transformem minha escola num ringue de luta livre, entenderam?
  - Mas se eu for suspenso perco o cargo no time! E eu sou capitão! – Andrew berrou e se levantou de repente, sentindo-se totalmente injustiçado.
  - E acha que eu não sei disso, senhor Diaz? – A diretora o encarou, arqueando uma sobrancelha. – Fiquem longe um do outro. E quando digo longe, me refiro a vários e vários metros de distância. Se eu sequer vê-los trocando olhares e achar que estão se desentendendo, vão ganhar algo ainda pior que a suspensão.
  - Mas...
  - E repassem esse recado para o senhor James Pryor e para a senhorita também. – Senhora Nichols continuou sem deixar que Andrew a interrompesse. – Eles podem não estar aqui agora, mas sei que estavam bem envolvidos nisso tudo. Estamos todos entendidos? Fui clara o suficiente?
  Eu concordei totalmente calado enquanto esperava Andrew terminar seu chilique. Impressionante como aquele cara não conseguia parar de falar como uma criança mimada mesmo estando com o rosto todo machucado e já ferrado o suficiente para um dia.
  Ele continuou ali por mais um tempo até que a diretora, de saco cheio, o mandou ficar quieto, e, para ser bem direto, praticamente nos mandou cair fora da escola dela pelos próximos três dias.
  Quando saímos da sala dela depois do que pareceram ser intermináveis horas, apesar de estar todo dolorido e já imaginando a bronca iminente que eu receberia tanto da minha mãe, quanto do meu pai, não tive dúvidas de que havia feito a coisa certa.
estava sentada na cadeira do lado de fora da sala me esperando. Josh estava lá com ela e James também. Esse último preferiu me dirigir um olhar ameaçador uma última vez antes de seguir com o amigo para o estacionamento. Era óbvio que esse não era o fim dessa tão nova rixa.
  - Cara, como foi lá? – Josh se pronunciou primeiro.
  - Ah, fui suspenso. Mas aparentemente está tudo ok. – Respondi.
  Ele pareceu um pouco aliviado, porque afinal, não era uma expulsão. Então meu amigo trocou alguns olhares entre eu e minha vizinha, que ainda permanecia em silêncio no seu canto, e colocou a mão no meu ombro.
  - Falo com você depois, ok? – Eu assenti e o vi sair dali e me deixar a sós com .
  Só depois de estarmos realmente sozinhos que ela se levantou e veio até mim.
  - Foi suspenso?
  - Fui sim. – Falei. – Só que podia ser pior, não é? Eu podia ter sido expulso ou então ter sido instruído a fazer trabalhos aqui dentro da escola, como limpar todos os banheiros e desentupir as privadas e pias.
  A ex-garota dos cabelos coloridos soltou uma risada baixa. Me permiti sorrir também para acompanha-la, mas nenhum dos gestos durou muito. Logo nós dois já estávamos sérios de novo, até que ela soltou um suspiro e me olhou.
  - Obrigada por me defender do que Andrew falou. E por ter, você sabe, falado a verdade para toda aquela gente. – Eu dei de ombros.
  - Fiz a coisa certa. Não ia deixar você ficar levando uma fama que não tem. Muito menos deixar um canalha como Andrew te chamar de coisas que você não é.
  Imaginei que ela fosse simplesmente agradecer mais uma vez e ir embora, mas fez uma coisa que me surpreendeu além do normal. Ela me abraçou. Jogou seus braços sobre meus ombros e juntou nossos corpos num aperto confortável que fez meu coração acelerar e quase perder uma batida.
  Acabei soltando um gemido de dor, porque ela esbarrou em um dos vários machucados recém-adquiridos meus, e por isso o contato não foi muito longo, logo ela se afastou.
  - Me desculpa, não queria te machucar!
  - Tá tudo bem, daqui a pouco passa. – Acabei rindo um pouco, mas não fui acompanhado por ela.
  Talvez ela tenha percebido meu leve desconforto e por isso tentou mudar o foco da conversa:
  - Quer dizer então que você saiu mesmo do time?
  - Sim. – Falei. – Aquilo não ia acrescentar nada na minha vida, sabe?
  - Mas e a reaproximação com seu pai que estava planejando e tudo mais? – Ela perguntou um tanto cautelosa.
  - Acho que eu posso achar alguma outra coisa para compartilharmos.
  Era verdade. Com tantas coisas para se fazer por aí, eu acharia alguma que o deixaria feliz e orgulhoso. Algum dia. Definitivamente, esse não era um problema. Eu daria um jeito, mais cedo ou mais tarde.
  - Sabe que Andrew e James não vão deixar nada por isso mesmo, certo?
  Não, eles não deixariam. Uma hora ou outra eles dariam um jeito de se vingar e fariam isso com o maior prazer. Era tão óbvio que até ela, que não estava aqui a sequer um mês, já tinha percebido isso.
  - Sei, mas sinceramente eu não me importo. – Respondi despreocupado. – Eles que venham. Se precisar, vou fazer tudo de novo.
  Achei que ela fosse falar mais alguma coisa, mas aparentemente preferiu ficar me encarando por um tempo, observando todos os meus machucados pelo rosto e pensar no que eu havia lhe respondido. Comecei a ficar constrangido com o silêncio e também com a maneira que ela prendia seus olhos em mim e por fim acabei desviando toda minha atenção para meus pés, esperando pelo momento que ela diria ou faria algo.
  - O que você disse era verdade, ?
  Fechei os olhos com força e soltei um longo suspiro. Ela ainda tinha dúvidas de alguma coisa?
  - Foi sim tudo verdade. – Confirmei. – Desde a parte em que disse que me sinto um babaca pelo a que fiz até a parte em que disse que estou apaixonado por você.
  Ela fez menção de dizer algo, mas a interrompi antes que isso acontecesse. Ela precisava perceber que eu estava sendo totalmente sincero no que falava.
  - Olha, eu realmente falei sério quando disse que você não sai da minha cabeça. Aquele dia quando você falou que eu era diferente e que definitivamente era algo bom, tudo mudou. – Continuei. – Acho que foi a forma como você me olhou, não sei, mas eu soube que eu gostava de você.
  - Você está dizendo qu...
  - Estou dizendo que naquela tarde, quando você estava lá a apenas um batimento cardíaco de distância e olhou para mim, eu soube que devia ter pegado a chance e te beijado. – Repeti. – Mesmo que eu estivesse segurando aquele esfregão horroroso e Spike estivesse bem entre a gente, eu devia ter tomado uma atitude, mas fiquei lá parado vendo você ir embora com aquele sorrisinho no rosto. E aí cheguei a escola depois pronto para dizer tudo isso, mas você me interrompeu perguntando se eu estava enjoado, porque muito provavelmente eu estava verde de medo e receio, e, de novo fiquei sem fazer nada.
  Ela acabou rindo abertamente, como se realmente fosse engraçado ouvir eu contando todas as minhas frustrações, mas continuou ali, bem na minha frente sem dizer uma palavra, dando a entender que queria me ouvir falar ainda mais.
  - Sério. – Arrisquei continuar. – Se eu pudesse repetir, eu nunca teria deixado você ir.
  O sorriso antes formado por sua risada, foi gradualmente crescendo em seu rosto até alcançar seus olhos. Eu podia jurar que havia um brilho novo neles, porém corria seriamente o risco de estar vendo coisas por causa do latejar intenso na minha cabeça.
  - Então não me deixe. – Ela falou. – Não me deixe ir.
  Me cérebro, lento, demorou a compreender o que ela dizia. Devo ter ficado a com cara de quem não acredita no que ouve, porque ela cruzou os braços e falou:
  - Vai ficar aí parado me olhando assim ou vai fazer alguma coisa?
  - O que quer dizer?
  - Sério, . – Ela disse com ar sarcástico. – Às vezes acho que Spike é mais inteligente que você.
  Eu continuei completamente parado, sabendo perfeitamente onde ela queria chegar, mas não resisti a vontade de me fazer de idiota e fingir que não entendia nada apenas para vê-la irritada.
   revirou os olhos, mas não desistiu de explicar:
  - Olha só, eu te perdoo. Mas se você continuar aí me encarando com essa cara de sonso sem fazer absolutamente nada, eu juro por todas as coisas do mundo que eu vou virar as costas, sair andando e voc...
  E finalmente, depois de tantos problemas, de tantas confusões e situações totalmente ruins e esquisitas, eu pude finalmente sentir seus lábios sobre os meus. Eu queria dizer que o beijo a surpreendeu como gostaria que tivesse sido, mas sinceramente acho que ela estava esperando que eu fizesse isso o tempo todo.
  - Se eu soubesse que isso ia ser tão bom, já teria feito há muito tempo. – Acabei falando depois que nos distanciamos.
  Minha vizinha sorriu, passou a mão por meu rosto levemente e comentou:
  - E devia mesmo ter feito antes. – Ela falou petulante quando se inclinou para mim de novo. – Mas afinal, você mostrou realmente querer ficar, não é?
  Eu arqueei uma sobrancelha e ergui um dos cantos da boca.
  - Quer dizer que então estamos juntos?
  - Não sei, estamos?
  - Bom, eu espero que sim. – Falei. – Se não for por mim, então pelo menos por Spike. Ele já não consegue ficar longe de você.
   gargalhou, seus olhos ainda nos meus.
  - Igual o dono dele? – Ela me provocou.
  - É, mais ou menos isso mesmo.
  - Então é bom fazermos um acordo. – começou. – Sem mais mentiras, boatos ou qualquer outra coisa do gênero. Se acontecer, não haverá segundas chances.
  - Prometo. – Respondi. – Mas você também precisa prometer que vai voltar ao que era antes.
  - Como assim?
  - Suas roupas. Eu adorava elas! E aquele piercing que não era piercing de verdade. E seu cabelo. Está lindo assim, mas você não parece a mesma sem as cores nele.
  - Tudo bem, prometo. – Ela falou sem pensar muito de fato. – Admito que prefiro ele colorido. Até deixo escolher a cor, se quiser.
  Passei a mão por seus cabelos, ou o que sobrava deles, e acabei soltando uma gargalhada por perceber a pressa dela de voltar ao diferente de sempre.
  Parecia que finalmente as coisas começavam a se encaixar. De uma forma estranha só para não perder o costume, mas era o que parecia. Só que talvez, só talvez, fosse cedo demais para dizer qualquer coisa. Quem saberia o que podia vir logo em seguida? É, a vida tem dessas. Que bela confusão nós fizemos desde o começo.
  - Então estamos de acordo, ?
  - É bom fazer valer a pena o meu perdão, .
  - Pode acreditar, vai valer cada segundo.

Fim



Comentários da autora


Olááá! Espero que tenham gostado de mais essa história, inspirada na música 5 Colours in Her Hair - McFly, especialmente para a minha amiga secreta (e também autora maravilhosa daqui) Belle Rangel! Tomara que tenha te agradado, viu? Amei ter tirado você! Haha
Quem quiser deixar um comentário, fique a vontade! Vou adorar saber a opinião de todos!
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Beijos e até a próxima :)