Sempre Contigo

Escrito por Laís Rocha | Revisado por Mah

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Capítulo Único

  E mais uma vez ela estava chateada comigo. O motivo era tão fútil que nem me recordo, só sei que desta vez a Bruna estava com muita raiva de mim. Quando ela está de TPM é assim mesmo. De qualquer modo, tudo ia ficar bem, como sempre. Nós somos irmãs, isso é quase que o ciclo natural das coisas, nós somos como cão e gato, preto e branco, certo e errado, enfim, pólos opostos. Apesar de tudo em nós ser diferente, mesmo tudo, existe uma força muito maior do que todas essas desigualdades que nos mantém unidas, de qualquer modo iríamos fazer as pazes.
  É sexta-feira e vamos passar o fim-de-semana na casa da minha tia Lara e do meu tio Pedro. A minha prima Ana vai estar lá, de todas as minhas primas, é com ela que eu simpatizo mais, porque ela é a que tem menor diferença de idade comigo. Acabei de lembrar porque eu e a Bruna discutimos, não é que ela usou a minha calça leggin preta, sujou e não colocou para lavar, agora a roupa que eu tinha escolhido já não vai dar para usar. Vou ter que planejar outra roupa para levar, vou te contar viu… Essa menina só me faz passar raiva, ela sabe que eu tenho razão e fica de cara fechada pro meu lado, como se a culpa fosse minha. Será que ela não consegue ser humilde o suficiente e engolir um pingo daquele orgulho e me pedir desculpa? Nem que seja uma vez na vida? Não quero pensar nisso.
  Já estamos prontas. A Bruna vai na moto com o meu pai e eu vou de ônibus com minha mãe, que, como sempre, está pedindo a Deus que ilumine os caminhos por onde o meu pai irá passar. Que sorte os ônibus não atrasaram e já estamos chegando na casa da minha tia. O meu pai já deve estar lá com a Bruna, mas pra minha surpresa e de minha mãe, não estão. O meu coração já está à mil, por que eles não estão aqui? A minha mãe está muito nervosa, por isso eu vou ligar para o meu pai. Ele atendeu, mas pera aí, como ele atendeu? Ele não tá de capacete na moto?
  - Oi querida. - Ele disse, com uma voz meio tremida, tive um mau pressentimento.
  - Oi pai, é a Tiana, onde você tá? A gente tá preocupada com você, e a Bruna? – Perguntei.
  -Tiana, um carro avançou no sinal vermelho e bateu na moto, eu não me machuquei muito, mas acho que a Bruna sim, nós estamos no Hospital X e, segundo a enfermeira, eu devo sair daqui hoje mesmo. – Ele respondeu.
  Achei que seria melhor que a minha tia falasse com ele, por isso dei o telefone a ela. Puxei minha mãe para um canto e tentei explicar o que estava acontecendo. Ela, que já estava muito nervosa sem nem ao menos saber o que se passava, quando descobriu, teve uma crise que choro que não parava. Fui fazer um chá de camomila para ela, e a minha tia já não falava com o meu pai, mas sim com o meu tio do telefone dela. Nesse meio tempo a Ana chegou, eu dei o chá e um calmante para a minha mãe, que apagou completamente. Não sei como, mas eu estava calma. O meu tio chegou 2 horas depois com o meu pai, que tinha alguns arranhões no braço, mas sem a Bruna. Os dois estavam com uma expressão muito triste e, naquele momento, eu e Ana nos entreolhamos e percebemos tudo. Bruna já não estava entre nós. Lágrimas escorriam sobre a minha face e sobre a de Ana, meus tios e meu pai foram conversar, eu e Ana estávamos na sala, quando vi quem achava que nunca mais veria. Sim era ela, Bruna. Ela estava ali, eu achei que estivesse alucinando, mas quando olhei para Ana, percebi que ela também podia vê-la, pois estava tão aterrorizada quanto eu. Eu sabia que era médium e que Ana também era, mas nunca pensei que pudesse ver um espírito. Bruna sentou-se em um sofá e começou a falar connosco, e nós, tremendo, começamos a responder. Bruna não sabia que estava morta, minha mãe havia acordado e ao saber da péssima notícia, não conseguia parar de chorar junto com minha tia, e quando Bruna perguntou por que que elas choravam, dissemos que não sabíamos.
  Eu e a Ana decidimos contar para a minha mãe que a Bruna ainda estava entre nós, espiritualmente, na esperança de acalmá-la, e realmente resultou. Até sabermos que o enterro de Bruna seria amanhã às 17h. Tínhamos que contar para minha irmã que esta havia falecido, preferi não saber o motivo exato da morte. Nesta mesma noite, contamos a Bruna o que se havia passado e ela achou que estávamos brincando, e para provar, fizemos ela ir falar com os nossos pais e tios, que não a conseguiam ver, por isso, desprezaram-na completamente. ela ficou muito confusa, e como não conseguíamos dormir com tudo aquilo a acontecer ao mesmo tempo, ficamos durante toda a noite a tentar fazer ela aceitar os fatos, já nenhuma de nós chorava e por breves momentos eu e minha irmã discutíamos como antes.
  Amanheceu, e fomos para capela onde o corpo seria velado. Nem eu nem Ana conseguimos ficar lá durante muito tempo. Agora quem estava confusa eramos nós, por ver Bruna chorando no seu próprio enterro. A minha mãe percebeu e mandou nós irmos para casa com o Lucas, meu primo mais velho.
  A casa da minha tia passou a ser a minha nova casa, pois todos acreditavam que lá não havia tantas lembranças da minha irmã.
  Passado alguns meses, Bruna percebeu que não poderia mais mudar a sua roupa, tomar banho, passar maquiagem ou mesmo interagir com os seus amigos e a nossa família, e isso deixou-a desapontada, e fez-me perceber que junto a nós já não era o seu lugar.
  No meio disso tudo, uma coisa me deixava intrigada, ela não deveria ter visto a famosa “Luz” que a guiaria para um bom caminho? E questionei a minha irmã:
  - Bruna e então a “luz” é real?
  - Eu ainda não vi nenhuma ”luz”, mas vi uma coisa aqui, - disse ela, indo em sentido ao banheiro. Eu e Ana a seguimos, e então continuou – consegue ver esta passagem? Erga sua mão sobre ela e descobrirá qual o caminho de quem entrar.
  Eu e Ana aproximamo-nos da entrada, que era no fundo do armário. Neste momento, tive a pior visão da minha vida. Era como um túnel de esgoto infinito, mas onde supostamente haveria água suja, estava lava efervescente, e a alma teria de mergulhar na lava para “pagar” por tudo que fez nesta vida. Quando passasse pela lava, teria de subir a superfície de um mar calmo, onde estavam pequenas ilhas de sal e o sol nunca deixava de brilhar, e enquanto o espírito não se redimisse, ele passaria fome, sede e calor (seria isso o inferno?). Quando se redimisse, um feixe de luz pousaria sobre esta alma e a levaria para perto do criador. Depois de muito pensar, é que percebi. Bruna era uma condenada, por isso não havia “luz”. Ela teria que entrar no túnel e se redimir.
  Bruna começou a perceber que não podia ficar junto de nós, só nós a víamos e podíamos falar com ela. Ela teria sempre o mesmo aspeto, não mudaria nunca, não iria crescer e viver a vida, pois ela já tinha chegado ao fim, por isso Bruna disse-me que iria partir, mas que ainda assim estaria sempre comigo. Eu pude ver o pesar no brilho dos seus grandes olhos castanhos, eles eram tão expressivos. Guardei aquela imagem, pois seria a última que teria de Bruna. Já estava tarde, por isso eu e Ana fomos dormir.
  Na manhã seguinte, tal como havia dito, já lá não estava. Bruna havia partido, e nem eu nem Ana conseguimos conter o choro.
  Alguns dias depois, haveria uma festa, não sei de que, nem por que, na casa da minha tia. Ana se recompôs, mas eu, por mais que tentasse, não conseguia. Coloquei um pouco de maquiagem para disfarçar, mas as lágrimas uma vez ou outra escapavam. Sorria para as pessoas e fingia que tudo estava bem, um grupo de crianças (possivelmente filhos dos amigos dos meus tios) brincavam com uma bola no jardim, quando um menininho chamou-me para brincar com ele. Eu decidi ceder e fui brincar com as crianças e, ao olhar nos olhos daquele menininho, as lágrimas que já haviam secado voltaram a molhar a minha face, mas não eram lágrimas de tristeza, mas sim de felicidade, era ela, era a Bruna, com aqueles grandes olhos castanhos. Só podia ser ela eu sabia que era, mas como? Isso agora não importava, chamei Ana e começamos a brincar com aquelas crianças e, desde esse momento, percebemos que ela, de qualquer jeito, estaria sempre entre nós.



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