Still In The Dark

Escrito por Maria Paula | Revisado por Mariana

Tamanho da fonte: |


  “Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.

Clarice Lispector”

  Cada dia que passa, mais eminente fica a sensação de que minha morte se aproxima. Não que eu queira isso, acho que ninguém quer, mas também não me arrependo de nada que eu tenha feito para receber tal sentença.
  Entenda meu caso: meus advogados teimam dizer que ainda não é caso perdido, mas eu sei que não é verdade. De fato, pouco me importa ter que morrer aos meus 19 anos.
  - Você ainda não cogitou a ideia de fugir? Quer dizer, sair dessa cidade, viajar, não ter que se render? – me perguntou, sem desviar o olhar do riacho a nossa frente.
  Nós dois não havíamos dito uma única palavra sequer desde que entramos no bosque aos fundos de casa. Estávamos sentados lado a lado, encostados em uma grande árvore. A mão dele repousava sobre a minha coxa esquerda, mas, como eu estava me tornando cada vez mais alienada a tudo que se passava a minha volta, só fui perceber tal gesto quando sua voz rouca me fez voltar à realidade.
  - Não – respondi séria sem olhá-lo diretamente. – Não vou simplesmente fugir como uma criança amedrontada. Preciso ter responsabilidade sobre meus atos e suas consequências.
  O mesmo silêncio de antes voltou a reinar. Nele havia inúmeras palavras e sentimentos camuflados, mas, como nenhum dos dois tinha coragem o suficiente para revelá-los, ele apenas continuou. Até a hora em que eu me levantei e fiz o caminho inverso até em casa, deixando , do mesmo jeito que estava antes, parado e sem dizer uma só palavra a mais.
  Entrei no enorme sobrado vazio e fui direto para meu quarto. Havia se passado dias, meses e, até mesmo anos e eu, realmente, não me importava com o fato de nunca encontrar ninguém em casa sempre que chegava. Por mais que pudesse parecer algo depressivo, eu não ligava. Fui direto para o banho, na tentativa de repor minhas energias, e depois fui me deitar. Aquela tinha sido a primeira vez que eu estive naquele bosque, depois de tudo o que aconteceu, e nada parecia ter mudado. Já fazia quase dois anos e tudo ainda era bem real para mim.

***

  Acordei aquela manhã com um vento frio entrando pela minha janela. O céu estava nublado, coberto de nuvens carregadas, sinal de que seria um dia chuvoso. Meu tipo de dia preferido. Será que eu podia querer um dia melhor para ser o dia da minha morte? Com certeza não. Fui tomar banho com um sorriso nos lábios, eu tinha todas as chances de receber aquela injeção letal daqui algumas horas, mas não me importava. Estava sorrindo, pois queria demonstrar para mim mesmo que eu tinha conseguido, tinha sido madura para enfrentar todos os julgamentos anteriores e agora estava indo para o julgamento final, o único com o qual eu devia me importar.
  Quando deu onze horas da manhã, peguei a chave do carro e me dirigi ao tribunal, onde meu advogado me aguardava à porta, para dar suas últimas instruções.
  - Não importa o que eles digam, você não pode admitir a culpa, okay? Independente de ser verdade ou não, se você falar que matou seus pais e sua irmã seja lá pelo motivo, você vai estar fazendo o que eles querem e só vai facilitar para o lado deles. Daí você morre e tudo isso vai ter sido em vão, além de que você não vai poder ficar mais com aquele seu amigo colorido do .
  - Deixe ele fora disso! – falei entre dentes e meu advogado deu mais um de seus risinhos cínicos.
  - Vejo que toquei na sua ferida... Nada de querer bancar a rebelde e estragar todo meu plano, estamos entendidos? – apenas rolei os olhos em resposta e nós dois entramos no prédio, sendo logo encaminhados ao local da audiência.
  Adentrei a enorme sala e na mesma hora todos se calaram, ignorei-os e fui me sentar ao lado de meu advogado, junto à mesa de frente para o juiz.
  - Senhorita , a senhora foi acusada de assassinar e esquartejar seus pais e sua irmã. Está ciente disso?
  - Sim, meritíssimo – respondi com meu olhar vago, mas ainda sim prestando atenção no que o juiz dizia.
  - E o que tem a dizer sobre isso?
  - Senhor juiz, minha cliente é inocente e posso provar – meu advogado falou, de pé ao meu lado.
  - E quais são as provas?
  - Uma testemunha do acontecimento e o depoimento do próprio assassino. – “Assassino? Oi? Se eu era a culpada, a quem ele estava se referindo? Quem, em sã consciência, teria concordado com aquilo tudo?” minha mente vagava por essas questões sem resposta em minha mente, quando a porta da sala foi aberta e uma mulher de uns 35 anos, ruiva, de estatura mediana e magra entrou na sala.
  - Senhora, queira nos contar o que viu aquela noite, por favor – meu advogado pediu e a mulher apenas concordou com a cabeça, recebendo olhares atentos do juiz, a seu lado.
  - Eu havia acabado de chegar à frente da minha casa, estava estacionando o carro do outro lado da rua quando ouvi gritos não muito longe de onde estava. Olhei para os lados e calculei que deveriam estar vindo do bosque. Mesmo sabendo de todas as histórias que contam sobre os crimes que acontecem alí, decidi tentar ver de onde estavam vindo os gritos, para quem sabe tentar ajudar chamando a policia. Porém assim que eu sai do carro, ouvi um ultimo grito, dessa vez mais forte e rouco. Comecei a correr por entre as árvores, mas, quando eu cheguei até o local de onde os gritos haviam sido emitidos, apenas pude ver os corpos ensanguentados no chão e uma pessoa olhando para eles como se gostasse do que estava vendo.
  - E a senhora conseguiu identificar essa pessoa? – o juiz perguntou, ainda mantendo seu olhar fixo nela.
  - Era... – ela falou me encarando e eu fiquei sem reação.
  A cena que a mulher acabara de descrever começou a passar na minha frente. Eu havia acabado de matar meus pais a sangue frio, por sempre terem preferido minha irmã em vez de mim e desejado me internar por problemas psicológicos, quando descobriram, de uma maneira lá não muito agradável, sobre meu caso com . Tudo bem que mandar e-mails anônimos para sua irmã com fotos suas e o namorado dela na cama, não era lá uma atitude muito legal de se ter, muito menos ficar “torturando-a” com coisas do tipo, mas daí acharem que eu estava louca... Isso já era outra coisa. Eu tinha ido tentar dar um jeito em tudo, enquanto , que havia ido até lá tentar me convencer a não fazer aquilo, ainda olhava chocado para os corpos. Ele NUNCA gostou do que tinha presenciado, tanto que tentou me parar inúmeras vezes, mas eu o ignorava e ameaçava fazer o mesmo com ele caso ele continuasse com a insistência em me barrar. Por fim, quando ele percebeu que eu não iria desistir da ideia, acabou fingindo que não sabia de nada.
  Meu advogado me olhou na mesma hora com um sorriso vitorioso e eu apenas fiquei mais branca que as paredes. Ele não podia ter armado tudo aquilo, não para . Espera! Para que aquele plano ridículo de me fazer de inocente desse certo, era preciso provas e o pior, admitir que era o assassino... Não, ele não podia ter feito aquilo comigo. Não ia suportar ele assumir a MINHA culpa.
  - Aqui eu tenho algumas fotos do dia do ocorrido, meritíssimo. – meu advogado estendeu algumas fotos para o juiz que logo as pegou e começou a analisá-las. – Como vossa excelência pode ver, existe um corpo ainda em pé no local do crime e um corpo masculino, logo não poderia ser minha cliente.
  - Hum... Algo mais a acrescentar em sua defesa?
  - Sim. Eu gostaria de chamar , excelência – o juiz concordou com a cabeça e logo já estava sentado ao lado no juiz, de frente para mim. Eu queria ir até ele e perguntá-lo por que estava fazendo aquilo tudo, por que ele concordava em fazer parte daquela história sem pé nem cabeça, sendo que não tinha nada a ver com ela, mas, antes que pudesse fazer tal coisa, senti meu pulso ser segurado com força. Olhei para o homem ao meu lado, que atendia pelo nome de “meu advogado” e ele me olhou sério, como se tivesse lido meus pensamentos e me repreendia antes que pudesse colocá-los em prática.
  - Senhor , o senhor confirma ser o assassino do senhor e senhora e de sua filha Jennifer? – o juiz perguntou mais sério do que qualquer momento antes e eu pude ver concorda com a cabeça. Engoli em seco, tentando, em vão, soltar meu pulso e acabar com tudo aquilo. Eu queria admitir a verdade, falar que tinha sido tudo por raiva e que a única culpada era eu. Não aguentava ver aquilo tudo e não poder fazer nada. Era algo sem sentido e a pessoa que mais importava para mim no universo estava sofrendo no meu lugar.
  - Isso é tudo uma mentira! Eu sou a ÚNICA culpada aqui! – gritei e o juiz me olhou surpreso, assim como senti o aperto em meu pulso aumentar sua intensidade – Me larga! Agora! – falei entre dentes para o homem a meu lado e ele me fuzilou com o olhar em resposta.
  - Senhorita , queira se controlar, por favor! Caso contrário terei que pedir que se retire da sala – o juiz falou sério, fazendo com que eu retornasse minha atenção para ele – Senhor , o senhor conhecia os pais da senhorita e sua irmã? Existe alguma ligação entre o senhor e a senhorita ?
  - Não, excelência.
  - Isso é ridículo! Ele é o meu melhor amigo! – gritei mais uma vez, não me importando com mais nada, apenas com o fato de salvar a vida do garoto que eu amava.
  - Senhor advogado, queira, por favor, controlar sua cliente.
  - Me perdoe excelência, ela está um pouco alterada com as revelações.
  - Então peço, por favor, que se retire, senhorita .
  - Eu não posso admitir isso! – me recusei a sair da sala, mas logo dois policiais surgiram, um de cada lado, e me levaram para fora.
  Fiquei sentada em uma poltrona alguns minutos, que mais pareceram horas, até ver um vulto se parar ao meu lado. Meus olhos estavam marejados e uma imensa raiva crescia dentro de mim por causa de tudo aquilo. Assim que olhei e vi quem era, apenas quis voar em cima da pessoa e poder liberar tudo aquilo dentro de mim.
  - Você quase pôs tudo a perder lá dentro – aquela mesma voz cínica falou ao meu lado e eu cerrei meus pulsos, apenas por ouvi-la.
  - Você não tinha o direito... – retruquei, me levantando, ainda com os pulsos cerrados.
  - Entenda uma coisa: eu NUNCA entro em um caso para perder – ele falou bem próximo ao meu rosto. Ergui meu braço para dar-lhe um murro, mas seus movimentos foram mais rápidos que os meus.
  - Se eu fosse você não faria isso – ele falou segurando meu pulso mais uma vez. Quanto tempo será que eu pegaria de prisão por matar meu advogado? Será que se eu o esquartejasse e jogasse o corpo de uma ponte, me dariam pena de morte pior? – Pode ser tarde demais para o seu “amiguinho”...
  - Você...
  - Eu não. Ele! Se eu fosse você começava a correr, porque ele já deve estar para receber a injeção – ele falou frio, mas com um brilho de vitória nos olhos. Demorei alguns segundos para conseguir processar aquilo tudo, enquanto aquele idiota a minha frente ia embora, até que, por fim, consegui correr. Eu estava correndo com nunca havia corrido antes, eu não acreditava que aquilo tudo estava acontecendo. Não podia ser real.
  Finalmente cheguei ao exterior da sala onde eu veria pela última vez. Havia algumas pessoas curiosas observando do outro lado do vidro, por isso tive que me esforçar um pouco para conseguir chegar até ele. O olhar de logo encontrou o meu.
  - ... – pude ler seus lábios dizerem, enquanto via ele receber a MINHA injeção, a injeção que acabaria com a MINHA vida. Quando busquei seu olhar de novo, apenas enxerguei seus olhos cerrados.
  - NÃO! – gritei do outro lado do vidro, me recusando a aceitar o que meus olhos estavam vendo, mas já era tarde demais. estava morto. Ele havia dado sua vida pela minha e esse gesto seria um que eu nunca poderia aceitar ou agradecer.

  *Flashback’s On*

  - Eu te amo, – falei contra seus lábios, levando minhas mãos até sua nuca e entrelaçando-as a seu cabelo – Sei que não é certo, mas eu te amo. Faria qualquer coisa para ficar com você.
  Em resposta obtive um beijo, mais um de nossos beijos cheios de luxúria e desejo. Uma de minhas mãos continuava no cabelo de , bagunçando-o todo, enquanto a outra explorava seu abdômen, por debaixo da camisa preta do “Green Day” que ele usava, e as mãos dele, estavam fixas em minha cintura.
  - Não importa o que aconteça, eu sempre vou fazer QUALQUER coisa por você. Eu devia ter te conhecido primeiro. Acho que assim não estaria com a errada hoje... Eu te amo, . – ele falou colando nossas testas e depois me dando um selinho.

*Flashback’s Off*

FIM



Comentários da autora