The Blower's Daughter

Escrito por Giovanna Gomes | Revisado por Beezus

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Parte do Projeto Sorteio Surpresa - 9ª Temporada // Tema: Cemitério

  Ventava. O frio castigava todos aqueles que se atreviam a sair de suas casas.
  Eu não sentia o frio, mas sentia quando o vento chicoteava em meus cabelos fazendo-os voar feito palha.
  Então eu a vi. Chorando no túmulo de seu pai. O cheiro de morte recente preenchia o ar.
  Era muito suave para que seres humanos sentissem. Mas eu sentia.
  Continuei a observa-la, me aproximei e apoiei minha mão branca como osso em uma árvore para que pudesse ver de um ângulo melhor.

  A jovem de cabelos olhou por cima de seu ombro para trás e eu me escondi atrás da árvore.
  Não queria que ela me visse.
  Eu ouvia suas preces à Deus. Ela pedia para que Ele levasse a alma de seu pai para algum lugar confortável.
  A moça pedia para que Deus levasse seu pai para o Céu.
  Ela sentia dor. A dor da perda. E sentia frio também.
  Eu ouvia seu leve bater de dentes.
  Estava muito frio. Mas ela não queria ir embora.
  Já fazia umas cinco horas desde que seu pai havia sido sepultado, e ela continuava lá.
  Parada. Em pé. No mesmo lugar.
  Agora ela não chorava mais. Apenas retirava pétala por pétala das flores que seus amigos e familiares haviam deixado ali.

  Então era isso.
  A história era curta.
  Não havia amor, nem glória, e nenhum herói no céu dela.

  2 semanas depois...

  Fazia um pouco de sol naquele dia.
  Ela estava sentada em frente ao túmulo de seu pai.
  Conversava com ele.
  Não sei como ela ainda não havia cansado daquele cemitério.
  Eu já estava cansado de viver naquele lugar. O tédio me consumia.
  Porém, o que me consumia mais que o tédio era a vontade de ir falar com aquela... Estranha.
  Aquela garota que me fazia querer olhar para ela a cada dois segundos, só para eu ter certeza de que estava vivo.
  Ou apenas ter certeza de que existia e vagava pela terra.
  Eu não conseguia tirar meus olhos dela.
  Simplesmente não conseguia parar de olha-la.

  Balancei a cabeça e arranquei algumas Margaridas Inglesas que cresciam no canteiro.
  Dei algumas batidinhas no jeans desgastado que vestia e sai de trás das árvores fazendo o maior barulho que pude.
  Ela me olhou rapidamente e logo desviou o olhar.
  Eu não sabia de quem era o túmulo que eu estava pondo as flores, mas isso era irrelevante.
  — Você está há muito tempo aqui? — Perguntei.
  Ela olhou para os lados antes de me responder.
  — Estou. — Ela fungou. — Quem veio visitar?
  — Minha mãe. — Abri um meio sorriso e olhei para a sepultura a minha frente.
  — Então você errou de túmulo, porque meu avó está enterrado ai. — Ela me olhou séria.
  — Oh, me... Me desculpe. — Me levantei um pouco sem graça.
  — O que você quer? — Perguntou ela sem me olhar. — Por que está aqui colocando as flores que arrancou do canteiro no túmulo do vovó e mentindo?
  Abaixei a cabeça. Nenhuma resposta vinha a minha mente.
  — Qual é o seu nome? — Perguntei.
  — .
  — Então, , eu queria arrumar uma desculpa para vir falar com você. — Respondi na cara de pau.
  — Então saiba que eu vim visitar meu pai. Não arrumar um namorado. — "Ríspida" pensei.
  — Não vai perguntar qual é o meu nome?
  — Hum? — Ela arqueou uma sobrancelha e me encarou.
  — Eu me chamo .

   suspirou.
  — Então , me diga onde você quer chegar porque eu estou muito cansada e só quero ficar sozinha com o meu pai. — Disse ela. Seus lábios formavam uma linha rígida que combinavam perfeitamente com seu semblante abatido e cansado.
  — Me desculpe... Eu só achei que você poderia querer companhia. Afinal eu só te vejo sozinha ...
  — Sozinha? Há quanto tempo você me observa? — Perguntou ela assustada. Eu não devia ter falado nada.
  — Calma, eu só te vi há alguns segundos ou minutos atrás. — Menti.
  — Tudo bem, o cemitério é público. Fique onde quiser, só não fique falando na minha cabeça. — Ela suspirou e sentou-se na grama úmida. — Melhor, finja que eu não estou aqui.
  Assenti e sentei-me bem distante dela.

   era inalcançável para mim.
  Eu não a conhecia direito e nem teria a chance de conhecer.
  Ela era a filha do vento e eu... Eu era o filho das trevas.
  O aluno rejeitado, o biscoito quebrado do pacote.
  O destinado a ter uma vida amaldiçoada.

  — Posso te fazer uma pergunta? — Eu não queria parecer chato, mas precisa reunir o máximo de informações sobre .
  — Pode. — Respondeu ela.
  — Você não cansa desse lugar? — Percebi que havia feito besteira. Ela estava ali pelo pai dela.
  — Talvez algum dia eu canse. — Respondeu com um suspiro pesado.

  Durante toda aquela semana, voltou todos os dias para visitar seu pai.
  E eu sempre estava lá, fazendo companhia para ela. Na maior parte do tempo calado, já que ela não gostava muito de conversar.
  — ? — Me surpreendi quando ela me chamou.
  — Sim?
  — Quer tomar um café, comigo? — Perguntou franzindo os lábios. Pensativa.
  — Café? Com você?
  — Sim, ou você nunca tomou um café antes? — Na verdade fazia tanto tempo que eu não tomava café... Já havia até me esquecido do gosto.
  — É claro que sim. — Olhei para os pés. — Vamos. Pode ser bom. — Completei.

  A caminho da cafeteria se mostrou ser uma pessoa bem simpática.
  Ela falava o tempo todo. Acho que ela só precisava de uma pessoa que pudesse realmente ouvi-la, e não só falar de si próprio.
  — Então , me conte, onde você mora? — Engoli em seco. Como eu diria isso para ela?
  — Eu moro aqui perto. — Menti e tomei um grande gole do café.
  — Onde? Ou prefere manter em segredo? — Ela riu.
  — Acho que prefiro manter em segredo. — Sorri também.
  — Tem irmãos?
  — Não. E você?
  — Apenas um. Ele está na faculdade e não mora mais comigo e a mamãe, já que o papai morreu... — Então seu olhar perdeu o foco e ela ficou olhando para o nada.
  — Posso fazer uma pergunta? Vou entender se não quiser responder. — Ela saiu do transe no mesmo momento.
  — Claro, qualquer uma. — Ela bebeu um pouco do café e depois ficou me olhando nos olhos.
  — Como seu pai morreu?
   prendeu a respiração por alguns segundos antes de me responder.
  — Bom, na verdade eu não sei muito bem porque mamãe diz que foi um acidente na garagem. Ele havia subido na escada para consertar a telha que estava se soltando na parte de dentro e... Caiu. Bateu a cabeça e morreu. — Seu olhar estava triste. — Eu nunca mais vou me esquecer da cena: Cheguei em casa da escola, não passavam das 10 da manhã. A polícia estava na porta da minha casa e os vizinhos cochichando de todos os lados. Até que minha mãe saiu de dentro de casa enrolada em um cobertor e com uma xícara na mão, amparada por policiais. Eu corri até ela e um dos policiais disse que meu pai havia morrido.

  Quando ela terminou a história havia uma lágrima solitária rolando por sua bochecha.
  — Eu sinto muito. — Entreguei a ela um guardanapo.
  — Não sinta, não quero que as pessoas tenham pena de mim.
  Assenti. Eu entendia o lado dela, não queria parecer fraca. Não queria que as pessoas sentissem pena dela, quando na verdade sabia que todos sentiam. Muita pena.
  — Eu, eu preciso ir embora, . — Ela se levantou. — Até mais.
  — Não. — Segurei seu pulso e ela me olhou automaticamente. — Eu preciso te contar uma coisa.
  — Mas, , eu preciso ir.
  — Depois você vai. Por favor... — Pedi e sentou-se novamente.
  — O que você tem a me contar? — Perguntou.
  — Você acredita em... Monstros? — Ela deu uma risadinha.
  — Aonde você quer chegar com isso?
  — Acredita ou não? — Perguntei sério.
  — Sim. — Ela engoliu em seco e apoiou as mãos na mesa.
  — Você sabe guardar segredos?
  — Sei. — estava um tanto nervosa.
  — Então posso te contar o meu? — Eu não sabia o porquê, mas tinha a necessidade de contar o segredo que guardei há tantos anos só para mim para aquela garota que eu havia conhecido há algumas semanas.
  — , você está me assustando. — Disse ela com a voz trêmula.
  — Então vamos terminar isso lá fora. — Segurei sua mão e a levei para o frio junto comigo.
  — O que você quer? — Perguntou ela correndo um pouco para acompanhar meus passos.
  Não respondi. Apenas continuei andando, até voltarmos para o cemitério.

  — Por que nós voltamos para cá? — Perguntou ela cansada.
  — Então, posso terminar o que comecei?
  — Pode. — Ela assentiu devagar.
  — Eu sou um vampiro, . — Eu olhei para seu semblante de choque que logo se transformou em deboche.
  — Ok, conta outra porque essa já está velha. — Ela riu. — Se você é um vampiro eu sou a Branca de Neve.
  — Estou falando sério!
  — Eu também. — Ela revirou os olhos e saiu andando.
  Eu corri e segurei seu braço novamente.
  — Quer uma prova? — Perguntei.
  — Então me mostre.
  — Seu sangue é do tipo AB-, eu sei só de sentir o cheiro. É um tipo raro.
  — Bom chute, , o chute que te levou a fazer o gol. Meu tipo sanguíneo é AB-, mas como vou saber que não está mentindo?
  — Observe. — Sussurrei e corri em alta velocidade, fique atrás dela e tocou seu ombro. Então antes que ela se virasse eu estava de volta a sua frente.
  Agora sorria.
  — Como você fez isso? E por que partilhou isso comigo?
  — Porque eu gosto de você, , eu gosto de você. — Ela segurou minha mão.
  — Também gosto de você, .
  — Eu moro aqui. — Falei.
  — Aqui? Sério? — Perguntou ela assustada.
  — Sim. Vá se acostumando. — Eu ri e me acompanhou.

  Pela primeira vez em todos os meus anos de existência eu estava vivendo.
   me fazia sorrir, e eu gostava dela.
  Apesar de ser apenas uma humana fraca e cheia de problemas.
  Da ultima vez que a vi ela estava com um vestido vermelho, e uma flor no cabelo.
  Ela estava mais feliz.
   havia dito que veria me ver as 15:00 horas, ela estava um pouco atrasada até que resolvi sair.
  Vi várias pessoas reunidas perto de uma sepultura e me escondi. Teria que sair depois.

   Algumas horas depois...
  Quando finalmente o maldito enterro acabou eu fui até o tumulo ver quem havia sido enterrado.
  Minhas mãos se fecharam em com força.
  O choque era grande, eu não acreditei quando li o nome que estava escrito ali.

  
  1995 - 2014

   estava morta.
  Ela estava morta.
  Um grito escapou pelos meus lábios.
  Não pude conte-lo.
  Um homem caminhava até a mim, e eu estava ajoelhado no tumúlo de .
  — Você a conhecia? — Perguntou.
  — Sim, ela era... — Não havia palavras para expressar o que eu sentia.
  — Sabe o que aconteceu?
  — Não. O que foi? — Perguntei.
  — descobriu que a mãe assassinou seu pai junto com seu amante, que era da polícia e se suicidou. Encontraram ela na banheira da casa de uma tia. — Terminou ela.
  Eu não chorava. Não haviam lágrimas naquele corpo maldito para serem derramadas.
  — Você está bem garoto? — Perguntou o homem.
  — Estou. — Respondi e observei até que ele se foi.
  Me levantei e chutei as flores que estavam ali.
  — Como você pode fazer isso? — Gritei. — Como pode, sua idiota! Eu te amava, ! Eu te amava sua burra, por que você fez isso?
  Eu estava gritando com toda a minha voz.
  Eu queria que voltasse, queria que ela voltasse para mim.
  Mas infelizmente não aconteceria isso.

  Começou a chover. Era uma chuva bem forte, e era estranho, pois não haviam nuvens no céu.
  A chuva começou a me molhar.
  Era como se fosse à primeira chuva de minha vida.
  Ela me assustava. A água era mais fria.
  A filha do vento havia morrido.
  E eu não conseguia tirar da minha cabeça.
  Não conseguia parar de vê-la em meus pensamentos, para todos os lados que eu olhava eu via apenas .
  — , eu não consigo parar de pensar em você. — Sussurrei mesmo sabendo que ela não podia me ouvir mais. — Eu sinto muito pelo que aconteceu com você. — Toquei seu nome que estava gravado no mármore. — Vou continuar pensando em você. Até eu achar um outro alguém.

FIM!



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