Untitled #1

Escrita por Thay | Revisada por Isabelle Castro

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  Olhei para o lado e senti a fúria crescer dentro de mim. Nem eu mesmo conseguia explicar o motivo de me sentir assim, mas ver minha esposa sorrindo com os outros convidados, falando uma língua que eu não entendia, simplesmente fazia meu corpo se encher de raiva.
  Me levantei da cadeira abruptamente para deixar a mesa, de relance a vi me observar partir e olhar novamente para os convidados, provavelmente os dizendo que estava estressado por causa do trabalho. Duvido que a essa altura alguém ainda acredite nisso, mas ela gostava de manter as aparências.
  Subi para o terraço e acendi um cigarro de maconha. Fumei um, dois, três... Até estar completamente chapado. O que não seria ruim, se já não estivesse bêbado.
  Lembrei-me de quando conheci , na faculdade. Ambos jovens e cheios de esperanças, nos apaixonamos imediatamente. Amor ardente, intenso, daqueles que a gente pensa que é para sempre.
  Nos casamos dois meses depois, com os gritos de nossa família nos avisando que é loucura.
   era de família brasileira que, apesar de morar aqui há anos, não conseguiu ser capaz de aprender a falar inglês. Se eu me incomodaria em vir a eventos da família dela mesmo não entendendo nada foi a primeira coisa que ela me perguntou quando a pedi em casamento. Obviamente eu respondi que aquilo não seria problema algum.
  Não sei como exatamente, mas há alguns anos as coisas simplesmente começaram a ficar ruins. Eu não conseguia mais me sentir daquele jeito e comecei a descontar isso nela. Tornei-me grosso e insensível, coisa que nem eu mesmo entendo. Eu tinha tanto amor por aquela mulher de longos cabelos castanhos e lábios carnudos, como isso simplesmente desaparecer? Eu tinha tanta certeza que duraria para sempre.
  E mesmo assim eu não conseguia a deixar ir. Ela tentou por varias vezes pedir o divórcio, mas eu negava e dizia que a não deixaria em paz. Depois, mais calmo, prometia que ia ser diferente, que ia mudar. E realmente fazia por um tempo, mas logo voltava pior que antes.
   sempre tentava melhorar a situação, conversar. Até terapia ela já quis tentar, mas eu nunca queria nada disso. Para mim nada estava ruim enquanto ela fosse a única que sofresse. Isso resultou em uma fria e distante da pior maneira: sempre que brigávamos, ela quem corria atrás e esperava até eu melhorar, hoje em dia ela não faz isso. Ela não briga, não discute, não tenta conversar. Não me segue mais quando levanto da mesa, apenas continua fazendo o que quer que estivesse fazendo antes. E quando meu tempo passava e eu voltava temporariamente a ser o marido maravilhoso de antes, ela me recebia de braços abertos. Me preparava café da manhã e me beijava os lábios, mas seu toque era frio como o gelo. Finalmente, a chama dela tinha se apagado também. E isso já fazia uns meses.
  Do alto do terraço olhei para baixo e vi a bela Senhora andando ao lado de um casal e um rapaz que não fazia parte da família dela. O quarteto conversava animadamente e o rapaz tinha sua mão nas costas de minha esposa. Ele parecia flertar com ela o tempo todo... Ou eu estava bêbado/chapado demais?
  Quando a festa acabou, veio me buscar no terraço. Mesmo no chão e com a visão embaçada, reconheci seu belo vestido dourado que brilhava com o luar. Ela me puxou pelo braço e me levantou do chão sem dificuldade alguma. Arrumou minha roupa e meu cabelo e me puxou pelo braço, para que descermos juntos. soltou meu braço assim que percebeu que todos os convidados já tinham ido embora.
  Minha bela esposa me jogou no banco de trás de nossa Ferrari e colocou o sinto de segurança em mim; depois foi para o banco do motorista e deu partida no carro. Mesmo tendo casados tão jovens, não foi difícil fazer nossa própria fortuna. A família era famosa por suas fazendas espalhadas pelo mundo e contava com uma matriarca exemplar. era a sucessora natural. Minha família não era tão rica, mas tínhamos bastante luxo. Juntando as duas riquezas, construímos prédios e hotéis, nos tornando multimilionários antes dos 30. Apreciamos em revistas e jornais o tempo todo. Às vezes me pergunto se não foi essa vida fácil que me cansou.
  Quando chegamos em casa me jogou na cama sem cerimônias e se dirigiu ao quarto mais afastado que pode. Ela nunca dormia comigo quando eu estava daquele jeito e felizmente nossa mansão tem muitos quartos, mesmo nós dois sendo os únicos a morar lá.
  De manhã a vi se vestir em um vestido vermelho que acentuava suas belas curvas. O cabelo longo estava solto e ela usava um par de brincos que tinha comprado em Paris. Ela pôs perfume e um salto antes de sair sem ao menos falar comigo.
  Levantei-me da cama com dificuldade e pedi a empregada que preparasse meu café da manhã. Minha cabeça doía por causa da bebida da noite anterior. E doía mais quando pensava em naquele vestido vermelho.

  Semanas depois eu voltei a ter vontade de ser carinhoso e tudo voltou ao "normal". Café da manhã, beijinho de bom dia, conversa sobre os negócios durante todo o trajeto a empresa. Jantar a noite, beijinho de boa noite, sexo rápido, sono imediatamente após.
  Ela sempre no celular. Um problema sendo resolvido por mensagem, uma ligação de emergência cheia de risos que era desligada assim que me presença era notada.
  Certo dia a correspondência chegou e tão rápido que eu nem cheguei a ver. Dias depois, por acidente, encontrei o convite de mais uma festa de sua família. Festa que tinha acontecido três dias antes, quando ela disse que precisou fazer uma viagem de urgência e passou três dias fora. De fato, a festa tinha sido em seu país de origem, mas onde ela tinha ido sem mim nos últimos sete anos? Quantas vezes ela tinha escondido algo de mim?
  Ela chegou tarde da noite naquele dia e eu já estava dormindo. Ela vinha chegando tarde quase diariamente, dizendo que tinha tido reuniões extras na empresa ou com a família dela. Eu nunca questionava, pois isso não era incomum, mas descobrir aquele convite me fez desconfiar que algo pudesse estar errado.
  De manhã ela acordou cedo e preparou café da manhã para nós dois. Eu a observei ler o jornal e decidi fazer um elogio. Disse a ela que ela estava linda. Ela apenas me olhou por cima do jornal e riu, dizendo que chegaria tarde naquela noite também.
  Após o expediente pedi para que o motorista levasse meu carro e o dei dinheiro para pegar um táxi. Depois paguei a um funcionário da empresa para que me deixasse pegar seu carro, um Fiat cinza que passaria despercebido em qualquer lugar. Então a segui.
  A segui até um de nossos prédios residenciais. Ela entrou lá e só saiu horas depois, realmente tarde. Corri para a casa o mais rápido possível.
  No dia seguinte pedi a relação de moradores daquele prédio e os responsáveis pelo pagamento. O nome dela não constava em lugar algum. Pedi então para que um funcionário fosse fazer uma entrega lá e descobrisse o apartamento que ela visitava. Ele fingiu ter uma entrega especial e ter esquecido qual apartamento era.

  Apartamento 303B, 19° andar
  Morador: Harry Styles

  O rapaz da última festa.
  Fiquei as próximas semanas pensando naquilo. Obviamente, eu estava sendo traído. Mas há quanto tempo? Não conseguia dizer, já que não prestava a devida atenção a minha esposa. E mesmo reconhecendo que de fato eu merecia aquilo me fez sentir muita raiva e muita magoa. Nunca pensei que ela fosse capaz de fazer uma coisa dessas... Logo ela.
  Eu não sabia o que fazer com aquela informação. Confronta-la resultaria em discussão e talvez um divórcio, coisa que eu não desejava.
  Ela continuava cada vez mais bela, mais bem arrumada, mais distante de mim. Sorria com frequência na empresa, vivia na sala de reuniões com advogados. Saia de casa por varias vezes com bolsas enormes que pareciam pesadas, mas não aceitava ajuda. As pessoas me olhavam torto, às vezes até com compaixão e pena.
  Foi assim que notei que tinha algo errado. Algo além do caso dela.
  De repente, voltei a sentir por ela todo o amor que parecia ter acabado. Tinha vontade de abraça-la, beija-la, toca-la. Por várias vezes precisei me trancar no banheiro após vê-la toda arrumada, com vestidos que mostravam seu corpo da maneira mais sensual possível. Eu me sentia com vinte anos novamente, completamente apaixonado por aquela mulher.
  Porém todos os meus esforços para recuperar ela fora em vão. Ela não correspondia a minhas carícias, aos meus beijos. Não sei deitava comigo. Ela nem ao menos me levava a eventos, eu sempre ficava em casa sozinho por noites. Finalmente tendo o que merecia.

  Certo dia, meses depois de ter descoberto a traição, cheguei em casa e a mansão parecia bem mais vazia do que de costume. não tinha ido trabalhar naquele dia, mas mesmo assim não estava lá. Subi para o meu quarto para tomar um banho. Quando sai do banheiro para pegar uma roupa no closet, olhei para o closet dela e tive uma sessão estranha e o abri.
  Vazio.
  Completamente vazio.
  Nem roupas, nem sapatos, nem maquiagens... Nada.
  Sua penteadeira estava vazia também. Não havia um rastro sequer de que um dia uma mulher chamada / tinha vivido naquela casa.

  Depois de várias tentativas de contato, os papeis do divórcio e da separação dos bens chegaram. Ela ficaria com praticamente tudo sem chance de acordo, já que ela tinha investido a maior parte. Eu não era estúpido o bastante para entrar em uma batalha judicial com uma . Eu tinha ficado apenas com a casca, a Ferrari e 30% das ações. Continuava rico, mas meu estilo se vida teria que mudar drasticamente.
  Continuei vendo frequentemente. Tínhamos reuniões sozinhos, trancados na sala dela, muitas vezes. Ela continuou como presidente da empresa e eu o vice, então precisávamos um do outro. Ela era sempre extremamente cordial e risonha, como se eu fosse qualquer outro funcionário e não seu ex-marido.
  Anos depois, eu me casei novamente e tive filhos. Formei uma família muito feliz, muito saudável. O contato com ainda era frequente e ela até era madrinha de um dos meninos. Estranhamente, ficamos mais amigos depois do divórcio do que antes.
   não se casou novamente. Ela adotou uma menina linda a quem batizou de Joy. As duas viviam juntas e felizes em uma casa enorme e colorida, casa que meus filhos visitavam com frequência. Quando perguntei de Cristiano, ela respondeu que ele não foi a razão de nada.
  Sem mim, voltou a ser a mulher que era. Forte, decidida, confiante. Percebi que ela tinha enfraquecido porque eu suguei suas forças. Algumas vezes, eu a desejei em silêncio, antes de me casar. Mas sabia que não teria chance alguma.
  Arrependo-me amargamente do homem que fui e espero criar filhos que não cometam os mesmos erros. Espero que ela crie uma filha que não aguente um homem como eu fui.
  Tenho certeza que ela irá.

FIM



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