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#001 Temporada

Uptown Girl
Billy Joel




Uptown Girl

Escrita por Gaby Pingituro | Revisada por Songfics

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“I’m gonna try for an uptown girl
[…]
She’s got a choice”

Parte 1

  Era engraçado como as coisas funcionavam. Enquanto estava em seu quarto, enrolada em suas cobertas lendo um romance qualquer pelo que pareciam ser horas e mais horas, ela estava feliz. Entretanto, bastava seu despertador tocar para que sua tranquilidade desaparecesse e desse lugar a uma plena sensação de vazio.
  No café da manhã, sentada à grande mesa da sala de jantar com sua família, ela tentava não parecer entediada enquanto comia. Era sempre a mesma coisa, uma rotina constante que já durava anos e não sofria nunca uma alteração sequer.
  Seu pai lia o jornal sentado a uma das extremidades, aparentemente alheio a todo o resto. Sua mãe estava em uma das laterais próxima a ele, sentada perfeitamente ereta, enquanto comia mais um pãozinho e recitava as últimas fofocas que ouvira desde a noite anterior. estava de frente para ela, remexendo com uma colher sua intocada salada de frutas, esperando que sua mãe continuasse com o monólogo e não prestasse atenção nela.
  Empregados passavam por trás deles o tempo todo, servindo mais chá ou café, entregando correspondências, avisando sobre compromissos importantes ou qualquer informação relacionada à profissão de seus pais, coisa que ela preferia nem saber. Política. Tudo naquela casa era cercado e envolto de camadas e mais camadas de um mesmo assunto. A vida de poderia se resumir a isso.
  Nunca foi a escola. Tivera sido educada em casa por tutores, porque estava sempre de um lado para o outro com seus pais, viajando para lugares que nem sequer sabia da existência. Nunca teve amizades fixas, pois na maioria das vezes, as pessoas ligavam mais para o que ela tinha, ao que de fato era. Não tinha permissão de sair de casa desacompanhada ou fazer qualquer coisa sozinha, e, mesmo os empregados, pessoas com quem ela tinha contato sempre direto, não permaneciam muito tempo com seus cargos para que ela criasse algum tipo de vínculo.
  Ela nunca teve o privilégio de viver as coisas mais simples da vida: uma festa que durou a noite inteira, uma excursão inesquecível com os colegas de classe, o baile do colégio, uma paixãozinha pelo garoto da rua de trás ou mesmo a cerimônia de formatura. Quando terminou os estudos a única coisa que recebeu foi um certificado com seu nome e um sorriso de seu pai.
  Tudo o que fez durante seus quase vinte anos de existência, não foi nada além daquilo que seus pais julgaram ser bom para ela, e claro, para os resultados que tudo aquilo traria mais tarde.
  Contudo, também não era como se odiasse a vida que levava. Só achava que algumas coisas poderiam ser diferentes. Toda aquela obsessão por imagem a tirava do sério. Toda a superproteção a deixava maluca. O que havia de errado em sair sozinha e conhecer pessoas? Deixar que tudo acontecesse dentro do seu próprio tempo sem a ajuda de um script? Bom, se realmente havia algo errado, sua mãe nunca lhe contou.
   tomou mais um gole do seu suco de laranja e logo começou a pensar em alguma desculpa para poder sair de casa naquele dia, quando alguém se pronunciou antes dela:
  - Espero que não tenha se esquecido, , que o evento de caridade de amanhã começa às sete da noite. – Sua mãe avisou empolgada. Qualquer festa onde ela pudesse exibir a filha se tornava quase como o evento do ano. – Robert vai leva-la ao shopping para comprar um vestido novo hoje, para que amanhã você possa ir ao salão fazer cabelo, maquiagem e tudo o que mais quiser.
  A garota revirou os olhos. Não via necessidade em sair para se arrumar ou comprar roupas novas se ela poderia se maquiar e fazer o cabelo em casa e ainda usar alguma roupa nova perdida dentro do seu guarda-roupa. Mas mesmo que não concordasse, essa era ainda a desculpa perfeita, como sempre, para fugir da realidade que ela não gostava nem um pouco.
  - Como quiser, mãe. – respondeu sem se preocupar em fingir interesse.
  - Esse evento vai ser muito bom para você, filha. – Disse seu pai, não tirando o olhar do jornal em sua mão. – Muitos homens influentes vão comparecer. Tenho certeza que você poderia se interessar por algum deles. Seria perfeito.
   quis se esconder debaixo da mesa e colocar cera nos ouvidos para não precisar ouvir mais nada. Estava tão cheia daquela história!
  - Seu pai tem razão. – Continuou a mãe, abrindo um sorriso cúmplice para seu marido. – Sabe, os filhos dos Zummach vão estar lá. Todos já têm carreiras promissoras na política. Você poderia se dar bem com algum deles. A senhora Zummach, da última vez que nos falamos, disse que eles estavam solteiros.
  - Não estou interessada. – A garota disse o mais rápido que conseguiu.
  Em pleno século XXI e eles ainda achavam que ela namoraria alguém apenas por status e dinheiro.
  A garota sabia que muita gente fazia exatamente isso, por bem ou por mal, preferiam uma vida cheia de regalias a uma vida cheia de felicidade plena. às vezes desconfiava que o relacionamento de seus pais era assim. E por isso que sonhava alto em relação a si mesma.
  Uma pena seus pais não enxergarem tudo da mesma maneira que ela.
  - E por que não, ? Não pode ficar solteira pelo o resto da vida!
  - Mãe, não vou namorar ninguém pela quantidade de dinheiro que tem ou pelo cargo que possui dentro de algum partido qualquer só para ter uma vida bem falada com um armário cheio de roupas e sapatos de madame como você quer.
  A mulher pareceu ofendida. Até mesmo seu pai pareceu surpreso. Sua mãe levou a mão até o peito e interrompeu o caminho que fazia com a xícara de chá até a boca.
   - Que absurdo, ! – Ela exclamou mais alto. – Eu nunca disse isso.
  - Mas insinuou, como sempre. – A garota respondeu, se levantando sem pedir licença. – Não é assim que quero meu futuro.
  - Não quer ter uma boa vida?
  - Não, não quero ter dinheiro e imagem como prioridades.
  Por um momento, toda a atenção da sala estava voltada para a discussão das duas. Até mesmo os empregados, que deviam sempre agir da forma mais discreta possível, não conseguiram disfarçar a situação desconfortável qual presenciavam. Mãe e filha se encaravam sem piscar com olhares nada carinhosos.
  - Acha que somos tão superficiais assim?
  - Olhe ao redor, mãe. O que será que acho?
  - ... – Seu pai a advertiu, o timbre em sua voz perigosamente sério.
  - Pai, como que...
  - Você tem que nos obedecer! – A mãe a interrompeu de súbito. - Somos seus pais, sabemos o que é melhor para seu futuro. E, se dizemos que você vai fazer alguma ou coisa, então você vai fazer. Não interessa o que seja.
  A garota fez menção se dizer algo, mas seu pai foi mais rápido que ela:
  - Ouça sua mãe, . Ela está certa. – Insistiu ele. – Você vai acabar concordando daqui a um tempo. Mas, enquanto não fizer isso, vai fazer o que mandarmos.
  - Não vou, não. – respondeu, apertando os punhos contra seu quadril. – Posso decidir o que fazer comigo mesmo! Eu não quero ir amanhã!
  - Está agindo como uma mimada.
  - E não foi exatamente desse jeito que vocês me criaram?
  Ambos a encararam perplexos.
  Ela fechou os olhos com força em seguida. Acabara de dizer coisas que não devia, e apesar de querer se sentir minimamente arrependida por tais palavras, não conseguia. Era como se tivesse tirado uma tonelada das costas. Mas soube, assim que viu a expressão de sua mãe, que ela estava por um tris.
  - Esta conversa está encerrada. – A mulher disse entredentes, se esforçando para manter o mesmo tom de voz. – Você vai subir, se arrumar e Robert vai leva-la ao shopping. Vai comprar sapatos novos, um vestido que impressione para amanhã e não vai reclamar nem uma vez sobre isso. Senão...
  A frase se prolongou no ar. Qualquer que fosse a ameaça implícita, não foi dita.
  - Estamos entendidas?
   mordeu a língua antes de responder contra a vontade:
  - Sim, mãe.
  A voz da garota não passou de um sussurro.
  O silêncio voltou a reinar enquanto ela subiu para seu quarto o mais rápido que pode. Sua mãe nunca entenderia como aquelas ideias a deixavam louca, seu pai nunca saberia o quanto ela odiava ser forçada a fazer coisas que não concordava, ambos nunca compreenderiam como os planos deles nunca se encaixaria nos planos dela.    
  Porém, se ela dissesse o porquê, aí sim eles nunca, jamais aceitariam.
   sentia como se estivesse literalmente vivendo o ditado “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Presa entre dois caminhos distintos, mas ambos com grandes consequências: fazer o que seus pais queriam ou o que ela desejava.
  Ela precisava escolher logo o que fazer. Cedo ou tarde, ela teria que escolher. E seu tempo, infelizmente, estava chegando ao fim.

+++

   se olhou no espelho mais uma vez e respirou fundo antes de sair do quarto e ir direto para a garagem, onde Robert, um dos motoristas da família (e talvez seu único amigo ali), a esperava já fazia alguns minutos.
  Quando a viu, o homem logo tratou de abrir a porta traseira do carro. Ele esperou que ela entrasse devidamente, só para então seguir até o banco do motorista e sair da casa rumo ao shopping, onde os pais dela disseram que ela deveria ir. Ou melhor, rumo ao local para onde os pais dela achavam que ela iria.
  - Você está bem, senhorita? – O motorista a olhou pelo espelho retrovisor assim que viraram a esquina, preocupado com a postura triste que ela transmitia.
  - Estou sim, Robert.
  - Tem certeza? – Ele insistiu. – Eu ouvi a discussão.
   pareceu subitamente mais interessada em analisar suas próprias unhas.
  Ela confiava em Robert, sabia que podia contar qualquer coisa a ele. O tinha como alguém muito próximo a si, como se o homem fizesse parte de sua família. Coisa que não era verdade, mas que se dependesse dela seria, pois aquele homem, o mero motorista contratado por seus pais, foi um dos únicos que esteve presente desde sua infância, que muitas vezes cuidava e se importava com ela bem mais que as pessoas que faziam parte sua própria família de fato.
   olhou pelo vidro com melancolia. Ela estava chateada com seus pais, com a forma antiquada com a qual eles estavam lidando com sua vida pessoal. Ela era uma romântica incorrigível, não era justo que eles quisessem controlar até mesmo o que ela fosse sentir por cada pessoa que cruzasse seu caminho. Era como se eles estivessem dizendo “Olha só, filha! Está vendo aquele homem ali no canto de terno, gravata segurando uma taça de champanhe? Pois é, ele pode ser um bom namorado pra você, a fortuna dele é bem grande. Vai lá e fica com ele!”.
  Era ridículo, simplesmente ridículo!
  - Eu só... – Ela soltou o ar com força, tentando acalmar seus pensamentos que momentaneamente haviam se tornado mais turbulentos. – Queria que eles pensassem diferente.
  - Você podia tentar se abrir com eles, senhorita. – Mas sabia que não era assim tão fácil.
  - Eles não aceitariam, Robert. Você os conhece bem o bastante para entender que eles nunca concordariam.
  O motorista ficou em silêncio. Não tinha mais o que dizer. Ele concordava com a garota, entendia o medo dela. Mas ele não podia fazer muito mais além de aconselha-la a fazer o que era certo. não era sangue do seu sangue, mas vê-la assim, abatida, era como ver seu próprio filho triste sem poder fazer nada para mudar a situação.
  Ele só esperava que houvesse uma reviravolta para aquela história. Ele torcia para isso. E faria o que pudesse para que isso acontecesse.
  - Vai vê-lo hoje, senhorita? – Robert perguntou a ela depois de um tempo, prestes a encostar o carro ao meio fio.
  - Sim, por favor, Robert! – sorriu minimamente e começou a se animar conforme o tão esperado lugar se aproximava.
  O motorista se sentiu um pouco melhor ao ver tirar o semblante sério do rosto.
  - Tudo bem, sabe das regras, certo? – Ela assentiu, mas o homem, competente como era, começou a recitar de novo, como das outras vezes: - Quando tiver terminado me mande uma mensagem e fique esperando na calçada. Vou comprar o vestido e o sapato. Se quando voltar sua mãe já estiver em casa, a senhorita só precisa dizer que demorou tanto nas compras porque estava em dúvida dentre qual modelo agradaria mais.
   riu baixinho.
  - Ela vai gostar de ouvir isso. – Comentou a garota. – Se eu acrescentar ainda que “não podia pegar qualquer coisa” ela vai ficar ainda mais convencida.
  Robert tentou esconder o riso.
  - Tenho certeza que sim, senhorita.
  Ela riu um pouco, de verdade, pela primeira vez no dia e desceu do carro apressada. Correu direto para a mecânica, seu refúgio de (quase) todos os dias, e quando o viu, todo sujo de graxa, com ferramentas quase caindo dos seus bolsos e o olhar analítico sobre o carro, jurou nunca tê-lo visto mais lindo. Foi como se todas as coisas ruins desaparecessem. Ela não queria mais nada.

Parte 2

   observava o carro velho, caindo aos pedaços com o capô levantado a sua frente e tinha quase certeza que não adiantaria fazer mais nada ali. Ele adorava uma lata velha, mas aquela em questão não tinha mais salvação. Nem mesmo se tirassem todas suas peças e as substituísse por novas ele voltaria a ficar bom.
  Estava pensando em como diria ao dono daquele carro que o único destino dele depois dali seria o ferro velho ou um desmanche, quando ele a viu. Seus pensamentos começaram a se confundir, o mundo pareceu parar.
  Lá vinha ela, sua garota classe alta.
   caminhava com tanta confiança pelo chão de cimento batido com aqueles saltos que tinha dificuldade de acreditar que alguém como ela, sendo do jeito que é, podia ter escolhido alguém como ele, todo desleixado e nem um pouco elegante, para namorar por tanto tempo.
  Ele acreditava ser terrivelmente sortudo.
  Tentou rapidamente limpar o suor do rosto com as costas da mão, mas temeu ter sujado ainda mais sua face com a graxa distribuída por toda sua roupa. Passou a mão pelo cabelo e desejou ter tido tempo de passar água sobre ele para diminuir a sujeira. Contudo, não pareceu se importar se estava ou não apresentável para ela. Assim que atingiu uma distância menor de 20 cm dele, ficou na ponta dos pés e o beijou como quem não o fazia há dias.
   sorriu e quase não se conteve em passar o braço pela cintura dela e suja-la toda com uma mistura nada agradável de suor, óleo, graxa e outros resíduos de carros. Ainda assim, não queria saber de detalhes pequenos do tipo, pois embrenhou seus dedos finos por entre o cabelo dele e o manteve o mais perto de si que podia.
  - Assim você vai ficar toda suja!
  - Acha que me importo com isso? – Ela devolveu com um sorriso ainda maior. – Não ligo para uma sujeirinha ou outra, estava com saudade de você!
  - Eu também, meu amor, na verdade ainda estou.
  - Pra resolver isso é só chegar um pouquinho mais perto.
  Ela o olhou sugestivamente, arqueando uma sobrancelha e levantando um dos cantos da boca com malícia. Se ela estava brincando ou não, não sabia, mas esperava por uma resposta. Infelizmente tudo o que ele conseguiu falar foi uma ou outra sílaba perdida que não chegaram a formar uma palavra sequer.
  O garoto queria dizer algo, só que, como sempre acontecia quando estava com o olhando daquela maneira, as palavras perdiam-se em sua boca e confundiam-se sua mente. sentia-se um pateta por isso.
  Ela, entretanto, costumava achar graça de quando seu namorado se atrapalhava, e para compensar todo o constrangimento que ela sabia que ele sentia, o beijava exatamente da mesma forma que fizera agora. A garota só se esqueceu, diga-se de passagem, de todas as outras pessoas que estavam ali os observando.
  - Cara, será vocês podem deixar para se agarrar depois?
  - Quase todo dia é a mesma coisa!
   se afastou e riu, suas bochechas coraram pelos comentários feitos pelos colegas de .
  - Intrometidos – Reclamou o garoto, mas não estava bravo de fato.
  - Ih, já vai começar a reclamar, cara?
  - Mas ainda nem é meio dia pra isso!
  - Vamos, vamos, garotos. – Se apressou Steven, tio de e dono da mecânica. – Voltem ao trabalho, tem muita coisa ainda a ser feita.
  Os dois rapazes se cutucaram, ainda provocando de longe, mas seguiram o que o velho tinha pedido e sem demora já se concentravam mais uma vez em seus próprios afazeres. Mais tarde poderiam fazer piadinhas sobre o casal.
  Steven caminhou até o garoto e a garota, balançando a cabeça de um lado para o outro como se achasse graça das brincadeiras. Seu macacão cinza também estava sujo, mas não tanto quanto o do sobrinho. O homem de cabelos grisalhos e sorriso caloroso não andava muito bem ultimamente, e por isso passara os últimos dias o mais longe possível do trabalho pesado, esse que infelizmente, ele não podia e nem queria evitar por completo.
  - Achei que tinha desistido da gente aqui, menina. – Steven disse quando abraçou brevemente .
  - Nossa, quanta fé em mim, sr. Wilson. – Ela respondeu em tom de brincadeira.
  - É verdade! Esse garoto aí só estava faltando me enlouquecer.
  - Tio...
  - Cada dia que ele não te via, era um discurso diferente!
  - Ah, é mesmo? – Ela se virou sorrindo para , que outra vez se mostrava envergonhado.
  - Acredita que na terça feira ele ficou tocando piano até quase de madrugada só porque você estava ensinando ele? Não sei, não, mas acho que ele já decorou todas aquelas partituras.
   sentiu algo se aquecer dentro dela quando olhou de Steven para .
  - É sério?
  - Ah, menina, você não sabe nem metade! – Exclamou o homem.
  - Na verdade...
  - Shh! – Ela cutucou quando percebeu que ele estava tentando calar Steven. - Deixa seu tio falar! Quero saber das coisas que você não me conta.
  - Por que é tão curiosa? – reclamou e repetiu a pergunta, imitando a voz de seu namorado.
  Steven riu da pequena discussão dos dois e não disse mais nada. Ele gostava de vê-los juntos, acreditava fielmente que era a melhor pessoa que poderia ter entrado na vida de , principalmente depois de tudo que aconteceu nos últimos anos com seu garoto antes dela aparecer. Ela era o brilho nos olhos do sobrinho, algo como um milagre, definitivamente.
  Depois de um momento de pequenas provocações entre os dois, ela resolveu partir para ao que realmente interessava:
  - Ainda falta muito para seu almoço?
   pensou em falar que não, porém olhou novamente para a catástrofe do carro que ele ainda precisava dar um jeito e acabou fazendo uma careta.
  - É, bem...
  - Te dou a tarde de folga. – Steven interrompeu o sobrinho.
  - Como?
  - É isso mesmo, garoto. – O homem riu da cara de surpresa do outro. – Eu cubro seu serviço por hoje.
  - Mas tio, você não pod...
  - Oras, está querendo dizer o que eu posso ou não fazer? – O tom era de brincadeira, mas Steven o olhou sério.
  - Vamos lá, ! – segurou seu braço. – Não é como se você pudesse prendê-lo em uma cadeira e impedi-lo de trabalhar. Se seu tio falou, então está falado!
  O garoto hesitou por um segundo. Não queria deixar seu tio na mão ou fazendo mais coisa que o necessário, mas queria um tempo só com sua namorada também.
  - Escute sua garota. – O tio insistiu mais uma vez.
  Com um suspiro acompanhado de um sorriso contido, o garoto segurou a mão de e agradeceu Steven com um aceno de cabeça enquanto deixava o loca pelo resto do dia, decidido a passar as próximas horas com ela o mais distante possível de qualquer lugar que os distraísse.

+++

  - Quais os planos para hoje? – perguntou a logo depois de sair do banheiro devidamente limpo e de roupas trocadas, como já há muito gostaria de estar especialmente para ela.
  - Bem, até onde meus pais sabem, estarei no shopping o dia todo. Robert está me dando cobertura. – Ela deu de ombros, fingindo não se importar. – Então imagino que podemos fazer o que quisermos até umas seis ou sete da noite.
  O garoto riu, divertido pela animação dela.
  - Qual o motivo das compras dessa vez?
  O sorriso de vacilou por um segundo, porém, ela conseguiu segurar bem suas emoções e ir pelo caminho mais seguro:
  - Ah, só mais um evento qualquer... – Ela começou dizendo. – Meus pais estão empolgados, aquela coisa de sempre. O que importa é o que nós vamos fazer hoje!
   notou que sua explicação parecia bastante vaga, mas não quis força-la a dizer o que não queria. Sabia que se ela não estava se sentindo confortável em falar, coisa boa não deveria ser. Contudo, entre deixa-la triste e fazê-la contar ou deixa-la feliz e tira-la dali para algo bem divertido, definitivamente ele escolheria a segunda opção.
  - Que tal uma volta pelo centro?
  - Sabe que eu amo uma volta pelo centro. – Ela concordou, abrindo um sorriso cada vez mais. – Ainda mais se for com o meu garoto do centro.
   passou seu braço pelos ombros dela e beijou seu rosto.
  - Então está decidido. – O namorado de assentiu, se sentindo levemente melhor. se aproximou dela ainda mais e a enlaçou pela cintura. – Começamos almoçando no seu lugar preferido, depois podemos ir ao cinema assistir um filme bem cheio de drama para que a gente possa se divertir com comentários bobos depois e encerrar a tarde com uma volta no parque pra relaxar e fugir de quase tudo que seja superficial. Ah, e claro, podemos também nos beijar entre uma coisa em outra, mas isso é detalhe.
   o abraçou pelo pescoço enquanto riu e encostou seus lábios no dele. O beijou como nunca, com vontade, até sentir o ar faltar em seus pulmões, da maneira que vinha querendo fazer desde que o vira mais cedo.
  - Então vamos lá, meu amor. – Ela murmurou acariciando seu cabelo. - Sua garota classe alta está esperando por você.

+++

  Horas e horas depois, eles ainda sentiam como se tivessem se passado apenas alguns poucos minutos juntos. O tempo simplesmente voava.
  Andavam pelo parque da cidade, abraçados, rindo de mais uma piada interna enquanto compartilhavam uma casquinha de sorvete, já quase completamente derretida.
  Já era fim de tarde e o sol começava a descer no horizonte. Logo teria que ir, e, por isso, se esforçava o máximo que podia para fazer com que o tempo, se possível, parasse (o que era obviamente impossível), ou ao menos fosse bem aproveitado.
  Ao chegarem em certa parte do parque, onde não haviam muitas pessoas e o espaço parecia mais abertos, com as árvores mais afastadas e a grama mais limpa, ele sugeriu para que ambos se sentassem na grama e observassem o sol desaparecer por entre os prédios.
  - Se você sugerisse isso da primeira vez que saímos, eu nunca teria te levado a sério. – comentou rindo baixinho.
  - Ué, e por que não?
  - Eu achava que você fazia o tipo durão. – não resistiu ao impulso de rir da pequena observação de sua namorada.
  - No começo talvez eu fosse durão mesmo, mas agora não mais. – Ele admitiu.
  - Ah, não? – Ela o provocou. – E por quê?
  - Na verdade é algo bem óbvio. – Ela lhe deu um meio sorriso. - Só sou assim agora porque sou apaixonado por você.
   deixou que seu sorriso ocupasse cada centímetro do seu rosto para então se inclinar levemente e encostar seus lábios no de . O beijo teve sabor de chocolate graças ao sorvete que estavam tomando.
  - Eu amo ouvir você dizendo isso. – Ela murmurou para ele.
  - E eu amo receber beijos, então pode ter certeza que vou repetir várias e várias vezes.
  A garota soltou uma risada quase envergonhada e se sentou no gramado em seguida, sendo acompanhada por logo depois. Um encostado no outro, relaxaram por um instante, aproveitando o momento que compartilhavam. Quando já não se podia ver nenhum raio solar sobrando no céu, e as cores deixavam de ser azul clara, passando para lilás, roxo e quase azul escuro, os dois se deitaram ali mesmo.
  O garoto passou o braço pela cintura de e a puxou para mais perto. Fez um comentário ou outro sobre qualquer coisa aleatória, mas tudo que recebeu como resposta foram alguns murmúrios distraídos dela.
  O silêncio que ela fazia não era comum assim da maneira que estava sendo. O garoto começava a ficar preocupado com isso, imaginando que talvez o motivo, por alguma razão que ele não sabia, fosse ele.
   beijou a testa de , e, enquanto via o olhar dela perdido no céu que começava a ficar salpicado de pontinhos brilhantes, perguntou:
  - O que aconteceu?
   pareceu surpresa com a pergunta.
  - Não aconteceu nada. – Ela tentou deixar sua hesitação passar despercebida.
  - Eu te conheço, . – Dessa vez precisou insistir. Tinha que saber o que estava errado. – Por que não me conta o que aconteceu?
  A garota pareceu perder o foco do que falavam por um pequeno instante, então fechou os olhos com força e soltou o ar numa lufada.
  - Meus pais, é isso que aconteceu.
  - O que houve dessa vez?
  Ele sabia como a vida de com os pais era conturbada. Sabia que era uma relação muito fraca e quase sem comunicação. Na maior parte do tempo eles sempre estavam discutindo e por isso ela pouco falava neles. Evitava relatar acontecimentos, mas acabava contando, uma hora ou outra, cada detalhe a ele numa busca frustrada de conforto. Só que dessa vez, ela agia diferente, como se quisesse esconder, e não estava gostando nem um pouco desse novo jeito que ela mostrava agora.
  - Nós discutimos essa manhã. Muito. – disse. – Amanhã, como eu disse, vai ter outro daqueles eventos de caridade meio extravagantes que eles amam, e minha mãe está doida comigo por eu não estar animada e nem querer participar daquilo. Ela espera que eu impressione os filhos das amigas dela.
  - Impressionar em que sentido?
  - No sentido de chamar a atenção, conquistar.
  Por um instante o garoto ficou perplexo.
  - Conquistar?
  - É, ela quer que eu namore com alguém influente ou qualquer coisa assim.
  - Ela quer que você namore? – O garoto ficou momentaneamente indignado. Ela já tinha um namorado. Ele! Tudo bem, ninguém sabia dos dois, pelo menos ninguém do lado dela, mas ainda assim. – Sua mãe é doida?
  - Definitivamente. – Ela concordou. – Acredite, eu tentei dizer a ela que isso era ridículo, mas falar com minha mãe, ou mesmo com meu pai, é ainda pior que falar com os quadros da parede. Eles não ouvem nada que não seja o que querem!
  Houve uma pequena pausa entre o diálogo dos dois. Não era como se tivesse argumentos ou que ela tivesse algo de bom para acrescentar. Ele só queria poder fazer sua namorada se sentir melhor.
  - E o que você vai fazer?
  - Nada. – Ela respondeu simplesmente. - Não posso fazer nada senão o que eles querem. Quer dizer, pelo menos fingir que concordo com alguma coisa. Não quero ir.
   soltou um grande suspiro.
  - Queria poder ir com você. – Ele disse. – Te distrair de tudo que te incomoda.
  - É, eu queria que isso fosse possível. – Ela respondeu num tom bem longe de ser animado.
  Contudo, não era isso de fato que um queria dizer ao outro, era algo muito maior o que queriam. Não se tratava apenas daquele evento, se tratava de tudo. Estar juntos sempre, em todos os momentos, em todos os lugares. Poder viver um romance abertamente como quaisquer outros casais faziam. Seria como um sonho realizado.
   abraçou mais forte, sentindo seu calor e a sensação reconfortante que aquilo lhe trazia.
  - Eu queria poder ficar com você assim o tempo todo, não só às escondidas. – Ele murmurou baixo, finalmente colocando em palavras toda sua frustração.
  O coração dela se apertou.
  - Queria que as coisas fossem mais fáceis entre nós dois. – Ela comentou. – Mas às vezes acho que se fosse fácil, não estaríamos aqui e agora.
  O garoto concordou abrindo um sorriso inesperado. A tensão entre ambos começou a dissipar.
  - Às vezes eu acho que vou perder a cabeça com tudo isso. – confessou. – É algo tão intenso dentro de mim, que sinto como se mesmo que eu quisesse e tentasse, nunca conseguiria desistir disso, sabe? Acho que sou um cara de sorte em ter o que temos.
  Eles se olharam olhos nos olhos, as pupilas dilatadas. Ela sentiu sinceridade em suas palavras, e acima de tudo, amor. Tudo nele transbordava amor.
  - Se isso que temos for realmente sorte – Falou . –, então eu seguirei com isso até que ela se esgote.
  - Isso não importa. - Seu namorado sorriu ainda a olhando. - Mesmo que a sorte se esgote, eu vou lutar por você. Não interessa a situação, meu amor. Sempre vou lutar pela minha garota classe alta. É uma promessa.
  - Eu acredito em você. – Ela murmurou, tocando o rosto dele com a ponta dos dedos. – Acredito e digo que faria o mesmo por você. Sempre lutarei pelo meu garoto do centro, não importa as consequências. Também é uma promessa.
   se inclinou sobre ela e a beijou, selando o juramento.
  Não haviam dito tudo, mas haviam dito muito. Talvez parte do sentimento que tinham um pelo outro, havia sido colocado em palavras naquela tarde, mas não chegava nem perto da intensidade do todo. Agora era fácil perceber. Eles fariam sim qualquer coisa um pelo outro, qualquer coisa para continuarem juntos.
  Não importa para onde isso os levasse.

Parte 3

  No momento em que se olhou no espelho depois do que pareceram horas se aprontando, pôde soltar o ar em alívio. Ela estava deslumbrante. 
  Precisava admitir: Robert tinha um gosto excelente para vestidos e sapatos. Mais uma vez ele não falhou na escolha de ambos, e com certeza a salvou, de novo, com todo seu bom gosto, das críticas superficiais de sua mãe.
  Quando a mesma a viu, quase deu pulinhos de alegria, entretanto, como não era algo típico de si, se conteve em sorrir com admiração e mostrar uma expressão com segundas intenções bastante explícitas.
  - , minha filha, você está maravilhosa! - Começou dizendo. - Não terá homem nessa festa que não te olhe!
  - Mãe! - A garota a repreendeu.
  - Não seja boba, é verdade! - Ela logo emendou o mais rápido que pôde para evitar que a filha falasse. – Não estrague tudo com seu mau humor. Agora vamos para o carro, seu pai está lá a nossa espera com Robert. 
  , contrariada, a seguiu mesmo assim para fora do seu próprio quarto.
  - E não se esqueça de agir como uma dama hoje. - A mãe acrescentou em seguida, enquanto iam em direção a garagem.
  - Como uma cabeça de vento, você quis dizer.
  - Não me teste, ! - A garota dobrou a língua e resistiu responder. - Sabe que está por um fio comigo. Qualquer deslize e haverá consequências. Acredite em mi quando digo.
  Por alguns segundos o único barulho era o dos saltos reverberando pelo chão.
  - E como sugere que eu aja, mamãe? - não queria saber de verdade, mas precisava fingir concordar.
  - Oras, como uma garota classe alta, claro. Não afaste todos que chegarem para conversar com você. Seja interessante, fina e educada. Seja charmosa.
  A garota assentiu, mais por não ter outra opção a de fato querer seguir o que sua mãe pediu. Se pudesse escolher, com toda certeza estaria com , sentada na caçamba de sua caminhonete velha, ouvindo alguma música enquanto aproveitavam o calor um do outro ou então apenas vendo as estrelas de costas na grama como no dia anterior em algum lugar deserto. 
  Porém, conhecia seus pais. Qualquer deslize naquela noite e com certeza ela ficaria de castigo. A briga da manhã anterior ainda estava muito fresca na memória deles, por isso era bom que ela, se quisesse ver seu namorado cujo ninguém sabia da existência de novo, passasse pelo evento como a princesa que seus pais achavam ter criado. Não queria testar a criatividade deles para castigos novos. O histórico não era bom.
   precisava cuidar de suas atitudes.
  Depois da pequena conversa, ninguém disse absolutamente mais nada, nem em casa e nem no carro. O trajeto foi feito em total silêncio. Ninguém fez questão de trocar nada senão o oxigênio dali.
  Quando chegaram ao evento beneficente, o mesmo já estava abarrotado de gente. O que agradava sua família, já que todos veriam a hora em que entrassem.
  O motivo do acontecimento era nobre, contudo, conhecia bem aquele mundo para saber que, na verdade, os motivos para as pessoas estarem ali podiam ser vários, menos o que realmente importava.
  As mulheres mais pareciam estar em um desfile de moda de Paris a ajudar uma causa importante. Andavam de lá para cá como se nada mais importasse além de suas aparências perfeitas. Os homens se gabavam tanto que já não acreditava em nada do que diziam. 
  Ela se sentia deslocada. Não tinha pessoas ali com quem ela quisesse conversar, mas a mãe fez questão de a apresentar para praticamente todos os rapazes solteiros presentes no local. teve que se segurar para não correr e enfiar seu rosto no buraco mais próximo de tão constrangida que ficou. Mesmo quando a mãe parecia estar quase dizendo: "Hey, quer namorar com a minha filha?", ela continuou com um sorriso singelo no rosto.
  Estava agindo exatamente como seus pais queriam, e, infelizmente, não se sentia nem um pouco bem com isso.
  Algumas horas depois já achava (tinha quase certeza) que tinha falado com todos os presentes ali, e por isso poderia finalmente se sentar em uma cadeira e ficar por lá o resto da noite assistindo a movimentação, quando alguns amigos da família, os Zummach, se aproximaram deles e por ali resolveram ficar.
  Por uma razão, que sabia bem qual era, sua mãe resolveu sair com sua amiga para algum lugar longe dali da maneira menos discreta que a garota já presenciou, e deixou e o filho mais velho dos Zummach a sós, conversando. 
  Óbvio que sua mãe tivera planejado aquilo.
  Se seu pai percebeu, pareceu gostar da ideia, pois de repente não estava mais lá, e sim em outra ponta do salão conversando sobre negócios com seus amigos.
  Ótimo, era tudo que ela precisava.
  - O que acha de uma taça de champanhe? - O rapaz, Paul, ofereceu a ela. 
  Não querendo ser mal educada, concordou. Na verdade, foi isso que fez durante quase toda a conversa com o homem todo cheio de si a sua frente: concordar.
  Ele falava sobre tantas coisas que chegava a deixá-la tonta. Elogiava sua aparência quase o tempo todo, comentava sobre a festa e também sobre sua vida, falava sobre o que fazia e o  que queria fazer. Parecia animado com tudo. Só não percebia que ela não estava nem aí para nada.
  - Você está bem, ? - Ele perguntou. 
  - Claro, estou ótima. - Ela rapidamente tratou de sorrir e afirmar. - Lugares muito cheios às vezes me deixam indisposta. 
  - Podemos ir lá para fora tomar um ar fresco se quiser.
   Ela, como todas às vezes anteriores, acabou por concordar. 
  Sua mãe, que de longe a observava, sorriu ao vê-los deixar o salão. Ela tentou esconder, claro, por trás da taça de champanhe que segurava, mas a conhecia bem o suficiente para ter certeza da sua expressão e do que se passava na cabeça dela. 
  A garota começou a pensar se seria assim sua vida toda, se sua mãe sempre a trataria como uma marionete, fazendo-a seguir seus passos para ter uma vida igual a dela. Será que seu pai apoiaria o que a mulher decidisse? apostava que sim, desde que o trabalho dele continuasse estável ou melhorasse, ele concordaria com o que quer que fosse.
  Paul Zummach falou alguma coisa sorrindo. , que não estava prestando atenção, balançou a cabeça e riu, como quem acha graça. Pareceu certo fazer isso naquele momento em que ela estava perdida em pensamentos. 
  Tarde demais, ela percebeu que na verdade Paul estava flertando com ela. E com a tática de "sorrir e acenar", tudo que ela conseguiu provocar, foi insistência da parte dele, pois ela, mesmo que por um instante muito breve, pareceu estar correspondendo as suas investidas.
  Se antes ela já se sentia desconfortável, agora estava menos ainda.
  O rapaz então se aproximou dela. Cochichou algo em seu ouvido e se inclinou tão próximo de que ela prendeu a respiração.
  A garota deu um passo para trás e tentou não fazer careta, queria manter a postura e a expressão serena, talvez até com um ar um pouco esnobe, contudo não parecia estar sendo bem sucedida com o rumo repentino da situação. 
  Tudo aquilo estava sendo um sacrifício maior até do que poderia lidar.
  - Acho que já estou melhor. - Ela disse de repente. - Por que não entramos agora?
  Mas tudo o que o garoto fez foi mudar de assunto e continuar cantando-a. Paul flertava tanto com , que para saber suas intenções só faltava uma plaquinha com os dizeres "quero você" em letras garrafais. 
  Definitivamente ela precisava sair dali. 
  Para cada desculpa que ela dava, havia uma resposta evasiva que Zummach usava com destreza. E quanto mais tempo ele passava com ela, mais o rapaz parecia forçar a aproximação dos dois. Até que decidiu não poder mais lidar com aquilo, e com as palavras meio embaralhadas pediu licença para sair dali. Virou as costas pronta para ir embora. 
  Entretanto, mais rápido do que ela pode de fato prever, ele segurou em sua cintura e a puxou para um beijo desajeitado. Imediatamente ela o afastou com mais agilidade do que Paul teve sequer tempo de raciocinar. Quando percebeu, o champanhe que antes estava na taça dela, agora pingava pelo rosto do rapaz.
  - Não toque em mim! - quase gritou.
  Estava ainda em choque quando notou que todas as pessoas próximas os encaravam com uma mistura de confusão e curiosidade. Inclusive os pais dela. 
   viu, pela boca escancarada da mãe e os olhos quase pulando para fora das órbitas, que ela tinha colocado tudo a perder. E por isso mesmo saiu o mais rápido que pode daquele lugar, deixando aquele rapaz ainda perplexo e todo molhado, enquanto todos acompanhavam sua caminhada de volta ao estacionamento. 
  Aos poucos as pessoas voltaram a suas conversas, fingindo não prestar mais atenção na garota ou em Paul, mas sabia que ninguém ali esqueceria a cena de momentos antes.
  Muito menos seus próprios pais.

+++

  - Onde estava com a cabeça?! - Sua mãe berrou, tomada pela raiva. - Precisava jogar champanhe em Paul?
  - Ele tentou me beijar!
  - Foi um beijo inocente! - A outra tentou justificar. - Vi que estava interessada e retribuindo!
  - Como pode dizer isso? - berrou do outro lado, se sentando na cama.
  Seria possível que fosse essa a imagem que passou a todos da festa? Que estava de gracinha com Paul e de repente perdeu o interesse? Não. Aquilo era o que sua mãe havia visto. Era o que ela pensava ter acontecido.
  - Eu vi tudo,
  - Você não sabe de nada. - A garota devolveu, já não falando mais alto. - Se tivesse prestado atenção teria visto direito e percebido que eu queria estar em qualquer lugar menos ali.
  A mãe semicerrou os olhos ao encarar a filha com a mais profunda raiva. Ela estava tão farta de toda a teimosia da garota. Por que por pelo menos uma vez ela não podia fazer o que foi mandado? Por que não podia ser obediente? Seria tão mais fácil se fosse o tipo de garota que mais ouvia do que falava. 
  Mas a mãe sabia que esse não era o fim. Se sua filha não podia aprender sozinha a importância de abaixar a cabeça e fazer o que lhe foi pedido, então ela lhe mandaria para um lugar onde fizessem isso de maneira eficiente.
  - Chega! - Ela gritou tão fora de si que engoliu em seco. - Isso foi o basta. Você está de castigo! Acha que pode fazer nossa família de idiota e sair impune? Não, . Não dessa vez!
  - Mas eu não...
  - Não interessa o que você tem a dizer! - A mulher interrompeu a filha, que dessa vez se calou de imediato. - Você fica aí dizendo que só nos importamos com aparência, com o nome da nossa família, com a imagem que passamos aos outros e com os passos que você vai dar daqui para frente, então pois bem. É assim que vai ser. 
  - O quê? 
  - Vou te mandar para um curso de etiqueta. - Ela começou, a expressão de ficou desacreditada. - Fora do país. Desse continente.
  - Isso é ridículo! Você não pode fazer isso! - A garota falou, a voz tremendo e lágrimas escorrendo por seu rosto. Tudo que ela vinha guardando dentro de si nas últimas semanas de repente se desfez em um choro compulsivo. - Não é justo, mãe!
  - Eu posso e vou! Quem vai me contrariar? Você nunca foi justa comigo ou com seu pai, de qualquer forma. - A mulher a desafiou. - Você já me envergonhou demais, . Hoje foi a ultima vez. Depois de amanhã você vai embora, não importa que eu tenha que subornar alguém para apressar sua saída daqui, e enfim vai aprender a importância de uma boa educação. 
  A garota tentou, de maneira ineficiente, conter os soluços.
  - Como você pode fazer isso? 
  - Não seja dramática! Esse não é o fim do mundo. – A mãe fez um gesto em deboche para ela. - Enquanto estiver aprendendo a ser gente de verdade durante parte do dia, em outra um tutor lhe ensinará tudo sobre relações internacionais, como há muito já devia ter acontecido. Quando voltar, poderá finalmente trabalhar com seu pai e outros conhecidos. 
  - Não é isso que eu quero! Não vou fazer nada disso. – balançava a cabeça tão rápido para os lados que ficou tonta.
  - Ah, vai sim. - Ela riu com maldade.
  - Já sou maior de idade, legalmente já tenho o direito de ir e vir!
  Sua mãe soltou uma gargalhada. Seus olhos brilhavam tanto que chegavam a assusta-la.
  - E com que dinheiro pretende "ir e vir"? – A mulher a desafiou. – Enquanto morar sob o meu teto, vai seguir as minhas regras e fazer o que eu mandar, porque sou sua mãe e te sustento, te dou tudo o que tem. Por isso se eu disser que você vai estudar fora do país, você vai. Se eu disser que você vai trabalhar ao meu lado, você vai
  - Não pode escolher nada por mim!
  - Ah, ... – Sua mãe estralou a língua no céu da boca. – Posso e vou. Você precisa se redimir comigo. E vai começar falando com Paul Zummach e pedir desculpas. Em seguida vai arrumar as malas e depois de amanhã, quando você for embora, veremos o que acontece.
  - Mas mãe, eu já disse que...
  - Não me interrompa! - A mulher gritou com severidade. – Pode tentar justificar cada um dos seus passos, mas não vai mudar a decisão que eu e seu pai fizemos. Você vai e ponto final. Quando aprender a agir como deve agir e ser como deve ser, então voltará. Agora depende de você.
   fungou e se esforçou para não chorar mais na frente de sua mãe. Tudo que ela conseguia pensar era em e em como ela tinha acabado de arruinar tudo entre os dois. Fez isso quando jogou o champanhe em Paul, e agora via as consequências que teria que sofrer.
  Seu coração se partiu em um milhão de pedaços, seu peito doía de uma forma que ela jamais imaginou possível. Sua garganta se fechou e ela segurou o soluço. 
  O que sua mãe diria agora se soubesse a verdade por trás de sua “rebeldia”? O que faria quando ela lhe contasse que estava indo embora?
  Agora já não adiantava mais nada especular alguma coisa. Estava feito.
  Sua mãe saiu do quarto e a deixou ali sozinha, sentada em sua cama enquanto remoía um futuro que jamais teria, enquanto sentia todos seus sonhos serem esmagados de uma vez só.
   estava devastada, destruída. Desmoronando de dentro para fora, sem ter a menor ideia de como poderia mudar agora seu destino tão certo.
  Ela adormeceu pensando em e nos planos que fizeram juntos. Esses que nunca poderiam cumprir.

Parte 4

   não tinha saído da cama ainda. Já se passava das nove horas, mas seu ânimo estava no nível zero. O dia anterior tinha sido tão cansativo e exaustivo, que se pudesse passaria a manhã toda enfiado no seu quarto fazendo vários nadas até o dia seguinte.
  O garoto deduziu que seu tio devia sentir a mesma coisa sobre o cansaço, pois se fosse em outro dia qualquer, apostava que ele já teria o acordado há muito tempo para mais um longo dia de expediente.
  Mas mesmo supondo isso, se levantou de súbito, apressado, tropeçando nos próprios pés. A ideia de que Steven não teria o acordado porque estava passando mal, tomou conta dos seus pensamentos e o assustou de tal forma que ele teve que correr para ter certeza de que não era isso acontecendo.
  Assim que saiu do quarto, em dois passos já estava na sala, dando de cara com seu tio, sentado no sofá de frente para a TV ainda usando o pijama.
  - Que cara é essa, menino? – O tio perguntou assim que o viu.
  É, ele parecia bem.
  - Er... Achei que estava atrasado. – Justificou tentando não parecer um idiota.
  - Decidi que só vamos abrir depois do almoço. Achei que você e os outros dois garotos precisavam de um pouco de descanso. – Steven disse rindo um pouco enquanto olhava seu sobrinho. – Pode dormir mais se quiser.
  Mas resolveu se sentar ao lado dele e ficar ali por um tempo só por garantia.
  Desde a cirurgia que fizeram em Steven, ele parecia mais debilitado. Sabia que devia manter o repouso, mas não obedecia as ordens médicas, e isso enlouquecia . Queria que seu tio se recuperasse, e vê-lo fazer tudo o que sempre fez sem se importar com os devidos cuidados, o deixava morrendo de medo. Steven era sua única família. Se o perdesse, pelo menor descuido que fosse, nunca se perdoaria.
  - Menino, você não precisa ficar tomando conta de mim o tempo todo. – Seu tio disse depois de perceber as reais preocupações do seu sobrinho estampado em seu rosto.
  - Qual é, tio. – O outro reclamou.
  - É verdade! Se eu digo que estou bem, acredite.
   resolveu que era melhor ficar quieto e contrariar o tio em pensamento, senão a discussão entre os dois seria interminável. Decidiu por fim assistir TV.
  Contudo, antes mesmo do garoto conseguir prestar atenção no aparelho a sua frente e identificar o que de fato estava passando ali, a campainha tocou. Os dois, ainda sentados ali, se entreolharam. Pela cara que fizeram, não sabiam quem era ou deixava de ser.
  Por isso num pulo já estava de pé indo em direção a porta.
  Quando a abriu, sequer teve tempo de pensar. já pulava em seus braços e enterrava o rosto na curva do seu pescoço.
  - Meu amor? – Ele questionou tomado pela confusão.
  - , me desculpe! – As lágrimas dela começaram a molhar o pijama do seu namorado. – Eu estraguei tudo ontem, sinto muito!
  O garoto não estava entendendo, mas sentindo a angustia na voz de sua namorada, achou que ele precisava manter a calma pelos dois.
  - Por que você não entra e conversamos melhor lá dentro? – Ele sugeriu acariciando seu cabelo, que surpreendentemente, não estava macio e sedoso como de hábito.
  A garota limpou o rosto com as costas da mão e então pôde vê-la com clareza. A face inchada e avermelhada, os olhos fundos com olheiras, o cabelo desgrenhado e a boca rachada deixavam óbvio que ela tivera uma noite mal dormida e passara horas e horas chorando.
  Steven, quem observava tudo da sala, imediatamente se levantou e avisou aos dois que iria até a cozinha preparar algum chá, mas sua intenção na verdade estava além disso. Ele queria dar um pouco de privacidade ao seu sobrinho e a namorada dele. Sabia que era necessário. Nunca havia visto aquela garota tão desolada como naquele instante.
   adentrou a casa e afundou no sofá com as mãos no rosto.
  - O que aconteceu, meu amor? – Ele perguntou tentando manter o tom de voz sereno. – Foi algo ontem naquela festa? Algo com seus pais? Alguém fez alguma coisa ruim? Me explique, por favor. Posso tentar ajudar, você sabe que...
  - Essa é a questão. – A garota o interrompeu, mordendo o lábio inferior assim que as palavras deixaram sua boca. – Você não pode. Não pode ajudar.
   sentiu algo murchar em seu peito.
  - O que quer dizer com isso?
  As lágrimas escorreram com ainda mais força pelo rosto de enquanto ela tentava encontrar uma forma de contar a ele o que aconteceria dali em diante sem destruir tudo o que tinham no mesmo instante.
  - Eu vou embora. – A garota falou pausadamente. – Para a Europa amanhã pela manhã.
  - Você o quê? – sentiu que seus olhos fossem saltar das orbitas a qualquer instante. Do que ela estava falando? – Isso é algum tipo de piada?
  - Eu sinto muito! – desatou a chorar ainda mais.
  - Por quê? – Foi tudo que o garoto conseguiu pronunciar quando segurou a garota pelos ombros a fazendo olhar diretamente para ele. E então ela contou tudo.
  Entre um soluço e outro conseguiu explicar que Robert a havia levado ali sem seus pais saberem, porque poucas horas antes conseguiu fazer ambos (sua mãe principalmente) perder a paciência de uma vez e estragar qualquer chances, mínimas que fossem, de um dia ficar junto dele. Ela se sentia tão mal por tudo que acontecera na noite anterior, que enquanto falava, fazia parecer como se de fato fosse culpada pelo tal Paul ter tentado beija-la, por sua mãe ter ficado jogando-a para cima de todos e depois explodir por nada ter saído como o planejado.
  Mas não estava vendo as coisas da mesma forma que .
  Ele via uma família que queria criar uma boneca de cristal e educa-la como se ainda estivessem no século 18. Via pessoas antiquadas. Se pudessem, ele sabia, já teriam escolhido com quem ela se casaria, onde moraria e até como levaria o resto da vida. Se ela não se impusesse mesmo que bem pouco, não teria poder algum de escolha, ela seria para sempre controlada.
  Só que além disso, ele via também uma garota forte, que contestava, que lutava por suas palavras, por seus pensamentos, por suas escolhas, por seus sonhos. Via a garota por quem era apaixonado buscar ser quem ela queria ser todos os dias um pouco mais. E via também, que naquele instante, ele estava tão próximo de perdê-la, que seu peito ardia, doía.
   não permitira que ela escapasse assim tão fácil por entre seus dedos.
  - Esse não é o fim! – Ele afirmou a aproximando do seu peito, abraçando-a forte e protetoramente.
  - Eu vou entrar num avião amanhã cedo sem passagem de volta! Como pode ter certeza?
  - Porque eu tenho! – falou exasperado. – Porque te fiz uma promessa e porque tenho uma saída.
  Era loucura, ele sabia. Mas o garoto estava em um momento que já não podia mudar a direção da maré e ele precisava correr contra o tempo.  A sensação era que ele estava dentro de um barco, afundando. Algo dentro de si que queimava, tão quente quanto uma corrente na brasa. E isso pegava tudo o que ele tinha.
  Mas, se existia uma chance, ele faria com que ela valesse.
  - Que saída? Eu passei a noite em claro e não consegui pensar em nada, como você, em quinze minutos, conseguiu pensar em alguma coisa? – Ela reclamou, a voz falhando vez ou outra.
  - Nós podemos fugir. – O garoto falou de uma vez, tomando a de surpresa e a deixando momentaneamente sem ar.
  Steven, que voltava da cozinha, pareceu tão perplexo quanto ao ouvir o que seu sobrinho disse, mas conseguiu manter o semblante neutro enquanto entregava a ela a xícara de chá de camomila e deixava a sala, voltando para seu pequeno quarto enquanto ambos discutiam toda a situação.
  - Fugir, ? – As mãos dela tremiam levemente enquanto segurava a xícara. – Ficou maluco de vez?
  Provavelmente fiquei mesmo, ele pensou. Contudo o que disse, na verdade foi bem diferente.
  - , meu amor... – Ele tomou ar, procurando as palavras certas. - Você sabe que não tenho condições para comprar suas pérolas ou te levar em festas chiques e em restaurantes caros, mas eu amo você. Disse que faria qualquer coisa por você e é verdade! Se aceitar, se for isso que realmente quer, ser livre, então eu estou pronto para partir.
  - ...
  - Estou falando sério! A gente pode escapar da cidade, andar sem rumo até enjoar por todos os caminhos que você quiser, porque eu quero ser seu! – Ele segurou o rosto dela entre suas mãos enquanto acariciava suas bochechas com os polegares e diminuía o tom de voz. – Sem você eu vou me perder na escuridão. Você é a minha luz! E eu sei que onde quer que você esteja, esse sim é o meu lugar. Simplesmente não posso, nunca conseguiria ficar longe de você!
  Ela chorou um pouco mais e encostou sua testa na dele, sem saber o que dizer exatamente.
  - , como você pode sugerir isso? É tão arriscado! – Ela tentou argumentar mesmo sem querer. – Tanta coisa pode dar errado, tanta cois...
  - Eu sei que é uma ideia maluca. – Ele admitiu. – Só que talvez seja também nossa única chance.
   baixou os olhos tentando criar um raciocínio que não parecesse impossível logo de cara. Como aquilo poderia dar certo?
  - Meu amor, me escute, ok? – Ele beijou cada uma de suas bochechas e a olhou nos olhos. - Há um futuro que não consigo prever. Não sozinho. A não ser, é claro, que eu continue focado, te mantendo ao meu lado. Não entendeu ainda? Sem você eu não sou nada, ! Você é o meu foco, aquilo que me faz seguir em frente todos os dias. Contanto que você me ame, eu seguirei firme para qualquer lugar! A gente pode superar qualquer coisa, qualquer crítica! Antes eu te disse que não tenho dinheiro, e é verdade, mas talvez algum dia quando minha carreira vier, eu possa compensar isso! Não importa como, mas saiba que eu posso dar um jeito. Por nós dois. Eu sei que ficaremos bem.
   sentiu como se seu coração fosse explodir a qualquer instante em seu peito. Aquelas palavras, todas elas, eram a coisa mais linda que ela ouvira em toda a sua vida. Parecia que haviam sido tiradas de um dos livros que ela tanto amava ler, entretanto, a garota sabia, olhando no fundo dos olhos de , que aquilo era simplesmente a emoção saltando por sua boca, junto ao medo dele de perdê-la. Tudo estava sendo exposto naquele instante. Era tão sincero que embaçava seus pensamentos. Tão intenso e verdadeiro que a faziam sentir como se a gravidade não existisse.
  - Não seja bobo, eu jamais vou ligar para a quantidade de dinheiro que você tem ou deixa de ter! – A garota fungou algumas vezes.
  - Eu só...
  - Não precisa explicar nada! – Ela se adiantou. – Eu amo você ainda mais agora por tudo o que disse, por tudo que quer fazer. Eu só não sei se...
  - Não! – Ele a interrompeu. – Não decida nada agora. Quando você souber o que quer, quando você se decidir, eu vou estar aqui esperando pela resposta.
  - Você não entende, ? – segurou firme as mãos dele ao lado do seu rosto. – Eu não tenho dúvidas do que quero. Eu quero você.
  Houve um instante de silêncio entre eles, a televisão, ainda ligada, tomando conta do ambiente.
  - Então você... Você vai...
  - tomou ar e procurou um pouquinho de atitude e coragem para explicar. -, durante todo esse tempo que estamos juntos, você me mostrou as coisas mais bonitas da vida, tudo aquilo pelo que realmente vale a pena lutar, tudo o que realmente importa para ser feliz. Eu seria incapaz de ficar longe de você. Por isso, eu aceito essa sua ideia maluca. Não importa onde iremos parar.
  - É sério? – O garoto não pareceu acreditar. – Você deixaria toda sua vida para trás?
  - Você também é minha vida, . Como eu poderia te deixar? – disse com doçura. – Meu amor, eu amo meus pais e sei que eles me amam também, talvez não da forma convencional, mas sei que amam. Só que se eu não tomar uma atitude agora, nunca tomarei. Talvez... Talvez eles um dia entendam minha decisão.
  - Quer dizer que... que...
  Mesmo em meio a tristeza dela, conseguiu soltar uma risada e se inclinou sobre até encostar seus lábios no dele levemente.
  - A ideia foi sua, não queria que eu concordasse?
  O garoto solou um riso nervoso de tão impressionado que estava com a resposta dela.
  - Eu amo você, caramba, eu amo muito você! – E então, como se para confirmar o que dizia, colou sua boca na dela e a beijou com tanta paixão, êxtase e desejo, que o tempo pareceu parar por um instante.
  Praticamente tinham decidido o que aconteceria com eles dali em diante, selando seus destinos num caminho perigoso e talvez até sem volta. Mas se os fins compensassem os meios, eles aceitariam qualquer perigo. Estavam cumprindo suas devidas promessas. E independente do que acontecesse dali pra frente agora, eles estariam juntos. Era isso o que queriam.
  Nada mais importava.

Parte 5

  Horas depois que havia deixado a casa de , ele ainda parecia atônito tentando entender tudo que estava acontecendo. Repassava cada frase trocada em suas conversas e convencia a si mesmo de que não estava sendo precipitado em sugerir algo assim para ela, quando seu tio sentou-se ao lado dele, e, sem um aviso prévio, o abraçou forte, como se estivesse se despedindo.
   levou apenas alguns segundos para perceber que de fato era isso que Steven estava fazendo.
  - Acha que falei mais do que devia?
  - Não, . – Steven lhe garantiu. – Você falou exatamente tudo o que precisava ser dito. Está fazendo a coisa certa. Você é como um herói para ela, não se engane, menino.
   assentiu fracamente e soltou um suspiro leve.
  - O senhor devia vir com a gente. – O garoto murmurou para o tio.
  - Não diga bobagens, menino. – O velho retrucou.
  - Mas é verdade! Você não pode ficar sozinho. – Argumentou ele. – não se importaria com isso, tenho certeza. E sei que uma viagem ou outra faria bem ao senhor. Depois, quando estivesse melhor, eu te traria de volta. Seria como férias fora de hora!
  Steven olhou para seu sobrinho e sorriu.
  - Você já fez muito por mim durante muito tempo. – Ele começou, tentando conter a emoção repentina que o tomou. – Está na hora de seguir seu próprio caminho, filho.
   ficou sem palavras por um instante. Ouvir seu tio, o homem que o criou e esteve ao seu lado desde sempre lhe chamando de “filho”, era se sentir inteiramente e completamente amado e querido. Não que ele tivesse dúvida disso antes, mas naquele momento teve certeza absoluta de que seriam ele e seu tio sempre contra o mundo.
  - , você não imagina o quão orgulhoso eu sou de ter alguém como você ao meu lado todos os dias. Mas mais orgulhoso ainda eu fico por saber que você está seguindo seu coração. - Steven olhou bem nos olhos do seu sobrinho. – Imagino que isso vai ser difícil e muito complicado para você e , mas se aceitar um conselho desse velho aqui, digo com todas as letras: nunca desistam, não importa o que esteja acontecendo. Fiquem juntos e fiquem firmes. O amor supera tudo.
  - Obrigado, tio. – abraçou Steven novamente, tão apertado como não fazia há muito tempo. – Por tudo, obrigado. Minha vida toda, o senhor foi meu maior exemplo. Sempre vai ser.
  Steven abriu um sorriso que chegava até seus olhos. Sabia que seu sobrinho não podia ver, mas claramente sabia que podia sentir a gratidão pelo que ouvira através do abraço, e continuaram daquela maneira por mais algum tempo. Naquele instante, eles sabiam, alguns gestos valiam mais que mil palavras.
  Por um instante preferiam aproveitar a companhia um do outro enquanto ainda podiam.

+++

   se sentia mais calma, mas não menos apavorada. Seu estômago girava em ansiedade e sua cabeça doía. Eram tantas coisas acontecendo juntas que ela ainda tentava absorver tudo sem se sentir sobrecarregada por informações.
  Entretanto ela se sentia feliz também, porque agora, finalmente tinha uma chance de mudar tudo.
  Só que infelizmente, não sozinha e só coma ajuda de .
  Ainda dentro do carro, observava Robert e procurava uma brecha para poder pedir algo impossível. Ele era a única pessoa que ela sequer podia cogitar em pedir alguma coisa, principalmente quando se tratava de algo que ninguém poderia saber.
  - Senhoria, está bem? – O motorista perguntou pegando-a desprevenida. – Parece nervosa.
  - É só que... Bem...
  - É sobre a briga com sua mãe noite passada? – Ele questionou delicadamente.
  Para Robert era fácil deduzir, levando em conta toda a confusão depois da festa. Mas não se tratava mais somente disso. Tudo já havia se transformado em algo bem maior agora.
  - Não. – Ela disse firme. – Na verdade eu gostaria de te pedir algo.
  Desconfiado, ele a olhou pelo espelho retrovisor. A forma como ela fez a pergunta, o fez se lembrar da primeira vez em que lhe pediu para leva-la de novo até a mecânica. Quando ela quis rever pela primeira vez, o mesmo dia em que pediu a Robert para acoberta-la de seus pais. Um pedido incomum que logo passou a ser quase diário por meses e meses. E o motorista não se arrependia da decisão que tomou quando a ajudou naquele dia. Faria tudo de novo se ela pedisse, e por isso respondeu:
  - O que quiser, senhorita.
  E então ela contou tudo a Robert, todo o seu plano de fuga cheio de furos, mas que ainda com todas as possíveis falhas, talvez fosse sua única chance de escapar da “prisão” qual seria mandada. Sua única esperança.
  O motorista a escutou com atenção, como fazia todas as vezes que ela conversava com ele, e não pode negar, se sentiu plenamente bem, quase especial, por saber que era para ele quem ela estava decidida a buscar ajuda. Mas mesmo estando lisonjeado, também se sentia preocupado.
  - Tem certeza do que está dizendo, senhorita? – O motorista perguntou cauteloso.
  A garota pareceu hesitar por um instante. Abriu a boca e a fechou várias vezes. Ela tinha realmente pensado direito naquilo tudo, ou foi apensa uma reação do momento? Estava realmente decidida a simplesmente desaparecer por aí com ? Rapidamente balançou a cabeça para os lados. Essa era sua culpa finalmente dando as caras por estar decidida a mudar tudo definitivamente.
  Ela estava pronta? Sim, ela estava, e como estava. Sentia no mais fundo da sua alma que estava.
  - Absoluta, Robert. – Ela confirmou, toda sua dúvida esvaindo para bem longe dali, dando lugar a um olhar brilhando em expectativa.
  Naquele momento, o homem via na expressão, nas palavras dela, que realmente acreditava no que sugeriu. Ela acreditava em seu namorado, e acima de tudo, na capacidade dos dois de conseguirem.
  Robert ficou impressionado com tamanha confiança.
  Durante tantos anos ele esteve ao lado daquela garota. Acompanhou seus altos e baixos de perto, mas sem poder ajuda-la da maneira certa. A viu crescer e se tornar uma linda menina e agora uma bela mulher. Viu seus sonhos aparecerem e desaparecerem tão rápido quanto seus pais a manipulavam.  Contudo, agora, finalmente via a verdadeira florescer, amadurecer. Ela estava prestes a ter tudo o que sempre quis, coisas que nem toda a fortuna de sua família seria capaz de comprar. Como ele seria capaz de nega-la isso?
  Dois dias atrás ele desejava que houvesse uma reviravolta para aquela história que ela vivia e ele assistia de camarote. Ele faria o que pudesse para que algo significativo acontecesse. E agora, assim tão rápido e de repente, Robert realmente podia ajuda-la. Ele podia fazer a diferença na vida dela.
  - Eu vou ajudar, senhorita. – Ele afirmou tão convicto como nunca esteve. – Conte comigo.
  A garota ficou tão comovida por ouvir Robert concordar, que em seguida o abraçou sobre o banco do motorista, tão espontaneamente, que se não estivessem parados no farol vermelho, provavelmente teriam feito um belo zigue zague na pista.
   se sentia realizada, o coração batendo tão rápido e tão forte que parecia prestes a explodir. Quem diria que ele, um homem que não devia ser nada mais que um “empregado da família”, um dia a ajudaria tanto? Talvez ela nunca tivesse palavras suficientes que pudessem expressar o quão agradecida estava com ele, por isso torcia para que o gesto já dissesse tudo por si só.
  A garota sentiria falta de Robert, mais até do que sequer cogitara um dia.

+++

   havia passado quase a madrugada inteira acordado.
  Olhou suas pequenas malas no canto do quarto e tentou pensar que aquela não era a última vez que via toda aquela bagunça quando acordava.
  Cedo, antes mesmo de o dia de fato ter começado, ele já tinha organizado tudo na caminhonete. Pegara suas coisas que julgava serem essenciais, alguns salgadinhos e todas suas economias que vinha juntando há um tempo para alguma emergência ou algo importante para que ele precisasse. A situação de agora, com certeza se encaixava nas duas categorias.
  - Vai ficar tudo bem. – Seu tio disse, chamando a atenção de .
  - Achei que estivesse dormindo.
  - Estava – Admitiu o homem. –, mas queria te desejar boa viagem.
  Boa viagem, não um adeus. Steven também acreditava que aquilo não era o fim de nada, só o começo. se sentiu aliviado por saber, mesmo que indiretamente, como seu tio estava levando toda aquela coisa.
  - Obrigado, tio. – O garoto o abraçou.
  - Ligue quando possível. – O mais velho pediu. – Não me mate de preocupação!
  - Não se preocupe tanto, não é como se eu fosse desaparecer.
  - Não brinque, menino. – acabou rindo um pouco. – Sei que é mais ou menos isso que pretendem fazer.
  Os dois se separaram e se olharam por um instante, a única luz sendo ainda a do poste da rua que trazia uma pouca claridade para frente da casa deles.
  - Até algum dia, meu filho.
  - Até algum dia, tio.
  E o garoto entrou no carro, visualizou a casa onde cresceu e o homem que o criou da melhor forma que um dia poderia desejar.
  Algum dia. não sabia se seria logo ou muito demorado, mas algum dia ele voltaria.
  Ele sabia que sim, tinha certeza.
  O sorriso emocionado de Steven foi a última coisa que viu pelo espelho retrovisor antes de virar a esquina e seguir definitivamente para um caminho sem volta.

+++

  Ela olhou pela janela e constatou que o sol ainda ensaiava se levantar naquele dia.
  Era bem cedo, mas não se sentia cansada. A insônia, porém, não a atrapalhou. Seu cérebro trabalhava a mil como nunca antes.
  Estava em seu quarto, no chão, rodeada de malas e bolsas, pronta, para o que parecia ser, uma grande mudança. De fato, não era uma observação totalmente errada. De uma forma ou de outra, seria isso que ela faria.
  Olhou para seu passaporte mais uma vez e então para a passagem de avião. nunca chegaria a esse destino e também não se arrependeria de não tê-lo feito. Ela era tão nova, ainda teria tantas oportunidades de conhecer o mundo! A garota estava apenas adiando coisas que poderiam ser feitas mais tarde e cancelando compromissos que nunca deveriam ter sido feitos. Aquele curso de etiqueta e os estudos de relações internacionais nunca veriam a cara dela.
   terminou de conferir algumas coisas e respirou fundo. Sentia-se pronta. Ela estava pronta.
  Levantou-se e pegou o que conseguiu da bagagem, enquanto um dos empregados a ajudou com o resto. Logo já não restava nada naquele cômodo que um dia foi seu quarto, seu abrigo do mundo.
   logo estava na sala, onde sua mãe e seu pai a esperavam. Ambos sérios, com as faces neutras. Se sentiam alguma coisa com sua partida, não estavam demonstrando.
  - Tudo certo, ? – Seu pai perguntou, aproximando-se dela.
  - Sim. – Ela abaixou os olhos para seus próprios pés. Não sabia se teria coragem de olha-lo nos olhos agora.
  - Então Robert está pronto para leva-la. – Ele continuou.
  No dia anterior, tinha os convencido de que não precisava que fossem juntos com ela até o aeroporto. Se iria passar sabe-se lá quanto tempo sozinha em outro país, então poderia ir sozinha para lá também. Mais fácil do que ela achou que seria, eles concordaram.
  Ela fez menção de sair, entretanto, seu pai, meio desengonçado, abriu os braços e abraçou com carinho. A primeiro momento ficou surpresa, quase nunca ele demonstrava algum tipo de afeto ou proximidade como aquela. Contudo, ela resolveu retribuir de uma maneira ainda mais intensa. Mesmo com todas as discórdias, com todos os defeitos, aquele homem ainda era e sempre seria seu pai. Ela o amaria sempre. E essa poderia ser a última vez em muito tempo que ela o veria assim.
  Alguns segundos depois se distanciaram. Seu pai foi para o canto da sala enquanto sua mãe, ainda vestindo o pijama e um roupão de seda por cima, vinha até ela. Mas ao contrário da forma carinhosa que o homem havia a tratado, a expressão séria da mulher deixava quase óbvio que o que viria a seguir, não seria muito amoroso.
  - Você teria tudo nas mãos como sempre teve se tivesse nos escutado. – Ela falou como quem repreende alguém.
  - Mas é exatamente isso que eu não quero! – disse e na hora temeu por começar outra discussão. Mas, bem, ela tinha que aproveitar os minutos ali enquanto os tinha. – Eu queria que um dia você pudesse entender como somos diferentes, mãe. 
   arrumou a bolsa no seu ombro e soltou um longo suspiro quando olhou para os dois. Percebeu que sua mãe não pretendia retrucar e por isso tomou ar para dizer:
  - Peço desculpas se algum dia os envergonhei. – Começou ela. – Eu nunca quis magoar nenhum de vocês e nem fazê-los pensar que estava fazendo algo de propósito, e... Eu só queria poder ter sido eu mesma com vocês. Algum dia, talvez, vocês possam ver que não fiz nada por mal e pensar diferente sobre mim e sobre tudo o que fiz. Eu só... Eu amo vocês.
   se aproximou de sua mãe, e surpreendendo-a, prendeu-a num abraço como há muito não fazia. Era estranho fazer isso, mas a garota sentia como se precisasse se despedir devidamente deles, mesmo que não recebesse de volta um “eu te amo” ou beijinhos na bochecha. Pelo menos se sentiria bem por saber que falou e fez o que deveria.
  Sua mãe logo deu um grande passo para trás, se distanciando. Não disse nada, apenas foi para o lado do seu marido, ainda absorvendo as palavras da filha e também a atitude da mesma, e com um gesto indicou ao empregado que levasse as malas dali.
  - Boa viagem, . – Disse seu pai. – Nos veremos em breve.
  Ele garantia a ela uma certeza que talvez não se cumprisse, entretanto ela concordou e tentou sorrir um pouco, esquecendo-se por um minuto que foram eles que fizeram isso. Eles que tinham total intenção de manda-la para o outro lado do planeta por não estavam satisfeitos com ela de.
   segurou a alça da sua mala e respirou fundo. Ela podia ir agora.
  - Um dia você vai entender porque fizemos isso, filha, e então vai nos agradecer. – Sua mãe disse com a mesma seriedade plena de sempre.
  A garota apenas assentiu. Isso não aconteceria.
  - Adeus. – Ela falou e os olhou uma última vez, antes de por fim virar as costas e deixar tudo aquilo por sabe-se lá quanto tempo.

+++

  No carro, resolveu quebrar as regras que seguia desde pequena e ao invés de se sentar sozinha no banco de trás, ocupou o banco do passageiro ao lado de Robert. Seus pais teriam surtado se tivessem visto isso.
  - Como se sente, senhorita? – Ele perguntou sem tirar os olhos da estrada a sua frente. Ele dirigia até o aeroporto, como devia ser.
  - Nervosa. – A garota falou. – Muito nervosa, mas bem.
  - Vai dar tudo certo, senhorita. – O motorista disse convicto e ela concordou, esperando que ele realmente estivesse certo.
  Quando conversou com Robert no dia anterior, ele prometeu que a levaria até o aeroporto, onde a estaria esperando com sua caminhonete, e assim, quando seus pais olhassem o GPS do carro, se olhassem, veriam que o motorista havia feito exatamente seu trabalho.
  Mas nunca passaria pelo portão de embarque. Nunca entraria no avião que viajaria a Europa. Ela ficaria exatamente onde estava com quem ela queria estar.
  Durante todo o trajeto, ela tentou se concentrar em pensamentos positivos, nas coisas que faria dali para frente, nos lugares que visitaria pelos próximos dias com . Ela tentava de todas as formas deixar sua mente longe dos “e se” que rodeavam sua cabeça, de todas as coisas erradas que poderiam vir a acontecer.
  A garota estava com medo, claro que estava. Medo por ela, por , até mesmo por Robert. Mas não desistiria agora. Não mesmo.
   não havia pensado em tudo, mas em detalhes importantes.
  Deixou para seus pais uma carta, essa em um lugar onde eles só encontrariam horas e horas mais tarde, quando ela já estivesse muito longe para ser encontrada. Naquele pedaço de papel ela explicava sua atitude e o porquê de tudo. Se eles aceitariam ou ficariam ainda mais furiosos, ela não sabia. Mas garantia que estava bem e que não queria ser procurada. Ela esperava que eles entendessem isso e pelo menos desta vez concedessem seu pedido.
  Pegou o máximo de dinheiro que pôde de dentro de casa, pois não queria correr o risco de (quem sabe) usar sua conta bancária e deixar claro para seus pais o que pretendia fazer dali a algumas horas pelos próximos dias. Preferia que eles não descobrissem nada. Pelo menos não logo agora.
  Se tudo aquilo daria certo ou não, ainda era cedo demais para dizer.
  Assim que Robert estacionou, imediatamente viu a caminhonete de estacionada a alguns metros deles. O garoto estava escorado na lataria velha e descascada do veículo, a esperando pacientemente. 
  Seu coração disparou de felicidade. Ele não tinha mudado de ideia, realmente estava falando sério! 
  - Você veio! - Ela exclamou assim que desceu do carro e o abraçou.
  - Achou que eu fosse desistir? - perguntou em tom de brincadeira. - Eu sempre vou lutar por você, meu amor.
  Robert, que assistia tudo afastado alguns metros, sorriu e se aproximou, colocando toda a bagagem que a garota levaria na suposta viagem de avião, na caçamba da caminhonete.
  - Vocês vão ficar bem? - Ele perguntou ao casal, escondendo a leve tristeza em sua voz. Era difícil ver a aquela garota partir para a independência.
   e olharam um para o outro numa conversa sem palavras.
  - Vamos sim. - Ela afirmou e então abraçou seu antigo motorista, ajudante e amigo, tentando colocar toda sua gratidão naquele gesto. - Obrigada, Robert. De verdade.
  - Eu faria tudo de novo, senhorita. - O motorista disse. - Precisa de mais alguma coisa? 
  Ela negou com a cabeça e se separou dele. 
  - O que vai acontecer quando você voltar para casa e eles descobrirem tudo? - havia pensado muito nisso. - Será que vão desconfiar de você?
  Robert balançou a cabeça em negação rapidamente.
  - Senhorita - Ele começou sorrindo sereno, feliz por sentir que ela se importava. -, quando me contrataram, anos atrás, deixaram claro que minha função seria bastante simples: eu teria que levar a filha deles, você, onde quisesse ou onde eles decidissem te mandar. Você, senhorita, pediu para vir aqui e foi o que eles pediram também. Talvez a intenção de vocês três não fosse a mesma, mas ainda assim, se tratava do mesmo lugar. Eu não fiz nada mais que cumprir suas ordens. Mas se te tranquiliza, saiba que hoje foi meu ultimo dia de trabalho.
  - Está falando sério? Mas isso significa que está sem emprego e...
  - Eu posso arruma outra coisa para fazer, não se preocupe; - O homem lhe respondeu. – Sem você aqui, meu trabalho acabou, senhorita. Acho que vou aproveitar essa temporada e passar um longo tempo com minha família.
  - Faça isso. - Ela murmurou, feliz pelo que estava ouvindo e sorriu abertamente para ele. – E Robert?
  - Sim, senhorita?
  - Durante muito tempo você foi mais minha família do que qualquer outra pessoa. – Os lábios do homem tremeram levemente, como se segurasse uma vontade repentina de chorar. – Obrigada por ter estado ao meu lado todo esse tempo. Espero que você fique bem.
  Os dois se abraçaram uma última vez. também se despediu do motorista, sem ele a relação dele com a garota nunca teria sido nada. Devia mais a ele do que podia imaginar.
  O casal esperou ali, de mãos dadas, enquanto Robert entrava no carro e dava a partida para algum outro lugar longe dali.
  Sozinhos, por fim, eles se viram livres para fazer finalmente o que mais queriam.
  - Como se sente com tudo isso? – Ela perguntou.
  - Não sei ainda, você conseguiria me explicar como está se sentindo agora? – devolveu a pergunta de .
  - Acho que não. – Ela respondeu. – Mas podemos descobrir juntos.
  Um sorriu para o outro, os olhos dizendo coisas que jamais seriam capazes de colocar em palavras.
  - Nossa vida começa aqui. – Ela afirmou o beijando rapidamente.
  - Esse é só o primeiro passo. – Ele acrescentou rapidamente, mais apaixonado por ela naquele instante do que nunca. – Acha que vai se arrepender disso em algum momento?
  - Jamais, meu amor. Não com você aqui comigo.
  Um último sorriso compartilhado e eles já estavam dentro do carro, com a adrenalina correndo em suas veias tão rápido quanto a velocidade qual seguiram dali para fora da cidade, sem rumo certo.
  As dificuldades talvez ainda nem estivessem começado, mas eles sentiam sua ligação mais forte que nunca. Não sabiam ou tinham certeza do que aconteceria dali cinco minutos ou cinco horas, apenas estavam dispostos a tentar viver um dia de cada vez, com os pés nos chão e o maior cuidado que conseguissem ter. 
  Talvez tudo desse certo, ou então, tudo desse errado.
  Só que independente do que quer que viesse a acontecer, tinha coragem, e, enquanto tivesse isso consigo, entre o certo e o errado, ela sempre seguiria seu coração. E , enquanto tivesse a garota que amava junto a si, enfrentaria qualquer coisa, qualquer um. Iria a qualquer lugar.
  Os dois estavam juntos, ficariam sempre juntos. O que tivesse de ser, seria. E para eles, nada mais importava.

Fim.

  Nota: Olá, pessoal!!! Uma short bem amorzinho para vocês Hahaha! Ela é uma songfic que escrevi especialmente para o desafio aqui do site inspirada na música Uptown Girl do Billy Joel! Foi um clichê bem clichê que me deu um super trabalho no começo, mas tenho que admitir, gostei bastante do resultado. Espero que tenham gostado assim como eu! Espero o comentário de vocês aqui embaixo ;)
  Beijooos!!! Até a próxima ><
  Ps.: Não se esqueçam de participar do grupo da minha longfic Dear Diary (e de outras histórias) no face!