Story Of Our Lives

Escrito por Lyra M. | Revisado por Feer

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Parte do Amigo Secreto 2 - Equipe 2014

I. Memory Lane

  Two years away, I got back today,
  Tried calling up this girl I used to know
,   But when I said hello, she didn't know just
  Who the hell I was supposed to be.

   jogou-se na cama, no quarto escuro. Ele havia chegado em casa há poucas horas, mas parecia uma eternidade, levando em conta o cansaço que sentia. A mala ainda estava aberta no chão, revirada, e boa parte das roupas estavam emboladas na cama, em baixo dele. E certamente ficariam ali por um bom tempo, ele estava cansado demais para arrumar qualquer coisa que fosse. Aliás, estava cansado demais até para pensar em qualquer coisa que não fosse dormir e em como estar em casa de novo soava como acordar de um sonho incrível. E nela. Meu Deus, ele precisava parar de pensar nela.
  Era de se esperar que, depois de dois anos fora investindo na carreira de músico, ele tivesse esquecido o passado. E de fato esqueceu, por um tempo, até tirar férias e voltar para sua cidade natal. Aí tudo voltou como uma avalanche. suspirou, dando-se por vencido. O plano era resolver aquilo na manhã seguinte, mas assim não conseguiria dormir. Ele tateou a cama, procurando o celular, e apertou os olhos quando a luz do aparelho iluminou de modo fraco o ambiente, cuja única iluminação antes vinha da janela aberta.
  Ele revirou a lista de contatos, procurando um número em especial. Dois anos não eram tempo suficiente para que alguém trocasse o número do telefone, certo? Bem, ele teria que descobrir tentando. Assim como o que falaria, pois não fazia ideia do que diria quando (e se) ela atendesse. Num impulso, ele apertou o botão de discagem, antes que mudasse de ideia. Ele achou que ela ao menos demoraria para atender, já que estava tarde. Mas não, ela atendeu no segundo toque, e mal teve tempo de mudar de ideia.
  — Alô? — Ela atendeu, e por um momento a garganta dele secou, e sentiu-se, mais uma vez, como um adolescente. Ridículo.
  — Hey. — Ele finalmente respondeu, depois de pigarrear.
  — Quem está falando? — A pergunta o pegou desprevenido. Ele havia considerado a ideia de que ela havia trocado o telefone, mas se esqueceu de que ele mesmo o fizera, há algum tempo.
  — Sou eu. .
  O silêncio se prolongou por mais tempo do que ele gostaria de aceitar. No fundo, ele já sabia o que viria, mas isso não tornou mais fácil de se ouvir. Ele ainda sentiu seu coração chegar a algum lugar perto de seu estômago quando ela respondeu, depois de um tempo:
  — Desculpe, não sei quem é.
  — Tudo bem. — Foi tudo o que ele conseguiu dizer, com a garganta apertada. — Devo ter ligado para o número errado.
  E então desligou. sabia que não era o número errado. Ele só sabia que não conseguiria prever a reação dela, e com certeza jamais teria previsto aquilo. Antes de ligar, se perguntou muitas vezes se deveria mesmo procurá-la. Agora a resposta era clara. Não.

I. Midnight Memories

  Midnight memories, oh oh oh
  Baby, you and me
  Stumbling in the street
  Singing, singing, singing, singing
  Midnight memories, oh oh oh
  Baby, where we go?
  Never say no
  Just do it, do it, do it, do it

   ouviu desligar o telefone, mas continuou segurando o celular junto ao ouvido; estava distraída demais para prestar atenção em uma coisa tão boba quanto isso. Ela se sentia uma bagunça. O choque de ouvir a voz dele de novo, é claro, falava mais alto. Mas o rancor não ficava muito atrás. E aquilo apertando sua garganta era tristeza? Nem ela sabia mais.
  Ela demorara cerca de seis meses para começar a esquecê-lo, e mais um ano para esquecer completamente. E agora isso, uma ligação no meio de uma noite de terça-feira, quando ela já achava que nunca mais ouviria falar dele de novo. não fazia ideia dos motivos que o fizeram ligar assim, do nada, mas a única impressão que tinha era de que o objetivo era atrapalhar sua vida. E fazê-la ter certeza de que nunca o esqueceria completamente, do jeito que achava que tinha esquecido.
  A mulher largou o celular de qualquer jeito em cima da mesinha de centro da sala, e esticou-se no sofá, cobrindo o rosto com as mãos. Só podia ser uma piada de mau gosto. Mas, o que quer que fosse, já havia feito o estrago. As memórias voltavam, cada vez mais rápidas e aleatórias, para a mente dela. Era irônico que eles estivessem assim agora, como dois desconhecidos. Aliás, essa fora a única saída encontrada por ela para lidar com a ligação inesperada. Não saberia manter uma conversa com ele depois de tanto tempo, e ser pega de surpresa não ajudava em nada. Não, fingir que não se lembrava dele era a melhor opção; assim teria mais tempo para pensar no que fazer, porque no fundo sabia que ele não iria embora de sua vida assim tão fácil.
  Dois anos pareciam dois dias. Ela se lembrava perfeitamente do dia em que ele contou estar prestes a ir embora, e de como ela sentiu as esperanças caírem por terra no mesmo instante. não havia percebido, até então, o quanto queria estar com , mas não podia mais negar nem para si mesma. Nenhuma pessoa que quisesse apenas amizade se sentiria do jeito que ela se sentiu, tinha certeza. E mesmo que as lembranças trouxessem de volta raiva e a sensação de que o chão se abria em baixo dela, não conseguia evitar um meio riso. Aquela noite estava sendo divertida, até ele soltar a bomba. Agridoce, essa era a palavra certa para definir a memória daquela noite.

  “A festa em que estavam já havia acabado há horas, e todos os outros de seu grupo de amigos já haviam ido para casa, menos os dois. Não queriam voltar ainda, e não sabiam mais para onde ir ou o que fazer. E sem perceber como, os dois se encontraram sentados na calçada, rindo como bêbados, e falando coisas sem sentido em um jogo inventado. Não havia regras; um só diria a coisa mais ridícula em que conseguisse pensar sobre o futuro.
  — Acho que vou desistir da faculdade e gastar as economias com hambúrgueres. — dissera, e os dois riram; sabiam que o garoto seria no mínimo expulso de casa se fizesse algo do tipo.
  — Talvez eu consiga um emprego numa lanchonete. Você pode comprar os hambúrgueres comigo! — retrucou, e eles voltaram a gargalhar. O silêncio durou alguns segundos, enquanto pensava no que dizer. Por fim, ele disse:
  — Vou para Los Angeles amanhã investir na carreira de música com os outros garotos.
  — Ora vamos, . — reclamou. — Essa não foi engraçada, você pode fazer melhor!
  — Não foi uma piada, .
  Ela não conseguiu responder. Na verdade, mal ouvia a explicação que ele dava sobre não saber como contar para ela, e como sentia muito. A única coisa que ela conseguiu fazer foi, em uma espécie de transe, se levantar e murmurar algo sobre precisar ir embora, deixando para trás, sentado na calçada, na meia-noite de uma sexta-feira.
  Eles não se falaram mais, e ele foi embora no dia seguinte.

II. Forget All You Know

  If I could say I believe it then I would
  I had a dream that in my heart there was a flood
  I woke up and my sheets all tangled up

   acordou de supetão. Não sabia ao certo em que momento havia pego no sono. Já era de manhã, e provavelmente o sol fora um dos motivos para que ele ter acordado. Isso e os sonhos confusos e turvos como a água de um rio tomado pela poluição. Ele levantou-se da cama, tropeçando no lençol, até que, por fim, ele chegou perto o suficiente da janela para fechar as cortinas.
  Ele jogou-se de volta na cama, reprimindo um bocejo e tentando espantar o sono. Aquela noite fora péssima. passara horas se xingando mentalmente por ter ligado para , mesmo sabendo das chances de dar errado. Mas é claro, dar errado era uma coisa, mas daí a ela ter se esquecido de quem ele era? Não, era impossível. Os dois não eram melhores amigos quando ele partira, mas já se conheciam há alguns anos. Não se esquece uma pessoa assim, em um período de tempo relativamente curto. Não, ela só podia estar mentindo.
  Se ao menos eles tivessem mantido contato durante o tempo que ele passou fora… talvez não tivesse adiantado nada, mas ele nunca saberia. O que sabia era que ficar se martirizando não valia a pena. Se realmente não se lembrava dele, não havia muita coisa que ele pudesse fazer. E, se lembrava mas preferia fingir que não, então não valia a pena insistir. E, por algum motivo, suspeitava que a segunda opção era a verdadeira.
  Ele se levantou mais uma vez, decidido. Se ela queria que ele a esquecesse, então assim o faria.

II. Don't Forget Where You Belong

  I've been away for ages
  But I got everything I need
  I've flicken through the pages
  I've written in my memory
  I feel like I'm dreaming
  Oh, so I know, I know, I know, I know
  That I'm never leaving
  No, I won't go

   tentou se levantar do chão, mas se arrependeu no mesmo momento. Suas costas doíam mais do que qualquer outra dor que ela já sentira, e mal conseguia mexer o pescoço. adormecera sentada no chão do quarto, no tapete, com as costas apoiadas na cama. Ao seu lado, no chão, uma caixa revirada, com todas as lembranças que ela ainda guardava da adolescência.
  A maioria, ela precisava admitir, era relacionada a . Não porque ele fora de enorme importância quando ela era mais jovem, mas porque as lembranças dele eram as únicas que ela preferia guardar em uma caixa em vez de deixar exposto, como as fotos – que ela costumava arrumar em porta-retratos em sua sala de estar. Ela poderia ter jogado fora, claro, mas nunca tivera coragem. O máximo que era capaz de fazer era de manter tudo em uma caixa, guardada no fundo do armário, e revirar seu conteúdo quando a saudade insistia em aparecer.
  É claro, ela sabia muito bem que poderia ter mantido contato com quando ele viajou, mas não conseguiu. Sentia-se muito burra por ter acreditado que um dia poderiam ter dado certo, quando no final ele preferiu trocá-la por uma carreira instável e sem garantias de dar certo. Não, ela preferiu se afastar. O melhor seria esquecê-lo de vez, mas se fosse para manter algum tipo de contato, então que fosse através daquela caixa; era tudo que ela precisava: algumas fotos, os cd's que ela gravara de quando ainda ensaiava com a banda na garagem e, é claro, algumas folhas dos diários que ela escrevia e que fizera questão de arrancar, onde o nome dele era citado muitas vezes.
  Quando a saudade a fazia lembrar de mais do que ela gostaria, revirava tudo aquilo. Não porque diminuía o sentimento, mas porque o substituía pelo rancor da viagem da qual ela nada soube até o último minuto. Algumas frases do que estava escrito nos diários ela chegara, inclusive, a decorar. Reviver aquelas memórias era um hábito cada vez menor para a moça, mas lá estava ela de novo. Dormira em meio a todas aquelas lembranças espalhadas no chão de seu quarto, e agora que acordara, dolorida e ainda mais cansada do que na noite anterior, sentia como se ainda estivesse sonhando. Era irreal demais acreditar que não só estava de volta como também a procurara.
  Naquele momento ela soube o que tentou ignorar durante todo aquele tempo. Nos dois anos que se passaram, afirmou para si mesma diversas vezes que, se ele quis partir, então que fosse embora de uma vez, pois ela não se importaria. Mas como poderia deixá-lo ir se ela mesma não iria a lugar algum?

III. Obviously

  'Cause obviously she's out of my league
  I'm wasting my time
  'Cause she'll never be mine
  And I know
  I never will be good enough for her

   se xingou mentalmente enquanto acabava de beber um copo de whiskey. Era o segundo dia que passava na cidade natal, e tudo soava um tanto quanto falso. Talvez tivesse se acostumado com a vida que levara durante aqueles dois anos em Los Angeles, pois tudo que fizera até agora parecia ligeiramente errado. Ele voltara no dia anterior, jantara com os pais, fora para casa arrumar suas coisas, e então, no dia seguinte, saiu com alguns velhos amigos para jogar conversa fora e almoçar. O problema era que tudo que parecia normal antes, agora soava estranho. E tudo sempre voltava para .
  Ele tentara, discretamente, perguntar entre uma conversa e outra como ela estava, o que andava fazendo da vida e coisas do tipo. Mas ninguém prolongou o assunto, e ele acabou desistindo. Talvez tivesse sido discreto demais, ou talvez nenhum de seus amigos tenha dito a verdade de propósito. No fundo, tinha medo de saber.
  Na noite anterior ele decidira esquecê-la, mas passara o dia todo com uma curiosidade cutucando-o no fundo da mente sobre como andava a vida de . E, já que não conseguira nenhuma informação relevante, tomaria aquilo com um sinal. Ela estava, claramente, fora do alcance dele, e ele já deveria ter desistido de ter o que fosse com ela há muito tempo. Deveria parar de perder tempo pensando naquilo, também.
  Se por um acaso se achava superior a ele de algum jeito, ou se achava que ele não era bom o suficiente para merecer ao menos uma lembrança, então ela não valia a pena também. E ele comemoraria a libertação daquela corrente invisível que o prendia a ela da melhor maneira possível: bebendo, em um bar.

III. Night Changes

  Going out tonight
  Changes into something red
  Her mother doesn't like that kind of dress
  Everything she never had, she's showing off

  A raiva borbulhava dentro de . Nem ela mesma sabia explicar direito o motivo, mas sentia assim mesmo. O dia passara calmo e em paz – depois que ela tomara um remédio para as dores nas costas e no pescoço – até o momento em que recebera uma ligação de um dos garotos com quem costumava andar antigamente.
   não era do tipo que tinha mais amigos homens ou mulheres, mas a verdade era que, de todos os amigos que tinha até alguns anos antes, só mantinha contato com alguns poucos. A maioria saíra da cidade para fazer faculdade, e a amizade que tinha com todos foi reduzida a algumas conversas de vez em quando. O papo costumava ser amigável e prolongado, como que querendo pôr em dia todo o tempo que não podiam mais passar juntos. Mas daquela vez a conversa fora curta e desconfortável. E, para , estressante.
  O assunto fora, de maneira sucinta, tudo o que queria ignorar. Aparentemente andara reencontrando as mesmas pessoas de quem ela se afastara, e questionando sobre a vida dela. Ele só podia estar brincando.
  Uma coisa era admitir para si mesma que não conseguira – e talvez nunca fosse conseguir – esquecer o que sentia por . Outra bem diferente era aceitar que ambos mudaram, e que não se podia continuar com as coisas como se elas ainda fossem como antes. E, pelo visto, não entendia isso, uma vez que agia como se tudo estivesse bem. Afinal, se ele tivesse um pingo de conhecimento sobre os sentimentos alheios, saberia que não estava.   Mas tudo bem. Se ele ainda estava jogando pelas regras antigas, alguém teria de ensiná-lo que o jogo mudara, e esse alguém seria . Se ele foi atrás dos antigos amigos e perguntara por ela, certamente ficaria sabendo do que ela faria aquela noite. Os tempos mudaram, e também. E ela começaria, naquela noite, um projeto para demonstrar isso. Mesmo que isso significasse mudar seus hábitos e começar a frequentar bares.
  Aquela era uma nova , que nunca vira antes. Ela fazia o que bem entendia, e o que nunca havia feito. E, para falar a verdade, nem a própria se reconhecia mais, encarando no espelho o reflexo de uma mulher usando um vestido vermelho curto demais para seus padrões. Aquele era, com certeza, um recomeço.

IV. Shine A Light

  Tell me can you hear my voice
  Loud and clear above the noise
  Even if I had the choice
  I would not give up

  O volume da música do bar era ensurdecedor, mesmo para , que gostava de música alta. Ele agradecia por não se tratar de um karaokê, é claro, mas mesmo assim tinha quase certeza se que, se fosse o caso de precisar conversar com alguém, ele não conseguiria ouvir suas próprias palavras.
  Por sorte, conseguira se desvencilhar dos amigos naquela noite. Ele passara dois anos investindo na carreira musical, e de fato estava tudo dando certo, mas aquelas férias vieram em bom momento, e seus companheiros de banda concordaram que seria bom passarem um pouco de tempo separados. Aquela era a desculpa perfeita para repetir para os amigos de sua cidade natal, é claro, e aproveitar a chance para, em vez de se manter sozinho no conforto de sua casa, ir para um bar. Ele não conseguiria relaxar no silêncio de sua residência, de qualquer forma. Se acostumara ao caos dos lugares cheios.
  Essa era apenas uma das mudanças que ele sabia que aconteceria quando viajasse. tinha plena consciência de que muita coisa mudaria quando ele fosse para Los Angeles, mas pelo visto não sabia o quanto elas mudariam. E também nunca havia parado para pensar em como lidaria com elas quando voltasse para casa. Ele, por exemplo, não havia imaginado o quanto seus amigos mudariam enquanto ele estivesse fora. Mas a maioria já não se via, devido à falta de tempo provocada pelos empregos e estudos.
   agradecia ao tempo que podia passar sozinho, mas não conseguia evitar olhar para trás e para os lados a cada minuto, procurando por algum rosto conhecido – sempre em vão. Ele já estava perdendo a noção do tempo em que estava lá, e com certeza aquela na sua mão não era a primeira garrafa de cerveja, mas ele sabia muito bem que não estava bêbado o suficiente para imaginar o que viu quando se virou mais uma vez.
  Ela estava quase irreconhecível. O rosto não mudara muito, mas era raro ele a ver com o cabelo preso para trás, antigamente, e ela estava mais alta. Mas isso provavelmente era devido aos saltos altos que estava usando, junto de um vestido vermelho que, sabia muito bem, a antiga jamais usaria.
  — ! — ouviu sua própria voz chamar. Ele não tinha mais controle nenhum sobre suas ações, pelo visto, pois não se lembrava de ter ordenado às suas pernas que se levantassem e se dirigissem até o local onde a moça estava.
  Por um momento, ele achou que ela não conseguiria ouvir seu chamado por cima da música alta. Mas ela se virou, e podia jurar que a viu se movimentar em câmera lenta. Ele já começava a sentir alívio por finalmente poder conversar com ela, depois de todo aquele tempo, até que sentiu como se jogassem um balde de gelo em sua cabeça. olhou para ele, podia sentir isso. Podia sentir que ela olhou em seus olhos, mas virou-se de novo, e seguiu em direção à saída do bar.
  Um misto de emoções tomou conta de . Ele se sentia péssimo por ter sido ignorado daquele jeito, mas também sentia raiva. O que ele havia feito para para ser tratado desse jeito, afinal? E, mais que tudo, ele se sentia determinado, porque foi naquele momento que ele percebeu que, mesmo se tivesse a escolha, não desistiria dela.
  E daquela vez ele tinha plena consciência de suas pernas o levando na direção em que ela seguia.

IV. Tell Me A Lie

  Can't ever get it right
  No matter how hard I try
  And I've tried
  Well, I put up a good fight
  But your words cut like knives
  And I'm tired

  Não era justo que saísse machucada daquela história duas vezes. Não era. Mas era isso que aconteceria, se não parasse de persegui-la. No fundo ela sabia que ele não estava a seguindo, afinal, ninguém sabia que ela estaria naquele bar aquela noite. Antes de sair, havia decidido que era melhor ir sozinha, ao menos daquela vez. O fato de estar lá na mesma noite e na mesma hora que ela não passava de uma infeliz coincidência.
  Àquela altura, não ligava mais se estava sendo mal-educada, só queria sair daquele lugar o mais rápido possível. Já havia bebido o suficiente por uma noite, afinal de contas, e não estava se sentindo nem um pouco melhor. Parecia que, quanto mais ela tentava se livrar daquele carma, mas as coisas pioravam.
  — ! — Ela praguejou mentalmente ao ouvir chamá-la. Devia saber que não seria fácil assim escapar dele. Mas já era tarde, ela já estava decidida a ir embora, e toda a bebida que havia tomado contribuía para que seus movimentos ficassem mais lentos. E, também, com sorte ele desistiria, pensando se tratar de outra pessoa qualquer que não ela.
  Mas começou a sentir os efeitos da bebida de modo ainda mais forte quando tentou andar, se equilibrando nos sapatos de saltos mais altos do que ela estava acostumada, e mal havia dado cinco passos quando sentiu segurarem seu braço. E ela nem precisava se virar para saber quem era.
  Quase como que por reflexo, ela se virou, soltando-se de .
  — O que você pensa que está fazendo? — Ela perguntou, com a raiva queimando em sua voz.
  — O que eu estou fazendo? — devolveu a pergunta, parecendo indignado. Parecia quase um milagre que eles conseguissem se ouvir com a música alta, mas ela ouvia perfeitamente cada palavra dele. Elas machucavam como facas, bem como na noite em que ele disse estar indo embora. — A pergunta é o que você está fazendo!
  — Tentando me livrar de você, não está vendo? — retrucou, com raiva. Ela se amaldiçoava por cada palavra dita, porque vê-lo em choque e magoado com ela era a pior coisa do mundo.
  Mas aquilo precisava acabar, e seria naquele momento. Era a coisa certa a se fazer, não era? Porque já fora machucada demais, e ela sabia que estava machucando naquele momento também, e nenhum dos dois merecia aquilo. Mas, se era o certo, por que ela não conseguia continuar com o que tinha que fazer, por mais que tentasse?
  — Por quê? — Ele exigiu. — O que foi que eu te fiz?
  Aquela foi a gota d’água. sabia que ele perguntaria aquilo, mas não fazia ideia de que iria afetá-la tanto assim.
  — O que você fez? — Ela perguntou, sarcástica. — O que você não fez! Não teve a decência de me avisar da viagem! O que você fez foi agir como um egoísta, centrado demais na própria vida para avisar aos próprios amigos sobre a viagem mais importante da sua vida! Ou será que todos sabiam, menos eu? Porque isso provaria o quanto você se importava comigo, a babaca que te apoiou em tudo o que pode, esperando que você ao menos a considerasse uma amiga próxima, enquanto tudo o que ela queria era deixar de ser invisível para você! Mas quer saber? Eu estou cansada de ser a idiota dessa história e, principalmente, cansada de não conseguir te esquecer!
  Ela parou de falar abruptamente, tendo plena consciência das lágrimas que ameaçavam cair dos seus olhos e dos curiosos ao redor dela e de , que pararam para ver a discussão. Mas nada disso a incomodou tanto quanto ver o olhar de sobre ela, com um misto de mágoa e raiva. Por Deus, o que ela havia feito?

V. POV

  I'm getting tired of asking,
  This is the final time,
  So did I make you happy?
  Because you cried an ocean,
  But there's a thousand lines,
  About the way you smile,
  Written in my mind,
  But every single word's a lie.

   não saberia explicar o que estava sentindo, se fosse questionado. E também não saberia explicar porque estava fazendo aquilo, mas já era tarde demais para se impedir de parar. Ele segurou pelo pulso, e a conduziu para fora do bar, ignorando os protestos da moça. Talvez ele só quisesse um pouco de privacidade, pois o número de curiosos que observava a cena que eles estavam causando crescia a cada minuto. Mas, no fundo, ele suspeitava de que era apenas porque os dois precisavam resolver aquela história de uma vez por todas, e um bar não era o melhor ambiente para isso.
  Já estava tarde, e a rua estava parcialmente deserta. Os dois pararam na calçada, a alguns metros de distância do bar, e ainda tinha os olhos marejados, mas não disse nem mais uma palavra. também ficou em silêncio por um momento, mas o quebrou logo.
  — Você se arrepende? — Ele perguntou, com voz áspera. — Você se arrepende de ter me apoiado quanto à minha carreira de música?
  Ele observou fechar os olhos, e engolir em seco, para só então balançar a cabeça negativamente. Parte dele ficou de coração partido; ela se parecia com uma criança levando bronca dos pais. Mas outra parte dele, mais forte, ainda estava com raiva e disposta a ter, finalmente, uma conversa franca com a mulher à sua frente.
  — Então eu vou te perguntar pela última vez: o que foi que eu te fiz? Porque acho que já somos grandinhos o suficiente para saber que melhor do que guardar mágoa de alguém que gostamos é ter uma conversa sincera sobre o assunto. E se você quer saber porquê eu não te contei da viagem, tudo bem, eu respondo. Porque não tive coragem. Sou covarde, sim, mas não um imbecil. — o olhava quase que hipnotizada, sem conseguir falar nada. , por outro lado, continuou a falar: — Eu poderia ter te ligado antes de viajar, mas não consegui. Não depois de te ver quase chorando no dia anterior, quando estávamos conversando. Eu sei que você não quereria falar comigo, e foi por isso que viajei sem me despedir, e foi por isso que deixei você se afastar durante os dois anos. Mas não me esqueci de você enquanto estive em Los Angeles, e sei que você não se esqueceu de mim também. Eu não te esqueci em uma linha sequer de todas as músicas que compus sobre você e seu sorriso, mesmo sabendo que você chorou nos últimos momentos em que estávamos juntos, e não consegui te esquecer até o momento em que voltei para cá. Eu sei que deveria ter sido diferente, e infelizmente não posso mudar o passado, mas estou disposto a mudar o futuro. Você tem todo o direito de me ignorar se quiser, , e eu te deixarei em paz assim que você me responder uma última pergunta. Você está disposta a reviver todos os bons momentos que tivemos juntos, sem mentiras desta vez?

V. Where Do Broken Hearts Go

  Got a taste from your lips
  On the tip of my tongue
  It's at the top of the list
  Of the things I want

   quase não percebeu quando terminou o monólogo. Ela estava muito ocupada tentando controlar as lágrimas, que caiam cada vez mais. Os pensamentos ela já desistira de ordenar; estavam mais enrolados do que um novelo de lã.
  Ela ainda estava com os olhos fechados, e podia sentir olhando-a. A expectativa no ar era quase palpável, mas tudo que ela sentia era nostalgia. E pensar que ouvir algo do tipo vindo de era tudo o que ela queria até dois anos atrás… agora sua cabeça rodava demais para ela pensar numa resposta adequada. Quando saíra de casa naquela noite, encontrar era a última coisa que ela esperava, e ouvir todo aquele discurso fora informação demais para ela. Juntando com o que ela havia bebido no bar antes de encontrá-lo, o resultado era a sensação de tontura.
  Mas de repente tudo o que ocupou a mente dela durante aqueles dois anos desapareceu. Ou melhor, tudo ainda estava lá, mas enevoado, como uma manhã sem sol. não sabia mais dizer o que era certo ou errado, ou o que ela devia ou não fazer. Em vez disso, o tempo parecia ter desacelerado gradativamente conforme falava, até parar de vez enquanto ela lutava para entender a própria mente. Então, sem que ela percebesse, o tempo retrocedeu.
  , mesmo com os olhos cerrados, via como em uma tela de cinema todas as memórias do que ela já passara com . Todos os ensaios da banda dele que ela assistira, todas as piadas, as saídas com os amigos, até mesmo todas as pequenas discussões que tiveram. E foi só então que ela reparou que já estava parando de chorar, mas era tarde demais; as lágrimas voltaram a cair, após ela ter relembrado todos aqueles momentos. Era uma história tão simples, ela reparou enquanto a repassava mentalmente. Por que eles tinham de torná-la complicada?
  De todas as lembranças, apenas uma não saía de sua cabeça naquele momento. Não era uma memória, exatamente, mas ela se lembrava perfeitamente de como queria aquilo quando era mais nova. De como queria beijá-lo, nem que fosse só uma vez. Foi então que reabriu os olhos, e a única certeza de que ela tinha, naquele momento, era de que ao menos uma coisa não havia mudado. Ela ainda queria sentir o sabor do beijo de , e naquela hora, aquele desejo estava no topo de sua lista.
  E, com a visão ainda turva de lágrimas, ela não conseguiu enxergar o rosto de quando ela balançou a cabeça de modo afirmativo, em resposta à última pergunta do rapaz. Ela não pôde enxergar, mas sentiu perfeitamente quando ele a abraçou, antes de encaixar seus lábios no dela, fazendo-a ter a certeza de que não importava o quanto ela tivesse esperado, cada segundo tinha valido a pena e que, se fosse preciso, ela esperaria de novo.

FIM...



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